Acessibilidade / Reportar erro

Livro didático e leitura literária nos anos finais do ensino fundamental

Textbook and literary reading at the final years of elementary education

RESUMO

Baseado no conceito de letramento literário, este artigo investiga quais as expectativas do guia do PNLD 2017 (Língua Portuguesa) e dos PCNs, único documento de orientações para o Ensino Fundamental em voga no período de liberação do edital para o PNLD 2017, com relação à leitura literária nos anos finais do ensino fundamental e como um conjunto de atividades presente em obra aprovada pelo guia aborda o texto literário. A análise das atividades é pautada em estudos sobre desenvolvimento metalinguístico e sobre os níveis de leitura. Os resultados da análise apontam para ausência de discussão sobre o letramento literário e as especificidades da leitura literária, juntamente a uma expectativa de que a leitura literária seja realizada. As atividades didáticas analisadas parecem refletir a lacuna existente entre as expectativas e a falta de discussão sobre possibilidades de contribuição para a formação do leitor literário.

PALAVRAS-CHAVE:
letramento literário; atividades de leitura; livro didático; PNLD 2017

ABSTRACT

Based on the concept of literary literacy, this article investigates the expectations of the National Book and Teaching Material Program (PNLD) of 2017 (Brazilian Portuguese) and the National Curricular Parameters (PCNs) in relation to literary reading in the final years of Elementary School. In addition, it investigates how a set of activities present in a textbook approved by the guide addresses the literary text in its activities. Metalinguistic development and reading level studies guide the activities’ analyses. The results point to the lack of discussion about literary literacy and the specificities of literary reading, along with expectations on its realization. The didactic activities analyzed seem to reflect the gap between the expectations and the lack of discussion about possibilities of contribution to the formation of literary readers.

KEYWORDS:
literary literacy; reading activities; textbook; PNLD 2017

1 Introdução

O livro didático parece ter assumido atualmente, por diversos motivos, papel crucial nas aulas ministradas nas escolas tanto das redes públicas de ensino como nas particulares. Diante da relevância desse instrumento pedagógico, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), elabora, a cada três anos, edital de convocação destinado às editoras para que os materiais criados passem por uma detalhada avaliação. O edital, assim como o processo de análise, compõe o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), programa que intenciona oferecer a professores e alunos materiais pedagógicos de qualidade.

No tocante à qualidade dos livros de Língua Portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental, um dos itens de extrema relevância para a análise das obras é o tratamento dado ao eixo da leitura, incluindo a escolha dos textos e a abordagem realizada, uma vez que “o ensino de Língua Portuguesa, desde o seu surgimento no século XIX, utiliza-se de materiais didáticos (antologias, seletas, florilégios, livros de leitura, etc.) que propõem ao aluno uma coletânea de textos para leitura” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
https://bit.ly/2DcJcB2...
, p. 11-12).

Os objetivos para o eixo da leitura no Ensino Fundamental, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), estão relacionados a saberes de leitura no sentido geral, o que inclui ações voltadas tanto para textos literários quanto não literários. Esses objetivos amplos, isto é, não diretamente relacionados à leitura literária, parecem influenciar fortemente os livros didáticos, ainda que a expectativa seja a de que os livros contribuam também para a formação do leitor literário. Segundo o guia do PNLD, publicado em 2016 para a escolha das coleções a serem usadas nos anos de 2017, 2018 e 2019, as obras precisam “oferecer textos que propiciem uma boa experiência de leitura, contribuindo para a formação do leitor proficiente, especialmente do leitor literário” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
https://bit.ly/2DcJcB2...
, p. 12, grifo meu).

Mas como contribuir para a formação do leitor literário se não se definem objetivos especificamente voltados para a leitura literária? Ainda que o estudo sistematizado de literatura seja objetivo do Ensino Médio, a presença do texto literário nos livros didáticos do Ensino Fundamental, junto a uma não definição de objetivos específicos para esse tipo de texto, gera questionamentos a respeito da abordagem da leitura literária nessa etapa de escolaridade. Diante disso, busco investigar como o guia do PNLD 2017 enxerga o texto literário e como uma obra aprovada pelo guia aborda a leitura literária em suas atividades. Para tanto, analisarei os objetivos definidos para o eixo da leitura e o tratamento dado às especificidades do texto literário nos PCNs do Ensino Fundamental e traçarei um breve panorama sobre o livro didático nas salas de aula do Brasil, sobre o PNLD e seu guia. Buscarei problematizar os conceitos de leitura, letramento literário, texto literário, bem como as especificidades da leitura literária. Por fim, analisarei exemplos de atividades de leitura de texto literário presentes em coleção aprovada pelo guia. A análise das atividades será pautada no conceito de letramento literário e serão consideradas como categorias analíticas os níveis de leitura propostos por Applegate et al (2002APPLEGATE, M. D.; QUINN, K. B.; APPLEGATE, A. J. Levels of thinking required by comprehension questions in informal reading inventories. The Reading Teacher, Newark, NJ, v. 56, n. 2, p. 174-180, 2002.) e a abordagem do nível meta1 1 O nível meta em atividades diz respeito à “abertura de espaços didáticos dedicados a duas capacidades humanas fundamentais: a de autoconhecimento e a de autogestão” (GERHARDT, 2016, p. 34). nas atividades. O uso dos níveis de leitura como categoria analítica permitirá verificar se as atividades favorecem a expressão do diálogo feito pelo leitor com o texto. Essa expressão é importante para o letramento literário porque se relaciona à apropriação do texto pelo leitor. Já o plano meta será abordado por influenciar no agenciamento do leitor.

2 Livro didático, PNLD e letramento literário

A história da escolarização no Brasil mostra que pouco a pouco o processo de ensino foi passando a acontecer através de um conjunto de atividades reunidas em um sistema seriado e de método simultâneo, destinado a grupos de alunos com graus de desenvolvimento semelhantes (BATISTA; GALVÃO, 2009BATISTA, A. A. G.; GALVÃO; A. M. O. Livros de leitura: uma morfologia. In: GALVÃO; A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Livros escolares de leitura no Brasil: elementos para uma história. Campinas, SP: Mercado de Letras , 2009. p. 75-104.). A necessidade de realização de atividades coletivas implicou a demanda por material único que atendesse às necessidades gerais do grupo de alunos em questão e que facilitasse o trabalho do professor, para que ele fosse capaz de dar conta do ensino a um grande número de alunos. Surge, dessa forma, um material que chamamos de livro didático.

Por volta dos anos 1960 e 1970, período em que ocorreu um processo de maior democratização do sistema escolar, o livro didático (LD) passa a assumir papel crucial nas salas de aula, passando a ser visto como “estruturador das práticas docentes” (TAGLIANI, 2011TAGLIANI, D. C. O livro didático como instrumento mediador no processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa: a produção de textos. RBLA, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 135-148, 2011. Doi: https://doi.org/10.1590/S1984-63982011000100008
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 137). Atualmente, o fato de o LD ser considerado o grande estruturador do processo de ensino e aprendizagem nas salas de aula brasileiras está consolidado em diversas pesquisas, tais como, Batista e Galvão (2009BATISTA, A. A. G.; GALVÃO; A. M. O. Livros de leitura: uma morfologia. In: GALVÃO; A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Livros escolares de leitura no Brasil: elementos para uma história. Campinas, SP: Mercado de Letras , 2009. p. 75-104.), Coracini (2011CORACINI, M. J. (Org.). Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. São Paulo: Pontes, 2011 [1999]. [1999]) e Tilio (2012TILIO, R. Atividades de leitura em livros didáticos de inglês: PCN, letramento crítico e o panorama atual. RBLA, Belo Horizonte, v. 12, n. 4, p. 997-1024, 2012. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1984-63982012005000010
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
).

