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Análise sociossemiótica multimodal do grid e do layout de memes: transformações e reproduções em disputa

Multimodal social semiotic analysis of the grid and layout of memes: transformations and reproductions in dispute

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar as transformações e permanências de elementos que ocorrem nos layouts de memes na internet. Partimos da Semiótica Social Multimodal (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010.), que discute os conceitos de layout e grid, atrelados aos estudos da Comunicação e o conceito de remix (Manovich, 2005MANOVICH, L. Remixability and Modularity. In: MANOVICH, L. Manovich [Site], [S. l.], 2005. Disponível em: Disponível em: http://manovich.net/index.php/projects/remixability-and-modularity . Acesso em: 20 jan. 2020.
http://manovich.net/index.php/projects/r...
; Navas, 2009NAVAS, E. Remix: the bond of repetition and representation. In: REMIX Theory [Site]. [S. l.], jan. 2009. Disponível em: Disponível em: https://remixtheory.net/?p=361 . Acesso em: 20 dez. 2020.
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) e à visão da Linguística Textual sobre memes (Cavalcante; Oliveira, 2019CAVALCANTE, M. M.; OLIVEIRA, R. L. de. O recurso aos memes em diferentes padrões de gêneros à luz da Linguística Textual. Desenredo: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras de Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 8-23, 2019. Disponível em: Disponível em: https://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/8931 . Acesso em: 10 maio 2023.
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; Lima Neto, 2020LIMA NETO, V. de. Meme é gênero? Questionamentos sobre o estatuto genérico do meme. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p. 2246-2277, set./dez. 2020. DOI: DOI: https://doi.org/10.1590/01031813834991620201116 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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). Metodologicamente selecionamos dois memes, cada qual de um tipo diferente de grid e os analisamos com base na categoria de grid e nos processos de transformação pelos quais eles passam. Os resultados apontam que a repetição dos grids e de elementos dos layouts dos memes remixados sugere conservadorismo na produção desses textos, mas, ao mesmo tempo, são práticas valorizadas que consolidam a cultura do remix do copiar/colar para gerar engajamento em redes sociais digitais, apesar de o agenciamento dos produtores remix ser limitado pelo agenciamento de controle e reprodução das empresas de redes sociais.

Palavras-chave:
layout; memes; multimodalidade; remix; semiótica social

Abstract

The aim of this article is to analyze transformations and permanencies of elements that occur in meme layouts on the internet. We start from Multimodal Social Semiotics (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010.), which discuss the concepts of layout and grid, linked to Communication studies and the concept of remix (Manovich, 2005MANOVICH, L. Remixability and Modularity. In: MANOVICH, L. Manovich [Site], [S. l.], 2005. Disponível em: Disponível em: http://manovich.net/index.php/projects/remixability-and-modularity . Acesso em: 20 jan. 2020.
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; Navas, 2009NAVAS, E. Remix: the bond of repetition and representation. In: REMIX Theory [Site]. [S. l.], jan. 2009. Disponível em: Disponível em: https://remixtheory.net/?p=361 . Acesso em: 20 dez. 2020.
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) and to Textual Linguistics approach about memes (Cavalcante; Oliveira, 2019CAVALCANTE, M. M.; OLIVEIRA, R. L. de. O recurso aos memes em diferentes padrões de gêneros à luz da Linguística Textual. Desenredo: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras de Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 8-23, 2019. Disponível em: Disponível em: https://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/8931 . Acesso em: 10 maio 2023.
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; Lima Neto, 2020LIMA NETO, V. de. Meme é gênero? Questionamentos sobre o estatuto genérico do meme. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p. 2246-2277, set./dez. 2020. DOI: DOI: https://doi.org/10.1590/01031813834991620201116 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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). Methodologically, we selected two memes, presenting two different types of grids and we analysed them, based on the grid category and the transformation processes they go through. The results show that the repetition of grids and elements of the layouts of the remixed memes suggests conservatism in the production of these texts, but, at the same time, they are valued practices that consolidate the culture of remix, of copy/paste to generate engagement in social networks. despite the producers’ agency being limited by the control and reproduction agency of social media companies.

Keywords:
layout; memes; multimodality; remix; social semiotics

1 Considerações iniciais

Em 1º de março de 2020, o programa de televisão Fantástico exibiu uma reportagem tratando das características da população trans no sistema carcerário brasileiro. O médico brasileiro Drauzio Varella conduzia as entrevistas e perguntou a uma das detentas sobre o tempo que ela não recebia visitas. Diante da resposta, comentou: “Solidão, né, minha filha?” e abraçou a mulher. Depois de uma onda de comoção no Brasil, essa frase se popularizou muito rapidamente, gerando variados memes, em diferentes contextos e com algumas adaptações. Dentre os exemplos, estavam as relacionadas ao início da pandemia de Covid, como “vontade de derrubar o presidente, né, minha filha?”; ou “vontade de bater perna, né, minha filha”, sempre com esses textos verbais sobrepostos à imagem do médico1 1 Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/03/23/solidao-ne-minha-filha-fala-de-drauzio-vira-meme-durante-a-quarentena.htm. Acesso em: 18 abr. 2024. .

O exemplo em tela nos interessa, pois mostra que a viralização está entre as características dos memes e que ela pode ser engendrada, muitas vezes, pela repetição de algum padrão, fazendo com que o leitor entenda, pela insistência, que esses elementos são apropriados de outras produções. Um meme continuamente remixado gera novas produções que remetem a produções anteriores, e uma característica do primeiro meme continua ressoando nos outros remixados a partir dele. Pode ser, portanto, um traço intertextual, característica já rastreada por Knobel e Lankshear (2007KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Online memes, affinities and cultural production. In: KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. (Ed.). A new literacies sampler. New York: Peter Lang Publishing, 2007. p. 199-228.) e, mais tarde, por Cavalcante e Oliveira (2019CAVALCANTE, M. M.; OLIVEIRA, R. L. de. O recurso aos memes em diferentes padrões de gêneros à luz da Linguística Textual. Desenredo: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras de Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 8-23, 2019. Disponível em: Disponível em: https://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/8931 . Acesso em: 10 maio 2023.
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) e Lima Neto (2020LIMA NETO, V. de. Meme é gênero? Questionamentos sobre o estatuto genérico do meme. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p. 2246-2277, set./dez. 2020. DOI: DOI: https://doi.org/10.1590/01031813834991620201116 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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). Esse traço de repetibilidade, que se espraia nos layouts utilizados nos memes, constitui um dos nossos objetos de pesquisa neste trabalho.

Ancorados na Semiótica Social Multimodal (SSM) (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010.), objetivamos analisar as variações e permanências de elementos que ocorrem nos layouts de memes na internet, no intuito de verificar os efeitos de sentido que essas alterações produzem. Temos o propósito de trabalhar com a SSM, porque acreditamos que ela seja capaz de contribuir para a Linguística Aplicada expandir seu escopo para a análise de outros modos semióticos além do verbal escrito e falado. Kress (2015KRESS, G. Semiotic Work: Applied Linguistics and social semiotic account of Multimodality. AILA Review, v. 28, n. 1, p. 49-71, jan. 2015. Doi: Doi: https://doi.org/10.1075/aila.28.03kre . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 51) sugere três pontos para isso. O primeiro deles diz respeito à maior presença de textos produzidos com mais de um modo (multimodais). O segundo ponto diz respeito aos efeitos desestabilizadores no histórico papel central da fala e da escrita no ocidente, em razão de possíveis mudanças na ecologia do cenário de comunicação e produção de sentidos. Por fim, Kress (2015KRESS, G. Semiotic Work: Applied Linguistics and social semiotic account of Multimodality. AILA Review, v. 28, n. 1, p. 49-71, jan. 2015. Doi: Doi: https://doi.org/10.1075/aila.28.03kre . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 51) questiona se a Linguística Aplicada vai recorrer a outras disciplinas, teorias e ferramentas para lidar com o fenômeno da multimodalidade da comunicação contemporânea.

A preocupação de Kress (2015KRESS, G. Semiotic Work: Applied Linguistics and social semiotic account of Multimodality. AILA Review, v. 28, n. 1, p. 49-71, jan. 2015. Doi: Doi: https://doi.org/10.1075/aila.28.03kre . Acesso em: 10 maio 2023.
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) com a absorção de abordagens como a multimodalidade por parte da Linguística Aplicada vem da relação dela com o seu objeto de pesquisa fundamentalmente verbal, que é o ensino de línguas maternas e estrangeiras. No entanto, como apontam Menezes, Silva e Gomes (2018MENEZES, V.; SILVA, M. M.; GOMES, I. F. Sessenta Anos de Linguística Aplicada: De onde viemos e para onde vamos. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P. Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2018. p. 25-50.), embora a Linguística Aplicada tenha nascido voltada para o estudo sobre o ensino de línguas estrangeiras, ela se configura atualmente como uma “área imensamente produtiva, responsável pela emergência de uma série de novos campos de investigação transdisciplinar, de novas formas de pesquisa e de novos olhares sobre o que é ciência” (Menezes; Silva; Gomes, 2018MENEZES, V.; SILVA, M. M.; GOMES, I. F. Sessenta Anos de Linguística Aplicada: De onde viemos e para onde vamos. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P. Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2018. p. 25-50., p. 26). E esses pesquisadores vão além ao dizer que a separação entre Linguística Aplicada e Estudos Linguísticos é cada vez menos evidente (Menezes; Silva; Gomes, 2018MENEZES, V.; SILVA, M. M.; GOMES, I. F. Sessenta Anos de Linguística Aplicada: De onde viemos e para onde vamos. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P. Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2018. p. 25-50., p. 25).

No Brasil, Gualberto e Santos (2019GUALBERTO, C. L.; SANTOS, Z. B. dos. Multimodalidade no contexto brasileiro: um estado de arte. DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 35, n. 2, p. 1-30, 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/45274 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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) realizaram revisão de literatura dos estudos da multimodalidade no país na última década. Os resultados apontaram para uma quantidade significativa de teses, dissertações e artigos da Linguística Aplicada relevantes, cujo referencial teórico e metodologia foram realizados sob a abordagem da semiótica social e multimodalidade.

Em relação ao objeto de pesquisa deste artigo, Buzato et al. (2013BUZATO, M. E. K.; SILVA, D. P. da; COSER, D. S.; BARROS, N. N. de; SACHS, R. S. Remix, mashup, paródia e companhia: por uma taxonomia multidimensional da transtextualidade na cultura digital. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 13, n. 4, p. 1191-1221, 2013. DOI: DOI: https://doi.org/10.1590/S1984-63982013000400011 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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) analisaram o meme sob a perspectiva de disciplinas, conceitos e ferramentas, segundo eles próprios, objetos de estudos da Linguística Aplicada, tais como intertextualidade, cultura digital e do remix, gêneros digitais e linguística textual. Em relação aos estudos dos gêneros, apoiamo-nos na própria concepção de gênero trazida por Kress (2003KRESS, G. Literacy in the new media age. London: Routledge, 2003.), que o assume como uma categoria indissociável do texto, que orienta os sujeitos para o mundo social. Utilizaremos, no texto, a terminologia gênero textual muito mais por se tratar de uma cristalização do termo nos estudos da Linguística Aplicada.

