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Política, (educação de) língua e cultura: questões interdisciplinares para a pesquisa e o ensino de língua portuguesa

Politics, Language (education) and Culture: Interdisciplinary Considerations for the Research and Teaching of the Portuguese Language

Resumo:

Neste artigo, abordamos a relação sujeito-língua no âmbito da educação linguística (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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) e de políticas de ensino escolar de língua portuguesa no Brasil (Rajagopalan, 2013RAJAGOPALAN, K. Política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões prospectivas. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 143-161. ). Partindo de Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. , 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. , 2010bBAKHTIN, M. O romance de educação na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010b. p. 235-243. , 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ) e Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), realizamos um diálogo teórico, sob o princípio de pesquisa interdisciplinar na Linguística Aplicada mestiça e ideológica (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, L. P. Uma Linguística Aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo como linguista aplicado. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 13-44. , 2013MOITA LOPES, L. P. (Org.). Fotografias da Linguística Aplicada brasileira na modernidade recente: contextos escolares. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. p. 15-37. ), com o objetivo de problematizar questões políticas e culturais em torno de língua e educação linguística (Rajagopalan, 2013RAJAGOPALAN, K. Política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões prospectivas. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 143-161. ; Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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; Bagno; Rangel, 2005 BAGNO, M.; RANGEL, E. Tarefas da educação linguística no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 5, n. 1, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbla/a/LdCCsV35tZzGymcnq8DcW5p/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 26 ago. 2020.
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; Guimarães, 2002GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, 2002. ). Tomamos para análise políticas de ensino de português, particularmente aquelas que se instituem no processo de escolarização do campo jornalístico: a Lei 5.692/1971, os PCN (Brasil, 1998BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC, 1998. ) e a BNCC (Brasil, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasil: MEC, 2018. ).

Palavras-chave:
relação sujeito-língua; educação linguística; política de ensino de português; escolarização do campo jornalístico

abstRact:

In this paper, we approached the subject-language relationship in the context of language education (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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) and Portuguese school teaching policies in Brazil (Rajagopalan, 2013RAJAGOPALAN, K. Política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões prospectivas. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 143-161. ). Starting from Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. , 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. , 2010bBAKHTIN, M. O romance de educação na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010b. p. 235-243. , 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ) and Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), we carry out a theoretical dialogue, under the principle of interdisciplinary research in mixed and ideological Applied Linguistics (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, L. P. Uma Linguística Aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo como linguista aplicado. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 13-44. , 2013MOITA LOPES, L. P. (Org.). Fotografias da Linguística Aplicada brasileira na modernidade recente: contextos escolares. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. p. 15-37. ), with the aim of problematizing political and cultural issues around language and language education (Rajagopalan, 2013RAJAGOPALAN, K. Política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões prospectivas. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 143-161. ; Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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; Bagno; Rangel, 2005 BAGNO, M.; RANGEL, E. Tarefas da educação linguística no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 5, n. 1, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbla/a/LdCCsV35tZzGymcnq8DcW5p/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 26 ago. 2020.
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; Guimarães, 2002GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, 2002. ). We take for analysis Portuguese teaching policies, particularly those instituted in the schooling process of the journalism field: the Law 5.692/1971, the PCN (Brasil, 1998BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC, 1998. ) and the BNCC (Brasil, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasil: MEC, 2018. ).

Keywords:
Subject-language relationship; Language education; Portuguese teaching policy; Schooling of the journalistic field

1 Introdução 1 1 Este trabalho é em parte resultado de pesquisa de mestrado orientada pela Profa. Dra. Márcia Mendonça, no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada, do Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp.

Língua se ensina e se aprende, desde os primeiros anos de vida do indivíduo (Bagno, 2017BAGNO, M. Dicionário crítico de Sociolinguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2017. ), na interação com a família; de modo que com a pedagogia linguística (formal, informal ou não formal) se institui, também, a relação sujeito-língua (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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). A pedagogia linguística é constante, porque a todo tempo aprendemos ou ensinamos, direta ou indiretamente, novas palavras, formas de falar, formas de articular, sintaticamente, palavras, formas consideradas corretas ou erradas de construir e relacionar palavras, formas de articular o material linguístico sonoro, visual etc. Além do comportamento linguístico, da performance de atos por e em relação a palavra; aprendemos e ensinamos também a construir personagens/ objetos discursivos e sobre eles narrativas, por língua e sobre língua; e a construir, ainda, conhecimentos e saberes de e sobre língua.

No âmbito escolar, ocorre a pedagogia linguística formal, tradicionalmente a partir de uma materialidade linguística tomada como referência de performance/ato, criação literária 2 2 A criação literária é tomada, aqui, em sentido mais amplo, em que se inserem as narrativas do cotidiano, sobretudo da oralidade, em que estão presentes a ficção e a construção individual e coletiva de personagens/objetos discursivos. Neste sentido, a ficção pela palavra é constitutiva do ser, porque, do lugar único que ocupa na existência, o indivíduo nunca poderá alcançar uma inteira verdade do mundo, de modo que sua relação com a realidade objetiva e também com seu mundo interior é sempre estética. Ou seja, sempre implica um processo de distanciamento entre um lugar único, um objeto e o excedente de visão singular que neste processo se institui (Bakhtin, 2010a ). /atividade e expressão de e para uma cognição/ciência linguística, epi ou metalinguística (cf. Franchi, 2006FRANCHI, C. Mas o que é mesmo “gramática”?. São Paulo: Parábola, 2006. ). O signo linguístico de referência é aquele legitimado por determinada época como língua de prestígio (Cavalcanti, 2013CAVALCANTI, M. Educação linguística na formação de professores de língua: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 233-252. ) ou palavra alheia (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ). Signo este atravessado por processos heurísticos e pedagógicos, como afirma Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ); no sentido de que, assim, seja não apenas possível descrever e normatizar língua, como ainda, a partir disso, ensinar o conhecimento linguístico com a finalidade de operar força centrípeta sobre determinada realidade sociolinguística, em sentido monolíngue, de unificação cultural-linguística (Santana, 2015SANTANA, M. V. M. Uma língua, uma nação? O papel dos vernáculos na formação dos estados nacionais europeus. In: FREITAG, L. M. K.; SILVA, L. R. (Org.). Percursos de uma Política Linguística no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 29-50. ).

Neste sentido, discursos reportados para fins de contemplação didática em disciplinas de língua materna (e também de línguas estrangeiras) ocorrem a partir da definição política e ideológica de uma língua a ser ensinada e aprendida no âmbito escolar, cujo espaço-tempo é modernamente destinado à fabricação de uma nação (Petitat, 1994PETITAT, A. Produção da escola, produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Trad. Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. ). A definição de uma língua de prestígio ocorre em meio a um universo heterodiscursivo em que línguas sociais diversas estão em conflito e constituem a estratificação/divisão de uma língua nacional única, como o assim chamado Português ou ainda Português Brasileiro. Desse ponto de vista, uma língua não é uma e variável, mas é uma e muitas, como afirma o semanticista Eduardo Guimarães ( 2002GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, 2002. ). Marilda Cavalcanti ( 2013CAVALCANTI, M. Educação linguística na formação de professores de língua: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 233-252. ), por sua vez, no campo da Linguística Aplicada, afirma que a língua portuguesa é formada de muitas línguas portuguesas, que, quando reconhecidas como variedades, são ainda invisibilizadas e tornadas alvo de preconceito.

Na pedagogia linguística escolar, signos linguísticos de determinadas esferas de atividades e campos ideológicos superestruturais (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ) são historicamente tomados na condição de língua de prestígio para fins de relacionar o falante com esta língua, através da mediação do professor. Tomado como objeto de referência, o signo linguístico escolarizado a partir do século XVII é aquele de uma Literatura Nacional, em relação ao qual se institui não apenas o ato que legitima e reafirma o lugar do material linguístico escolarizado, mas também institui como verdade única, de ontem e de hoje, conhecimentos gramaticais e literários; e determinadas formas de realizar contemplação ou elaboração estética do objeto, a partir do conteúdo semântico que se revela na relação entre o signo linguístico externo e a consciência subjetiva (estruturada em signos, internos) do indivíduo (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), que se subjetiva em relação a língua (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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; Guimarães, 2002GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, 2002. ).