Tanto na rede particular quanto na pública, os LDs acabam sendo vistos como facilitadores da vida docente, “na razão direta em que tiraram dos ombros dos professores a tarefa de preparar as aulas” (LAJOLO, 2000LAJOLO, M. A leitura literária na escola. In: ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000. p. 11-16., p. 15). Por outro lado, como aponta Batista (2009BATISTA, A. A. G. O conceito de “livros didáticos”. In: GALVÃO; A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Livros escolares de leitura no Brasil: elementos para uma história. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. p. 41-74.), a sua presença em sala de aula representa uma separação entre quem realiza o preparo das aulas e quem as executa, o que pode vir a constituir um problema para o andamento das aulas, pois, como afirma Lajolo (2000LAJOLO, M. A leitura literária na escola. In: ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000. p. 11-16.), “o que há, então para o professor, é um script de autoria alheia, para cuja composição ele não foi chamado” (LAJOLO, 2000LAJOLO, M. A leitura literária na escola. In: ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000. p. 11-16., p. 15). Apesar disso, pelos motivos descritos acima, não há como negar o papel do LD como o elemento central, em torno do qual gira todo o processo de ensino na maioria das escolas brasileiras.

A trajetória do LD na educação brasileira vem sendo acompanhada pelo Ministério da Educação que, desde 1929, institucionaliza um conjunto de políticas para avaliação dos materiais que guiam o ensino. Ao longo de mais de oito décadas, conforme Batista (2003BATISTA, A. A. G. A avaliação dos livros didáticos: para entender o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). In: ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (Org.). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. São Paulo: Mercado das Letras, 2003. p. 25-68.) e Cassiano (2013CASSIANO, C. C. F. O mercado do Livro didático no Brasil do século XXI: a entrada do capital espanhol na Educação nacional. São Paulo: Editora Unesp, 2013.), programas para avaliação e distribuição de LDs vêm sendo criados e aperfeiçoados. O programa que vigora atualmente recebe o nome de Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e foi estabelecido em 1985.

O funcionamento do PNLD ocorre em etapas, das quais a primeira é a adesão formal das escolas e redes de ensino públicas. Em seguida, o programa publica edital que estabelece as normas para inscrição de obras. Após a inscrição, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) realiza triagem para verificar se as obras atendem às exigências técnicas relativas à qualidade do papel, brochura, etc., e as obras são encaminhadas para avaliação pedagógica a ser feita pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC). Os especialistas da SEB/MEC, após a avaliação e aprovação das obras, elaboram um guia que, conforme Cassiano (2013CASSIANO, C. C. F. O mercado do Livro didático no Brasil do século XXI: a entrada do capital espanhol na Educação nacional. São Paulo: Editora Unesp, 2013.), é apresentado ao docente para “tornar-se fonte de informação e de capacitação do professor, orientando-o na escolha do manual” (CASSIANO, 2013CASSIANO, C. C. F. O mercado do Livro didático no Brasil do século XXI: a entrada do capital espanhol na Educação nacional. São Paulo: Editora Unesp, 2013., p. 120). Esse guia fica disponível no site do FNDE e também é enviado às escolas nos anos de escolha.

2.1 Livro didático de português e leitura nos anos finais do ensino fundamental

A relevância dos LDs eleva-se nas aulas de língua portuguesa, uma vez que o desenvolvimento de saberes referentes à leitura e à escrita constitui o objetivo principal da disciplina, pautada em leituras e atividades que intencionam aprimorar as competências comunicativas2 2 Capacidade de utilizar os enunciados em situações concretas de interação comunicativa. dos alunos e, conforme já mencionado, a principal fonte das leituras encontra-se nas coletâneas de textos e nos conjuntos de atividades presentes no livro didático.

Tais textos e atividades devem ser pensados para atender às necessidades preconizadas pelos documentos oficiais. Por isso, cumpre lembrar que, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, os princípios norteadores das ações educativas e pedagógicas a serem realizadas nas escolas são éticos, políticos e estéticos (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013., p. 107-108). Mais do que a simples escolha de textos favorecedores do trabalho com esses princípios, coloca-se a necessidade de didáticas capazes de propiciar o surgimento, o amadurecimento e a prática dessas noções. Além disso, o documento destaca a importância de a escola ter “conhecimento da realidade em que vivem os alunos, pois a compreensão do seu universo cultural é imprescindível para que a ação pedagógica seja pertinente” (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013., p. 110). Isso, ao mesmo tempo em que “deverá propiciar aos alunos condições para transitarem em outras culturas, para que transcendam seu universo local e se tornem aptos a participar de diferentes esferas da vida social, econômica e política” (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013., p. 110). Essas orientações são amplas e aplicáveis aos propósitos do ensino fundamental como um todo, mas podem ser pensadas para o tratamento da leitura literária na escola, direcionando a escolha de textos literários que ora façam parte do universo cultural dos alunos, ora permitam o conhecimento e interesse por universos culturais de outras esferas. Entretanto, como já mencionado, a simples escolha de textos apropriados não será suficiente, se as atividades de leitura não forem capazes de explorar as potencialidades dos alunos e dos textos.

Por isso, quanto aos objetivos mais específicos relacionados ao ensino de leitura, cabe destacar a lista dos objetivos descritos para o processo de leitura de textos escritos apresentados pelos PCNs de Língua Portuguesa para essa etapa de escolaridade. Na lista do que o documento espera de um aluno, encontram-se as ações de: selecionar textos de acordo com o interesse; ler de maneira autônoma; ser receptivo a textos que rompam com o universo de expectativas; trocar impressões com outros leitores, posicionando-se criticamente; compreender a leitura em diferentes dimensões; e ser capaz de aderir ou recusar posições ideológicas que se reconheçam nos textos (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília, 1998., p. 50-51). É possível perceber, pelas ações mencionadas, que os objetivos para o eixo da leitura no ensino fundamental estão relacionados a saberes de leitura no sentido geral, o que inclui ações voltadas tanto para textos literários quanto não literários, o que pode ser atestado pela tabela expositiva dos gêneros3 3 É importante destacar a complicada apropriação do conceito de gêneros feita pelos PCNs. Fiorin (2008) menciona que, “depois que os Parâmetros Curriculares Nacionais estabeleceram que o ensino de Português fosse feito com base nos gêneros, apareceram muitos livros didáticos que veem o gênero como um conjunto de propriedades formais a que o texto deve obedecer” (FIORIN, 2008, p. 60). Tal apropriação contradiz a noção bakhtiniana de gêneros do discurso, segundo a qual os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2016, p. 12, grifo do autor). privilegiados nos PCNs para a prática de escuta e leitura de textos escritos que os divide em literários, de imprensa, de divulgação científica e publicidade (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília, 1998., p. 54). Paralelamente, o documento, apresenta somente uma página destinada ao texto literário, na seção A especificidade do texto literário. E, como aponta Amorim (2017AMORIM, M. A. de. A leitura literária nos discursos oficiais sobre o ensino de I/LE. In: ______. Ensino de literaturas: perspectivas em linguística aplicada. Campinas, SP: Pontes, 2017. p. 71-93.), essa seção enfatiza a singularidade da escrita literária, e afirma “a necessidade da incorporação do texto literário na prática de ensinagem de língua sem que no entanto, maiores discussões sejam apresentadas” (AMORIM, 2017AMORIM, M. A. de. A leitura literária nos discursos oficiais sobre o ensino de I/LE. In: ______. Ensino de literaturas: perspectivas em linguística aplicada. Campinas, SP: Pontes, 2017. p. 71-93., p. 76). Desse modo, como aponta o autor, o documento oficial preconiza a presença do texto literário entre as leituras realizadas no Ensino Fundamental, ainda que dedique pouquíssimo espaço às especificidades do texto literário e não mencione objetivos relativos específicos à leitura literária.