O nosso objetivo, portanto, é contribuir com os estudos sobre meme na Linguística Aplicada sob a perspectiva da Semiótica Social Multimodal (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010.), a fim de analisar a integração entre os modos verbal, imagético e layout que são orquestrados em conjunto no meme, bem como as implicações de sentido do seu reprodutor remix. Do mesmo modo, pretendemos analisar as transformações e permanências de elementos que ocorrem nos layouts de memes na internet.

Consideramos a leitura do meme tão importante quanto, porém, este artigo se deteve na sua produção, embora o intuito futuro seja também o estudo da produção de sentido do meme por parte do seu leitor. No que tange à Semiótica Social, procuramos revelar relações de poder opacas exercidas pelas grandes empresas de redes sociais na internet sobre seus usuários que remixam, compartilham e curtem os memes.

As análises revelaram também contradições acerca da relação entre liberdade de expressão e transformação promovida pela remixagem dos memes de um lado, e de outro lado o controle e reprodução de informações e discursos promovidos pelas empresas de redes sociais. Ainda que os reprodutores remix de memes intencionalmente atuem a partir de processos transformadores, eles podem contribuir para a reprodução de interesses hegemônicos de grandes corporações e grupos ideológicos.

Nós partimos da observação segundo a qual o remix de memes lida com o reposicionamento, alteração e permanência dos elementos no layout de um meme remixado, além disso, a repetição do grid do layout é uma prática comum no remix. No design gráfico, o grid é o conjunto de alinhamentos prefixados que o designer gráfico utiliza para distribuir os elementos em um layout.

Nossa hipótese para a não alteração do grid nos layouts dos memes é que há a necessidade de manutenção de determinados elementos para garantir sua viralização, que é fruto da cultura remix. A produção de sentido ao ler memes depende da soma de informações conhecidas (repetidas) mais informações novas, como em qualquer produção de inferência, entretanto, parece que a exigência de leitura rápida dos memes depende, em grande medida, de mais informações conhecidas (e repetidas) do que novas. Há razões para acreditar que as posições dos elementos de um meme viralizado, tais como blocos de textos verbais, imagens de background e ícones, permanecem as mesmas para proporcionar leitura e compreensão de poucos elementos em cada remixagem de um meme viralizado. A permanência do grid parece ser a escolha em memes viralizados para manter o posicionamento dos elementos do layout.

No escopo da SSM, a multimodalidade é a parte que lida com os modos e seus recursos semióticos utilizados na produção do signo e de textos. Dessa forma, acreditamos que o grid seria um recurso semiótico com o qual é possível criar o modo layout. Por sua vez, a Semiótica Social é a parte da SSM que lida com motivações e consequências da produção do signo e do texto na produção de sentido por parte de produtores e leitores (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 2). Com base nos conceitos de trabalho semiótico e tradução da SSM, acreditamos que a remixagem de memes passa pelo processo de transformação (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 124), pois um mesmo layout é ressignificado em um novo meme, com as devidas alterações (transformações) em seus elementos.

O artigo está assim organizado: conceituamos o meme e as suas características da viralização e de remixabilidade (Knobel; Lankshear, 2007KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Online memes, affinities and cultural production. In: KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. (Ed.). A new literacies sampler. New York: Peter Lang Publishing, 2007. p. 199-228., 2020KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Memes on-line, afinidades e produção cultural (2007-2018). In: CHAGAS, V. (org.). A cultura dos memes: aspectos sociológicos e dimensões políticas de um fenômeno do mundo digital. Salvador: EDUFBA, 2020. p. 85-126.; Navas, 2009NAVAS, E. Remix: the bond of repetition and representation. In: REMIX Theory [Site]. [S. l.], jan. 2009. Disponível em: Disponível em: https://remixtheory.net/?p=361 . Acesso em: 20 dez. 2020.
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; Cavalcante; Oliveira, 2019CAVALCANTE, M. M.; OLIVEIRA, R. L. de. O recurso aos memes em diferentes padrões de gêneros à luz da Linguística Textual. Desenredo: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras de Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 8-23, 2019. Disponível em: Disponível em: https://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/8931 . Acesso em: 10 maio 2023.
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; Lima Neto, 2020LIMA NETO, V. de. Meme é gênero? Questionamentos sobre o estatuto genérico do meme. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p. 2246-2277, set./dez. 2020. DOI: DOI: https://doi.org/10.1590/01031813834991620201116 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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). Em seguida, apresentamos e relacionamos com nosso objetivo os conceitos de modos, recursos semióticos e materiais no que se refere à parte da multimodalidade da SSM. Em seguida, fizemos o mesmo com os conceitos da semiótica social, tais como trabalho semiótico e de ressignificação pela tradução e transformação, com base em Kress (2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010.), com os quais analisamos o processo de remixagem dos memes. Nessa seção, com a fundamentação de outros estudiosos da SSM e de redes sociais, (Giddens, 1989GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.; Goodwin, 2012GOODWIN, C. The co-operative, transformative organization of human action and knowledge, Journal of Pragmatics, v. 46, n. 1, p. 8-23, jan. 2012. Doi: Doi: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2012.09.003 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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; Kusters et al., 2017KUSTERS, A.; SPOTTI, M.; SWANWICK, R.; TAPIO, E. Beyond languages, beyond modalities: transforming the study of semiotic repertoires. International Journal of Multilingualism, v. 14, n. 3, p. 219-232, 2017. Doi: Doi: https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1321651 . Acesso em: 10 maio 2023.
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; Beiguelman, 2021BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência da dadosfera. São Paulo: UBU, 2021.) apresentamos e discutimos as relações de poder exercidas no compartilhamento de memes na internet e como essas relações se dão no remix de memes. Além disso, conceituamos o grid como um artefato virtual (Bateman, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and genre: a foundation for the systematic analysis of multimodal documents. New York: Palgrave McMillan, 2008.) que cria limitações para a produção do layout, funcionando, portanto, como recurso semiótico do modo layout (Kress, 2003KRESS, G. Literacy in the new media age. London: Routledge, 2003., 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010.). Depois apresentamos nossa metodologia e, por fim, nossa análise dos memes selecionados, discutindo os resultados.

2 Meme: viralização e remix

A cultura do remix vem sendo discutida por autores de diferentes searas do conhecimento (Lessig, 2001LESSIG, L. The future of ideas: The fate of the commons in a connected world. New York: Ramdom House, 2001., 2008LESSIG, L. Remix: making art and commerce thrive in the hybrid economy. London: Bloomsburry, 2008.; Manovich, 2005MANOVICH, L. Remixability and Modularity. In: MANOVICH, L. Manovich [Site], [S. l.], 2005. Disponível em: Disponível em: http://manovich.net/index.php/projects/remixability-and-modularity . Acesso em: 20 jan. 2020.
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; Navas, 2009NAVAS, E. Remix: the bond of repetition and representation. In: REMIX Theory [Site]. [S. l.], jan. 2009. Disponível em: Disponível em: https://remixtheory.net/?p=361 . Acesso em: 20 dez. 2020.
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, 2010NAVAS, E. Regressive and Reflexive Mashups in Sampling Culture. SONVILLA-WEISS, S. (Ed.). Mashup Cultures. New York: Springer Wien, 2010. p. 01-28.) e volta-se sobretudo para as questões da cibercultura (Lévy, 1999LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.). Aqui adotamos o conceito de Navas (2009NAVAS, E. Remix: the bond of repetition and representation. In: REMIX Theory [Site]. [S. l.], jan. 2009. Disponível em: Disponível em: https://remixtheory.net/?p=361 . Acesso em: 20 dez. 2020.
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, p. 2, tradução nossa), que a define como uma “atividade global que consiste na troca de informações criativa e eficiente, possibilitada por tecnologias digitais que é suportada pela prática de recortar, copiar/colar”2 2 “[...] global activity consisting of the creative and efficient exchange of information made possible by digital technologies that is supported by the practice of cut/copy and paste.” . Essa visão é relevante para dar conta dos objetos digitais que constituem o corpus desta pesquisa, os memes da internet.

O conceito de remix vem sendo (re)definido nos últimos vinte anos e surgiu a partir da percepção do fenômeno de edição de músicas nas discotecas dos anos de 1960 e 1970, quando da possibilidade de novos arranjos, acréscimos e reduções de melodias, além de misturas com outras canções. Mas entendemos que ele é um fenômeno muito maior, próprio das culturas humanas, e isso termina por refletir nas produções textuais de modo geral e nos memes3 3 Há uma diferença entre o meme (Dawkins, 2010) e o meme online (Knobel; Lankshear, 2007; 2020; Shifman, 2014) que merece ser considerada: o conceito clássico, oriundo dos estudos das Ciências Biológicas, aponta para uma unidade de transmissão cultural, ou as ideias replicadas que permitem que as culturas evoluam; o segundo aponta para as produções de textos escritos, imagéticos, estáticos ou dinâmicos, frutos de processos de remixagem, que têm rápida disseminação na internet. Ao usarmos o termo meme neste estudo, é esta última acepção a que nos referimos. , entendidos como

Uma prática linguageira manifestada em textos verbais, verbo-imagéticos ou simplesmente imagéticos publicados na internet, os quais envolvem processos de remixagem, com propósitos, essencialmente, humorísticos e/ou críticos em relação a uma situação ocorrida no cotidiano, e os quais passam a corresponder a enunciados de situações diversas dos usuários da internet (Cavalcante; Oliveira, 2019CAVALCANTE, M. M.; OLIVEIRA, R. L. de. O recurso aos memes em diferentes padrões de gêneros à luz da Linguística Textual. Desenredo: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras de Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 8-23, 2019. Disponível em: Disponível em: https://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/8931 . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 14).

A concepção dos autores vai ao encontro do que propõem Knobel e Lankshear (2020KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Memes on-line, afinidades e produção cultural (2007-2018). In: CHAGAS, V. (org.). A cultura dos memes: aspectos sociológicos e dimensões políticas de um fenômeno do mundo digital. Salvador: EDUFBA, 2020. p. 85-126.), ao entenderem que hoje, no universo das redes sociais digitais, o referente que se constrói na mente do usuário da internet ao se deparar com a palavra meme é a da produção textual constituída por uma imagem estática e um texto escrito sobreposto a ela. No Brasil, essa produção textual se popularizou desde a década passada, com a emergência do Facebook. Mesmo tendo formatos variados, os memes têm como características constitutivas a viralização e a remixabilidade (Lima Neto, 2020LIMA NETO, V. de. Meme é gênero? Questionamentos sobre o estatuto genérico do meme. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p. 2246-2277, set./dez. 2020. DOI: DOI: https://doi.org/10.1590/01031813834991620201116 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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), porque se constituem por elementos de diferentes produções, reorganizados em um novo layout.