Assim, operando-se sobre a relação sujeito-língua, uma tradição de pedagogia linguística escolar é, historicamente, elaborada e seus lugares são ocupados pela cultura linguística legitimada de cada época (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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). A partir da década de 1970, por exemplo, a pedagogia escolar de língua portuguesa no Brasil passou a tomar material linguístico para além do literário como referência, como signos principalmente jornalísticos e publicitários; de modo que também em relação e a partir destes passou a se dar a atividade estética, particularmente de interpretação e compreensão em atividades de leitura. Por sua vez, a gramática normativa passou a dividir lugar com conhecimentos da comunicação social (Soares, 2002SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002. p. 155-177. ) e também já da Linguística moderna (Pietri, 2010 PIETRI, E. Sobre a constituição da disciplina curricular de língua portuguesa. Revista Brasileira de Educação, v. 15 n. 43 jan./abr. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/FQZbCMNLgkZpGstqJSWQ3gQ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 20 ago. 2019.
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).

A educação linguística formal de uma nação está diretamente ligada às políticas linguísticas e políticas de educação linguística do país. Essas políticas, conforme Bagno e Rangel ( 2005 BAGNO, M.; RANGEL, E. Tarefas da educação linguística no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 5, n. 1, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbla/a/LdCCsV35tZzGymcnq8DcW5p/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 26 ago. 2020.
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), sempre caminham juntas; uma implica a outra, no sentido de que, como defenderemos neste artigo, língua apenas existe como atividade humana que se ensina e se aprende; e a pedagogia linguística apenas existe em função da construção coletiva de língua, da formação linguística de uma sociedade. Tais políticas funcionam como forças centrípetas de Estados nacionais direcionadas à cultura escolar (Julia, 2001 JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. n. 1, jan./jun. 2001. Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/server/api/core/bitstreams/c195e91b-ee3a-49cc-9893-6c5d49f8218c/ content. Acesso em: 15 jun. 2019.
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) e à cultura linguística (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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) dos territórios.

A partir do panorama até aqui traçado, vamos discutir neste artigo a relação constitutiva entre política, ensino de língua e cultura, no sentido de apresentar potencialidades teórico-metodológicas de categorias que se entornam à educação linguística, como acontecimento da vida social mais ampla e, particularmente, da vida escolar. Com isso, temos o objetivo de contribuir particularmente com os estudos aplicados da linguagem em perspectiva interdisciplinar e crítica (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, L. P. Uma Linguística Aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo como linguista aplicado. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 13-44. , 2013MOITA LOPES, L. P. (Org.). Fotografias da Linguística Aplicada brasileira na modernidade recente: contextos escolares. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. p. 15-37. ), de modo a apresentar fundamentos que explicitam questões éticas, estéticas e cognoscitivas na relação do sujeito com língua (Bakhtin, 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. , 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. ; Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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); e, com isso, questões políticas de (ensino de) língua.

Ao ocupar lugar na sala de aula, o texto jornalístico, particularmente, está materialmente expresso (em livros didáticos, slides, fichas didáticas) para ser lido, ser tomado como modelo de produção de texto, dentre outras atividades. Neste processo, direta ou indiretamente, será mediada a relação entre o sujeito

-aluno e o material linguístico na realidade concreta da sala de aula. Sendo a aula de língua portuguesa um acontecimento (Geraldi, 2010GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João Ed., 2010. ), como todo outro, aberto e de contexto singular, interessa-nos, aqui, sinalizar as projeções de políticas de ensino de língua portuguesa – dos PCN e da BNCC – para o trabalho didático com o texto jornalístico em sala de aula. A escolha pela escolarização do texto jornalístico ocorre em função do lugar que este texto ocupa nos meios, sobretudo impressos e digitais, da imprensa brasileira. O lugar de tal texto é de disputa e constante tensão, no sentido de que o consumo e a produção do texto jornalístico não estão dados, porque são atividades restritas a grupos sociais de interesses contrários às urgências da sociedade em geral, especialmente dos 99% da população brasileira (Souza, 2019SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão ao bolsonarismo. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019. ).

2 Língua e a relação sujeito-língua

A partir da categoria de heterodiscurso, Bakhtin ( 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ) argumenta que a língua única é uma construção teórica, dada para fins sociopolíticos e culturais de unificação linguística na história de formação dos Estados nacionais. Essa construção teórica é instituída em meio a um universo plurilíngue, seja de línguas sociais de uma mesma língua nacional; seja de línguas nacionais entre si no âmbito de uma mesma cultura (cf. Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ). A construção teórica da língua única, no entanto, não existe apenas no plano abstrato, pois é uma força criadora da vida social da linguagem, na medida em que institui a norma de uma língua social como referência dos usos dos falantes de um país, atuando como força centrípeta sobre enunciados, no processo de formação linguística de um país. O falante sempre aplica forças centrípetas e também forças centrífugas no enunciado, apontando para as mudanças linguísticas, prenúncios de mudanças sociais.

A noção de língua única remete à noção de língua de prestígio (Cavalcanti, 2013CAVALCANTI, M. Educação linguística na formação de professores de língua: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 233-252. ), mediante a existência de políticas e planejamentos linguísticos, “enquanto formas de o Estado agir nacionalmente através de seus aparelhos jurídicos” (Mariani, 2011MARIANI, B. A redação do código civil: polêmica linguística, jurídica ou política? In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011. p. 237-257. ). Conforme Calvet ( 2007CALVET, L. J. As políticas linguísticas. Trad. Isabel de Oliveira Duarte; Jonas Tenfen; Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. ), há duas formas de se gerir língua: in vivo , nas práticas sociais propriamente, e in vitro , mediante intervenção sobre as práticas. Nas situações formais de uso, os lugares de quem pode dizer o quê e de que forma, e por meio de qual material linguístico, estão em disputa, de modo que, no conflito linguístico, uma língua é referenciada como unicamente legítima, e esta referenciação é naturalizada. Tal imposição se expressa no ato responsável do falante em relação ao dever gramatical normativo, no âmbito das práticas, nos usos cotidianos da língua de prestígio.

É possível tal ato do indivíduo em relação a língua porque o indivíduo se subjetiva em relação a língua. A relação sujeito-língua é definida em Simões ( 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:t...
), pesquisadora portuguesa do campo da Didática de Línguas, como o elemento que constitui a cultura linguística do falante, representada a partir das seguintes dimensões:

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Dimensões da cultura linguística, cf. Simões ( 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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).

A dimensão cognitiva remete aos conhecimentos e saberes que os sujeitos têm de línguas, da atividade linguística propriamente (regras de criação de palavra, de relação sintática etc.); e sobre línguas, conhecimentos que os sujeitos “pensam ter sobre línguas”, mas que podem ou não ser comprovadas pelo conhecimento científico (cf. Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:t...
, p. 149). A autora, neste sentido, sinaliza que o conhecimento que o sujeito tem ou pensa ter sobre língua é um conhecimento estimado; enquanto o conhecimento científico (ou institucionalizado) sobre língua se caracteriza como conhecimento efetivo. Este tipo de conhecimento, para Simões ( 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:t...
, p. 149), é “aquele que pode ser considerado correto em cada momento acerca do objeto em questão, de acordo com o conhecimento disponível em cada época”.

No Brasil, Franchi ( 2006FRANCHI, C. Mas o que é mesmo “gramática”?. São Paulo: Parábola, 2006. ) situa a diferença entre atividade epilinguística e metalinguística, entendendo ser a primeira um elemento característico do sujeito, que pensa sobre língua; e a segunda o resultado de um trabalho sistematizador que se faz sobre língua, por parte, neste sentido, do conhecimento legitimado de uma época, de gramáticos, linguistas etc. Com base em Franchi ( 2006FRANCHI, C. Mas o que é mesmo “gramática”?. São Paulo: Parábola, 2006. ), e articulando as bases para uma perspectiva enunciativo-discursiva de ensino de Português, Geraldi ( 1997GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ) situa a análise linguística como a prática de reflexão sobre a língua que, em sala de aula, deverá possibilitar ao aluno que ele enuncie da melhor forma possível o que deseja dizer.