Chega-se, portanto, a um impasse, uma vez que não são definidos objetivos específicos para a leitura literária, mas ressalta-se a necessidade dos textos literários. Ainda que o estudo sistematizado de literatura seja objetivo do Ensino Médio, o impasse mencionado gera questionamentos a respeito da abordagem do texto literário nos livros didáticos do Ensino Fundamental. Por isso, cabe investigar: Como o guia do PNLD para o Ensino Fundamental enxerga o texto literário? Quais as expectativas do guia com relação à abordagem do texto literário nas coleções? As especificidades da leitura literária são levadas em consideração na abordagem dos textos? As atividades de leitura das coleções aprovadas refletem o impasse decorrente da falta de orientações para um trabalho com o texto literário, associada à expectativa de formação de leitores literários? Essas indagações são pertinentes porque não se pode pretender contribuir para a formação do leitor literário tratando a leitura literária como outro tipo de leitura, pois, como afirma Magda Soares, “ler, verbo transitivo, é um processo complexo e multifacetado: depende da natureza, do tipo, do gênero daquilo que se lê, e depende do objetivo que se tem ao ler” (SOARES, 2005SOARES, M. Ler, verbo transitivo. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.) Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Autêntica , 2005. p. 29-34., p. 30-31). Portanto, cabe investigar não somente o que está sendo lido no livro didático de português, mas também como se dá a abordagem dessa leitura, uma vez que os modos de leitura estão intimamente relacionados ao que se lê.

2.2 Texto literário, leitura literária e letramento literário

Ao se tomar o verbo ler como transitivo, direciona-se o foco da atenção para o objeto que complementa o verbo. Pois, se cada leitura depende, como apontou Magda Soares (2005SOARES, M. Ler, verbo transitivo. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.) Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Autêntica , 2005. p. 29-34.), do que se lê e dos objetivos com os quais se lê, fica saliente a necessidade de problematizar o que é lido, no caso do foco deste artigo, o texto literário.

Para uma definição de texto literário, é necessário investigar, primeiramente, o conceito de literatura. Diante da amplitude desse conceito, das limitações deste artigo e por concordar com a visão de Compagnon (2010COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010 [1999]. p. 29-45.), opto por apresentar a visão do autor para o assunto. Segundo ele, em sentido amplo, pode-se afirmar que literatura são todos os livros que uma biblioteca contém, seria tudo o que é impresso ou até manuscrito, mas incluiria também as tradições orais de um povo, a chamada literatura oral. Em sentido estrito, a literatura “(fronteira entre o literário e o não literário) varia consideravelmente segundo as épocas e as culturas” (COMPAGNON, 2010COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010 [1999]. p. 29-45., p. 31-32). Logo, entende-se que o que é considerado literatura em uma época ou em um determinado espaço geográfico pode não o ser em outra época ou local. Isso porque a classificação de um texto como literário ou não, independe de uma literariedade em si, mas de um conjunto de fatores que envolve o julgamento dos textos, e julgamentos são sempre contextualizados, implicando quem julga, quem produziu o que está sendo julgado, o que está sendo julgado, a finalidade da produção, etc. Em vista disso, pode-se afirmar que a classificação dos textos literários não está relacionada a fatores internos dos textos, mas externos e que envolvem os modos de utilização dos textos pela sociedade. Segundo Compagnon (2010COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010 [1999]. p. 29-45., p. 44):

Os textos literários são justamente aqueles que uma sociedade utiliza, sem remetê-los necessariamente a seu contexto de origem. Presume-se que sua significação (sua aplicação, sua pertinência) não se reduz ao contexto de sua enunciação inicial. É uma sociedade que, pelo uso que faz dos textos, decide se certos textos são literários fora dos seus contextos originais.

Concordando com as palavras do autor, esta pesquisa assume como textos literários aqueles que a sociedade atual classifica como literários porque os utiliza a partir de uma significação não associada a seus contextos de origem. A leitura literária envolveria, portanto, esses textos.

Mas, seria a leitura literária como outra qualquer, ou possuiria especificidades? Se existem especificidades, quais seriam? Esse tipo de leitura requereria saberes específicos que não estão presentes em outros tipos de leitura?

Paulino, ao discutir Algumas especificidades da leitura literária, assume que as habilidades nela exigidas “são habilidades cognitivas, além de serem habilidades de comunicação, no sentido de habilidades interacionais e também afetivas.” (PAULINO, 2005PAULINO, M. das G. R. Algumas especificidades da leitura literária. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.) Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 55-68., p. 4). A autora salienta que uma atividade escolar destinada ao texto literário não pode ser realizada com os mesmos objetivos de leitura impostos por uma notícia de jornal, por exemplo, ou seja, com os objetivos de se encontrar respostas sobre o que aconteceu, onde, como, por quais motivos, etc. É necessário que o trabalho seja voltado para uma mobilização das diferentes habilidades que a leitura literária requer, em um processo híbrido e simultâneo que envolve cognição, comunicação, interação, afeto e estética. Dessa forma, a autora ressalta a importância de se “considerar o processamento da leitura literária como desempenho que envolve habilidades simultaneamente intelectuais e estéticas, num nível de interação social constitutivo da própria linguagem, na perspectiva buscada em Bakhtin” (PAULINO, 2005PAULINO, M. das G. R. Algumas especificidades da leitura literária. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.) Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 55-68., p. 7).

Destaco a relevância de se considerar o nível de interação social constitutivo da linguagem, uma vez que parto da perspectiva bakhtiniana sobre o discurso, na qual todo discurso é dialógico e até “a nossa própria ideia - seja ela filosófica, científica, artística - nasce e se forma no processo de interação e luta com os pensamentos dos outros” (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003., p. 298). Por considerar o caráter dialógico mencionado por Bakhtin e as implicações sociais inerentes à linguagem, Paulino nos alerta para “os riscos de tentarmos estabelecer competências e habilidades específicas para a leitura literária, sem levarmos em conta a hibridização e a complexidade dos processos histórico-sociais nela envolvidos” (PAULINO, 2005PAULINO, M. das G. R. Algumas especificidades da leitura literária. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.) Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 55-68., p.7). A autora, assim como Rildo Cosson (2011COSSON, R. Introdução. Os pressupostos. In: ______. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2011. p. 9-43.), entende que “na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos” (COSSON, 2011COSSON, R. Introdução. Os pressupostos. In: ______. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2011. p. 9-43., p. 17). Isso porque, “a literatura é uma experiência a ser realizada. É mais que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim, sem renúncia da minha própria identidade” (COSSON, 2011COSSON, R. Introdução. Os pressupostos. In: ______. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2011. p. 9-43., p. 17). A literatura, dessa forma, é prenha de possibilidades para humanizar. Todavia, o caráter humanizador da literatura só pode ser alcançado se a escola for capaz de abordar o texto literário considerando as diferentes habilidades que ele mobiliza, inclusive as relacionadas às experiências estéticas vividas com o texto. Por exemplo, através de atividades propiciadoras do reconhecimento e da expressão da incorporação do texto às vivências dos alunos. Atividades que passam por um tipo específico de letramento: o letramento literário.

