RESUMO
A discussão sobre hiato tecnológico parte da ideia de que empresas e países com diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico atingem resultados econômicos distintos, em termos de nível de renda, ou de competitividade. O objetivo deste trabalho é investigar a existência de hiato tecnológico entre as pequenas empresas do Brasil e de países europeus selecionados, com base nas pesquisas de inovação Community Innovation Survey e Pesquisa de Inovação Tecnológica, para 2014. Por meio de metodologia baseada no conceito de “distância euclidiana”, foi desenvolvido o Índice de Inovação e Índice de Eficiência do Esforço Inovativo, ambos a partir de dados de esforço e resultado inovativo. Os principais resultados mostram que, com referência aos pares europeus, pequenas empresas brasileiras não apenas têm elevado hiato no Índice de Inovação, como também o tem no indicador de eficiência do esforço inovativo.
PALAVRAS-CHAVE Hiato tecnológico; Pequenas empresas; Europa; Brasil
ABSTRACT
The debate about technological gap starts from the idea that firms and countries with different levels of technological development have different economic results, in terms of income level or competitiveness. The aim of this paper is to investigate the existence of technological gap between Brazil and select European countries based on innovation surveys, such as Community Innovation Survey (CIS) and Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) for 2014. Using a methodology based in the concept of “Euclidean distance”, we build indicators such as Innovation Index and Efficiency in Innovation Efforts Index, both from data about innovative effort and results. The main results suggest that, compared to Europeans countries, small firms in Brazil not only have a high gap in the Innovation Index, but also in Efficiency in Innovation Efforts Index.
KEYWORDS Technological gap; Small firms; Europe; Brazil
1. Introdução
O conceito de hiato tecnológico deriva da percepção de que existem diferenças no nível de desenvolvimento tecnológico entre distintas empresas, setores e países. Vários estudos têm sido desenvolvidos sobre esse tema, em geral a partir do enfoque neoschumpeteriano. Segundo esse enfoque teórico, os mecanismos de apropriabilidade e cumulatividade, intrínsecos ao progresso técnico, determinam os diferenciais de produtividade e competividade que se manifestam em nível de países e empresas (DOSI, 1982; DOSI; LECHEVALIER; SECCHI, 2010).
Em nível de países, o hiato tecnológico pode ser expresso nas diferenças em indicadores de produtividade, participação em comércio internacional e/ou processos de internacionalização e conquistas de novos mercados, domínio tecnológico ou mesmo taxas de crescimento econômico (FAGERBERG, 1987). Alguns estudos recentes têm mostrado os significativos diferenciais de acumulação tecnológica entre países e a sua reprodução no tempo, tornando necessárias estratégias muito bem articuladas de modo a alcançar o catching up (FAGERBERG; VERSPAGEN, 2002; CIMOLI; PEREIMA; PORCILE, 2019).
Em nível mesoeconômico, a discussão de hiatos tecnológicos permeia a abordagem de sistemas nacionais de inovação. O estudo pormenorizado do aparato institucional e de políticas públicas que ancoram as atividades inovativas das empresas foi objeto de estudos pioneiros por Nelson (1993), Freeman (1995) e Lundvall (1992). Esses e outros estudos posteriores têm destacado as profundas diferenças entre países no que toca aos vários indicadores utilizados para caracterizar os sistemas de inovação (gastos com P&D e atividades inovativas, nível educacional e de qualificação da mão de obra, patentes, dentre outros) (FAGERBERG, 1994; FAGERBERG; VERSPAGEN, 2002; FILIPPETTI; ARCHIBUGI, 2011).
No que toca ao nível das firmas, a literatura neoschumpeteriana destaca os diferenciais em termos de aprendizado e desenvolvimento de capacitações dinâmicas, voltadas à geração e difusão de inovações (TEECE; PISANO, 1998; NELSON, 1991). Do ponto de vista evolucionário, há um permanente movimento em termos de entrada, crescimento e saída de empresas determinado, primordialmente, pela capacidade de inovar e apropriar-se dos frutos do progresso técnico (NELSON; WINTER, 1982). Neste processo dinâmico, a heterogeneidade intra e inter setorial é permanentemente recolocada (DOSI; LECHEVALIER; SECCHI, 2010).
Enquanto estudos que discutem o hiato tecnológico entre países considerando as especificidades da divisão setorial das atividades produtivas estão muito presentes na literatura de referência (DOSI; GRAZZI; MOSCHELLA, 2015), são raros aqueles que discutem as diferenças do ponto de vista do porte das empresas. Em geral, a visão predominante é a de que empresas de pequeno porte apresentam debilidades estruturais, em especial para a realização de atividades inovativas, mas não se discute mais profundamente se as diferenças que se apresentam para os sistemas de inovação se reproduzem para as pequenas empresas. A partir dessas considerações, este trabalho busca responder a seguinte questão de pesquisa: qual o hiato tecnológico que se apresenta para as pequenas empresas de diferentes países?
O objetivo deste trabalho é investigar a existência de hiato tecnológico entre pequenas empresas do Brasil e países europeus selecionados. Considera-se que pequenas empresas têm dificuldades inerentes à sua atividade produtiva e ao estabelecimento de processos inovativos (AUDRETSCH, 2004) e, portanto, podem ser mais sensíveis a variações ambientais, que são o cerne da discussão de sistemas nacionais de inovação. Busca-se, assim, a comparação internacional com a elaboração de diversos indicadores capazes de sintetizar o esforço e o resultado inovativo das empresas e, assim, melhor qualificar a questão do hiato tecnológico.