A primeira característica, a viralização, resgata uma metáfora do vírus, que se espraia rapidamente, “ultrapassando amplamente os padrões médios de leitura e compartilhamento, alcançando milhões de usuários” (Ribeiro, 2018RIBEIRO, A. A. O conceito sistêmico de viralização em redes sociais na internet. Nexi: Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, São Paulo, n. 4, p. 18-29, 2018. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/nexi/article/view/36846 . Acesso em: 10 jan. 2023.
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, p. 19). Já a segunda característica, a remixabilidade, se caracteriza por ser um processo criativo, que, nos memes, consiste, em unir dois ou mais modos semióticos, cujas fontes são variadas, e manipulá-los, para suprir as necessidades enunciativas, gerando um produto mesclado. Nessa busca, é constitutivo repetir elementos de outras produções, e adaptá-los, de forma grosseira, sem preocupações com os acabamentos de arte final - caracterizando o copia e cola e as montagens, mesclando recursos semióticos, sobrepondo-os, adaptando-os etc., de fato, fazendo com que o leitor recupere informações de outros textos. Logo, entendemos que as intertextualidades (Carvalho, 2018CARVALHO, A. P. L. de. Sobre intertextualidades estritas e amplas. 2018. 135f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2018.) e as mesclas de gêneros ajudam a constituir o que chamamos de remixabilidade. Entendemos que são ambas as características que garantem a vida do meme, num determinado espaço de tempo: a viralização, responsável pelo espraiamento; a remixabilidade, responsável pelas transformações ao longo do tempo, para cumprir diferentes propósitos enunciativos.

Quando tratamos de mesclas de gêneros ou gêneros híbridos4 4 Kress (2003), ao tratar de gêneros híbridos, se refere ao fato de que eles são constituídos por elementos verbais e não-verbais, sendo impossível analisá-los sem considerar sua dimensão multimodal. , estamos tratando de um fenômeno de composição de um texto que congrega traços de gêneros distintos: diferentes tipos de memes, em sua constituição, podem misturar características de charge e crônica; de reportagem e de histórias em quadrinhos etc. Os produtores de gêneros publicitários e humorísticos, por exemplo, se utilizam dessas estratégias discursivas com muita destreza, por se tratar de gêneros mais maleáveis. Não se trata de um fenômeno novo. Bakhtin (2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.) mostra que, na Antiguidade Clássica, era comum gêneros mais complexos absorverem gêneros mais simples. Com tecnologias digitais, do século XX em diante, esse fenômeno apenas se tornou ainda mais saliente, sobretudo com o uso de técnicas de copiar/colar, editar, redesenhar, apagar, suprimir etc.

Considerando o remix como um fenômeno mais amplo, entendemos que as mesclas de gêneros são um dos tipos de remix possíveis, uma vez que os produtores do texto que participarão de um gênero mesclado congregaram conscientemente elementos de gêneros distintos numa única composição textual. Nos memes, isso acontece com muita frequência, quando, por exemplo, é selecionada uma imagem qualquer, que é retirada de seu contexto original, sobre a qual se coloca um texto verbal ou se agrega uma música de fundo. Ao se apropriar de elementos alheios, o produtor do meme explicita essa apropriação. A cópia (xerox) e a cola (grosseira) são próprias da cultura do remix (Navas, 2009NAVAS, E. Remix: the bond of repetition and representation. In: REMIX Theory [Site]. [S. l.], jan. 2009. Disponível em: Disponível em: https://remixtheory.net/?p=361 . Acesso em: 20 dez. 2020.
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). Essas atividades - copiar/colar/cortar - são habilidades importantes na produção de textos que circulam nas redes. Neles, não há preocupação com o acabamento dos textos, uma vez que, numa mentalidade pós-industrial (Knobel; Lankshear, 2007KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Online memes, affinities and cultural production. In: KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. (Ed.). A new literacies sampler. New York: Peter Lang Publishing, 2007. p. 199-228.) atividades dessa natureza têm sido desenvolvidas cada vez mais por pessoas que não necessariamente são especialistas na área de arte-final, como publicitários. Qualquer um, de posse de um smartphone e com mínimo domínio de algum editor de imagem, consegue produzir um texto constituído de montagem de diferentes elementos, sem finalidade estética - portanto, de forma mais grosseira - e postar em redes sociais.

O produtor-leitor de memes torna-se o que Villa-Forte (2019VILLA-FORTE, L. Escrever sem escrever: literatura e apropriação no século XXI. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; Belo Horizonte: Relicário Edições, 2019., p. 96) chama de autor-curador: “o autor cuja autoria se concretiza por meio de outras autorias”. É um autor que se constitui pelo que lê, um produtor-leitor que deseja compartilhar o que lê, fazendo curadoria, oferecendo outras possibilidades de leitura de um mesmo meme para sua audiência leitora. Ao mesmo tempo, é um reprodutor do que já está pronto, o ready-made da cultura do remix, que questiona a escrita criativa e sua autoria original como um valor, por isso ele reproduz, “memetiza”, realizando transformações no meme do outro.

Esse reprodutor da cultura do remix é também um consumidor, na medida em que se deleita em ver/ler qual elemento do layout pode ser transformado durante os remixes. Ele se funde em produtor e consumidor, o que Bruns (2007BRUNS, A. Produsage: Towards a Broader Framework for User-Led Content Creation. In: SHNEIDERMAN, B. (Ed.). C&C’07: Proceedings of 6th ACM SIGCHI Conference on Creativity and Cognition. New York: Association for Computing Machinery, 2007. p. 99-105.) chamou de producer. Esse produtor/leitor de meme provavelmente prevê leitores que têm fruição em ler/observar quais foram as transformações realizadas em cada remix, retroalimentando a produção e consumo/leitura de memes nos ambientes digitais em que circulam, gerando engajamento na forma de curtidas/compartilhamentos/comentários.

Dentre as diferentes possibilidades de abordagem desses fenômenos, escolhemos a Semiótica Social Multimodal, que nos instrumentalizou para dar conta dos dados e sobre a qual nos debruçamos doravante.

3 Semiótica Social Multimodal: modo semiótico de representação

Kress (2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 7) propõe que a abordagem da Semiótica Social Multimodal (SSM) seja um contraponto às abordagens linguísticas gramaticais, que possuem ênfase no modo semiótico verbal. Isso porque o sistema de regras rígidas das gramáticas não condiz com a instabilidade social atual. Para o mundo do trabalho de hoje, são necessárias pessoas que saibam lidar com as demandas semióticas de agora, ou seja, saibam lidar com os conjuntos multimodais orquestrados (orchestrated multimodal ensembles), que se tornaram as produções contemporâneas (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 122). Portanto, o enfoque da SSM é nos estudos dos modos semióticos e não apenas do modo semiótico verbal.

Para Kress (2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 11, tradução nossa), modos “são o resultado da modelagem histórica e social dos materiais escolhidos por uma sociedade para a representação”5 5 “Modes are the result of a social and historical shaping of materials chosen by a society for representation [...]”. . Com base nesse entendimento, Paiva (2021PAIVA, F. A. Práticas de letramento e produção de sentido de layouts na multimodalidade. Texto Digital, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 98-127, 2021. DOI: DOI: https://doi.org/10.5007/1807-9288.2021.e81241 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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, p. 110) define assim os modos e recursos semióticos: (i) modos são a língua falada e escrita, gestos, imagem, 3D, layout, ou seja, modos de organizar, desenvolvidos historicamente pelo seu uso em sociedade, os recursos semióticos, com os quais as pessoas representam o mundo e produzem sentidos; já os (ii) recursos semióticos são tipos gráficos, intensidade da voz, molduras, saliências e grid que, por sua vez, são produzidos com (iii) recursos materiais do ambiente, como linhas, cores, espaços e som. Em se tratando da língua falada como modo, as pausas, intensidades, modulação da voz são passíveis de produção de sentido, portanto, são recursos semióticos trabalhados pelos produtores de sentido. Além disso, as escolhas de um falante demandam lidar com os recursos materiais disponíveis no ambiente. Material aqui é entendido como “os fenômenos acessíveis para envolver os sentidos humanos”6 6 “[...] phenomena which are accessible to and for engagement by the ‘senses’, the (human) sensorium.” na comunicação (Kress, 2015KRESS, G. Semiotic Work: Applied Linguistics and social semiotic account of Multimodality. AILA Review, v. 28, n. 1, p. 49-71, jan. 2015. Doi: Doi: https://doi.org/10.1075/aila.28.03kre . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 51, tradução nossa). Por exemplo, escolhas para se decidir se falará mais alto ou mais baixo, ao falar em público contando apenas com a voz ou ao microfone? Ou escolhas para decidir se enfatiza palavras ou não, porque a fala será integrada a outros modos como o imagético, em apresentações de slides, por exemplo, ou não contará com esse recurso?

Portanto, os modos são construções do conhecimento desenvolvido por comunidades, sempre em um ambiente social, com recursos materiais e culturais disponíveis, imbuídos com o significado daqueles que os têm modelado e remodelado em seu ambiente social, respondendo às necessidades do seu tempo e de sua comunidade, por isso os modos são uma construção motivada, ao invés de arbitrária.

Nesse entendimento, o layout é o modo semiótico como a sociedade organiza, orquestra, posiciona recursos semióticos tais como molduras, saliências, cores, blocos de textos verbais para produzir diferentes textos, como propagandas, cartazes, infográficos, páginas web e memes. Para compreender o layout como um modo diferente do modo verbal e do imagético, uma vez que na composição do layout esses dois modos podem estar presentes, Kress (2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 122) propõe que o layout seja compreendido como um conjunto multimodal orquestrado, envolvendo o arranjo de diferentes modos, frames, gêneros de texto e discursos. Por exemplo, Kress (2003KRESS, G. Literacy in the new media age. London: Routledge, 2003., p. 67) observa o tratamento que os designers gráficos dão ao texto verbal em layouts. Os textos verbais, produzidos por terceiros, tornam-se blocos imagéticos que são arrastados e posicionados no layout de acordo com as escolhas do designer gráfico. Em Leeuwen (2005LEEUWEN, T. van. Introducing Social Semiotics. London: Routledge, 2005., p. 13), são sugeridas categorias de arranjos de layouts que corroboram a coesão entre elementos do layout, entre eles os blocos de textos verbais, por meio de recursos imagéticos. Gualberto e Kress, (2019GUALBERTO, C.; KRESS, G. Contemporary landscapes of visual and digital communication: the interplay of social, semiotic, and technological change. In: PAUWELS, L.; MANNAY, D. The sage handbook of visual research methods. London: SAGE Publications, Inc, 2019. p. 574-590., p. 582) demonstram como esses blocos de textos verbais são conectados entre si por recursos imagéticos como linhas, frames e saliência de cores.