Para a compreensão do termo, busco a definição apresentada por Paulino e Cosson (2009PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSLING, T. (Org.). Escola e leitura: velhas crises, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.). Os autores definem letramento literário como “o processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos”. A fim de elucidar melhor essa definição sintética, eles mencionam a importância de esmiuçar os termos usados na definição. Primeiro, destacam o processo, explicando que “considerar o letramento literário como processo significa tomá-lo como um estado permanente de transformação”. Dessa forma, ao se entender que o letramento literário é permanente, ou seja, ocorre durante toda a vida, percebe-se a importância da sua abordagem em todas as etapas da escolarização, já que a escolarização compreende importante estágio da formação de um cidadão. Depois, ressaltam que é um processo de apropriação, ou seja, “um ato de tornar próprio, de incorporar e com isso transformar aquilo que se recebe, no caso, a literatura”. Por último, os autores esclarecem que se trata da “apropriação da literatura não apenas como um conjunto de textos consagrados ou não, mas também como repertório cultural que proporciona uma forma singular - literária - de construção de sentidos”. (PAULINO; COSSON, 2009PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSLING, T. (Org.). Escola e leitura: velhas crises, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009., p. 67).

O esclarecimento dos termos processo, apropriação e linguagem literária permite uma compreensão abrangente da noção de letramento literário como movimento contínuo que parte da interação leitor/literatura, gerando o empoderamento do leitor através das possibilidades de construção de sentidos ofertadas pela linguagem literária. Indo além da definição do termo, os autores apontam caminhos para concretizar o letramento literário na escola. Esses caminhos passam por ações propiciadoras da formação do leitor literário. São elas: 1° - viabilização do contato direto do leitor com a obra; 2° - construção de uma comunidade de leitores; 3° - ampliação do repertório literário; 4° - interferência crítica do professor na educação literária do aluno, através do oferecimento de atividades sistematizadas e contínuas direcionadas para o desenvolvimento da competência literária (PAULINO; COSSON, 2009PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSLING, T. (Org.). Escola e leitura: velhas crises, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.).

Examinando cada um dos quatro itens mencionados, percebe-se que o contato direto do leitor com a obra pode ser possibilitado, em parte, pelo livro didático, por meio das coletâneas de textos selecionados para compor a obra, mas também pelo acervo da escola. A construção de uma comunidade de leitores pode ser feita através de rodas de leitura e espaços para discussão e troca de informações e impressões sobre as leituras realizadas. A ampliação do repertório literário passa pela noção de que literatura abrange diversas manifestações culturais, havendo espaço para as oriundas do universo do aluno, conforme mencionam as Diretrizes Nacionais Curriculares (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013.). Essa ampliação pode e deve ser feita pelos livros didáticos, mas também depende da sensibilidade do professor, uma vez que livros didáticos no Brasil precisam atender a um público muito heterogêneo. Por tudo isso, o item que mais depende do livro didático é o quarto. Uma proposta pedagógica que objetiva contribuir para a formação do leitor literário, conforme mencionado no guia do PNLD 2017, precisa, no mínimo, ser capaz de possibilitar uma interferência crítica na formação literária do aluno, oferecendo atividades sistematizadas direcionadas para o desenvolvimento da competência literária. Nesse sentido, as noções de níveis de leitura e de nível meta em atividades de leitura se fazem importantes. A próxima seção destina-se às possibilidades de contribuição dos estudos sobre níveis de leitura e desenvolvimento metalinguístico para as atividades direcionadas à leitura literária.

2.3 Níveis de leitura e desenvolvimento metalinguístico nas atividades de leitura literária

Abordar a formação de leitores literários significa, primeiramente, pensar na formação de leitores em um sentido mais amplo do termo. Por isso, cabe ressaltar que a leitura, neste artigo, é compreendida como decorrente do processo de interação entre texto e leitor (KATO, 1990KATO, M. A. A aprendizagem da leitura. São Paulo: Martins Fontes , 1990.; LEFFA, 1996LEFFA, V. J. Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolinguística. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1996.; KLEIMAN, 2001KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. 8. ed. Campinas, SP: Pontes , 2001.; 2010; FULGÊNCIO; LIBERATO, 1996FULGÊNCIO, L.; LIBERATO, Y. A leitura na escola. São Paulo: Contexto , 1996.). Além disso, vale destacar que há níveis de leitura que podem ser abordados nas atividades de compreensão leitora, como já pressupunha Marcuschi (1996). A esse respeito, Applegate et al. (2002APPLEGATE, M. D.; QUINN, K. B.; APPLEGATE, A. J. Levels of thinking required by comprehension questions in informal reading inventories. The Reading Teacher, Newark, NJ, v. 56, n. 2, p. 174-180, 2002.) destacam quatro níveis cobrados em questionários de compreensão leitora:

Nível 1 - A resposta está explícita na superfície textual. O aluno precisa localizar a resposta e transcrevê-la.

Nível 2 - As respostas não estão óbvias na superfície textual. O aluno precisa gerar uma pequena conclusão ou inferência com base em informações do próprio texto.

Nível 3 - O aluno precisa expressar as inferências ancoradas em seus conhecimentos prévios, vinculando-os ao texto e oferecendo uma conclusão lógica como resposta para questão sobre determinado fato, parte ou personagem do texto.

Nível 4 - Permite expressar reflexões sobre o texto como um todo. As questões referentes a esse nível estão voltadas para as ideias centrais do texto e exigem que o leitor se posicione criticamente sobre o tópico em questão, apoiado no seu conhecimento de mundo e nas situações descritas no texto.

É possível perceber que atividades voltadas para os níveis 1 e 2 de leitura são aquelas mais focadas na extração dos conteúdos textualmente escritos, ou seja, enfatizam as ações de decodificação, localização e cópia de informações. Já as destinadas aos níveis 3 e 4 são as que destinam maior espaço para a expressão da integração do leitor com o texto, pois abordam as inferências baseadas no conhecimento que o aluno traz para dialogar com o texto. Nesse sentido, as atividades dedicadas aos níveis 3 e 4 de leitura são mais propícias para a formação do leitor literário, uma vez que, ao possibilitarem a expressão da leitura gerada pela integração do texto com os saberes dos alunos, favorecem o ato de tomar o texto para si, ou de se apropriar do texto.

O maior favorecimento das atividades de N3 e N4 ao letramento literário não significa que se deva descartar as atividades de N1 e N2 de leitura em seções destinadas ao estudo de um texto, seja ele literário ou não. Considero importante a abordagem de todos os níveis de leitura em atividades de compreensão leitora. Advogo, inclusive, pela sistematização de atividades em uma ordem na qual apareçam questões de níveis progressivos de leitura. Saliento, entretanto, que o espaço destinado aos níveis 1 e 2, dentro dos conjuntos de atividades, não deve ser superior ao espaço destinado aos níveis 3 e 4. Pois, se assim o for, corre-se o risco de se incutir no aluno, a ideia de que leitura é, principalmente, decodificação, localização e extração, havendo pouco espaço para a compreensão do ato de ler como interação, diálogo e construção.

Além das atividades que abordam níveis de leitura nos quais se permite a expressão da interação do leitor com o texto, permitindo a compreensão do papel ativo exercido pelo leitor, outra prática favorecedora do letramento literário está relacionada à ativação do plano meta, ou do desenvolvimento metalinguístico, nas atividades de leitura.

O desenvolvimento metalinguístico diz respeito à “conscientização sobre a habilidade de interpretar as experiências com a linguagem e agir sobre elas” (GERHARDT, 2016GERHARDT, A. F. L. M. Ensino de gramática e desenvolvimento metalinguístico: teorias, reflexões e exercícios. Campinas, SP: Pontes , 2016., p.39). Nesse sentido, uma atividade de leitura voltada para o plano meta é aquela que possibilita um olhar não para o produto da leitura, mas para o processo usado na sua construção. A fim de exemplificação, imaginemos que determinado texto autorize a inferência de que um de seus personagens cometeu um crime durante uma narrativa. Uma atividade de ativação de plano meta não questionaria apenas se houve ou não houve o crime, ou qual foi o crime, mas poderia se desdobrar em um item b, questionando como o aluno chegou à conclusão do item respondido, tal como em: A informação que você deu na resposta anterior está explícita no texto? Se sim, em que trecho especificamente? Se não, que pista do texto você utilizou para dar a sua resposta? Nesse exemplo, a questão se volta para o processo de leitura, permitindo a tomada de consciência sobre a construção dos resultados da leitura.