Marcuschi ( 2005MARCUSCHI, L. A. A construção do mobiliário do mundo e da mente: linguagem, cultura e categorização. In: MARCUSCHI, L. A. (Org.). Cognição, linguagem e práticas interacionais. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005. p. 124-145. ), em seus trabalhos em Linguística Cognitiva, aborda a língua como uma forma de cognição social, ou seja, de conhecimento coletivo, construído por indivíduos reais, corporificados, na fala e na escrita. Rajagopalan ( 2003RAJAGOPALAN, K. Linguagem e ética: algumas considerações gerais. In: RAJAGOPALAN, K. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola, 2003. p. 15-22. ), na Linguística Crítica, entende o falante como ser que teoriza compulsivamente, que produz conhecimentos de/sobre o mundo natural e social; ou seja, também sobre língua.

O conhecimento filosófico, científico, normativo sobre língua, sendo conhecimento efetivo (cf. Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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), legitimado por uma época, é uma expressão institucionalizada da dimensão cognitiva da cultura, que ocupa lugar, portanto, nas superestruturas sociais (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ) e se insere em relações de força para a manutenção de uma determinada realidade, como é o caso de uma realidade linguística, de um estado linguístico (Milroy, 2011MILROY, J. Ideologias linguísticas e as consequências da padronização. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 49-87. ). O trabalho metalinguístico de compêndios gramaticais normativos, também de gramáticas normativas escolares, e também da Linguística moderna, opera efetivamente sobre uma realidade linguística (cf. Rajagopalan, 2003RAJAGOPALAN, K. Linguagem e ética: algumas considerações gerais. In: RAJAGOPALAN, K. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola, 2003. p. 15-22. , 2013RAJAGOPALAN, K. Política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões prospectivas. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 143-161. ), na medida em que o gesto teorizador (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ) da época se apresenta como conhecimento legítimo de como o falante deve realizar a atividade linguística e/ou de como o falante a realiza; conhecimento que se expressa em vivências linguísticas reais.

Através de conhecimento de e sobre língua o falante opera regras linguísticas constitutivas e reguladoras (Rajagopalan, 2011RAJAGOPALAN, K. A norma linguística do ponto de vista da política linguística. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.) Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 121-128. ). Os usos de tais regras de criação linguística ocorrem na relação entre a norma como ser e a norma como dever, implicando a questão ética da linguagem, conforme expressa nas categorias de ser e dever ser da filosofia do ato ético responsável em Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. ).

A dimensão representacional/imagética da cultura linguística remete ao horizonte das atitudes e representações, preconceitos e estereótipos, que os sujeitos, individual ou coletivamente, produzem em relação a línguas, povos e culturas. Este processo “se encontra frequentemente na base da relação emotiva/ afetiva que o sujeito estabelece com as línguas e culturas, podendo esta emotividade passar por uma relação de amor ou desamor em relação ao objeto em questão” (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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, p. 153).

A autora entende que a dimensão das práticas está relacionada aos diferentes hábitos, costumes, atividades dos sujeitos com língua; por exemplo: ler revistas, jornais; escrever cartas, notícias, mensagens de direct do Instagram etc.; hábitos de contato com línguas outras ou de uso de línguas diversas; costumes de falar sobre línguas. Geraldi ( 1997GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ) circunscreve a dimensão das práticas de linguagem, concebendo-as como aquilo sobre o qual deve operar o ensino-aprendizagem de português como língua materna – tendo a análise linguística como prática de reflexão sobre a linguagem.

As dimensões da cultura linguística (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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) podem ser perspectivadas a partir da categoria de cultura em Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. , 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. ). O autor russo entende que a cultura é definida como a articulação de três campos, indissociáveis: vida, arte e ciência. A dimensão científica, da cognição teórica, remete à dimensão cognitiva da cultura linguística. A dimensão representacional/imagética remete ao campo da vida, do ato ético, em Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. , 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. ), na medida em que o ato ético responsável implica as tonalidades emocionais-volitivas de indivíduos, seus estados de espírito, suas afetividades. Por fim, a dimensão das práticas pode ser aqui perspectivada a partir do campo da arte, da atividade estética (Bakhtin, 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. ), em que se contempla objeto/personagem expresso em determinada língua, ou sempre que língua é objeto/personagem da situação; isto a partir de um excedente de visão que situa, em determinado tempo-espaço, aquele que contempla, em práticas de leitura, escrita, fala, escuta etc.

A cognição teórica, constitutiva do indivíduo, para Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. ), ao representar o mundo da ciência, representa, portanto, o mundo do conhecer. Segundo o autor, a cognição teórica estará sempre aquém da ética, do acontecimento sempre aberto do “homem” em relação ao devir. Neste sentido, a ética representa os atos, atitudes, ações do indivíduo, que assina seus atos, em função de participar do mundo sempre singularmente, de um lugar único na existência, na relação com o outro. Isto ocorre de modo que o indivíduo performa o ato ético e se institui no horizonte das tonalidades emocionais, volitivas, afetivas, que orientam o estado de ânimo, o espírito do indivíduo, participante responsável do acontecimento singular do ser. A atividade estética em Bakhtin ( 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. ) remete ao plano da criação do personagem/objeto no tempo-espaço do discurso.

Na perspectiva de uma cultura linguística a partir das categorias de Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. , 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. ), é possível situar, portanto, de que forma o falante se subjetiva em relação a língua a partir de seus atos/atitudes para o outro (éticas linguísticas), de suas atividades/práticas (estéticas linguísticas) e dos conhecimentos de e sobre língua, na constituição social de uma cognição (ciências linguísticas). Partindo do pressuposto de que a educação opera sobre a cultura, na medida em que atua sobre a (trans)formação do ser, sempre em devir; situamos, a partir de agora, de que forma a cultura linguística se institui como objeto sobre o qual opera a educação linguística. Isto no sentido de indicar as éticas, estéticas e ciências historicamente instituídas no ensino escolar de Português, no ocidente e no Brasil, no processo de estruturação e formação da relação sujeito-língua.

3 Educação linguística e política de ensino escolar de língua portuguesa no Brasil

De forma mais ampla, a educação é um tema caro à filosofia ocidental, estando geralmente associada à formação e à transformação do ser na construção do conhecimento. De Platão e Aristóteles, passando por Nietzsche, chegando a autores como Freire e Foucault, a educação é abordada de diferentes perspectivas; seja, como apresenta Rocha ( 2015 ROCHA, S. P. V. Tornar-se quem se é: educação como formação, educação como transformação. 3er Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación, v. 3, 2015. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5745250/mod_resource/content/1/ROCHA%2C%20Silvia%20P.V._Tornar-se%20quem%20se%20%C3%A9_educa%C3%A7%C3%A3o%20como%20forma%C3%A7%C3%A3o%2C%20educa%C3%A7%C3%A3o%20como%20transforma%C3%A7%C3%A3o.pdf . Acesso em: 21 ago. 2019.
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), de um ponto de vista metafísico, em que se entende o pedagógico como a formação de uma essência dada para um determinado fim, para sua “atualização”; seja de um ponto de vista “anti-metafísico”, em que a educação é definida como “a capacidade de ser, a todo momento, aquele

que nos tornamos” (Rocha, 2015 ROCHA, S. P. V. Tornar-se quem se é: educação como formação, educação como transformação. 3er Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación, v. 3, 2015. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5745250/mod_resource/content/1/ROCHA%2C%20Silvia%20P.V._Tornar-se%20quem%20se%20%C3%A9_educa%C3%A7%C3%A3o%20como%20forma%C3%A7%C3%A3o%2C%20educa%C3%A7%C3%A3o%20como%20transforma%C3%A7%C3%A3o.pdf . Acesso em: 21 ago. 2019.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
, s/p). O autor, da Filosofia da Educação, realiza uma abordagem comparativa entre as categorias de formação, advinda da metafísica aristotélica, e de transformação, em Nietzsche. Tomando por base o célebre enunciado deste último, que é subtítulo de uma de suas obras: “como tornar-se aquele que se é”, Rocha ( 2015 ROCHA, S. P. V. Tornar-se quem se é: educação como formação, educação como transformação. 3er Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación, v. 3, 2015. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5745250/mod_resource/content/1/ROCHA%2C%20Silvia%20P.V._Tornar-se%20quem%20se%20%C3%A9_educa%C3%A7%C3%A3o%20como%20forma%C3%A7%C3%A3o%2C%20educa%C3%A7%C3%A3o%20como%20transforma%C3%A7%C3%A3o.pdf . Acesso em: 21 ago. 2019.
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) sai em defesa de uma concepção de educação como transformação, devir; aquele que nos tornamos a cada momento.