Ainda nesse tocante, Kusters et al. (2017KUSTERS, A.; SPOTTI, M.; SWANWICK, R.; TAPIO, E. Beyond languages, beyond modalities: transforming the study of semiotic repertoires. International Journal of Multilingualism, v. 14, n. 3, p. 219-232, 2017. Doi: Doi: https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1321651 . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 03) têm investigado como diferentes modos trabalham juntos e apontam como hipótese que um mesmo modo pode cumprir um papel principal em um conjunto multimodal ou ser subordinado em outros conjuntos. No caso dos layouts, é possível que o modo imagético seja o principal modo de representação.

No caso dos memes em que há texto verbal e imagético, pois há memes constituídos apenas de imagens, partimos do pressuposto que a integração entre o modo verbal e o imagético seja tão essencial como nos infográficos. Em relação a essa integração no meme, ao que tudo indica, o grid é o principal recurso semiótico do modo layout no processo de remixar um meme, pois o produtor do remix mantém o grid a cada nova versão criada.

3.1 O recurso semiótico grid e o modo semiótico layout

Carvalho, R. (2012CARVALHO, R. A. P. Anatomia de um grid: as partes básicas de uma página. In: RICARDOARTUR [Site], [s. l.], 2012. Disponível em: Disponível em: https://ricardoartur.com.br/1001/tag/grid/ . Acesso em: 07 dez. 2021.
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) define o grid no escopo do design gráfico como

[...] um conjunto específico de relações de alinhamento que funcionam como guias para a distribuição dos elementos num formato. Todo grid possui as mesmas partes básicas, por mais complexo que seja. Cada parte desempenha uma função específica; as partes podem ser combinadas segundo a necessidade, ou omitidas da estrutura geral a critério do designer, conforme elas atendam ou não às exigências informativas do conteúdo.

O grid é constituído de linhas e formas geométricas que criam molduras nas quais são posicionados ou criados os elementos de um layout. Ele serve de orientação para o trabalho de alinhamento e combinação dos elementos pelo designer gráfico. A Figura 1 traz exemplos de grids.

Figura 1
Exemplos de grid

Consideramos o grid um recurso semiótico, pois com ele se produz o modo layout. A partir do entendimento do grid como recurso semiótico, é possível compreender que há trabalho semiótico antes da produção de um layout. O grid é fruto de produção de significado e ressignificado. Por isso, um designer gráfico pode optar por utilizar um grid pronto para desenvolver seu layout, em vez de iniciá-lo do zero. Cardoso (2016CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: UBU, 2016., p. 97) afirma que, no Brasil, o grid tem uma “importância histórica como elemento de estruturação do espaço visual no design gráfico”.

Já o layout é um modo semiótico, à luz de Kress e Leeuwen (2006KRESS, G.; LEEUWEN, T. van. Reading images: the grammar of visual design. 2. ed. London: Routledge, 2006.) e Leeuwen e Kress (1995LEEUWEN, T. van; KRESS, G. Critical Layout Analysis. Internationale Schulbuchforschung, v. 17, n. 1, p. 25-43, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/43056999 . Acesso em: 10 maio 2023.
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). Para eles, o layout “envolve três sistemas de significação simultaneamente, todos com uma função textual, todos servindo para estruturar o texto, para reunir os vários elementos do texto multimodal em um todo coerente e significativo” (Leeuwen; Kress, 1995LEEUWEN, T. van; KRESS, G. Critical Layout Analysis. Internationale Schulbuchforschung, v. 17, n. 1, p. 25-43, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/43056999 . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 26, tradução nossa) 7 7 “Layout simultaneously involves three signifying systems, all with a textual function, all serving to structure the text, to bring the various elements of the multimodal text together into a coherent and meaningful whole [...].” . Esses três sistemas de significados são: valor da informação, saliência e moldura. Mais tarde, na Gramática do Design Visual, Kress e Leeuwen (2006KRESS, G. Semiotic Work: Applied Linguistics and social semiotic account of Multimodality. AILA Review, v. 28, n. 1, p. 49-71, jan. 2015. Doi: Doi: https://doi.org/10.1075/aila.28.03kre . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 175-214) elaboraram essa análise do layout a partir desses três sistemas de significados e fizeram-no tendo como base o grid. Vejamos um exemplo de Grid em memes.

É possível haver alterações do texto escrito e da imagem entre os dois memes, mas a permanência do grid modular e de apenas um dos sintagmas garante a ordem de leitura conhecida do leitor, como visto nos remix dos memes “Você não”, na Figura 2. Neles, o grid modular apresenta uma palavra acompanhada de uma imagem em cada quadrante. Cada uma dessas unidades apresenta uma avaliação positiva de outros memes viralizados, que gozam de grande aceitação nas redes sociais em que circulam. Nos exemplos da figura 2, os melhores cães, no meme da esquerda; e os melhores personagens, no meme da direita. No entanto, um desses retângulos estabelece uma exceção, uma avaliação negativa: “você não”, um cão e um personagem de meme, ambos desagradáveis. O mesmo grid, a mesma proximidade da imagem (em close-up) e a mesma estrutura sintagmática são mantidas entre o meme da esquerda e o meme da direita na Figura 2, frutos de remixagem. Mas há mudanças nos elementos como diferentes imagens: de cães no meme da esquerda e de personagens no meme da direita. Há também mudanças nos sintagmas que portam a avaliação: “melhor” no meme da esquerda e “tão incríveis” no meme da direita, além de uma mudança de singular para plural e o acréscimo de palavras “memes” e “para internet”.

Figura 2
Permanência do grid e do sintagma “Você não” entre o meme da esquerda e o da direita

No caso do remix da Figura 2, entre um meme e outro, as alterações no modo verbal pareceram ser essenciais para que o produtor do meme pudesse realizar o ajuste necessário a fim de estabelecer uma nova interlocução com o meme, assim como as alterações das imagens de cada quadrante também foram necessárias. No entanto, o grid foi o elemento não alterado. A permanência do grid sugere que, na avaliação de aptidão do meme “Você não” para realizar o discurso do produtor, considerou-se realizar transformações nos modos verbais e imagéticos, mas não no modo layout, porque o seu recurso de grid permaneceu. Essa escolha pode revelar também que, em se tratando de transformações em memes remixados, a manutenção do recurso semiótico do grid parece ser uma constante.

Para Lima Neto (2020LIMA NETO, V. de. Meme é gênero? Questionamentos sobre o estatuto genérico do meme. Trabalhos em linguística aplicada, Campinas, v. 59, n. 3, p. 2246-2277, set./dez. 2020. DOI: DOI: https://doi.org/10.1590/01031813834991620201116 . Acesso em: 12 abr. 2024.
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), essas alterações entre um meme e outro são características da remixabilidade da cultura do remix. Note-se como há mudança de figuras/fotos, que são extraídos de seus lugares originais, são readaptados e recontextualizados: o primeiro meme trata da temática dos cães, com fotos de cães de raças variadas, centrando a saliência na foto do cão de raça pinscher, culturalmente conhecido como, embora pequeno, agressivo; o segundo já resgata frames de vídeos de personagens de animações ou séries populares no Brasil, novamente com elementos disponíveis na cultura, escolhidos pelo produtor do texto, recortados de seus contextos originais e organizados no grid, de forma que todos são queridos, exceto o que está no centro da figura. Logo, são outras temáticas, outros propósitos, outros sentidos, mantendo o mesmo grid. Essa produção é constituída pela remixabilidade.

A partir dessa discussão, é possível afirmar que, do ponto de vista do design gráfico, as produções de layouts dos memes são conservadoras, pois optam pelos quadrantes e círculos dos grids convencionais, sem arriscar novos arranjos. Do ponto de vista da cultura do remix, grids e layouts conservadores atendem melhor à intenção de questionar a possibilidade de se produzir algo inédito depois da massificação da cultura no século XX. Além disso, grids e layouts convencionais facilitam a produção de novos remixes e favorecem a leitura de quem busca por mudanças e transformações entre um meme e seus remixes.

Acreditamos que os layouts editáveis de plataformas de designer gráfico on-line8 8 As plataformas possuem templates de layouts editáveis, permitindo que leigos possam produzir design gráfico. Elas possibilitam a criação de apresentações, handouts, pôsteres, infográficos dentre outros. Alguns aspectos facilitam sua utilização pelo usuário. Suas funções são intuitivas, desde que se tenha algum conhecimento em processadores de textos. são um bom exemplo para explicar por que o layout é modo semiótico na perspectiva da Semiótica Social Multimodal. Os templates dessas plataformas permitem que usuários leigos produzam layouts de diferentes gêneros. O produtor pode trabalhar nesses layouts rearranjando seus elementos, excluindo e incluindo outros, utilizando recursos de molduras e saliência, além de imagens e texto verbal. Ou seja, esse trabalho semiótico com os recursos do layout permite a produção de textos e de sentidos, assim como o trabalho semiótico realizado com outros modos. Trata-se do mesmo trabalho de arranjo dos recursos que se faz com as mãos e as expressões faciais no modo gestual; o trabalho com as palavras, sintagmas e a página no modo verbal escrito; o arranjo de tonalidade, volume e ênfase no modo verbal falado ou o arranjo de luz, foco e enquadramento no modo imagético.

Por fim, Bateman (2008BATEMAN, J. A. Multimodality and genre: a foundation for the systematic analysis of multimodal documents. New York: Palgrave McMillan, 2008.) fez uma grande contribuição para compreendermos o grid como recurso semiótico e o layout como modo. Em sua proposta de análise multimodal de layouts, conhecida como Modelo de Gênero e Multimodalidade - GeM (Bateman, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and genre: a foundation for the systematic analysis of multimodal documents. New York: Palgrave McMillan, 2008., p. 16), ele criou o conceito de artefato virtual, segundo o qual as práticas sociais de uso e criação de layouts são condicionadas por limitações da tela (do artefato portador do layout: papel, monitor, celular), bem como limitações de produção (de tecnologias como impressoras) e de consumo (de escolhas e de objetivos dos leitores). O que não se configura como um ponto de vista totalmente original, pois Kress e Leeuwen (2006KRESS, G.; LEEUWEN, T. van. Reading images: the grammar of visual design. 2. ed. London: Routledge, 2006.), Leeuwen e Kress (1995LEEUWEN, T. van; KRESS, G. Critical Layout Analysis. Internationale Schulbuchforschung, v. 17, n. 1, p. 25-43, 1995. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/43056999 . Acesso em: 10 maio 2023.
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) e Kress (2003KRESS, G. Literacy in the new media age. London: Routledge, 2003., 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010.) discutiram os potenciais e limitações das páginas, tecnologias e das comunidades interpretativas sobre os layouts.