Para tanto se fez uso de dados de surveys sobre inovação no Brasil (PINTEC)1 e União Europeia (CIS)2 para o ano de 2014. Dentre os principais achados identificou-se que pequenas empresas brasileiras têm elevado hiato no Índice de Inovação e na eficiência inovativa com os países europeus mais desenvolvidos. Os resultados alcançados pelo Brasil são próximos de países com menor nível de renda da Europa e indicam que, não só as pequenas empresas brasileiras têm mais dificuldades em gerar resultados inovativos, como também têm menor eficiência nos resultados alcançados.
Para cumprir com seu objetivo o trabalho conta com introdução e três seções. A seção dois apresenta o debate da bibliografia de referência sobre hiato tecnológico e se subdivide em duas partes, a primeira focada em revisão da literatura e a segunda voltada à revisão de trabalhos empíricos. A terceira seção busca apresentar a metodologia e dados a serem utilizados no trabalho e a quarta seção apresenta os resultados alcançados. Por fim, as considerações finais apresentam as principais conclusões.
2. Revisão da literatura
2.1 Hiato tecnológico, competitividade e desenvolvimento
A discussão sobre hiato tecnológico é indissociável daquela sobre as diferenças no nível de desenvolvimento dos países e, consequentemente, de suas trajetórias de crescimento. Inicialmente, o alvo da maior parte dos estudos de modelos de crescimento centrava-se na análise da expansão do sistema econômico como uma função do crescimento da população e do estoque de capital, tal como apresentado nas primeiras contribuições de Solow (1956). Segundo o autor, o crescimento também estaria ligado aos aumentos da produtividade e, em desenvolvimentos posteriores, à tecnologia. Todavia o autor considera que a tecnologia é uma variável exógena ao sistema econômico.
Tal consideração pode ser interpretada como limitada, principalmente com as contribuições de Schumpeter (1939, 1942), que destacam o papel do processo de destruição criativa. Esse conceito defende haver um papel central do processo inovativo na dinâmica do sistema capitalista, uma vez que seria a mudança tecnológica a principal responsável por promover uma contínua expansão do sistema econômico, de gerar constantes desequilíbrios e prover seu caráter evolutivo. Assim, o processo inovativo não seria exógeno ao sistema econômico capitalista, mas sim o núcleo duro de seu desenvolvimento.
Das proposições derivadas dos conceitos desenvolvidos por Schumpeter destaca-se a teoria evolucionária, desenvolvida pioneiramente por Nelson e Winter (1982) e inspirada na teoria evolucionista das ciências biológicas e físicas. Essa teoria considera que as empresas estão inseridas em um ambiente que seleciona as mais aptas e descarta aquelas incapazes de se adaptar, ou de desenvolver inovações que as tornem passíveis de sobreviver no ambiente de seleção do mercado. As diferenças nas estratégias empresariais no tocante às atividades inovativas levam a diferentes performances no mercado (NELSON, 1991) e geram importantes assimetrias que terão impacto para a sobrevivência e crescimento das empresas e, em nível agregado, para o crescimento e desenvolvimento econômico, estando na raiz das diferenças no nível de renda entre os países3.
As perceptíveis diferenças no nível tecnológico e produtivo entre os países se expressaram na literatura por meio do conceito de technology gap, ou hiato tecnológico, que visa identificar fatores que explicam as distintas taxas de crescimento entre os países, e como isso se relaciona com o nível de desenvolvimento tecnológico, inovações e sua difusão no tecido produtivo dessas nações.
Fagerberg (1987) foi um dos primeiros trabalhos a explorar a hipótese de que o hiato tecnológico não apenas é resultado de trajetórias, como está ligado às limitações no desenvolvimento e crescimento econômico. Para tanto, fez uso de variáveis de vinte e cinco países em um modelo cross-section com análise intertemporal. Os resultados indicaram que há correlação entre renda per capita e nível de desenvolvimento tecnológico, mensurado por patentes e P&D. Iniciativas para estreitar o hiato tecnológico, por via de investimentos em P&D e em capacidade de absorção, são variáveis explicativas importantes para o crescimento econômico, ainda que essa relação seja mais forte em poucos dos países analisados. Esses resultados são também destacados em Fagerberg (1994), ao reforçar a proposição de que o hiato tecnológico é uma das principais causas das diferenças de renda per capita dos países. No entendimento do autor, o desenvolvimento tecnológico está intimamente relacionado ao desempenho econômico, principalmente em termos de crescimento.
Os constantes processos de convergência e divergência entre as economias capitalistas foram discutidos posteriormente em Fagerberg e Verspagen (2002). Para os autores a importância das inovações é crescente, e processos de imitação e difusão tecnológicas têm sido cada vez mais importantes, uma vez que a tecnologia não é, de fato, um bem público disponível a todos sem nenhum custo. Essa característica pode explicar diferenças tecnológicas entre países pobres e ricos, ou seja, a existência de hiatos tecnológicos.