Para Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. ), é pela educação que ocorre o eterno inacabado do “homem”, já que existir não implica estagnar, ser estanque, mas, sim, se formar e se transformar até a morte, no tempo-espaço: “A formação do homem efetua-se no tempo histórico real, necessário, com seu futuro, com seu caráter profundamente cronotópico” (Bakhtin, 2010bBAKHTIN, M. O romance de educação na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010b. p. 235-243. , p. 239); a formação do “homem”

é o resultado de um conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de atividades, de empreendimentos, que modificam a vida. É o destino do homem que se constrói, e, ao mesmo tempo, este se constrói, constrói seu caráter. A elaboração da vida-destino se confunde com a formação do próprio homem

(Bakhtin, 2010bBAKHTIN, M. O romance de educação na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010b. p. 235-243. , p. 239).

O “homem” que se forma e se transforma é um animal político (Guimarães, 2002GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, 2002. ), isto é, que se agrupa e se divide socialmente. A participação obrigatória do ser humano na existência não o permite abstrair-se do lugar de quem, ao participar, constrói, afeta, contribui com a formação da sociedade em que vive. A educação, neste sentido, opera sobre como indivíduos e grupos devem participar da construção da sociedade, através da cultura. Educação é um fenômeno essencialmente do diálogo, da palavra, na acepção de Bakhtin ( 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ) e Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), no qual são ensinadas e aprendidas formas de ser, no eterno inacabado do vir a ser, através das atitudes, práticas e conhecimentos que constituem a cultura sobre e com a qual se opera pedagogicamente.

Mais especificamente, a educação linguística faz referência a como indivíduos e grupos devem participar da construção coletiva de língua, comportando-se em e para língua, interagindo com e através de língua e (re)produzindo conhecimentos de e sobre língua. Em suma, de como o indivíduo deve se subjetivar em relação a língua, desde os primeiros anos de vida, e assim operando sua responsabilidade na construção coletiva de língua, em função do imperativo ontológico da alteridade. Isto é, da necessidade de o indivíduo se dividir em relação ao outro para a construção do eu, na arquitetônica da vida (Bakhtin, 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. ), e, com isso, afetar e ser pelo outro afetado mediante língua. Para Bagno e Rangel ( 2005 BAGNO, M.; RANGEL, E. Tarefas da educação linguística no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 5, n. 1, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbla/a/LdCCsV35tZzGymcnq8DcW5p/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 26 ago. 2020.
https://www.scielo.br/j/rbla/a/LdCCsV35t...
, p. 63), a educação linguística é

o conjunto de fatores socioculturais que, durante toda a existência do indivíduo, lhe possibilitam adquirir, desenvolver e ampliar o conhecimento de/sobre sua língua materna, de/ sobre outras línguas, sobre a linguagem de um modo mais geral e sobre todos os demais sistemas semióticos. Desses saberes, evidentemente, também fazem parte as crenças, superstições, representações, mitos e preconceitos que circulam na sociedade em torno da língua/linguagem e que compõem o que se poderia chamar de imaginário linguístico ou, sob outra ótica, de ideologia linguística. Inclui-se também na educação linguística o aprendizado das normas de comportamento linguístico que regem a vida dos diversos grupos sociais, cada vez mais amplos e variados, em que o indivíduo vai ser chamado a se inserir.

A fim de que se forme o falante para operar na construção de uma língua e de si enquanto sujeito, é necessário partir de uma cultura linguística dada e performar no sentido de uma cultura linguística a ser plantada, para o vir a ser. Historicamente, a escola é o espaço pelo qual tal processo se dá formalmente, especificamente a partir de decisões político-linguísticas e político-pedagógico-linguísticas (Bagno; Rangel, 2005 BAGNO, M.; RANGEL, E. Tarefas da educação linguística no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 5, n. 1, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbla/a/LdCCsV35tZzGymcnq8DcW5p/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 26 ago. 2020.
https://www.scielo.br/j/rbla/a/LdCCsV35t...
) operadas sempre no sentido de gestos heurísticos e pedagógicos sobre língua, retomando Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), para fins de construção de identidades, relações de poder, de domínio etc. Sobre a realidade escolar, particularmente a partir do século XVIII, foram instituídas políticas no sentido de se operar processos de unificação cultural-linguística no âmbito de um território nacional, de modo que, com isso, fosse possível construir identidades linguísticas nacionais, a partir, também, de um horizonte ideológico-linguístico, concretizado em discursos nacionalistas sobre língua.

A cultura escolar, segundo Julia ( 2001 JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. n. 1, jan./jun. 2001. Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/server/api/core/bitstreams/c195e91b-ee3a-49cc-9893-6c5d49f8218c/ content. Acesso em: 15 jun. 2019.
https://repositorio.unifesp.br/server/ap...
), institui-se num processo de direcionamento da consciência, orientado para a formação do caráter do sujeito. Chervel ( 1990 CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n. 2, p. 177-229, 1990. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3986904/mod_folder/content/0/Chervel.pdf . Acesso em: 15 abr. 2016.
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, p. 10), neste sentido, afirma que uma disciplina escolar “comporta não somente as práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de aculturação da massa que ela determina”. Com as transformações institucionais que instituíram os Estados nacionais, a Companhia de Jesus foi expulsa da educação formal no século XVIII em muitos Estados europeus, como no próprio Estado de Portugal, ainda monárquico. Foi aos poucos atribuída à escola não mais a responsabilidade pela formação do indivíduo devoto cristão, para que este atuasse na vida social conforme os princípios civis da boa formação, para servir a Deus (Miranda, 2011 MIRANDA, M. A Ratio Studiorum e o desenvolvimento de uma cultura escolar na Europa moderna. Humanitas, v. 63, p. 473-490, 2011. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7319070/mod_resource/content/1/Ratio_Margarida_Miranda.pdf . Acesso em: 15 jun. 2019.
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); mas do indivíduo que se identifica cultural e ideologicamente como participante de uma comunidade nacional, subjetivando-se em relação a língua no atravessamento de discursos nacionalistas.

As medidas contra os jesuítas revelam as novas ambições do Estado nesta área [educação]. Rússia (1719), Portugal (1759), França (1762) e Espanha (1764) expulsam, cada um por sua vez, a Companhia de Jesus. […] Em Portugal, após a expulsão dos jesuítas, o ministro Pombal cria uma direção geral dos estudos clássicos e abre escolas primárias públicas. Uma grande parte da Europa encontra-se engajada nesta corrente de pensamento e de reforma

(Petitat, 1994PETITAT, A. Produção da escola, produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Trad. Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. , p. 141).

Entende-se que assuntos religiosos devem ser tratados na igreja, não na escola. A partir disso, a nação e o cidadão se forjam na escola, diz Petitat ( 1994PETITAT, A. Produção da escola, produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Trad. Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. ).

A piedade religiosa, o humanismo devoto e o amor ao rei cedem lugar diante do princípio da pátria, que inspira uma reorganização completa dos programas escolares: leitura, escrita, história, geografia, economia, direito, todas as disciplinas encontram substância na própria realidade nacional

(Petitat, 1994PETITAT, A. Produção da escola, produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Trad. Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. , p. 142).