Entretanto, ao analisar os grids de layouts para sua proposta de modelo GeM, Bateman (2008BATEMAN, J. A. Multimodality and genre: a foundation for the systematic analysis of multimodal documents. New York: Palgrave McMillan, 2008., p. 83) considerou o grid um artefato virtual, porque ele restringe o posicionamento dos elementos em um layout: “o propósito de um sistema de grid é estabelecer um artefato virtual dentro do qual a implantação de recursos espaciais é limitada por ele, para reproduzir padrões de posicionamento espacial, além das limitações físicas que a própria página já impõe” (Bateman, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and genre: a foundation for the systematic analysis of multimodal documents. New York: Palgrave McMillan, 2008., p. 83, tradução nossa)9 9 “[...] purpose of a grid system is to establish a virtual artefact within which the deployment of spatial resources is constrained to reproduce particular patterns of spatial placement over and above the constraints that the physical page alone provides”. .

Esse entendimento do grid como um artefato virtual que cria restrições planejadas para o layout reforça a nossa tese, baseada na Semiótica Social Multimodal, segundo a qual o grid é um recurso semiótico a que os produtores recorrem para criar o layout, que, por sua vez, pode ser compreendido como um modo semiótico de representação. Isso porque o grid tem origem em um trabalho semiótico realizado a priori, que fica disponível para produtores o utilizarem na criação de diferentes layouts.

4 Semiótica Social Multimodal: trabalho semiótico e processo de ressignificação

O conceito de trabalho semiótico é essencial para a mudança de paradigma em direção à análise da produção motivada do signo, do modo e do texto, em vez da análise do seu uso, como se os seus significados fossem imutáveis. No escopo da abordagem SSM, o entendimento segundo o qual o trabalho muda as coisas, a ferramenta e o trabalhador são transpostos para o trabalho semiótico da comunicação, compreendido como um trabalho social que produz mudanças significativas nos textos, nos modos, nas pessoas e nos ambientes de linguagem. Em relação à produção de sentido, é possível dizer que, se o trabalho semiótico acontece, o sentido também é produzido, porque o trabalho semiótico, para a SSM, engloba “todos os processos que fazem parte da construção do sentido” (Kress, 2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 120, tradução nossa)10 10 “[...] all processes which are part of the making of meaning [...].” . Portanto, a produção de qualquer artefato semiótico, seja um vaso decorativo, uma fachada de prédio ou um texto, consequentemente vai gerar produções de sentido.

Kress (2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 120) discute e nomeia processos de significação e ressignificação do trabalho semiótico, porque os textos, em sua grande maioria, não são iniciados do zero. São ressignificações de outras produções que sofrem mudanças nos modos de representação: altera-se a ordem dos elementos, substituem-se alguns elementos, eliminam-se outros e assim por diante. O próprio meme pode ser exemplo do trabalho semiótico de ressignificação. Nesse trabalho, o produtor avalia o que Kress (2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 55, tradução nossa) chama de aptidão da relação significante e significado.

A relação de forma e significado é de aptidão, de um ‘melhor ajuste’, em que a forma do significante se sugere como pronta para ser a expressão do sentido - o significado - que deve ser realizado. Aptidão significa que a forma tem os recursos necessários para ser o portador do significado.11 11 “The relation of form and meaning is one of aptness, of a ‘best fit’, where the form of the signifier suggests itself as ready-shaped to be the expression of the meaning - the signified - which is to be realized. Aptness means that the form has the requisite features to be the carrier of the meaning.”

No caso do remix de um meme viralizado, nossa hipótese é que seu produtor avalia a relação de aptidão entre o meme que já está pronto (forma-significante) e o significado (o novo discurso que deseja produzir) e se questiona: “como o que eu quero dizer pode ser dito por esse meme viralizado?”; “Este meme está apto a ser o portador do que eu tenho para dizer?”, se estiver apto: “Quais transformações preciso fazer, mantendo mais elementos do que os alterando?”. Esse processo de considerar as aptidões de um texto para ser ressignificado é nomeado pela SSM como ressignificação. Um dos tipos de processo de ressignificação que é relevante para nossas análises neste artigo é a tradução.

No escopo da SSM, a tradução é o nome dado ao processo de ressignificação em que o significado é movido, transferido, transportado entre gêneros, entre discursos ou entre modos; em uma mesma cultura ou entre culturas diferentes. A tradução de um romance em uma língua para outra língua é o exemplo mais comum desse conceito entre um mesmo modo (a escrita) e entre um mesmo gênero (o romance), porém, do ponto de vista da SSM, a tradução pode ocorrer de diferentes maneiras. Por isso, Kress (2010KRESS, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary communication. London: Routledge, 2010., p. 124) subdivide o processo de tradução em dois subtipos: transdução e transformação. O primeiro nomeia os processos de tradução entre modos semióticos diferentes: da fala para imagem e da escrita para a imagem em movimento, por exemplo. Já o segundo nomeia os processos de tradução entre os mesmos modos semióticos, porém com alterações em seus elementos.

A partir desse entendimento, uma aula em que o professor explica por meio da fala, gestos e imagens o que está escrito em um livro é um processo de transdução, em que há tradução do escrito para o oral e imagético. Por outro lado, a remixagem de memes, em que um meme viralizado tem seu layout mantido, porém com reorganização dos elementos no grid a cada remixagem, é um processo de transformação. Como ressaltam Santos e Tiburtino (2021SANTOS, Z. B. dos; TIBURTINO, V. As contribuições da Semiótica Social Multimodal para apreciação de infográficos digitais no contexto da pandemia da COVID-19. Texto Digital, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 169-190, 2021. Doi: Doi: https://doi.org/10.5007/1807-9288.2021.e81351 . Acesso em: 10 maio 2023.
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, p. 176), em ambos os processos é necessário “observar as modalidades, os recursos semióticos e como eles são articulados para a configuração de novos arranjos-textos.”

Em relação à remixabilidade do meme, para a SSM, trata-se de processo de transformação, em que apenas alguns elementos do texto ressignificado são alterados, ao contrário de uma transdução por completo de um texto em outro texto, de outro gênero textual. A multimodalidade nesse processo de transformação de elementos do meme diz respeito às escolhas do produtor de sentido sobre quais modos semióticos serão alterados.

4.1 Agência, transformação e reprodução

O objetivo das pessoas ao remixarem memes é cumprir uma função social para a qual ainda há poucos estudos na Linguística Aplicada e na SSM. Trata-se de criar engajamento de outras pessoas nas redes sociais, por meio de curtidas, comentários e compartilhamentos. Esse objetivo em grande medida contribui para que as grandes empresas de tecnologia da internet realizem o seu trabalho de profilagem, que é a forma de acumular dados das pessoas com base nos seus gostos e hábitos para prever comportamentos de consumo. Isso é feito por meio de registro do que as pessoas curtem, clicam, comentam e compartilham. Canclini (2021CANCLINI, N. G. Cidadãos substituídos por algoritmos. São Paulo: EDUSP, 2021., p. 22) acredita que o modo como essas empresas de redes sociais operam para criar vínculos com as pessoas destrói “o sentido de viver junto”, a ponto de distanciá-las da “pluralidade de sentidos concebida nos primeiros trechos da expansão da internet e das redes sociodigitais”.

Parece que a repetição tão importante na cultura do remix foi apropriada pelas grandes empresas de redes sociais da internet como um modo de gerar um consentimento espontâneo dos usuários para curtirem, comentarem, compartilharem. Entretanto, tudo não passa de aceitação passiva e indiferente em direção à homogeneização de opiniões e de sentidos. Nesse viés, os posicionamentos políticos e sociais de memes que viralizam, isto é, que são altamente compartilhados, carregados de humor, ironia e críticas, podem encobrir operações de profilagem, na medida em que os dados dos usuários são avaliados pelos algoritmos. Nas últimas consequências, para as grandes empresas de redes sociais digitais, nas quais os memes circulam, não importa se o meme viralizado destrói reputações, é machista, misógino, racista, fascista ou com toda a sorte de preconceitos, desde que gere engajamento para que dados dos usuários sejam resgatados.

A ideia por trás das ações dessas grandes empresas não é nova. Para compreender como elas engajam as pessoas na produção de dados, recorremos ao conceito de disciplina de Foucault (2014FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. ed. 42. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 135), que surgiu da industrialização das cidades na formação dos estados nacionais, na modernidade, mas se desenvolveu nas sociedades contemporâneas. Essas sociedades disciplinam por meios de normas e regras não apenas o comportamento das pessoas, mas também seus corpos, para que possam viver nas cidades organizadas para essa disciplinarização. Não apenas a organização física, como os prédios, as ruas, as fábricas, as escolas e os quartéis disciplinam os corpos, mas também produtos semióticos, textos e discursos, tais como leis, campanhas publicitárias e modos de viver de acordo com a medicina e a religião, por exemplo. Para Foucault (2014FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. ed. 42. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 135), o objetivo dessa sociedade é tornar os corpos dóceis para viverem sob as suas regras. Daí vem a expressão “olhares dóceis” de Beiguelman (2021BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência da dadosfera. São Paulo: UBU, 2021., p. 46), ou seja, não bastou apenas disciplinar os corpos; a sociedade pós-moderna e suas grandes empresas de tecnologia digital disciplinaram o olhar das pessoas por meio de imagens, utilizando-se, entres outros recursos, do grid de layout de redes sociais por onde circulam, entre outros textos, os memes.

Beiguelman (2021BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência da dadosfera. São Paulo: UBU, 2021., p. 181) também chama a atenção para a volatilidade do discurso político instaurado pelos memes. Para ela, neles,

a atualização das mesmas imagens que são utilizadas recorrentemente, muitas vezes por grupos antagônicos, com novas legendas, revela-se uma contração do repertório visual que é criado nas redes. Conjugada ao imediatismo, à concisão e à volatilidade dos memes, essa repetição expressa, também, a impossibilidade de discussão e reflexão que impera no modelo atual de redes sociais. Isso ganha maior relevância na medida em que os memes passam a ser um instrumento político e cada vez mais usado nas campanhas eleitorais (Beiguelman, 2021BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência da dadosfera. São Paulo: UBU, 2021., p. 181).