Na parte empírica do trabalho, os autores utilizam dados de surveys de países europeus e asiáticos entre meados dos anos 1970 e 1990. A estimação indica que inovação e sua difusão estão relacionados com o crescimento econômico, e que o efeito das inovações parece aumentar ao longo do tempo, destacando que inovações radicais podem ser as que melhor explicam a redução do hiato tecnológico.
A relação entre inovações e crescimento tem sido comprovada em inúmeros trabalhos recentes, dentre os quais se destacam aqueles que se inspiram na teoria sobre crescimento e restrição externa de Thirlwall (1979), como Oreiro, Lemos e Silva (2007) e Nassif, Feijó e Araújo (2015). Estes estudos mostram que países mais próximos da “fronteira tecnológica” apresentam elasticidade renda das exportações maior frente aos países com maior hiato da fronteira, pois os primeiros exportam produtos de maior valor adicionado quando comparados aos últimos. O Brasil, desde os anos 1990, tem sistematicamente perdido posições nas exportações mundiais, especialmente quando se trata daqueles setores de maior intensidade tecnológica, configurando uma situação de falling behind na economia internacional (NASSIF; FEIJÓ; ARAÚJO, 2015).
A hipótese de divergência ou convergência permanece sendo um importante objeto de pesquisas, na medida em que não há sinais de que as mudanças econômicas recentes, como o crescimento da globalização dos mercados, tenham arrefecido ou modificado essa tendência. O modelo de hiato tecnológico desenvolvido por Cimoli, Pereima e Porcile (2019) usando dados de Brasil, Argentina e Coreia do Sul vai nessa direção. Os autores identificam que choques de política entre final dos anos 1970 e início dos 1980 levaram a alterações em parâmetros como diversificação produtiva, taxa de aprendizado, taxa de câmbio e mercado de trabalho. Somando-se ao fim das políticas de encorajamento de diversificação nas exportações, trajetórias e capacidades tecnológicas foram interrompidas na Argentina e Brasil levando à divergência, enquanto na Coréia do Sul o aproveitamento de novos desafios tecnológicos levou à convergência com países da fronteira, expressos, entre outras formas, em nível de renda e capacitações.
Buscando investigar a heterogeneidade em nível micro, Dosi, Lechevalier e Secchi (2010) mostram que há persistente assimetria nas performances empresariais, e que fatores microeconômicos podem estar ligados a fatores macroeconômicos. Para os autores, a produtividade das empresas pode ser explicada por diversos fatores, não apenas financeiros, mas também com ingresso de tecnologias da informação e comunicação, atividades de P&D e questões organizacionais da firma. Nesse sentido Fagerberg, Fosaas e Sapprasert (2012) sugerem que diferentes empresas podem ter resultados inovativos distintos, mas apenas uma pequena fração desta diferença se explica pelo setor ou país, sendo necessário melhor investigação sobre fatores em nível da firma. Inovações organizacionais também devem ser consideradas como determinantes para explicar assimetrias e heterogeneidade.
A heterogeneidade pode ser interpretada como diferenças em alguns fatores, como fontes de inovação (usuários, fontes externas e P&D interno, por exemplo). Usando dados da Community Innovation Survey para 13 países, Srholec e Verspagen (2012) apontam que a seleção de mercado, no sentido da economia evolucionária, pode ser feita enfatizando fatores financeiros, assim como organizacionais, promovendo uma coevolução que leva a resultados parecidos entre firmas de diferentes setores ou países. Os autores identificam que apesar de a taxonomia de Pavitt (1984) e do arcabouço do Sistema Nacional de Inovação serem insuficientes para explicar a heterogeneidade, eles ainda têm importância em explicar hiatos tecnológicos.
Destacando fatores internos à firma, Imbriani et al. (2014) investigam como o hiato tecnológico pode afetar a capacidade de absorção de empresas italianas, destacando i) tamanho do hiato tecnológico entre empresas domésticas e estrangeiras, ii) tamanho das empresas e iii) distribuição regional. Os resultados indicam que os dois primeiros são relevantes para explicar a capacidade de absorção de spillovers de produtividade gerados por investimentos de empresas estrangeiras, mas distribuição regional não. Se há elevado hiato tecnológico entre as empresas domésticas e as estrangeiras que atuam no país, as primeiras têm baixa capacidade de absorção e assim o investimento estrangeiro gera poucos efeitos para trás na cadeia produtiva e maiores efeitos para frente. Isso ocorre em parte pois, quando são fornecedores, as firmas estrangeiras na fronteira tecnológica podem oferecer produtos de melhor qualidade a preços menores.
Esses diferenciais entre países e firmas têm levado a diversas tentativas de classificação. Por meio de indicadores de esforço de inovação em países europeus, Matei e Aldea (2012) dividem os países em quatro grupos: (i) Innovation leaders, os de melhor performance entre os 27 países analisados (Dinamarca, Finlândia, Alemanha e Suécia; (ii) Innovation followers, com performance próxima à média (Áustria, Bélgica, Estônia, França, Irlanda, Holanda e Reino Unido, dentre outros); (iii) Moderate innovators, países com perfomance abaixo da média dos países europeus (República Tcheca, Grécia, Itália e Hungria são exemplos); (iv) Modest innovators, aqueles com a pior performance (Romênia, Bulgária e Lituânia).