No Brasil, a partir do Diretório de 1757, de Marquês de Pombal, então primeiro-ministro português, são tornados obrigatórios o uso e o ensino do português. Estas políticas linguística e de educação linguística estavam direcionadas também para os colégios construídos pela Companhia de Jesus e que estavam até então sob a responsabilidade dela. Neles, o público era constituído pelos filhos-família (Soares, 2002SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002. p. 155-177. ), fato de até meados do século XX, de modo que apenas a este público estava garantido o ensino do português como Língua Nacional. Os materiais didáticos de língua nacional eram divididos em Gramáticas e Antologias (na maior parte do tempo, em dois volumes separados; a partir da década de 1960, em duas partes de um mesmo volume [Bunzen, 2011 BUNZEN, C. A fabricação da disciplina escolar Português. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 11, n. 34, p. 885-911, set./ dez. 2011. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/de/v11n34/v11n34a14.pdf . Acesso em: 20 jun. 2019.
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]) e o professor era um profissional de formação humanista e de notório saber (Soares, 2002SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002. p. 155-177. ), cuja autoridade estava sedimentada fundamentalmente no conhecimento (meta)linguístico normativo e de prestígio (Possenti; Ilari, 1992POSSENTI, S.; ILARI, R. Ensino de Língua e Gramática: alterar conteúdos ou alterar a imagem do professor? In: CLEMENTE, E.; KIRST, H. (Org.). Linguística Aplicada ao Ensino de Português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992. p. 8-15. ). Até o início do século XX, o português não era a língua mais falada no Brasil, de maneira que as línguas sociais, mais faladas, de povos originários e africanos existiam e resistiam, sob o racismo linguístico (Nascimento, 2020NASCIMENTO, G. Racismo Linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo. Belo Horizonte: Editora Letramento, 2020. ) e a violência social a que os corpos de tais povos estavam submetidos.

Línguas são criações de corpos, indivíduos, na medida em que os coloca em relação entre si e com o mundo social e natural mais amplo. Tais criações são operadas inalienavelmente para o cosmológico (Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ), porque para visões de mundo, eternamente em conflito, pelas quais os indivíduos participam obrigatoriamente do acontecimento singular do ser (Bakhtin, 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. ). Combater, excluir, marginalizar corpos e línguas, tomando como referência legitimada e naturalizada o corpo branco e a língua trazida por este corpo, é combater potenciais de relações com o mundo, de interpretar a natureza e a cultura, de significar e sentir.

Como lembra Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), a palavra se relaciona com o mundo que lhe é externo e com o indivíduo através da ideologia, que apenas existe na relação entre a materialidade externa do signo e a consciência subjetiva do indivíduo, de a modo a se constituir o signo-ideológico como fronteira do corpo humano com o mundo, e como terreno comum, portanto, aos mundos interior e exterior. É assim que o indivíduo se subjetiva, na relação com a realidade objetiva ou no próprio discurso interior (onde há os conflitos interiores e um auditório social estável [Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ]), aqui particularmente em relação a língua; sempre através do signo ideológico que se constrói, portanto, sobre a língua – implicando uma metalinguística.

Faraco ( 2008FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008. ) lembra, neste sentido, que o ato de nomear uma determinada realidade linguística como Português é uma decisão essencialmente política e cultural e não propriamente linguística. Daí que a obrigatoriedade do uso e ensino de língua implica formas de se relacionar com o mundo e construí-lo em significados, ideologicamente materializados, e correspondendo, portanto, a interesses políticos mais amplos.

Lagares ( 2011LAGARES, X. C. Minorias linguísticas, políticas normativas e mercados. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e con litos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011. p. 169-192. ), na Política Linguística, lembra que a instituição de uma língua nacional na França ocorreu com a intenção explícita de subordinação de populações dos interiores a leis, produzidas em tal língua. Na Sociologia da Mídia, Thompson ( 1998THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Trad. Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis: Vozes, 1998. ) explica que, através da tecnologia da imprensa, foi possível, dentre muitas outras mudanças sociais, interiorizar vernáculos no sentido de não apenas constituir uma esfera pública, como operar cotidianamente no processo de identificação nacional. Isto, por assim dizer, mediante materialidades ideológicas de discursos nacionalistas (Rajagopalan, 2013RAJAGOPALAN, K. Política de ensino de línguas no Brasil: história e reflexões prospectivas. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) Linguística Aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013. p. 143-161. ; Milroy, 2011MILROY, J. Ideologias linguísticas e as consequências da padronização. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 49-87. ; Lagares, 2011LAGARES, X. C. Minorias linguísticas, políticas normativas e mercados. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e con litos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011. p. 169-192. ; Thompson, 1998THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Trad. Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis: Vozes, 1998. ) e em relação a indivíduos socialmente coletivizados (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), de consciência de orientação moral e participativa (Bakhtin, 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. ).

Na incumbência do ensino do português como língua nacional, a educação linguística dos filhos família estava responsável por operar sobre a relação sujeito-língua a partir de:

  • Éticas: atos e representações com e em relação a línguas, implicando o dever e o acontecimento do ser linguístico, o comportamento linguístico (Bagno, 2017BAGNO, M. Dicionário crítico de Sociolinguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2017. ), a atitude em relação ao uso linguístico e ao falante (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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    ), os afetos em relação a língua e ao outro. Esses elementos aparecem em uma educação linguística centrada na compreensão da normatização gramatical, na afirmação da língua nacional única, na institucionalização de um dever linguístico e do ser linguístico autorizado, implicando o pensamento participativo, a performance do ato ético responsável em relação à palavra e ao outro, as tonalidades emocionais, volitivas a afetivas do indivíduo com língua.

  • Estéticas: atividades de leitura, e em menor medida de escrita, de enunciados de uma Literatura nacional (Razzini, 2010 RAZZINI, M. História da Disciplina Português na Escola Secundária Brasileira. Revista Tempos e Espaços em Educação, v. 4, p. 43-58 jan./jun. 2010. Disponível em: https://www.bing.com/search?q=Hist%C3%B3ria%2Bda%2BDisciplina%2BPortugu%C3%AAs%2Bna%2BEscola%2BSecund%C3%A1ria%2BBrasileira.&cvid=3e93eeb2857946b08cf119a617442ff9&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOdIBBzQ3MmowajSoAgCwAgA&FORM=ANAB01&PC=U531 . Acesso em: 25 ago. 2019.
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    ), expressos, em geral, em antologias nacionais, que representavam o modelo de uso linguístico nacional-único e, com isso, as ficções escritas prestigiadas que davam vida a tal uso, a partir das quais seria possível apreender uma herança de conhecimentos gramaticais e literários.

  • Ciências/cognições: conhecimentos e saberes de/sobre língua(gem), acerca da Língua Nacional e da Literatura Nacional, produzidos no âmbito do Paradigma Tradicional de Gramatização (PTG [cf. Vieira, 2018VIEIRA, F. E. A gramática tradicional: história crítica. São Paulo: Parábola, 2018. ]), através de gramáticas escolares que funcionam como lei de Estado (cf. Bagno, 2017BAGNO, M. Dicionário crítico de Sociolinguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2017. ); e no âmbito de análises estilísticas e tipológicas (Razzini, 2010 RAZZINI, M. História da Disciplina Português na Escola Secundária Brasileira. Revista Tempos e Espaços em Educação, v. 4, p. 43-58 jan./jun. 2010. Disponível em: https://www.bing.com/search?q=Hist%C3%B3ria%2Bda%2BDisciplina%2BPortugu%C3%AAs%2Bna%2BEscola%2BSecund%C3%A1ria%2BBrasileira.&cvid=3e93eeb2857946b08cf119a617442ff9&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOdIBBzQ3MmowajSoAgCwAgA&FORM=ANAB01&PC=U531 . Acesso em: 25 ago. 2019.
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    ). Com isso, são instituídas categorias metalinguísticas e os seres e deveres da língua de prestígio para fins de afirmação, conhecimento e referência de uso.