Esse posicionamento crítico em relação aos memes, aliado às ações de profilagem das empresas de redes sociais, pode explicar por que elas alimentam a circulação de memes e contribuem para eles viralizarem. A profilagem depende de volume de publicações em vez de diversificação de conteúdo. Quantos mais memes publicados, curtidos, comentados, compartilhados maior o volume de dados, independentemente do seu tema, ideologia e filiação partidária. Por isso a repetição, tão relevante para a cultura do remix, interessa às grandes empresas de redes sociais. É o que Fairclough (2001FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Coordenação da tradução, revisão técnica e prefácio: Izabel Magalhães. Brasília: UNB, 2001., p. 84) chama de tecnologização do discurso, que consiste no refinamento extremo da linguagem com o objetivo de criar identificação com uma marca ou ideologia. Ora, como visto, na cultura do remix, o refinamento da linguagem é justamente questionado pelos memes, pois se valoriza a cópia declarada e a edição amadora. No entanto, as empresas de redes sociais fazem dessa opção pelo antiestablishment da cultura do remix um produto que as pessoas consomem acreditando que estão indo contra o sistema.

Para Souza (2018SOUZA, J. Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: LeYa, 2018., p. 23), essa capacidade do capitalismo de ser opaco enquanto domina é a sua “marca diferencial” o “mecanismo responsável pela sua longevidade e por sua extraordinária eficácia cotidiana”.

A Semiótica Social se preocupa em analisar como as escolhas e trabalho semiótico com os recursos disponíveis das pessoas e instituições promovem relações desiguais de poder. Para Hodge (2017HODGE, B. Social Semiotics for a Complex World: Analysing Language and Social Meaning. Cambridge, UK: Polity Press, 2017. (Ebook), p. 07), os recursos escassos são apropriados e utilizados pelo poder hegemônico, porém, tudo é feito para transparecer uma aparente legalidade e um espontâneo consentimento dos usuários das redes sociais. De fato, reproduzem-se a indiferença e a aceitação passiva do que é consumido.

Para Kusters, et al. (2017KUSTERS, A.; SPOTTI, M.; SWANWICK, R.; TAPIO, E. Beyond languages, beyond modalities: transforming the study of semiotic repertoires. International Journal of Multilingualism, v. 14, n. 3, p. 219-232, 2017. Doi: Doi: https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1321651 . Acesso em: 10 maio 2023.
https://doi.org/10.1080/14790718.2017.13...
, p. 09), as diferenças de usos dos modos semióticos geram hierarquia, ou seja, relações de poder desiguais entre as pessoas (assimetrias e desigualdades), pois elas utilizam recursos diferentes, uns mais valorizados do que os outros e desigualmente distribuídos e disponíveis.

Acreditamos que é de fundamental importância observar tais hierarquias, pois elas apontam relações de poder desiguais (historicamente inseridas) entre as pessoas que usam recursos semióticos diferentes, uns mais valorizados do que outros pelas diferentes partes interessadas, além disso, muitas pessoas têm menos acesso a variados recursos (Kusters et al., 2017KUSTERS, A.; SPOTTI, M.; SWANWICK, R.; TAPIO, E. Beyond languages, beyond modalities: transforming the study of semiotic repertoires. International Journal of Multilingualism, v. 14, n. 3, p. 219-232, 2017. Doi: Doi: https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1321651 . Acesso em: 10 maio 2023.
https://doi.org/10.1080/14790718.2017.13...
, p. 09, tradução nossa)12 12 “We believe that it is of crucial importance to attend to such hierarchies since they point toward (historically embedded) unequal power relationships between the people who use semiotic resources, how resources are more or less valued by different stakeholders, and how people have more or less access to resources.” .

Aliado à necessidade de verificar como as pessoas têm acesso aos recursos de linguagem, Goodwin (2012GOODWIN, C. The co-operative, transformative organization of human action and knowledge, Journal of Pragmatics, v. 46, n. 1, p. 8-23, jan. 2012. Doi: Doi: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2012.09.003 . Acesso em: 12 abr. 2024.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2012.09...
, p. 02) investigou como comunidades com recursos escassos lidam com a produção de textos. Ele chegou à conclusão que, diante da escassez de recursos semióticos para a produção de textos, as pessoas optam por utilizar os poucos disponíveis, contribuindo para criar modos de comunicação sedimentados, cujos textos se repetem, tornando-se um hábito naquela comunidade. Portanto, as conclusões da SSM a respeito da má distribuição dos recursos materiais de linguagem, que gera escassez para comunidades desprestigiadas e, consequentemente, produções textuais sedimentadas, podem ser relacionadas com as proposições a respeito do uso que as grandes empresas de redes sociais da internet fazem das viralizações de memes para gerar dados. Ou seja, os poucos recursos necessários para criação e remix de memes da internet, aliados à facilidade dos memes de serem transformados pelas pessoas, incluindo a manutenção de grid, edições amadoras, poucos textos verbais, podem ser indícios de escassez de recursos das comunidades da cultura do remix. Embora a improvisação, o ready-made e o copiar-colar sejam características dessa cultura, sobretudo do meme, não se pode desconsiderar a apropriação dessas características pelas grandes empresas da internet e do capitalismo, a fim de gerarem ganhos e lucros para o poder hegemônico.

Por conseguinte, essas conclusões instauram uma contradição, segundo a qual a liberdade e o poder transformador da remixabilidade dos memes são, em alguma medida, anulados pelo controle e poder reprodutor promovidos pelas empresas de redes sociais. Nesse sentido, é válido recorrer às proposições de Giddens (1989GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989., p. 07), pilar sociológico dos estudos da semiótica social, acerca do poder de agenciamento das pessoas diante das estruturas sociais. Para Giddens (1989GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989., p. 07) a agência “não se refere às intenções que as pessoas têm ao fazer as coisas, mas à capacidade delas para realizar essas coisas em primeiro lugar. Sou o autor de muitas coisas que não tenho a intenção de fazer, mas que, não obstante, faço”. Como exemplo disso, Giddens (1989GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989., p. 06) cita o fato de falarmos e escrevermos na nossa língua materna na variante padrão, o que contribui para a reprodução dessa variante como mais valorizada: “o fato de eu falar inglês corretamente é intencional; a contribuição que dou para a reprodução da língua não é” (Giddens, 1989GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989., p. 06).

No tocante à remixabilidade dos memes e sua viralização, seus reprodutores têm como intenção se engajarem em produzir conteúdo e manifestarem posicionamentos nas redes sociais, no entanto, contribuem para a reprodução de discursos de interesse de grandes grupos ideológicos ou de grandes empresas das redes sociais. Portanto, ainda que os reprodutores remix de memes atuem sob a ótica do processo de transformação, muito do seu trabalho semiótico contribui para a reprodução social.

Na próxima seção, apresentamos a metodologia proposta para a análise dos memes selecionados, a fim de demonstrar sua repetibilidade, remixabilidade e contradições.

5 Metodologia

Para atingir nosso objetivo de analisar as variações que ocorreram no remix de memes viralizados na internet, no intuito de verificar as alterações de elementos em seu layout e a manutenção do grid entre os remixes, criamos categorias de análises baseadas na fundamentação teórica desenvolvida nas seções anteriores.

Nossa metodologia de análise do corpus fundamentou-se nas duas partes da SSM para analisar o trabalho semiótico de remixagem dos memes: a multimodalidade e a semiótica social. Como categorias de análise, utilizamos os conceitos apresentados nas seções anteriores, quais sejam, a multimodalidade do recurso semiótico grid e do modo layout; e o subtipo de processo de ressignificação nomeado transformação pela semiótica social, bem como a relação de aptidão entre significante e significado, avaliada pelo produtor de meme. Por fim, incluímos a categoria reprodução, que diz respeito a que medida o reprodutor remix reproduz discursos hegemônicos em oposição à sua intenção inicial de transformar o meme remixado. A investigação a respeito dos processos de interpretação dos memes por parte dos seus leitores também é necessária, no entanto, este artigo delimitou a produção do meme como objeto de análise. Em futuros estudos, a leitura do meme também será nosso objeto de investigação.

Selecionamos seis memes para análise na próxima seção, sendo quatro do ET Revoltado e dois da Nazaré Confusa. A escolha desses dois memes foi ocasionada por diferentes motivos: o primeiro começou a circular em 2015, fruto de uma competição cujo objetivo era incorporar um ET numa obra clássica (Museu de Memes, 2015MUSEU de Memes [Site]. [Rio de Janeiro, 2015]. Disponível em: Disponível em: https://museudememes.com.br/ . Acesso em: 12 abr. 2024.
https://museudememes.com.br/...
). Trata-se de um bom exemplo de remix, pelo fato de ter sofrido dezenas de intervenções, ao longo dos anos. Já a motivação do segundo se deu pelo fato de, além de ter uma série de intervenções e passar por diferentes mudanças produzidas pelos usuários é também internacional: circulou largamente em outros países, sob o nome de Math Ladie ou Confused Blonde. Trata-se de dois layouts diferentes, com muita popularidade e bastante reconhecidos pelos usuários de diferentes plataformas.

O Quadro 1 reúne nossa metodologia de análise, que é explicada na sequência.

Quadro 1
Metodologia de análise dos memes

Avaliar se o recurso semiótico do grid foi mantido entre os remixes de um meme é importante para verificarmos como os seus produtores utilizaram o mesmo layout do meme para produção de novos sentidos. Como consequência, acreditamos ser preciso analisar quais elementos do layout foram alterados entre um meme e seu remix, a fim de verificar as alterações, reposicionamentos e permanências dos elementos do layout trabalhados pelo seu produtor para buscar novos sentidos pretendidos por ele.

Com essas avaliações do recurso do grid e dos elementos do layout, podemos avaliar também as consequências para a produção de sentido: quais foram as mudanças de sentido produzidas entre um meme e seu remix, no intuito de verificar como ocorreu a avaliação de aptidão do meme viralizado para expressar o sentido pretendido pelo reprodutor do seu remix. Ou seja, esse reprodutor do remix, ao avaliar um meme viralizado como apto a dizer o que esse produtor deseja precisou realizar quais transformações no meme viralizado para que o seu remix fosse o portador de um novo discurso? As análises a seguir buscam demonstrar esses processos de avaliação da aptidão, de transformação e de remixabilidade que ocorrem no remix dos 6 memes selecionados para este artigo.

6 Sobre o layout de memes

Para as análises dos memes, apresentamos dois grupos de imagens, Figura 4, memes “Et revoltado”, e Figura 5, memes “Nazaré confusa”. Após cada figura, apresentamos a análise realizada a partir das categorias do Quadro 1, discutindo as questões de análise dessas categorias.