Nesse sentido, uma ação importante em atividades pensadas para o plano meta é a solicitação de justificativas metalinguísticas, ou seja, aquelas que direcionam as respostas para a retomada dos caminhos percorridos durante a leitura. Por isso, não basta mencionar o justifique sua resposta. É necessário orientar as justificativas para as pistas textuais ou de conhecimento de mundo usadas no processo da leitura.

No caso de atividades de leitura literária, o plano meta pode ser empregado para direcionar o olhar dos alunos para quais aspectos da relação travada com o texto implicam uma relação literária de construção de sentidos. Dessa forma, possibilita-se um olhar para o processo, de modo que ele possa ser gerenciado, contribuindo para a autonomia necessária ao letramento literário.

Este artigo assume, portanto, que atividades de leitura favorecedoras do letramento literário precisam abordar o plano meta de linguagem. Caso não o façam, tendem a pouco contribuir para a autonomia leitora. Além disso, é importante que as atividades não priorizem os níveis um e dois de leitura em detrimento dos níveis três e quatro, para favorecerem não somente a localização e reprodução dos conteúdos textualmente escritos, mas também a expressão das inferências produzidas. As inferências demonstram a apropriação do texto feita pelo leitor, não podendo ser desprezadas em uma atividade que almeja contribuir com a formação do leitor, sobretudo o literário.

2.4 PNLD 2017 e leitura literária

A menção ao texto literário, no guia do PNLD 2017 de língua portuguesa, faz-se presente já na primeira seção após a apresentação do documento. Ao mostrar um breve histórico sobre a disciplina de Língua Portuguesa nos anos finais do ensino fundamental, o guia informa que nos últimos trinta anos, os materiais pedagógicos, assim como os documentos oficiais, organizam o ensino-aprendizagem em quatro eixos: leitura, produção de textos, oralidade e conhecimentos linguísticos. E destaca que “do ponto de vista histórico, sabe-se que os eixos dos conhecimentos linguísticos e da leitura (especialmente a dos textos literários) constituem a gênese da disciplina escolar ‘Língua Portuguesa’ desde o século XIX” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
https://bit.ly/2DcJcB2...
, p. 9, grifo meu). Apesar disso, a presença do texto literário nos materiais didáticos e nas salas de aula nem sempre foi ou é garantia de um trabalho voltado para a leitura literária. Historicamente, sabe-se que, antes de documentos como os PCNs, o texto literário costumava ser usado como pretexto para análises gramaticais, com exercícios nos quais se extraíam algumas frases do texto para que fosse analisada, por exemplo, a função sintática de termos. Após os PCNs, apostou-se em uma organização curricular pautada em gêneros do discurso, em uma tentativa de basear-se nas noções de discurso de Bakhtin. Porém, ao tomar a noção de gênero a partir de uma visão mais textual do que discursiva4 4 Para maiores informações sobre a diferenciação entre gêneros textuais e gêneros do discurso, recomendo a leitura de Rojo (2005). , continuou-se a usar os textos literários como pretextos, nesse caso para a verificação das características e para o enquadramento dos textos dentro dos gêneros, vistos como uma espécie de camisa de força com regras muito fixas e imutáveis. Atualmente, percebe-se a noção de tal equívoco, pois o guia do PNLD 2017 informa ser um dos desafios contemporâneos “não reduzir a dinamicidade dos gêneros e das atividades de linguagem ao longo do processo de escolarização, não os transformando jamais em objetos de ensino fixos e imutáveis” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
https://bit.ly/2DcJcB2...
, p. 11). Coloca-se, dessa forma, uma expectativa de trabalho com os gêneros, sejam eles literários ou não, a partir de uma perspectiva mais discursiva e menos aprisionadora em características fixas. Expectativa que considero um avanço para a qualidade do ensino de leitura.

Entretanto, a visão do PNLD 2017 ainda está muito pautada em atividades de reflexão sobre a língua, deixando de esperar um ensino mais focado na prática com a linguagem. Ao mencionar que espera que as coleções “desenvolvam um trabalho reflexivo com as práticas de linguagem” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
https://bit.ly/2DcJcB2...
, p. 11, grifo meu), e não um trabalho de prática de linguagem, o guia coloca o aluno como um ser passivo, apenas refletidor de práticas apartadas do seu uso.

Essa expectativa relacionada a uma reflexão passiva vai contra os interesses das Diretrizes Nacionais Curriculares, que apontam o fato de a educação ser um direito político, uma vez que a real participação na vida pública exige que os indivíduos, além de apresentarem capacidade de análise crítica de informações, “saibam elaborar críticas e se posicionar, tenham condições de fazer valer suas reivindicações por meio do diálogo” (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013., p. 105). Logo, para um pleno exercício da cidadania, o indivíduo precisa de mais do que a reflexão com as práticas de linguagem, precisa ter condições de agir através da linguagem, para se posicionar diante da sociedade. É claro que a reflexão é uma das etapas do processo de uso da linguagem, mas o agir requer habilidades que extrapolam a atividade de refletir, e é tarefa da escola o desenvolvimento de atividades de uso planejado e consciente da língua.

Com relação à leitura literária, o agir com a linguagem pode ser pensado mediante atividades propiciadoras da expressão das leituras produzidas pelos alunos no contato com os textos literários. As atividades precisam extrapolar as tarefas de localização e extração de informações da superfície textual, permitindo um agir com a linguagem no objetivo de expressar as inferências decorrentes da interação entre as possibilidades que o texto oferece e o conhecimento de mundo trazido pelo leitor. O texto literário é pleno de possibilidade de leituras e permitir a expressão dessas leituras é trabalhar com a apropriação requerida para o letramento literário, pois envolve, retomando as palavras de Paulino e Cosson (2009PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSLING, T. (Org.). Escola e leitura: velhas crises, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.), o ato de tomar algo para si. Por isso, uma atividade com texto literário precisa ser receptiva às diferentes leituras surgidas no contato com o texto e não pode ser elaborada com os mesmos objetivos de uma leitura de texto informativo, por exemplo. O guia do PNLD 2017 parece estar atento à necessidade de uma abordagem diferenciada para cada tipo de texto, mencionando que “ler um poema não é a mesma coisa que ler uma notícia, assim como a leitura de infográfico não é igual à de uma fábula” (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
https://bit.ly/2DcJcB2...
, p. 12). A expectativa do guia, nesse sentido, parece atender ao que apontam os estudos sobre a leitura literária na escola. O guia chega a mencionar a necessidade de se assumir que “o aprendiz é um leitor/um agente que produz sentido; por isso, as questões críticas, éticas e estéticas precisam perpassar tanto a seleção textual quanto o ensino da compreensão” (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013., p. 13), porém, essa menção parece não se encaixar na expectativa de um trabalho reflexivo com as práticas de linguagem, ficando solta no documento, uma vez que a predominância é de expectativas ligadas à reflexão sobre a língua.

Com relação aos objetivos específicos para leitura, os critérios definidos para as atividades de compreensão e interpretação textual definem que a formação do leitor (inclusive do literário) só pode ocorrer na medida em que as coleções:

  • encararem a leitura como uma situação de interlocução leitor/autor/texto socialmente contextualizada;

  • respeitarem as convenções e os modos de ler próprios dos diferentes gêneros, tanto literários quanto não literários;

  • desenvolverem estratégias e capacidades de leitura, tanto as relacionadas aos gêneros propostos quanto as inerentes ao nível de proficiência que se pretende levar o estudante a atingir. (BRASIL, 2016BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
    https://bit.ly/2DcJcB2...
    , p. 19).