Esta tradição cultural-linguística constitui a disciplina de língua portuguesa no Brasil desde o fim do século XIX e guarda relativa estabilidade até meados do século XX. A partir da política pedagógico-linguística prevista na Lei 5.692/1971, promulgada na ditadura militar (1964-1985), passou-se a trabalhar pedagogicamente no ensino de língua nacional com uma cultura linguística para além da de então (literária e normativo-linguística). Aparecem, em materiais didáticos de português, princípios teóricos da Comunicação, na assunção de conceitos como mensagem, emissor, receptor, ruído etc., que se somam ou até superam os princípios teóricos da Gramática Tradicional (GT) – sem deixar de haver, já aí, contribuição da Linguística moderna, sobretudo em relação a currículos estaduais (Pietri, 2010 PIETRI, E. Sobre a constituição da disciplina curricular de língua portuguesa. Revista Brasileira de Educação, v. 15 n. 43 jan./abr. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/FQZbCMNLgkZpGstqJSWQ3gQ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 20 ago. 2019.
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); tendo sido a própria disciplina de língua portuguesa denominada, temporariamente, no 1º grau, de Comunicação e Expressão. Nesse contexto, a escola estava em processo de abertura aos marginalizados e suas línguas sociais, historicamente excluídos da educação pública nacional – e de direitos sociais básicos. Os materiais didáticos de língua materna constituíram um só livro, o Livro Didático de Português (LDP), cf. Bunzen ( 2011 BUNZEN, C. A fabricação da disciplina escolar Português. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 11, n. 34, p. 885-911, set./ dez. 2011. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/de/v11n34/v11n34a14.pdf . Acesso em: 20 jun. 2019.
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), que, paulatinamente, passou a conceber enunciados de gêneros de esferas midiáticas como objetos de contemplação e apreciação em atividades de leitura, escrita, gramática, ortografia. O professor de português era concebido como um profissional de notório saber, de carreira profissional desvalorizada e cuja função era operar a formação de sujeitos falantes letrados aptos para o mercado de trabalho, em contexto de forte desenvolvimento do capitalismo brasileiro e seus movimentos de concentração de renda e poder.

A presença de enunciados da mídia, como os textos jornalísticos, no LDP, que se dá mais fortemente já na década de 1990, não apenas significou um elemento a mais no lugar historicamente construído do texto na pedagogia linguística escolar; elemento que passou a simplesmente dividir espaço com o texto literário. O lugar do texto no ensino de português foi construído em função do estatuto de uma língua nacional única e de uma herança de conhecimentos linguísticos normatizados e prestigiados, para fins de se operar material-ideologicamente sobre a consciência nacional do indivíduo. Isto num processo em que o texto que se escolariza, na pedagogia do português, é um recorte da cultura plurilinguística do Brasil e é cotidianamente reafirmado como expressão correta, adequada, de prestígio do português.

Tomando, daqui para a frente, como exemplo, o caso da escolarização do texto jornalístico, entendemos que, com isso, vai-se operar didaticamente a relação do aluno com língua mediante tal texto, implicando, aí, questões éticas, estéticas e cognoscitivas, na formação, pressuposta à escola, de uma consciência linguística nacional, que reconhece em determinados seres e deveres linguísticos a representação do português como língua única.

Assim, o aluno deve aprender a performar ato, implicando volição-emoção, em relação à materialidade ideológica que é o texto jornalístico. O aluno deve aprender a interpretar os textos jornalísticos, aqui, no sentido de que nenhum enunciado representa a realidade e a verdade em si, mas sempre uma interpretação socialmente compreensiva do mundo (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ). A leitura e a produção do texto jornalístico são atividades estéticas, implicam um distanciamento em relação ao objeto discursivo. O processo envolve escolhas linguísticas (Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ) e formas de composição e de estilização do objeto discursivo, na medida em que ele é operado e criado enquanto signo-ideológico linguístico na comunicação social (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), em meio a palavras dos outros (Bakhtin, 2015BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance I: a estilística. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 19-78. ). No âmbito cognoscitivo, o aluno deve aprender conhecimentos de/sobre língua a partir do texto jornalístico; mas também conhecimentos propriamente da comunicação social, tal como ocorre com a presença de teorias comunicativas no LDP.

Na década de 1990, com a redemocratização, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de língua portuguesa dos 3º e 4º ciclos, que situam o texto do “domínio da imprensa” como uma das unidades de ensino, devendo em relação à qual se mediar, pedagogicamente, os movimentos de uso-reflexão-uso dos alunos. Neste sentido, pressupondo-se a existência de uma tradição normativa de ensino de português e com o objetivo de apresentar abordagem alternativa, baseada na Linguística moderna, na Linguística Aplicada e nos estudos de Educação e Linguagem, os PCN (Brasil, 1998BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC, 1998. ) defendem a necessidade de, tomando-se a unidade do texto, tratá-la como uso linguístico, refletir sobre este uso e tornar às questões que envolvem o uso. Embora, neste tratamento, o aluno deva ser conduzido a compreender que a língua é formada de variações, o lugar da língua de prestígio se mantém naturalizado enquanto referência de uso, de modo a autorizar a entrada, portanto, dos textos que devem servir de expressão de tal língua (Simões, 2021 SIMÕES, P. O projeto político-pedagógico-linguístico do trabalho com o campo jornalístico proposto no componente de Língua Portuguesa da Base Nacional Comum Curricular. 2021. 216 f. (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. Disponível em: https://www.bing.com/search?q=O+projeto+pol%C3%ADtico-pedag%C3%B3gico-lingu%C3%ADstico+do+trabalho+com+o+campo+jornal%C3%ADstico+proposto+no+componente+de+L%C3%ADngua+Portuguesa+da+Base+Nacional+Comum+Curricular&cvid=3518233eee904c90ac6331f4d325047b&gs_lcrp=EgZjaHJvb-WUyBggAEEUYOdIBBzc3N2owajSoAgCwAgA&FORM=ANAB01&PC=U531 . Acesso em: 20 nov. 2021.
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), para que ela que seja vista, reafirmada. Isto de modo que seja possível, também, realizar atividades de análise linguística, de leitura, de produção de texto, de diferentes gêneros textuais, de quatro domínios discursivos (Brasil, 1998BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC, 1998. ). Observe-se que o lugar da língua de prestígio, nos PCN, estando dado, são plantadas novas perspectivas, em relação ao contexto da Lei 5.692/1971, pelas quais se possível escolarizar língua de prestígio e referências éticas, estéticas e científicas para a relação do aluno com esta língua.

Do ponto de vista ético, é possível observar a concepção de que as variedades linguísticas devem ser respeitadas enquanto tal, o preconceito linguístico deve ser combatido, a norma sociolinguística de prestígio deve ser aprendida para fins de uso em situações formais, determinadas formas de elaboração textual devem ser aprendidas para a participação em sociedade, os meios de produção dos gêneros de determinados domínios devem ser aprendidos, dentre outros. Do ponto de vista estético, é necessário aprender a ler, escrever, falar, escutar textos de gêneros diversos, mobilizando-se características temáticas, composicionais, estilísticas e linguísticas desses gêneros para fins de reconhecimento e uso. Do ponto de vista cognoscitivo, os conhecimentos sobretudo da Linguística moderna devem conduzir as análises nos movimentos de reflexão sobre o uso linguístico, privilegiando-se a descrição do ser linguístico em relação à normatização do dever linguístico, historicamente centro de força no ensino-aprendizagem do português.

Destaca-se, no plano cognoscitivo, a influência dos estudos do Interacionismo Sócio-Discursivo (Dolz; Schneuwly, 2004DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; ROJO, R. (Org.). Os gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004. p. 41-73. ) acerca da relação entre gêneros e educação de língua. Os PCN instituem a narrativa do trabalho pedagógico com a “diversidade de gêneros” como fundamento da disciplina de Língua Portuguesa, em vista da necessidade desta em “preparar” os alunos para a interação com os diferentes gêneros que circulam na vida social. Isso marca a publicação de documentos oficiais (currículos, diretrizes e parâmetros federais, estaduais e municipais) cujos princípios teóricos e metodológicos procuram dialogar com os estudos científicos sobre gêneros. Em geral, trabalhos científicos e documentos oficiais, como a Base

Nacional Curricular Comum 3 3 O documento foi inicialmente confeccionado no Governo Dilma Rousseff e publicado em sua última versão no ano de 2018, no Governo Michel Temer. (Brasil, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasil: MEC, 2018. ), têm adotado a posição dos PCN em relação à importância do trabalho com a diversidade de gêneros na aula de Português. Deve-se entender, aqui, que esta diversidade de gêneros é um recorte cultural-linguístico da sociedade, dos enunciados da vida social, para ser contemplado na escola; e de que este recorte não é pacífico, livre de tensões, nem simplesmente existe em função da presença significava de tal diversidade na vida social, como afirma Soares ( 2002SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (Org.) Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002. p. 155-177. ), quando a autora explica o processo de escolarização do texto não-literário a partir da década de 1970. Tal recorte, como estamos argumentando, está a serviço de ideologias nacionalistas e de processos de unificação cultural-linguística (Santana, 2015SANTANA, M. V. M. Uma língua, uma nação? O papel dos vernáculos na formação dos estados nacionais europeus. In: FREITAG, L. M. K.; SILVA, L. R. (Org.). Percursos de uma Política Linguística no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 29-50. ); bem como a serviço da afirmação de determinadas estéticas e ciências de linguagem.