Filippetti e Archibugi (2011) também classificam os países europeus com indicadores de inovação, mas tomam como referência dois períodos, pré e pós crise de 2008, o que os permite analisar processos de convergência e divergência dos sistemas de inovação Os países também são agrupados em quatro grupos quando se consideram os dados referentes ao período pré-crise: 1) Catching-up countries (Romênia, Bulgária, Polônia, etc.); 2) Frontrunners (Finlândia, Alemanha, Suécia, etc.); 3) Declining (Dinamarca, Holanda, Reino Unido, etc.); 4) Lagging-behind (Hungria, Itália, Espanha, etc.). Os dados analisados pelos autores mostram que a crise afetou a disposição das empresas em investir em inovação. No entanto, essa tendência não é distribuída uniformemente entre os países da UE, sendo mais afetados os Catching-up countries e menos os Frontrunners, o que significa ampliar as divergências entre países.
2.2 Hiato tecnológico para o Brasil
As discussões sobre hiato tecnológico da economia brasileira têm sido um tema importante de pesquisa desde os desenvolvimentos pioneiros da literatura cepalina. Nessa literatura, discute-se como as diferenças no ritmo de incorporação do progresso técnico entre países desenvolvidos e em desenvolvimento estão na raiz da heterogeneidade estrutural das economias latino-americanas em geral, e da brasileira em particular (CIMOLI, 2005; COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE, 2007; GUSSO; NOGUEIRA; VASCONCELOS, 2011).
Analisando o caso brasileiro no período mais recente, Ruiz (2008) e Arend e Fonseca (2012) argumentam que o país passou por um período de catching up e redução do hiato tecnológico com os países mais próximos da fronteira entre 1955 e 1980, mas com posterior reversão desse processo. Para Arend e Fonseca (2012) a reversão da convergência a partir da década de 1980 se deve em grande medida aos processos de internacionalização e abertura econômica, bem como pelo controle de setores chave por empresas multinacionais. A convergência tecnológica e redução do hiato, para ser um processo autônomo, precisam de forte presença de empresas locais e redução da dependência de capitais internacionais.
Ruiz (2008) compara países latino-americanos, asiáticos e europeus por meio de dados dos órgãos de registro de patentes da Europa (EPO), Estados Unidos (USPTO) e Japão. A autora calcula o índice de Vantagem Tecnológica Revelada em distintos setores e conclui que, a partir dos anos 1990, o Brasil se aproxima da trajetória dos demais países latinos ao promover especialização em setores menos inovativos, e se distancia dos países asiáticos e dos desenvolvidos, que continuam a apresentar acumulação de capacitações.
Melo, Fucidji e Possas (2015) fazem uso de dados da CIS e PINTEC para 2010 e constroem indicadores de hiato tecnológico para o Brasil e países europeus com base em variáveis como atividades internas de P&D, atividades externas de P&D, empresas inovadoras em produto e/ou processo, e outras variáveis que foram classificados em indicadores de esforço inovativo e densidade tecnológica. A conclusão dos autores aponta para elevado hiato tecnológico entre Brasil e países mais desenvolvidos da Europa, principalmente em setores de alta e média-alta intensidade tecnológica, o que pode se traduzir em perda de competitividade exportadora. Também é apontado que o foco das políticas em formação de recursos humanos e pesquisa acadêmica não tem gerado desenvolvimento de capacitações tecnológicas em agentes privados capazes de reduzir o hiato tecnológico.
Outro trabalho que busca comparar Brasil com países europeus é o de Caria Junior (2015), também usando dados da CIS para os anos de 2004, 2006, 2008 e 2010 e PINTEC para os anos de 2003, 2005, 2008, 2011. Dentre os resultados, destaca-se que o Brasil tem elevado hiato tecnológico com os países mais desenvolvidos da Europa, bem como apresenta baixo nível de produção de inovações. As atividades inovativas brasileiras parecem estar intimamente ligadas à absorção de tecnologias desenvolvidas externamente, em detrimento da produção interna.
Enquanto os aspectos inerentes à distância tecnológica entre grandes e pequenas empresas têm sido bastante tratados na literatura, a análise das diferenças das atividades inovativas entre empresas de pequeno porte de diferentes países é bastante escassa. Em geral, se atribui às pequenas empresas características genéricas, como as dificuldades para realizar gastos em P&D, por exemplo. Entretanto, a literatura recente de sistemas nacionais de inovação realça as diferenças decorrentes do aparato político-institucional de apoio às empresas como um aspecto importante na explicação das divergências nas performances inovativas de países (CIMOLI et al., 2006; FILIPPETTI; ARCHIBUGI, 2011). Essas referências orientaram a definição do objetivo e metodologia desse estudo, que pretende avançar no entendimento das diferenças no comportamento inovativo das pequenas empresas por meio de dados e indicadores de hiato tecnológico em diferentes países.
3. Metodologia e dados
Com vistas a apresentar indicadores sobre esforço e resultado inovativo para pequenas empresas, a fim de se alcançar um indicador final de hiato tecnológico, o presente trabalho faz uso de dois surveys de inovação. Foram utilizados dados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e da Community Innovation Survey (CIS) elaborada pela agência de estatística da União Europeia, Eurostat.