Figura 3
L´amour Désarmé

Figura 4
Sequência de remixes ET Revoltado

Figura 5
Sequência de remixes Nazaré Confusa

6.1 Meme ET Revoltado

Segundo o Museu de Memes (2015MUSEU de Memes [Site]. [Rio de Janeiro, 2015]. Disponível em: Disponível em: https://museudememes.com.br/ . Acesso em: 12 abr. 2024.
https://museudememes.com.br/...
), o meme ET Revoltado (#Me segura) foi difundido no ano de 2015, com circulação mais rara nos dias de hoje. A pintura a que o meme faz referência é L´amour Désarmé, de Bouguereau (1885BOUGUEREAU, W. A. Amor desarmado. 1885. Pintura, óleo sobre tela, 120 x 97 cm. Disponível em: Disponível em: https://pt.artsdot.com/@@/8YDEB9-William-Adolphe-Bouguereau-amor-desarmado . Acesso em: 07 dez. 2021.
https://pt.artsdot.com/@@/8YDEB9-William...
), como se vê na Figura 4. Nos memes, o Cupido, representação mitológica do amor, foi substituído pelo ET em uma competição promovida pelo site Worth1000 em 2008. A viralização só aconteceu muito tempo depois, mas o remix se constituiu pelo recurso intertextual da alusão, por uma montagem a partir do uso de um programa de edição de imagens.

6.1.1 O recurso do grid foi mantido na íntegra ou parcialmente?

Nessa sequência de remixes do ET Revoltado, Figura 4, a escolha foi pelo grid com imagem de background mais texto verbal centralizado, na mesma tipografia e em caixa-alta, no topo e na base do layout. Além de repetição da mulher que segura o segundo personagem, o ET ou o suricato, existe a manutenção do mesmo posicionamento central desses personagens e a repetição da frase “Me solta!”.

Esse grid foi mantido nos quatro memes da Figura 4, com poucas transformações e facilmente localizadas. Por exemplo, houve maior transformação no meme 3, em que o texto verbal foi posicionado no topo, porém mais à direita, opondo-se ao ícone posicionado à esquerda, que remete a um chip de cartão de crédito. “Me solta! Preciso gastar” permite a produção de inferência sobre consumismo, a que se refere o cartão de crédito aludido no meme.

A manutenção desses elementos garante a busca do que é alterado no meme, cujo grid e layout o leitor já conhece, para produção de novas inferências. Além da manutenção do grid, utilizam-se grids convencionais e conservadores, em consonância com os questionamentos da cultura remix sobre originalidade e criatividade.

6.1.2 Quais elementos do layout foram alterados entre um meme e seu remix?

As principais transformações no remix foram: 1) Alterações dos textos verbais do topo e da base dos layouts. 2) Substituição do ET pelo suricato no meme 1. No entanto, a imagem da mulher que segura o ET é a mesma em todos os remixes. Outro elemento mantido é o sintagma “Me solta!” 3) Posição do texto verbal deslocado para a direita e topo no meme 3. E 4) Inclusão de ícones como a cabeleira na cabeça do ET no meme 2, para sua feminização, em consonância à referência a uma mãe. O chip de cartão de crédito no meme 3 e a camiseta bolsonarista no ET do meme 4.

Essas transformações foram suficientes para que cada novo meme remixado fosse portador de novos discursos. Destaque para os memes 2 e 4, que aludem respectivamente à relação mãe e filho na lida com as tarefas domésticas e à crítica à defesa incondicional do governo Bolsonaro, denotando a posição política dos que produzem/compartilham o meme.

6.1.3 Quais as mudanças de sentido entre um meme e seu remix?

O conhecimento compartilhado segundo o qual o ET, ou outra representação, deseja ser solto das mãos da mulher para realizar alguma ação representada pelo texto verbal é o ponto de partida para que um produtor elabore um novo meme com outros discursos. É da seguinte produção de sentido “desvencilhar-se da mulher para realizar algo” que um novo produtor avalia a aptidão do meme ET Revoltado para instanciar um novo discurso. Sob esse viés, os memes 1 e 3 da figura 4 aludem ao consumismo e à impossibilidade de resistir a ele. O humor desses memes decorre da ironia e do reconhecimento de tal condição a que estamos sujeitos, tanto o produtor do meme, quanto quem pode comungar da mesma sensação: “é preciso gastar, é preciso aproveitar a promoção”. Somos impelidos a isso e produzimos sentidos de humor com essa situação.

A ironia e o humor do meme 4 difere dos demais. Nele, ao representar um defensor de Bolsonaro que precisa se desgarrar da mulher para defender o governo bolsonarista, o objetivo é justamente expor o modo de reação pró-governo, cuja militância acontece por meio de grupos em redes sociais, alimentados por falsas informações e chavões como o “comunista infiltrado”, estratégia usada “como aval para alçar adversários políticos a inimigos do país e as pessoas de bem para combatê-los e persegui-los, inclusive fisicamente” (Piovezani; Gentile, 2020PIOVEZANI, C.; GENTILE, E. A linguagem fascista. São Paulo: Hedra, 2020., p. 173). A aptidão do meme para realizar esse discurso crítico ao bolsonarismo vem da motivação em realizar tal defesa a qualquer custo, representado pelo ET com indumentária pró-Bolsonaro, cujo texto verbal reforça as tentativas de se desgarrar da mulher para agir em defesa da sua ideologia política.

6.1.4 Como ocorreu a avaliação de aptidão do meme viralizado para expressar o sentido pretendido pelo produtor do seu remix?

Em relação à aptidão entre significado e significante na perspectiva da SMM, o meme ET Revoltado foi apto para a produção de diferentes sentidos, bastando fazer poucas transformações, sobretudo no texto verbal. Por outro lado, houve manutenção de seus elementos que ressoam em cada remix: a mulher segurando o ET, a frase “Me solta!” e o grid do layout.

Em todos os memes da Figura 4, o sintagma “Me solta!” foi apto para representar um desejo inconsciente, incutido e sem reação crítica a ele. A aptidão do meme ET Revoltado para realizar essas críticas é um exemplo de como a manifestação política e social neste início de século é destituída de organização político-partidária ou de organizações tradicionais como sindicatos (Canclini, 2021CANCLINI, N. G. Cidadãos substituídos por algoritmos. São Paulo: EDUSP, 2021.). As manifestações são realizadas pelas pessoas, individualmente e muitas vezes sem autoria definida, nas redes sociais, por meio de memes e outros meios de se fazer, como em grupos, com comentários escritos ou em vídeos. As críticas surgem a cada meme remixado e duram o tempo que este meme estiver viralizado, até surgirem outros remixes dele (Beiguelman, 2021BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência da dadosfera. São Paulo: UBU, 2021., p. 181). Se permanecem o layout, o grid e demais elementos essenciais para manter a aptidão do meme em produzir novos significados, o discurso crítico promovido por ele pode durar um dia ou pouco mais, a depender de quando surgirá um novo meme que vai relegar o anterior ao esquecimento.

6.1.5 Que discurso o remix reproduz?

A zoomorfização do personagem seguro pela mulher no meme é índice para a crítica feita à incapacidade das pessoas de resistirem ao chamamento para o consumo. Ao criar o remix do ET Revoltado, seu autor contribuiu para gerar autocrítica e autoironia, incluindo-se como vítima desumanizada pelo consumo inconsciente. A ironia é reproduzida no meme 4 para desumanizar o partidário bolsonarista. No entanto, ainda que a criticidade do meme 4 seja direcionada a terceiros, ela reproduz a discussão política não aprofundada e feita a partir de elementos chavões do lugar comum. Mesmo que o objetivo seja gerar humor a partir da crítica ao cidadão de polo político diferente, o remix contribuiu para reproduzir o próprio pensamento político limitado às críticas repetidas no “ZAP” (Whatsapp) que o remix do meme 4 intencionava criticar.

Portanto, a repetibilidade tão recorrente no remix de meme é também característica da discussão política nas redes sociais. A escassez de recursos e a facilidade de sua edição durante o remix contribuem para reproduzir a discussão política por meio de chavões. A capacidade de agência dos reprodutores para remixarem é limitada pelas próprias características inerentes ao meme de apresentar recursos sedimentados pela repetibilidade. A viralização promovida pela agência das pessoas que produzem, curtem e compartilham o meme é limitada na medida em que é utilizada pelas redes sociais para profilagem, seja para saber que ideologia política elas seguem, seja para saber a que nicho de consumo ela pertence. No primeiro caso, o intuito é oferecer ao usuário de redes sociais outros conteúdos de mesma ideologia; no segundo, é para oferecer bens e serviços. Enfim, criar bolhas e “nichar” consumidores.

A previsibilidade advinda da repetibilidade e a sedimentação promovida pela remixabilidade parecem ter sido assimiladas pelos interesses das empresas de redes sociais, porque essas duas características do meme favorecem o controle de dados nas redes. A máquina lida com repetições e reconhecimento de padrões. Nessa disputa entre o devir do reprodutor remix e o imobilismo dos algoritmos, a mudança social fica prejudicada. Basta ver que a polarização extremada da política brasileira, quiçá mundial, pouco se alterou, ainda que a manifestação política nas redes sociais tenha tido destaque nas últimas três eleições brasileiras.

Vejamos agora outros meme organizados em outro grid.

6.2 Meme Nazaré Confusa

A cena da novela Senhora do Destino, exibida em 2004 na Rede Globo, em que a personagem Nazaré Tedesco é presa, voltou mais de dez anos depois na internet, a partir de um recorte em que se focaliza, em primeiro plano, a aparente confusão da personagem diante da situação. Sobreposta à imagem da personagem, foi colocada uma série de ícones de fórmulas matemáticas, que, a priori, metaforizam a dificuldade de compreensão.

O meme Nazaré Confusa viralizou e passou a ser utilizado nas mais variadas interações no universo digital, sempre diante de situações confusas do dia a dia. Embora seja uma criação brasileira, ele foi utilizado também largamente nos Estados Unidos da América, sendo lá conhecido como Math Lady. No meme 6, exemplo de Math Lady, encontramos elementos que se repetem, oriundos do meme 5 Nazaré Confusa. São eles: a sobreposição de fórmulas matemáticas, caracterizando a intertextualidade; e a figura em primeiro plano de uma personagem pública, no caso, a ex-senadora Hillary Clinton.

6.2.1 O recurso do grid foi mantido na íntegra ou parcialmente?

O grid modular com quatro molduras retangulares postas em quadrantes nos limites do layout foi repetido nos memes da Figura 5. Há duas diferenças em relação ao meme ET Revoltado da Figura 4. Primeiro, não há texto verbal, portanto, a ordem de leitura que esse tipo de grid modular direciona não influencia a leitura das imagens, que podem ser observadas na ordem que o leitor eleger. Segundo, em vez de repetição das imagens de background como o meme ET Revoltado o faz, nos memes da Nazaré Confusa, há transformação desse elemento.

6.2.2 Quais elementos do layout foram alterados entre um meme e seu remix?

A mais visível transformação é a substituição das pessoas representadas em primeiro plano em cada quadrante. Embora sejam pessoas diferentes, seus olhares e expressões faciais são semelhantes. Em cada moldura, o olhar se direciona para um lado diferente, sem contato com o leitor, representando confusão e pensamento fugidio. A representação de ícones de equações matemáticas mantida nos memes contribuiu para a produção de sentido de dificuldade de raciocínio das mulheres representadas.