Particularmente em relação ao texto jornalístico, discursos acadêmicos destacam a importância dos gêneros jornalísticos na vida social em vista de sua presença massiva na comunicação e na formação da opinião pública. Não parece errado afirmar que há um consenso, entre pesquisadores, em torno da importância conferida ao tratamento dos gêneros jornalísticos na educação brasileira do português. A obra “Gêneros textuais & ensino” (cf. Dionisio; Machado; Bezerra, 2002DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002. ), a título de exemplo, privilegia, em seu todo, direcionamentos para a abordagem de gêneros da mídia no ensino de Português. Outros trabalhos, de diferentes perspectivas, atuam em tal consenso…

Na BNCC, em relação aos PCN, são preservados os lugares da língua de prestígio como referência única de uso e do texto como unidade de ensino. Os objetos de conhecimento deixam de ser os gêneros e passam a ser práticas e atividades comunicativas e discursivas, estando os gêneros instituídos em meio às habilidades a ser ensinar e aprender no trabalho com tais objetos de conhecimento. Estes são distribuídos em quatro eixos: leitura, produção de texto, oralidade e análise linguística/semiótica, por sua vez distribuídos em quatro campos de atuação: jornalístico-midiático, artístico-literário, de práticas de pesquisa e de atuação na vida pública.

O campo jornalístico-midiático prevê que o ensino de português deve possibilitar a participação dos alunos nas práticas informativas e opinativas; o desenvolvimento de habilidades e do interesse pelas práticas do campo; e, com isto, a incorporação dessas práticas às vivências dos alunos, a partir de um pensamento crítico e da construção de posicionamentos diversos na produção de textos de tais gêneros. Observe-se que na BNCC, como nos PCN, pressupõe-se, no sentido de que esta apresente o texto jornalístico para que seja lido, seja modelo de produção de texto, objeto de análise linguística, expressão de um campo de atuação, expressão de uma língua (Brasil, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasil: MEC, 2018. ). O acesso ao texto jornalístico realizado na escola ocorre para que, em interações futuras, como reconhece a BNCC; e no exercício da cidadania, como sinaliza os PCN, o aluno possa participar de forma significativa, crítica, produtiva de práticas de linguagem da esfera jornalística. Com isso, pressupõe-se que o acesso do indivíduo à esfera jornalística na vida social fora da escola é uma realidade pacificada, naturalmente dada. Neste sentido, a escolarização do texto jornalístico ocorre em função não do olhar da política de ensino sobre uma realidade de comunicação social, em que a esfera pública está desigualmente dividida, estando instanciada, no Brasil, de forma monopolista e oligárquica (Fonseca, 2004 FONSECA, F. C. P. Mídia e democracia: falsas confluências. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 22, p. 13-24, jun. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/j/rsocp/a/smkPpKnzYLQYPPjy7CtRXTL/ . Acesso em: 20 jun. 2019.
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). O texto jornalístico na escola se apresenta porque, sendo ele expressão de língua de prestígio 4 4 É fundamental destacar que o texto escolarizado é não apenas expressão de língua de prestígio, como também do letramento “único”, pedagogizado, no sentido do que abordam Street e Street, J. ( 2014 ). e estando significativamente presente nas práticas sociais (Brasil, 1998BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC, 1998. ) de certos grupos sociais – daqueles, inclusive, dos quais possivelmente fazem parte os próprios elaboradores de políticas de ensino de língua –, a atividade verbal jornalística tem seu lugar garantido na pedagogia de língua portuguesa.

Em função do lugar em que se encontra, o texto jornalístico, de jornais e revistas (Brasil, 1998BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC, 1998. , 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasil: MEC, 2018. ), é cotidianamente contemplado e apreciado em sala de aula na escola brasileira, em suas diferen tes realidades; ou apresenta potencial de assim estar instituído, na medida em que está material-ideologicamente presente nos impressos das coleções de LDP ou em outros meios. Na previsão das políticas de ensino de língua aqui analisadas, deve-se operar didaticamente, na escola, a relação entre o aluno e o texto jornalístico, expressão de uma língua, para que, mediante este, o aluno possa construir os conhecimentos necessários para participar da esfera jornalística fora da escola, em políticas internas e externas “fictícias” do enunciado jornalístico, dialogando com a crítica de Geraldi ( 2010GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João Ed., 2010. ) à “ficção” do trabalho com gêneros no ensino de português.

Observe-se que, com a abertura da escola pública para as classes populares, os negros e suas línguas sociais, à pedagogia de língua portuguesa institui-se a responsabilidade de operar formação linguística em que, com a naturalização do lugar da língua de prestígio, sejam autorizados textos e gêneros de determinados campos e esferas da vida social, para que a partir deles se possa ensinar atos, atividades e ciências de linguagem. Isto ocorre a despeito de se, na vida social para além da escola, o texto escolarizado é acessível ou não em termos de lugares de produção e consumo (leitura, escuta, visualização) de textos. Neste sentido, para o aluno da pedagogia de língua portuguesa particularmente da escola pública está instituído, por exemplo, o signo ideológico linguístico da comunicação jornalística, ao qual o aluno não possui acesso livre e de direito na vida social, mas que ele deve contemplar, na mediação do professor, como expressão de língua de prestígio, a língua nacional de seu País, objeto de consumo pela leitura, objeto-modelo de produção, expressão de conhecimento de linguagem e em relação à qual conhecer sobre linguagem. Este movimento de apreensão e reconhecimento de uma já dada e naturalizada cultura linguística no ambiente escolar acompanha o movimento da tradição escolar em que se privilegia o já sabido em relação ao devir (Geraldi, 2010GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João Ed., 2010. ). Isto de modo que a orientação do ato ético de quem ensina e de quem aprende língua portuguesa é no sentido do compromisso com uma herança cultural, como ainda critica Geraldi ( 2010GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João Ed., 2010. ), e não com as necessidades e urgências que o aluno, ele mesmo, apresenta, em sua palavra, sua língua, na relação com o professor.

A Lei 5.692/1971, os PCN e a BNCC, e seus fundamentos político-pedagógico-linguísticos, são enunciados confeccionados em situações em que as forças que então governavam o Brasil eram de visão econômica liberal, baseada numa concepção de sociedade em que decisões e escolhas limitadas à necessidade individual é que devem conduzir a consciência participativa do indivíduo no mundo. É uma perspectiva centrada na consciência do eu, no termo de Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ). Neste sentido, sobre a pedagogia escolar de língua portuguesa tem sido instituído o dever de formar sujeitos que apenas reconhecem os mercados linguísticos (Lagares, 2011LAGARES, X. C. Minorias linguísticas, políticas normativas e mercados. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e con litos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011. p. 169-192. ), da sociedade em que vive, exigidos, pelo Estado, para serem didaticamente trabalhados. Isto de modo que, no ensino de português, o aluno possa encontrar os meios linguísticos, enunciativos, discursivos para saber melhor participar de situações futuras (Brasil, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasil: MEC, 2018. ), nos mercados de língua na sociedade. Parece-nos, necessário, neste sentido, defender uma (política de) pedagogia de língua portuguesa centrada na construção de uma consciência do nós, ainda em termos de Volóchinov ( 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tr ad. Sheila Grillo e Ek aterina Vo lkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017. ), com a qual o ato ético de criar a palavra ocorra em função de necessidades coletivas. Isso implica mais do que reconhecer enquanto tal a vida da palavra em sociedade; significa, sim, agir no sentido de operar, no agora, e para além do espaço escolar, sobre uma vivência real de palavra, em que o aluno reconheça o ato ético responsável que constitui sua participação na construção do mundo, e sempre em relação ao outro e sua coletividade.