Foi considerada a edição PINTEC de 2014, com referência aos anos de 2012 a 2014. Para pareamento com a pesquisa do IBGE, foi considerada a CIS2014 que tem como referência o mesmo período (2012-2014). Ambas as pesquisas são elaboradas com base em metodologia do Manual de Oslo, o que permite comparação entre os resultados.
O recorte por tamanho da empresa considera como pequenas empresas aquelas entre 10 e 49 funcionários4. Os países selecionados para análise são: Brasil, Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Hungria, Itália, Polônia, Portugal, República Tcheca e Suécia. Os indicadores calculados consideram esforço e resultado inovativo conforme o Quadro 1.
A literatura aponta que o hiato tecnológico ocorre devido a condições tecnológicas distintas entre empresas e/ou países, sendo expresso quando há alguma empresa/país na fronteira enquanto os demais podem estar mais ou menos próximos, de acordo com os critérios analisados. Para chegar a esse resultado, o presente trabalho utiliza o conceito de “Distância Euclidiana”, que faz referência ao cálculo capaz de mostrar a distância entre dois pontos determinados.
Especificamente, será utilizada metodologia desenvolvida por Caria Junior (2015), com algumas adaptações em vista ao objetivo de analisar o hiato tecnológico de pequenas empresas nos países selecionados. Em metodologia desenvolvida com base na “Distância Euclidiana” (DE), o autor constrói uma série de indicadores capazes de apresentar o cálculo final do hiato para empresas em diferentes países e em um recorte por setor.
A metodologia parte do conceito básico de DE descrita por Cormack (1971) como a distância entre duas situações (i e j) dada pela raiz quadrada da somatória dos quadrados das diferenças entre os valores de i e j para todas as variáveis k (para k = 1, 2, 3 ..., n). A DE é utilizada com frequência para realizar análise de agrupamentos.
Onde Xik representa a característica do indivíduo i do critério k, enquanto Xjk a característica do indivíduo j do critério k; n é o número de variáveis na amostra. A adaptação para o modelo do hiato tecnológico está posta abaixo e considera o recorte de porte das empresas. Nesta adaptação também se considera a necessidade de que todas as variáveis estejam em uma mesma escala, entre 0 e 100, indicando a capacidade de comparação e a correta medição da DE entre os pontos dos distintos indicadores analisados. Para tanto apresenta-se a equação abaixo:
A Equação 2 apresenta a mesma DE, porém com base zero. A adaptação de Xik em zero se deve à necessidade de representar o pior valor possível para o indicador, eliminando assim o problema de haver países com desempenho absoluto zero (CARIA JUNIOR, 2015). Dessa forma é possível trazer os indicadores para a “mesma régua”, e compará-los em termos relativos, que varia de zero a um.
O esforço de construir indicadores para serem aplicados ao recorte de porte das empresas considera duas facetas do processo inovativo: esforço e resultado. O conjunto de indicadores para esforço inovativo são: i) participação de empresas que realizam P&D em relação ao total; ii) gastos em atividades inovativas em relação às receitas; iii) empresas que realizam P&D contínuo em relação às empresas inovadoras; e iv) gastos em P&D em relação às receitas. Por outro lado, os indicadores capazes de apresentar o dinamismo e/ou resultado inovativo são: i) empresas inovadoras em relação ao total de empresas; ii) empresas inovadoras de produto em relação às inovadoras; e iii) empresas inovadoras de processo em relação às inovadoras. Os indicadores são organizados e calculados pelo método da DE.
Nesse sentido, é possível que todos os indicadores citados estejam em uma mesma escala, que varie de zero a um. Em complemento à Equação 2 a DE total será dada em função da somatória de todos os indicadores de esforço inovativo e, posteriormente, do somatório de todos os indicadores de resultado inovativo.
Nesses termos, a distância de cada país da base é relativa ao melhor desempenho indicada no denominador da Equação 5. Como um é o valor máximo alcançado por cada indicador, o resultado máximo seria a soma do número de indicadores ponderados pela raiz do número de indicadores. Por fim, calcula-se o Índice de Inovação para as empresas por meio de média geométrica, considerando os índices de esforço e resultado inovativo. A média geométrica permite que ambos tenham o mesmo peso, conforme apresentado abaixo:
Em uma última etapa é possível aferir o hiato tecnológico. Para isso é necessário se considerar o país cujas empresas tiveram o maior Índice de Inovação e, portanto, aquele situado em fronteira. Os demais países serão comparados ao país da fronteira, apresentando em termos percentuais a distância positiva da fronteira, o que indica se o país está mais distante ou mais próximo do país de fronteira. O cálculo do Hiato é apresentado abaixo.
Nesse contexto os países ficam em uma mesma escala, permitindo entender o hiato tecnológico mensurado pelos indicadores de esforço e resultado inovativo apresentados anteriormente. A diferença em uma unidade e a multiplicação posterior são feitas para indicar que quanto mais próximos de zero, menor será o hiato com o país fronteira, enquanto que os com maiores valores são os mais distantes.
Complementarmente será medida a eficiência do esforço inovativo, que tem por objetivo observar os resultados alcançados em termos dos esforços para inovação, de acordo com indicadores apresentados no Quadro 1. A eficiência do esforço inovativo considera a razão entre a DE dos indicadores de dinamismo e a DE dos indicadores de esforço, conforme abaixo.