6.2.3 Quais as mudanças de sentido entre um meme e seu remix?

A transformação no meme 6 remete a imagens de Hillary Clinton no debate presidencial dos EUA em 2016, em que ela foi criticada por ser relapsa. O leitor que desconhece essa informação pode produzir sentido próximo ao sentido produzido pelo meme 5, com Nazaré confusa, isto é, representação de confusão de raciocínio. No entanto, o fato de o meme 6 se referir à personagem real estabelece um novo discurso, que promove críticas a uma candidata (mulher) no intuito de desqualificá-la para o cargo que pretendia ocupar. Se em Nazaré Confusa, meme 5, a representação é de uma personagem mulher, porém fictícia e reconhecidamente vilã, no meme 6, Hillary Clinton é a representação de uma mulher da vida real, social e historicamente situada. A produção de sentido do meme 6 não deveria se limitar a produzir humor autocrítico e autoirônico, como nos remixes de memes 1 e 3 do ET Revoltado sobre consumismo. O meme 6 faz parte de uma esfera discursiva mais ampla relativa à misoginia e ao machismo, construída para desqualificar mulheres na política.

6.2.4 Como ocorreu a avaliação de aptidão do meme viralizado para expressar o sentido pretendido pelo produtor do seu remix?

O trabalho semiótico de ressignificação da sequência dos memes da Figura 5 demonstra novamente a relação de aptidão entre o meme 5 e o meme 6: o primeiro, surgido nas redes sociais, tornou-se significante, enquanto o segundo já é fruto do remix, portanto, com novo significado. O produtor do meme 6, no seu trabalho de ressignificar, pode ter avaliado: “Esse meme pode representar o que eu tenho para dizer, basta eu alterar as imagens das mulheres representadas”.

Esse produtor do meme 6 manteve o grid, os elementos do layout e até mesmo os olhares e expressões da personagem Nazaré, representada no meme 5. Essas escolhas denotam sua intenção em produzir a partir do ready-made da cultura do remix. Ao optar pela remixagem, o produtor do meme 6 escolheu ressignificar o meme 5 em vez de criar um novo e, para fazê-lo, transformou alguns de seus elementos: os personagens (trazendo a presidenciável Hillary Clinton), as figuras geométricas e as cores, mas manteve o grid e o layout, levando os outros leitores a fazerem a imediata correlação, por intertextualidade, com o meme original. Para produtores de meme, o copiar e colar possui mais valor do que a produção (supostamente) original, o que consequentemente pode gerar mais identificação com o leitor, que compartilha desse valor do copiar e colar da cultura do remix.

6.2.5 Que discurso o remix reproduz?

No mesmo ano em que Hillary Clinton recebeu menos votos das mulheres brancas estadunidenses em comparação com Donald Trump, no Brasil, a presidenta Dilma Rousseff sofria impeachment. Em ambos os casos, há suspeita de machismo. Silva (2019SILVA, P. H. da. De louca a incompetente: construções discursivas em relação à ex-presidenta Dilma Rousseff. 2019. 139f. Tese (Doutorado em Estudos de Linguagem) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Cuiabá, 2019., p. 76) destaca como postagens de redes sociais compartilhadas no ano do impeachment giravam em torno de palavras de baixo calão como “louca”, “burra”, “puta”, “nojenta”, atribuídas a Dilma Roussef por detratores. A repetibilidade desses termos nos posts e a sedimentação do discurso da incompetência da então presidente contribuíram para difamar a sua reputação.

O remix do meme Nazaré confusa com a inserção da imagem de Hillary Clinton contribuiu tal-qualmente para manchar sua reputação, reproduzindo o mesmo discurso misógino de acordo com o qual há incompetência de gênero para assumir cargos importantes na política. A repetibilidade do meme pelos críticos da então presidenciável Clinton é reforçada pelos controles das redes sociais, cujo interesse é gerar conteúdo compartilhado e consumido por mais pessoas possíveis, independentemente se é sexista e com interesses difamatórios.

7 Considerações finais

O recurso da imitação e da cópia é constitutivamente humano e tem sido necessário para a evolução das culturas e da vida em sociedade. Esse traço reverbera nos textos, que são atravessados por questões socioculturais. Nos memes, não é diferente: dentre suas características, está a viralização e a remixabilidade. Neste trabalho, buscamos analisar as transformações e as permanências do grid e dos elementos que ocorrem nos layouts de memes na internet, no intuito de verificar os efeitos de sentido que os seus reprodutores almejam.

Como vimos por meio de seis exemplares de dois memes populares no Brasil, o do ET Revoltado e da Nazaré Confusa, a manutenção do grid com algumas transformações nos elementos do layout tem sido recorrentemente utilizada pelos produtores de memes em busca de uma identificação com sua audiência que, por sua vez, é atravessada por traços de uma cultura do remix.

A avaliação de aptidão realizada pelo produtor de remixes faz do meme um significante (forma) que gera novos significados por meio das transformações. As consequências desse processo de ressignificação são novas construções de sentido. Logo, o modo semiótico layout e o recurso do grid são categorias importantes que demonstram a consolidação da cultura do remix, do copiar/colar, valorizando essa prática e gerando engajamento em redes sociais digitais.

A prática de remixabilidade de memes, do ready-made, do compartilhamento e do engajamento nas redes sociais deixa opaco os interesses das grandes empresas da internet em viralizar conteúdo para gerar dados. De fato, toda a prática de criação, remix e circulação de memes na internet pode ter como causa a escassez de recursos disponíveis a comunidades que poderiam (ou deveriam) se posicionar nas esferas pessoais, políticas e trabalhistas com outros recursos cidadãos mais eficientes para a transformação social. Ainda que um meme viralizado possa ter a capacidade de gerar discussões relevantes em qualquer esfera, ele não substitui ações dos sindicatos, dos movimentos sociais, de partidos políticos, do movimento estudantil e de outras manifestações políticas e culturais.

Reconhecemos também que o meme pode ser uma causa ou uma consequência feliz dessas ações, contribuindo para elas, porém, as ações de hegemonia de pensamento e de poder das grandes empresas da internet buscam dissuadir a organização social, reproduzindo apenas a prática de compartilhamento inconsciente de conteúdo, haja vista o fenômeno das fakes news e da formação de bolhas ideológicas. Para Cope e Kalantzis (2009COPE, B.; KALANTZIS, M. “Multiliteracies”: New Literacies, New Learning. Pedagogies: An International Journal, v. 4, p. 164-195, 2009. Disponível em: Disponível em: http://newlearningonline.com/_uploads/pedagogiesm-litsarticle.pdf . Acesso em: 24 out. 2020.
http://newlearningonline.com/_uploads/pe...
, p.173-174), o neoliberalismo, ao buscar impiedosamente o estado mínimo, criou uma descentralização exacerbada, a ponto de levar para esfera social de convivência das pessoas a concepção capitalista de nichos de mercado, gerando mais individualismo na modernidade.

Portanto, acreditamos que transparecer as práticas de produção dos memes, demonstrando, do ponto de vista da SSM, como a remixabilidade é um processo de transformação e como os memes são, em alguma medida, frutos da escassez de recursos de linguagem são contribuições deste artigo para a Linguística Aplicada. Com esse resultado, é possível outros estudos sobre a linguagem dos memes, considerando em suas metodologias, além da integração entre os modos verbais, imagéticos e layouts, os interesses das empresas de redes sociais pela indiscriminada profilagem de dados.

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  • VILLA-FORTE, L. Escrever sem escrever: literatura e apropriação no século XXI. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; Belo Horizonte: Relicário Edições, 2019.
  • 1
  • 2
    “[...] global activity consisting of the creative and efficient exchange of information made possible by digital technologies that is supported by the practice of cut/copy and paste.”
  • 3
    Há uma diferença entre o meme (Dawkins, 2010DAWKINS, R. O gene egoísta. São Paulo: Edusp, 2010.) e o meme online (Knobel; Lankshear, 2007KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Online memes, affinities and cultural production. In: KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. (Ed.). A new literacies sampler. New York: Peter Lang Publishing, 2007. p. 199-228.; 2020KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Memes on-line, afinidades e produção cultural (2007-2018). In: CHAGAS, V. (org.). A cultura dos memes: aspectos sociológicos e dimensões políticas de um fenômeno do mundo digital. Salvador: EDUFBA, 2020. p. 85-126.; Shifman, 2014SHIFMAN, L. Memes in digital culture. Cambridge: MIT Press, 2014.) que merece ser considerada: o conceito clássico, oriundo dos estudos das Ciências Biológicas, aponta para uma unidade de transmissão cultural, ou as ideias replicadas que permitem que as culturas evoluam; o segundo aponta para as produções de textos escritos, imagéticos, estáticos ou dinâmicos, frutos de processos de remixagem, que têm rápida disseminação na internet. Ao usarmos o termo meme neste estudo, é esta última acepção a que nos referimos.
  • 4
    Kress (2003KRESS, G. Literacy in the new media age. London: Routledge, 2003.), ao tratar de gêneros híbridos, se refere ao fato de que eles são constituídos por elementos verbais e não-verbais, sendo impossível analisá-los sem considerar sua dimensão multimodal.
  • 5
    “Modes are the result of a social and historical shaping of materials chosen by a society for representation [...]”.
  • 6
    “[...] phenomena which are accessible to and for engagement by the ‘senses’, the (human) sensorium.”
  • 7
    “Layout simultaneously involves three signifying systems, all with a textual function, all serving to structure the text, to bring the various elements of the multimodal text together into a coherent and meaningful whole [...].”
  • 8
    As plataformas possuem templates de layouts editáveis, permitindo que leigos possam produzir design gráfico. Elas possibilitam a criação de apresentações, handouts, pôsteres, infográficos dentre outros. Alguns aspectos facilitam sua utilização pelo usuário. Suas funções são intuitivas, desde que se tenha algum conhecimento em processadores de textos.
  • 9
    “[...] purpose of a grid system is to establish a virtual artefact within which the deployment of spatial resources is constrained to reproduce particular patterns of spatial placement over and above the constraints that the physical page alone provides”.
  • 10
    “[...] all processes which are part of the making of meaning [...].”
  • 11
    “The relation of form and meaning is one of aptness, of a ‘best fit’, where the form of the signifier suggests itself as ready-shaped to be the expression of the meaning - the signified - which is to be realized. Aptness means that the form has the requisite features to be the carrier of the meaning.”
  • 12
    “We believe that it is of crucial importance to attend to such hierarchies since they point toward (historically embedded) unequal power relationships between the people who use semiotic resources, how resources are more or less valued by different stakeholders, and how people have more or less access to resources.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2022
  • Aceito
    10 Jan 2024
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