Tais critérios podem ser enquadrados na concepção de letramento literário. Ao esperar que as coleções encarem a leitura como situação de interlocução entre leitor, autor e texto, socialmente contextualizada, evidencia-se a preocupação com o conhecimento de mundo do aluno que, ao interagir com o texto, realiza uma leitura única e individual. O respeito às convenções e aos modos de ler próprios dos diferentes gêneros dialoga com a visão de que é necessário atentar ao objeto do verbo ler. Desse modo, as atividades devem levar em consideração o tipo de leitura realizada, os seus objetivos e os saberes que precisam ser mobilizados para a sua realização. O desenvolvimento de estratégias para leitura, por sua vez, precisa ser pensado em função das características da leitura em questão e dos seus objetivos. As atividades de leitura literária presentes nas coleções aprovadas precisam, portanto, concatenar esses três critérios para que seja possível o oferecimento de atividades sistematizadas e contínuas direcionadas ao desenvolvimento da competência literária. Essa é uma das quatro ações fundamentais para a efetivação do letramento literário, conforme Paulino e Cosson (2009PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSLING, T. (Org.). Escola e leitura: velhas crises, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.), e é a que melhor pode ser abordada pelos livros didáticos.

A próxima seção propõe-se à análise do exemplar destinado ao sexto ano da coleção Português Linguagens, aprovada pelo PNLD 2017. A escolha desse exemplar é motivada pela minha atual prática docente. O objetivo da análise é o de verificar como as expectativas e os critérios definidos pelo guia refletem nas atividades de leitura literária do livro.

3 A leitura literária em uma obra aprovada pelo PNLD 2017

Cada volume da coleção Português Linguagens (CEREJA; MAGALHÃES, 2015CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Manual do professor. 6º ano. 9. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2015.) é organizado em quatro unidades articuladas a partir de um tema. Dentro de cada unidade há três capítulos, cada um contendo um texto de abertura, que é o texto principal, destinado ao estudo sistematizado de leitura. Vale lembrar que, além dos textos-base para atividades de leitura, os capítulos apresentam outros textos com objetivos de fruição, emoção, reflexão, diversão, produção textual, construção de conceitos gramaticais e verificação de aprendizagem. O foco deste artigo reside nos textos e atividades pensados para o estudo sistematizado da leitura. Por isso, a análise ficará concentrada nos textos da seção Estudo do Texto. O quadro abaixo dá uma visão dos textos e autores abordados em cada capítulo. Além disso, apresenta uma classificação dos textos em gênero e esfera a que pertencem.

QUADRO 1
Textos destinados ao estudo de leitura - volume do sexto ano

Com relação ao uso de textos literários, nota-se uma predominância muito forte dos gêneros da esfera literária. Entre os doze textos motivadores para atividades de leitura, há apenas um texto verbal que não pertence a essa esfera. Além disso, o volume do sexto ano atende à orientação do edital de convocação do PNLD 2017 para que as coleções explorem tanto a linguagem verbal como a não verbal. Dessa forma, observa-se que as unidades são compostas sempre por dois textos verbais, dispostos nos capítulos 1 e 2 das unidades, e um texto não verbal que dialoga com os verbais por meio do tema abordado. Os textos não verbais são duas pinturas e dois cartuns. As pinturas, pertencentes à esfera artística, esfera em diálogo e inter-relacionada à literária, podem permitir a abordagem do tema da unidade através de uma interpretação mais livre, pois podem favorecer a expressão de uma leitura mais individual, uma vez que a leitura não dependerá de significados construídos na decodificação de palavras. Da mesma forma, os cartuns, pertencentes à esfera jornalística, podem permitir a ampliação da reflexão crítica sobre os temas estudados. Com relação à escolha dos textos, portanto, a coletânea parece favorecer a formação do leitor literário, pois predominam textos da esfera literária. Cabe, agora, analisar como esses textos são abordados nas atividades sistematizadas para o estudo do texto.

3.1 Atividades de leitura relacionadas ao texto literário

Tomarei como exemplo as atividades destinadas ao estudo do primeiro texto, As três penas. Conforme já mencionado, o texto enquadra-se no gênero contos maravilhosos, pertencente à esfera literária. A seção é dividida em quatro partes. A primeira delas denomina-se Compreensão e interpretação e é composta por oito atividades, algumas delas desdobram-se em itens a, b e c, totalizando 16 itens. Vejamos alguns exemplos:

  • 1. No início do conto, o narrador apresenta os membros de uma família real e, em seguida, faz a caracterização dessas personagens.

  • a) Como são caracterizados os filhos mais velhos do rei? São caracterizados como inteligentes e sensatos.5 5 As respostas, destacadas em itálico, encontram-se apenas no Manual do Professor.

  • b) Como é caracterizado o filho mais jovem? Suas características eram semelhantes ou opostas às dos irmãos? Eram opostas às dos irmãos, pois era simplório, não falava muito e era chamado de Bobalhão. (CEREJA; MAGALHÃES, 2015CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Manual do professor. 6º ano. 9. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2015., p. 14).

Nos exemplos citados, é possível observar que o item a aborda o N1 de leitura, o que significa que, para respondê-lo, o aluno precisa localizar a informação solicitada na superfície textual e copiá-la. O item b apresenta duas perguntas, na primeira, a resposta também pode ser encontrada explicitamente no texto, já a segunda depende de que o aluno faça uma comparação entre as duas respostas oferecidas para estabelecer uma relação de semelhança ou de oposição entre as características dos personagens. Esse estabelecimento de relações entre partes explicitamente escritas no texto enquadra-se no N2 de leitura.

Dentre as dezesseis questões apresentadas na seção de Compreensão e interpretação, dez abordam N1 e N2, o que representa 62,5% das atividades dessa parte, sendo quatro de N1, quatro de N2 e duas de N1 e N2 juntos. Embora se reconheça a importância das atividades de N1 e N2 de leitura, pois elas trabalham a primeira etapa para a compreensão do texto, o grande espaço que elas ocupam na atividade, 62,5%, pode acarretar pouca possibilidade de abordagem de níveis mais profundos de leitura, justamente os níveis mais favorecedores do letramento literário.

Entre as seis demais atividades, cinco abordam o N3 de leitura. São elas:

  • 3. Ao descer pelo alçapão ao lado do qual cai a pena que indicava a direção a ser seguida, o Bobalhão adentra um mundo mágico.

  • a) Quando solicita à sapa gorda e recebe dela o tapete que precisava, o Bobalhão se comporta com delicadeza ou com grosseria? Comprove a sua resposta. Ele se comporta com delicadeza, porque faz seu pedido de modo bem-educado (“Eu gostaria de ter o mais lindo e mais fino tapete”) e agradece ao receber o que queria.

  • b) O Bobalhão segue a orientação da sapa gorda e, ao obter a “mulher mais linda de todas”, beija-a. O que esse comportamento da personagem revela a respeito do seu caráter? Revela obediência, humildade, delicadeza, respeito e afeto.

  • 6. Aos poucos, os fatos vão revelando como são, de fato, os personagens.

  • a) O que as atitudes dos irmãos mais velhos revelam sobre o caráter deles? Revelam que são ambiciosos, truculentos, aproveitadores, enganadores, preguiçosos.

  • b) O filho mais jovem era realmente um bobalhão, como as pessoas supunham? Não, na verdade, ele era simples, humilde, fiel e, sobretudo, dedicado, empenhado em cumprir a tarefa que lhe foi solicitada.