Uma vez apresentadas as equações e a metodologia do trabalho, a próxima seção irá apresentar os resultados para pequenas empresas do Brasil e países europeus selecionados.
4. Análise dos resultados
A necessidade de classificar os indicadores entre aqueles de esforço e de resultado inovativo deriva da diferença em termos de input e output de um processo de inovação. Segundo Soete (1981), deve-se considerar ambos os tipos de indicadores, de entrada e de saída do processo inovativo, de modo a tornar os resultados mais ajustados.
Enquanto os indicadores de esforço mostram aquilo que as empresas fazem com vistas a gerar inovações (como contratar mais pessoal qualificado, ter gastos em P&D, realizar cooperação com distintos parceiros, participar de programas de apoio estatal), os indicadores de resultado inovativo focam na capacidade de geração de inovações, ou dito de outra forma, se a empresa se tornou ou não inovadora ao realizar esforços anteriores.
A consideração de diversos tipos de atividades inovativas é essencial quando se trata de pequenas empresas, foco deste trabalho. Acs e Audretsch (1990) partem da tradição neoschumpeteriana argumentando que pequenas empresas têm especificidades no processo inovativo. Nooteboom (1994), Rothwell (1989) e Audretsch (2004) apontam que pequenas empresas podem ter maior dificuldade de realizar atividades internas de P&D e que têm maior probabilidade de se engajar em atividades de cooperação para P&D e aquisição externa de máquinas, enquanto encontram dificuldades de registro de patentes, para se adequar a regulações estatais e obter financiamento.
Tendo como referência as diferenças das atividades inovativas interportes e as que se manifestam em nível dos sistemas de inovação, apresenta-se, na sequência, a parte empírica do trabalho.
A Tabela 1 apresenta os índices de esforço inovativo. Conforme o Quadro 1, os indicadores focam em empresas que realizam P&D, gastos em atividades inovativas, empresas que realizam P&D contínuo e gastos em P&D.
Conforme apresentado na Tabela 1, observa-se que os indicadores que mostram a participação de empresas que realizam P&D (IND1) e que realizam P&D contínuo (IND3) se destacam, enquanto aqueles que mostram a parcela do total das vendas destinadas a atividades inovativas (IND2) e em gastos em P&D (IND4) têm valor menor. As pequenas empresas da Finlândia, Bélgica, Suécia são as que mais se engajam em atividades de P&D, enquanto as empresas que mais se engajam em atividades de P&D contínuo são as da França, Bélgica e República Tcheca. As pequenas empresas do Brasil se destacam pelo relevante gasto em atividades inovativas (IND2), indicando grande esforço para realização de atividades inovativas.
Entre os países com empresas que mais realizam gastos em P&D estão Suécia e França, enquanto gastos em atividades contínuas de P&D são mais relevantes para Suécia e Finlândia. A Tabela 2 apresenta os indicadores de resultado inovativo em relação à taxa de inovação, empresas inovadoras que o fizeram em produto e empresas inovadoras que o fizeram em processo.
Alemanha, Bélgica e Áustria são os países com maiores taxas de inovação para pequenas empresas (IND5), sendo que a taxa de inovação brasileira é significativamente mais próxima de países como República Tcheca e Espanha. Há maior parcela dessas empresas inovadoras gerando resultado em produto na Suécia, República Tcheca e Finlândia (IND6). Já inovações de processo (IND7) são mais frequentes em Brasil, Portugal e Bélgica.
Observa-se, portanto, que as pequenas empresas brasileiras têm seu resultado inovativo concentrado em inovações de processo, o que pode estar ligado às dificuldades destas empresas em realizar outros tipos de inovação. A literatura aponta que inovações de produto estão ligadas a maiores gastos e engajamento em P&D. Todavia, no caso brasileiro a concentração em resultado inovativo de processo é muito maior que nas pequenas empresas de outros países, o que é uma indicação de que esse grupo de empresas vivencia um processo de modernização tecnológica.
A Tabela 3 apresenta o cálculo da Distância Euclidiana nos indicadores de esforço e resultado. Nele é possível sintetizar os indicadores apresentados anteriormente de modo que se perceba quais países têm maior e menor esforço e resultados inovativos.
Distância euclidiana para o esforço e o resultado inovativo de pequenas empresas em países selecionados, 2014
Os resultados denotam diferenças em relação aos indicadores anteriores, trazendo assim as características dos sete indicadores inovativos de forma sintética em dois indicadores gerais. Nota-se que o país da fronteira para o indicador de Esforço Inovativo é Finlândia. A partir disso é possível mensurar o hiato em relação ao país-fronteira: Bélgica e França têm baixo hiato; Alemanha, República Tcheca, Suécia, Áustria e Espanha têm hiato médio; Hungria, Itália, Polônia e Brasil têm hiato alto. Esforços para empreender atividades inovativas levam em consideração gastos e execução de atividades de P&D, ambos com objetivos de longo prazo. Ainda que pequenas empresas do Brasil tenham relevantes gastos com atividades inovativas, esse indicador sozinho não é capaz de colocar o país em baixo nível de hiato em relação ao país-fronteira. Polônia também apresenta elevado hiato, o que indica também menor engajamento de pequenas empresas em realizar atividades inovativas e de P&D.