Considerações finais

Como argumentamos, uma pedagogia que visa relacionar o aluno com o texto jornalístico não apenas está dada no espaço escolar, na forma do currículo de língua portuguesa, como ali institui tal texto na condição de ser uma expressão de prestígio e de poder de língua, daquela língua apesentada ao aluno como sendo a língua única de seu País, inclusive quando em relação à qual se afirma a existência de variações. Este fato sinaliza que o texto jornalístico está autorizado do ponto de vista sociolinguístico para fins didáticos e, a partir disso, garante a tal texto o lugar de objeto de contemplação com o qual o aluno, sob mediação do professor, irá se relacionar, enquanto indivíduo que se subjetiva em relação a linguagem (Simões, 2006 SIMÕES, A. R. G. S. M. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da escolaridade obrigatória. 2006. 378 f. (Doutorado em Didáctica) – Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro. Disponível em: https://ria.ua.pt/handle/10773/4681#:~:text=Depois%20de%20um%20estudo%20explorat%C3%B3rio%20junto%20de%20uma,elementos%20did%C3%A1cticos%20%C3%BAteis%20para%20um%20trabalho%20educativo%20concreto . Acesso em: 25 ago. 2019.
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), construindo e hierarquizando identidades linguísticas (Guimarães, 2002GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, 2002. ) com implicações éticas, estéticas e científicas na relação sujeito-língua.

Defendemos, aqui, que o tempo e o espaço dedicados a atividades letradas e orais em sala de aula estejam em função de uma formação linguística ética baseada no plurilinguismo e não no monolinguismo. Isto entendendo que a realidade linguística denominada de Português, no Brasil, é uma realidade de línguas sociais diversas, muitas das quais existentes nas interações mais periféricas das grandes cida des, do meio rural, das matas e florestas; que são silenciadas ou simplesmente tratadas como variedade do Português ou língua outra, que não o Português, sendo esta a “língua oficial”, a língua que identifica o falante como um “cidadão brasileiro”. Uma ética do plurilinguismo implica os atos responsáveis do aluno – sob a mediação do professor e seus atos responsáveis – no sentido do conhecimento de língua como meio de conhecimento de si, de sua história, da história de seu grupo social, de seu povo, da realidade de seu país e da palavra como meio de luta social.

Para além de atividades estéticas centradas em composições, conteúdos, formas, estilos e materiais linguísticos dados nos textos dos diferentes gêneros que devem ser escolarizados, é fundamental que, na orientação de uma ética do plurilinguismo, a atividade estética seja operada no sentido da criação literária do aluno, em processos de hibridizações, intercalações de gêneros, que estejam a serviço da construção do personagem/objeto discursivo de que o aluno deseja falar e dizer, mediante a atividade do professor, em relação a sua audiência na comunicação social. Isso implica que devem ser pensadas políticas linguísticas e políticas de ensino de língua portuguesa que estejam baseadas na ética do plurilinguismo, em que a língua de prestígio, quando apresentada, deve ser compreendida como expressão do Estado. É importante, ademais, como lembra Faraco ( 2011FARACO, C. A. O Brasil entre a norma culta e a norma curta. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011. p. 259-275. ), agir no sentido de uma nova normatização linguística no Brasil, realizada por linguistas. Entendemos que a tecnologia de gramatização, como toda outra, não guarda em si nenhuma qualidade que não seja estar em função do agir do indivíduo socialmente coletivizado. Afirmamos isto no sentido de que não é condenável existir a gramatização, o gesto sistematizador, pelo qual se constrói a língua teórica que é a língua única – que nem por isso não é viva no cotidiano sobretudo mais institucionalizado das atividades verbais. Entendemos que tal gesto deve estar a serviço de um país que procure conhecer a si, particularmente do ponto de vista linguístico, em meio a sua diversidade e seus processos violentos de construção. Isto para que seja possível fazer da aula de português um ambiente de crítica e escuta compreensiva; de diálogo, tensão, polêmica com o texto de mídia, por exemplo, com o qual eventualmente se irá trabalhar. Neste sentido, é fundamental entender que, neste artigo, não buscamos defender a saída do texto da imprensa da sala de aula, mas uma entrada com outros compromissos éticos e com outras potencialidades estéticas.

Uma ciência da linguagem na escola, na perspectiva que aqui estamos defendendo, estará baseada no conhecimento que o aluno já produz sobre linguagem, suas representações, suas potencialidades de reflexão sobre sua própria atividade de criação linguística. Neste sentido, o trabalho do professor deverá ser mediar a relação entre dever e ser linguísticos que o aluno apresentar na expressão de sua consciência participativa, na performance de seu ato ético. É a partir disso que o aluno será apresentado à herança de conhecimentos metalinguísticos normativos e descritivos, sob uma política de ensino escolar de língua portuguesa que possibilite ao professor as condições econômicas, materiais e científicas de desenvolver um olhar, como defende Cavalcanti (2013), sociologicamente sensível e antropologicamente atento, em relação a língua e educação linguística. Neste sentido, vai-se encontrar na ciência linguística do aluno, sua intuição, seu senso de investigação, o meio de conhecer sobre sua língua, sua história, sobre a realidade linguística do País, da cidade, do bairro, sempre na medida em que opera atividades estéticas de linguagem e atos responsáveis na participação da construção do mundo.

Ademais, do ponto de vista da presença do campo jornalístico na pedagogia de língua portuguesa, vale destacar aquilo que dizem Kellner e Share ( 2008 KELLNER, D.; SHARE, J. Educação para a leitura crítica da mídia, democracia radical e a reconstrução da educação. Educ. Soc., Campinas, v. 29, n. 104 – Especial, p. 687-715, out. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/j/es/a/hcZr4mDdbgTfSy3NWt8RptQ/ . Acesso em: 10 jun. 2019.
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), em relação a letramentos midiáticos críticos, no sentido de que a escola não deve se contentar e se limitar a reconhecer a comunicação pública tal como ela se dá na vida social; mas fazer do espaço escolar e para além da escola ambiente social para lugares de dizer sobre o mundo e lutar socialmente, em vista da conquista de direitos sociais e da cidadania justa e digna. Endossamos o discurso dos autores sobretudo em função do país em que vivemos: estruturalmente racista, classista e patriarcal, sendo um dos principais meios de estruturação de uma sociedade a língua que o indivíduo, e sua formação linguística, cria em relações de alteridade, em termos de Bakhtin ( 1997BAKHTIN, M. Hacia una filosofia del acto etico. Trad. Tatiana Bubnova. Barcelona: Anthropos, 1997. ), na vida de fato vivida .

Agradecimento

Agradeço à CAPES pela concessão da bolsa de pesquisa.

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    Este trabalho é em parte resultado de pesquisa de mestrado orientada pela Profa. Dra. Márcia Mendonça, no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada, do Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp.
  • 2
    A criação literária é tomada, aqui, em sentido mais amplo, em que se inserem as narrativas do cotidiano, sobretudo da oralidade, em que estão presentes a ficção e a construção individual e coletiva de personagens/objetos discursivos. Neste sentido, a ficção pela palavra é constitutiva do ser, porque, do lugar único que ocupa na existência, o indivíduo nunca poderá alcançar uma inteira verdade do mundo, de modo que sua relação com a realidade objetiva e também com seu mundo interior é sempre estética. Ou seja, sempre implica um processo de distanciamento entre um lugar único, um objeto e o excedente de visão singular que neste processo se institui (Bakhtin, 2010aBAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. p. 26-48. ).
  • 3
    O documento foi inicialmente confeccionado no Governo Dilma Rousseff e publicado em sua última versão no ano de 2018, no Governo Michel Temer.
  • 4
    É fundamental destacar que o texto escolarizado é não apenas expressão de língua de prestígio, como também do letramento “único”, pedagogizado, no sentido do que abordam Street e Street, J. ( 2014STREET, B.; STREET, J. A escolarização do letramento. In: STREET, B. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. p. 121-144. ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2021
  • Aceito
    15 Abr 2023
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