  • 7. O título do conto é “As três penas”. O que as penas podem representar, no contexto da história narrada? Professor, sugerimos abrir a discussão com a classe, pois há mais de uma resposta possível. As penas podem representar o acaso, a sorte de cada um dos irmãos, já que foi favorecido aquele que era crédulo, que tinha coração puro.

Essas cinco atividades possibilitam espaço para que o aluno expresse as inferências geradas a partir do diálogo entre as informações do texto e seu conhecimento de mundo. Nos itens a e b das atividades 3 e 6, por exemplo, o aluno precisa realizar julgamentos sobre personagens com base nas atitudes narradas no texto. Dessa forma, ele precisa analisar as informações do texto e buscar em seu conhecimento de mundo como tais atitudes costumam ser julgadas em sua sociedade. De igual modo, a atividade 7 solicita que se julgue a função de um elemento no contexto da história. Atividades que permitem a expressão da integração entre os dados do texto e o conhecimento do aluno favorecem o letramento literário, pois abrem espaço para a demonstração dos significados construídos durante a leitura. Segundo Kleiman (2010KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: Pontes , 2010.), “há evidências experimentais que mostram com clareza que o que lembramos mais tarde, após a leitura, são as inferências que fizemos durante a leitura; não lembramos o que o texto dizia literalmente” (KLEIMAN, 2010KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: Pontes , 2010., p. 25). Isso demonstra a importância do trabalho com as inferências para a apropriação do texto.

O processo de apropriação do texto pelo leitor também pode ser facilitado pelo uso do plano meta nas atividades de leitura, ou seja, pela tomada de consciência, por parte do leitor, sobre os processos que ele realiza quando lê. Uma tentativa de ativação do plano meta pode ser observada no item a da questão 3. Ao solicitar que o aluno comprove a resposta oferecida, a atividade sugere que ele se volte para o processo de construção da resposta e busque os elementos textuais que foram integrados ao seu conhecimento de mundo para gerar a inferência da resposta. Infelizmente, dentre as dezesseis questões que a seção apresenta, somente duas buscam a ativação do plano meta. Porém, elas não guiam o aluno à compreensão de tal ativação e, consequentemente, não proporcionam o agenciamento do aprendizado.

Com relação à reflexão sobre o texto como um todo, N4 de leitura, a seção apresenta uma atividade.

  • 8. Os contos maravilhosos geralmente transmitem ensinamentos relacionados ao comportamento humano. Que ensinamentos o conto lido transmite? Professor, sugerimos abrir a discussão com a classe. Espera-se que os alunos percebam a ideia de que, para alcançar um objetivo, é preciso ser fiel, obediente, esforçado, humilde, dedicado, ter boa vontade, etc. e também a de que não se deve julgar as pessoas pela aparência.

Na atividade acima, ao ser questionado sobre os ensinamentos que o texto transmite, o aluno precisa refletir sobre o texto como um todo, buscando as inferências globais realizadas durante a leitura para expressar as lições, proporcionadas pelo texto, aplicáveis ao seu mundo.

A análise da seção Compreensão e interpretação mostrou, portanto, a não predominância de atividades destinadas aos níveis três e quatro de leitura, níveis mais favorecedores ao letramento literário. Ademais, a ativação do plano meta, tarefa importantíssima quando se deseja possibilitar autonomia leitora, só foi verificada, ainda que superficialmente, em duas atividades. Passemos às próximas seções.

A seção A linguagem do texto apresenta cinco atividades que totalizam doze itens. As primeiras perguntas dizem respeito à parte estrutural do texto. Os questionamentos são sobre o número de parágrafos, de frases, de estrofes e versos presentes na narrativa. Há, também, um boxe explicativo sobre tipos de frases e uma atividade solicitando que o aluno volte ao texto e encontre uma frase de cada tipo apresentado. Essas atividades, apesar de ativarem conhecimentos importantes, não puderam ser classificadas dentro dos níveis de leitura, pois não os abordam. Entre os doze itens desta seção, apenas um aborda leitura, o item a da atividade 5: “Releia as estrofes que há no conto. a) De acordo com o contexto, quem seria a ‘donzela menina’? Uma sapinha jovem”. Esse item permite que o aluno relacione uma estrofe presente no texto a uma personagem, enquadra-se no N2 de leitura.

A seção Cruzando Linguagens solicita que o aluno assista ao filme O jardim secreto, de Agnieszka Holland, para responder às questões. Estabelecer uma relação entre cinema e literatura é uma ação que pode contribuir para o letramento literário. Amorim (2013AMORIM, M. A. Literatura, adaptação e ensino: uma proposta de leitura. In: GERHARDT, A. F. L. M.; AMORIM, M. A.; CARVALHO, A. M. (Org.). Linguística aplicada e ensino: língua e literatura. Campinas, SP: Pontes Editores, 2013. p. 231-262.), abordando a relação entre adaptação e literatura, menciona que “o cinema de adaptação, quando utilizado de maneira embasada, pode fornecer ao aluno/leitor pontes para a sua trajetória rumo ao texto infinito barthesiano”6 6 O intertexto. (AMORIM, 2013AMORIM, M. A. Literatura, adaptação e ensino: uma proposta de leitura. In: GERHARDT, A. F. L. M.; AMORIM, M. A.; CARVALHO, A. M. (Org.). Linguística aplicada e ensino: língua e literatura. Campinas, SP: Pontes Editores, 2013. p. 231-262., p. 233). Acredito que essa noção pode ser aplicada não somente à adaptação, mas ao texto fílmico em geral. Dessa forma, verificarei o tipo de abordagem dada ao filme nas atividades.

A seção relacionada ao filme é composta por nove atividades que, subdivididas, totalizam 22 itens. Apesar de os itens tratarem da leitura das imagens do filme, foi possível classificar todas as questões dentro dos níveis de leitura propostos por Applegate et al. (2002APPLEGATE, M. D.; QUINN, K. B.; APPLEGATE, A. J. Levels of thinking required by comprehension questions in informal reading inventories. The Reading Teacher, Newark, NJ, v. 56, n. 2, p. 174-180, 2002.). Foram consideradas questões de N1 as que abordavam informações explicitamente exibidas nas imagens. Tais como:

  • 1. No início do filme, é apresentada a protagonista da história, Mary Lennox, uma menina de 10 anos. Ela mora então na Índia, com seus pais.

  • a) Nesse período, situado no início do século XX, quem cuida da protagonista? A criada da casa, a aia.

Na atividade acima, para responder à questão, não é necessário realizar nenhuma inferência a partir do filme, basta que se veja as cenas iniciais para se descobrir que quem cuida da protagonista é a criada da casa. A seção apresentou dez questões de N1.

As questões de N2 foram aquelas em o aluno precisava relacionar partes exibidas no filme para chegar à resposta, como em:

  • 2. Em certas situações vividas na Índia, Mary fica furiosa, mas nunca chora.

  • a) Na sua opinião, o que levou a menina a ter esse comportamento? Provavelmente, a falta de carinho e de atenção dos pais levou Mary ser uma menina rebelde e dura.

No exemplo acima, é necessário relacionar as partes que mostram a falta de atenção dos pais ao comportamento da menina para se chegar à resposta. É uma questão, portanto, de N2 de leitura. No total da seção, foram sete questões de N2.

Foram consideradas questões de N3 as que relacionavam as informações do filme ao conhecimento de mundo do aluno, para, por exemplo, solicitar o julgamento sobre uma personagem como em 2b: “O que esse jeito revela acerca da protagonista? Que ela não se dava o direito de ser frágil”. Em toda a seção, houve quatro questões de N3 e nenhuma de N4.