Faz-se necessário apontar se tal esforço é efetivo em apresentar resultados, ou seja, se torna as empresas mais inovadoras, seja em produto ou em processo. O resultado da DE apresenta de forma sintética os indicadores (5), (6) e (7), e a coluna à direita o respectivo hiato. Destaca-se a Áustria por estar na fronteira, indicando maior capacidade de atingir resultados, mesmo com esforço relativamente menor que dos demais países, apresentado pelo relevante hiato em relação à Finlândia no indicador sintético de esforço inovativo. Bélgica, Finlândia, Portugal, França, e Itália têm hiato baixo, enquanto Alemanha, Brasil e República Tcheca têm hiato médio e Polônia, Hungria e Espanha têm hiato alto.
Esse resultado reforça achados da literatura que indicam a existência e permanência de hiatos tecnológicos entre países. Em relação às pequenas empresas, estas já enfrentam dificuldades inerentes ao seu funcionamento, como restrições financeiras, falta de pessoal qualificado e o alto custo para manter programas de P&D internamente (ROTHWELL, 1989; AUDRETSCH, 2004), dificuldades essas que podem ser potencializadas em países menos desenvolvidos (CIMOLI; PEREIMA; PORCILE, 2019).
A Tabela 4 apresenta o cálculo do Índice de Inovação que, conforme apresentado pela Equação 6, é uma média ponderada entre DEesforço e DEresultado, portanto, uma tentativa de juntar os dois indicadores e apontar de maneira simplificada qual país pode ter melhor desempenho em buscar e efetivar atividades inovativas.
Os resultados indicam que países de maior renda da Europa têm maior Índice de Inovação, sendo Bélgica o país na fronteira, e os países com hiato baixo são a Finlândia e França. Países com hiato médio são Alemanha, Áustria, República Tcheca e Suécia, já os de hiato alto são Hungria, Itália, Portugal, Espanha, Polônia e Brasil, sendo que os dois últimos apresentam hiato superior a 50 pontos em relação à fronteira. Esses resultados, no geral, reforçam que pequenas empresas têm dificuldades maiores em países com Sistemas Nacionais de Inovação menos desenvolvidos, caso de Brasil e Polônia.
Por fim, a Tabela 5 apresenta resultados para o cálculo de Eficiência do Esforço Inovativo. Este indicador difere do Índice de Inovação pois relaciona a DE esforço com a DE resultado inovativo de forma distinta. Conforme apresentado na Equação 8, considera-se o resultado alcançado em termos de taxa de inovação (produto e processo) ponderado pelo esforço empreendido em realizar atividades inovativas.
Eficiência do esforço inovativo e hiato do esforço de pequenas empresas em países selecionados, 2014
Finlândia é o país de fronteira, onde as pequenas empresas tiveram desempenho melhor mensurado pelos resultados alcançados em relação aos esforços empreendidos, ou seja, onde houve maior produtividade dos esforços em atividades inovativas. De acordo com o hiato do esforço, pode-se compreender quais países estão mais próximos ou distantes da fronteira, sendo França, Espanha, Bélgica, Alemanha e República Tcheca os países com hiato baixo e, portanto, melhor produtividade dos esforços empreendidos. Países com hiato médio são Áustria e Hungria, enquanto aqueles com hiato alto são Portugal, Polônia e Brasil. Destaca-se o Brasil, que se encontra entre os países com maiores esforços em gastos com atividades inovativas, mas que apresenta resultados baixos, principalmente em inovação de produto.
Em linhas gerais, pode-se dizer que os dados de esforços e resultados inovativos para as pequenas empresas europeias e brasileiras estão em linha com a literatura que encontra divergências entre países decorrentes do hiato tecnológico. Apesar de perceber-se diferenças nas atividades inovativas das pequenas empresas (ACS; AUDRETSCH, 1990; AUDRETSCH, 2004), a relação dos países de fronteira e próximos reproduzem as classificações de sistemas de inovação feitas com outros indicadores e sem o recorte por porte de empresas. No geral, os países classificados com sistemas de inovação de fronteira são também aqueles que estão à frente quando se consideram os indicadores de inovação para as pequenas empresas. Portanto, estes resultados reforçam a importância da literatura que analisa sistemas de inovação, ao mostrar que os elementos que colocam determinados países na fronteira das atividades de inovação, classificados como Frontrunners (FILIPPETTI; ARCHIBUGI, 2011) ou como Innovation leaders e Innovativon followers (MATEI; ALDEA, 2012), também se apresentam para as pequenas empresas.
Os resultados encontrados também complementam e reforçam outros estudos que encontraram hiatos tecnológicos entre empresas brasileiras e de países desenvolvidos, como os de Caria Junior (2015), Melo, Fucidji e Possas (2015) e Ruiz (2008). Ou seja, encontra-se também significativo hiato tecnológico entre as pequenas empresas brasileiras e europeias.
5. Considerações finais
O presente trabalho buscou somar-se à discussão de hiato tecnológico, especificamente na análise sobre pequenas empresas. Para tanto, foi utilizada metodologia baseada no conceito de Distância Euclidiana, com a finalidade de sintetizar vários indicadores de esforço e resultado inovativo e mensurar o hiato tecnológico entre as pequenas empresas brasileiras e de países europeus selecionados.
Os resultados, em grande medida, confirmam os achados da literatura de referência. As pequenas empresas do Brasil têm hiato tecnológico significativamente alto com os pares europeus, principalmente com as economias mais avançadas como Alemanha, Finlândia, Suécia e França. Em termos dos indicadores de esforço inovativo, as empresas brasileiras se destacam em relação aos gastos destinados às atividades inovativas, entretanto os dados apontam que essa estratégia não é seguida pelos demais indicadores de esforço. Isso se reflete em resultados inferiores, comparado aos países europeus.
A análise do hiato do Índice de Inovação, que sintetiza todos os indicadores utilizados nesse trabalho, mostra que o Brasil está bastante distante da fronteira, representada pela Bélgica. Esse indicador apresenta, de maneira ponderada, os indicadores de resultado e esforço inovativo, e mostra que pequenas empresas brasileiras estão próximas aos países europeus mais mal situados nas classificações de sistemas de inovação, como os de Filippetti e Archibugi (2011) e Matei e Aldea (2012). O resultado encontrado para as pequenas empresas é semelhante ao de outros trabalhos que identificam um processo de falling behind do Brasil, como Arend e Fonseca (2012), Ruiz (2008) e Melo, Fucidji e Possas (2015).
O hiato de eficiência inovativa deixa ainda mais evidente a dificuldade das pequenas empresas brasileiras de se aproximar da fronteira tecnológica, neste caso representada pelas pequenas empresas finlandesas. Os esforços realizados pelas pequenas empresas brasileiras não têm conseguido alcançar os resultados de outros países colocando o país na posição mais distante da fronteira.
Entende-se que os dados aqui analisados reforçam a literatura de sistemas de inovação, mais especificamente ao mostrar importantes diferenças entre as atividades inovativas de pequenas empresas de diferentes países. Em termos de políticas públicas, estes resultados contribuem para o entendimento de que o segmento das pequenas empresas não pode ser tratado como homogêneo, a partir de características genéricas, como baixa produtividade e baixa propensão a inovar. Como se pode notar a partir dos dados analisados neste trabalho, as atividades inovativas das pequenas empresas apresentam diferenças importantes entre países.
Deve-se, por fim, realçar as limitações do presente estudo. Embora a Pintec e a CIS sejam compatíveis do ponto de vista metodológico, estas pesquisas não são capazes de identificar como determinados elementos específicos de cada país influenciam os resultados finais, como, por exemplo, diferenças no quadro institucional e no aparato político de apoio às inovações. De outro lado, a situação dos indicadores de inovação, medida pelos hiatos tecnológicos, não necessariamente têm impactos semelhantes em termos de indicadores de crescimento e bem-estar. Outra limitação importante é que essas bases de dados não permitem identificar a heterogeneidade intrafirmas, tal como discutido por Dosi, Lechevalier e Secchi (2010), Fagerberg, Fosaas e Sapprasert (2012) e Imbriani et al. (2014). Entretanto, entende-se que essa limitação é minimizada no presente trabalho, dado que a opção metodológica foi a de considerar apenas as pequenas empresas, e não uma comparação entre diferentes portes.
Dadas essas limitações, o trabalho aponta para necessidades futuras de investigação, como considerar um período de tempo maior, de modo a se ter uma análise evolutiva, ou agregar outras variáveis que caracterizem os diferentes sistemas de inovação e melhor contextualizem os resultados de inovação.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos pareceristas anônimos, que em muito contribuíram para a melhoria do artigo.
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1
Pesquisa de Inovação Tecnológica, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
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2
Community Innovation Survey, elaborada pela Eurostat, o Comitê de Estatísticas da União Europeia.
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3
As denominadas novas teorias do crescimento econômico também incorporaram a inovação e a mudança tecnológica como fatores endógenos nos modelos de crescimento, com referência explícita nos trabalhos de Schumpeter. Desde a sua apresentação pioneira por Romer (1986) e Lucas (1988), até os desenvolvimentos posteriores de Romer (1990) e de Grossman e Helpman (1990), houve avanços importantes na incorporação de pressupostos da teoria evolucionária neoschumpeteriana. A despeito desses avanços, esses modelos não rompem com os pressupostos neoclássicos, como o individualismo metodológico e a tendência ao equilíbrio estável dos mercados no longo prazo, como o fazem Schumpeter e neoschumpeterianos. A esse respeito ver Castellacci (2007), que elabora uma detalhada comparação entre essas duas vertentes teóricas, concluindo que “...evolutionary and new growth theories greatly differ with respect to all of their theoretical foundations. No theoretical convergence between the two paradigms is taking place.” (CASTELLACCI, 2007, p. 35).
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4
A PINTEC/IBGE adota como classificação por porte as faixas de 10 a 49, 50 a 99, 100 a 249 e 250 funcionários ou mais. Essa classificação de empresas difere da observada na CIS/Eurostat, que as classifica em três faixas, de 10 a 49, 50 a 249 e 249 ou mais funcionários. Como as definições de porte não são uniformes entre as pesquisas, nesse trabalho as pequenas empresas são definidas como as que possuem de 10 a 49 empregados, tanto para a Pintec como para a CIS, de modo a se ter uma base de dados uniforme.
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Fonte de financiamento: os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo n. 310723/2018-3.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
03 Jan 2022 -
Revisado
09 Jan 2023 -
Aceito
20 Fev 2023