Como se pode observar, apesar de mudar a semiose, do texto escrito para o texto fílmico, as atividades continuam enfatizando os níveis mais rasos de leitura e possibilitando pouco espaço para a expressão das leituras realizadas pelos alunos. Além disso, a ativação do plano meta, através da solicitação de justificativas, só foi observada em quatro atividades e elas não direcionavam as repostas para uma justificativa metalinguística, cobrando apenas que os alunos justificassem suas respostas. Também chama a atenção o fato de que, dentre os vinte e dois itens da seção Cruzando linguagens, apenas dois se dediquem a, efetivamente, abordar o cruzamento entre o texto lido e o filme, como em “Que semelhança há no modo como inicialmente Mary e o Bobalhão são tratados pelas pessoas?” São os itens a e b, presentes na atividade 9.

Por tudo isso, apesar da importância do uso do filme como tentativa de dialogar com a leitura realizada, as atividades presentes na seção acabam por contribuir pouco com o letramento literário.

A última seção do Estudo do texto, chamada Trocando ideias, apresenta três questões:

  1. O conto “As três penas” tem como personagens principais três irmãos. Como era a relação entre eles? Você concorda com a maneira como os irmãos mais velhos tratavam o mais novo? Por quê?

  2. Das qualidades do irmão caçula, qual é, na sua opinião, a mais importante para um bom relacionamento entre as pessoas? Por quê?

  3. Que semelhança há entre o Bobalhão, do conto “As três penas”, e Mary, do filme O jardim secreto?

As atividades 1 e 2 abordam o N3 de leitura, pois permitem a expressão do diálogo produzido entre o texto e o conhecimento de mundo do leitor. Além disso, solicitam uma justificativa, ainda que não as direcionem para uma justificativa metalinguística. O número 3 aborda o N2, pois envolve a comparação de itens explícitos nos dois textos. Diferentemente das seções anteriores, esta seção não apresenta sugestão de respostas no livro do professor. Segundo o manual do professor, “este tópico objetiva desenvolver a capacidade de expressão e de argumentação oral do aluno” (CEREJA, MAGALHÃES, 2015CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Manual do professor. 6º ano. 9. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2015., p. 299). Dessa forma, ao possibilitar a expressão do aluno a respeito dos textos estudados, apesar de pequena, a seção parece contribuir para o letramento literário.

Fazendo um balanço de todas as atividades analisadas, verifica-se um total de 53 questões, das quais apenas 12 abordam níveis de leitura que permitem a expressão das inferências dos alunos. Esse pequeno espaço destinado à expressão do que o aluno produziu durante o contato com os textos, associado ao baixíssimo número de atividades que solicitam justificativas e ao não direcionamento das justificativas para o plano meta, parece pouco contribuir para formação de um leitor literário.

4 Considerações finais

Uma concepção importante para o trabalho com a leitura literária nas escolas brasileiras é a de letramento literário. Entendido como o processo de apropriação da leitura enquanto linguagem literária, esse letramento deve ter início, se pensarmos somente na escolarização, na educação infantil e acompanhar toda a vida escolar do indivíduo. Além disso, esse letramento envolve a apropriação dos textos, ou seja, a possibilidade de se ressignificar os textos lidos de acordo com as vivências de cada leitor, atribuindo-lhes sentidos que dialogam com as experiências relacionadas ao mundo de cada um.

Nesse sentido, o tratamento dado ao texto literário na escola precisa, além de ser contínuo, franquear espaços para a expressão da apropriação realizada. Os diálogos que os alunos fazem entre os textos lidos e suas experiências precisam ser evocados durante o trabalho com os textos. Isso implica atividades de leitura nas quais não predominem questões voltadas para os níveis que focalizam somente as informações textualmente escritas, mas em atividades nas quais as inferências produzidas durante a leitura sejam convidadas a serem explicitadas, de modo a contribuir com a visão de que a leitura não é somente o que está escrito no texto, mas o que se constrói junto ao texto. Além disso, no caso da leitura literária, é necessário que as atividades abarquem a relação estética que se pode travar com o texto. A expressão das leituras geradas durante o processo de apropriação do texto e a tomada de consciência sobre o papel ativo e sobre a experiência estética durante a construção de sentidos são essenciais para a formação de leitores literários autônomos.

O ler de maneira autônoma é um dos objetivos preconizados pelos PCNs para o eixo da leitura no ensino fundamental. Parece ser consenso, nos documentos oficiais, o fato de que a autonomia é essencial para a formação de um leitor. Entretanto, inexiste uma discussão sobre como a autonomia leitora pode ser trabalhada. Os estudos sobre os níveis meta de cognição, os que se voltam para os processos usados nos atos de aprendizado, não aparecem nos documentos. Pensar em autonomia, sem pensar em gerenciamento consciente dos processos com os quais se opera durante as situações de práticas parece improdutivo.

A investigação realizada neste artigo mostrou a forte presença de textos da esfera literária no volume selecionado. Porém, a análise de um conjunto de atividades destinadas ao estudo de um dos textos literários sugere pouco espaço para a expressão das leituras construídas, além do não direcionamento do olhar dos alunos para o processo de relação diferenciada de construção de sentidos que pode ocorrer no contato com o texto: uma relação literária. Dessa forma, perdura um questionamento: Qual o diferencial de se usar o texto literário se o modo de abordá-lo não leva em conta as especificidades da leitura literária?

A comparação entre as orientações dos documentos oficiais e o conjunto de atividades presente no livro didático revela que a presença do objetivo de formação de leitores literários autônomos, junto à ausência de discussão sobre as especificidades do texto literário, bem como sobre o nível meta de aprendizado repercute no material analisado. O volume investigado, atendendo ao edital do PNLD e ao que preconizam os documentos, apresenta uma boa coletânea de textos da esfera literária, o que pode representar certa contribuição do material com a prática de leitura literária na escola. Porém, a análise das atividades sugere que ainda é preciso percorrer um caminho para o alcance de questões de leitura favorecedoras do letramento literário.

Agradecimentos

Este artigo é inspirado nos diálogos realizados durante as aulas ministradas por Marcel Álvaro de Amorim, no curso Leitura, literatura e adaptação: uma abordagem dialógica. Ao professor e aos demais amigos do curso, a minha gratidão.

Referências

  • APPLEGATE, M. D.; QUINN, K. B.; APPLEGATE, A. J. Levels of thinking required by comprehension questions in informal reading inventories. The Reading Teacher, Newark, NJ, v. 56, n. 2, p. 174-180, 2002.
  • AMORIM, M. A. de. A leitura literária nos discursos oficiais sobre o ensino de I/LE. In: ______. Ensino de literaturas: perspectivas em linguística aplicada. Campinas, SP: Pontes, 2017. p. 71-93.
  • AMORIM, M. A. Literatura, adaptação e ensino: uma proposta de leitura. In: GERHARDT, A. F. L. M.; AMORIM, M. A.; CARVALHO, A. M. (Org.). Linguística aplicada e ensino: língua e literatura. Campinas, SP: Pontes Editores, 2013. p. 231-262.
  • BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Os gêneros do discurso. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016. p. 11-69.
  • BATISTA, A. A. G. A avaliação dos livros didáticos: para entender o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). In: ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (Org.). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. São Paulo: Mercado das Letras, 2003. p. 25-68.
  • BATISTA, A. A. G. O conceito de “livros didáticos”. In: GALVÃO; A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Livros escolares de leitura no Brasil: elementos para uma história. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. p. 41-74.
  • BATISTA, A. A. G.; GALVÃO; A. M. O. Livros de leitura: uma morfologia. In: GALVÃO; A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Livros escolares de leitura no Brasil: elementos para uma história. Campinas, SP: Mercado de Letras , 2009. p. 75-104.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos: PNLD 2017: Língua Portuguesa. Brasília, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2DcJcB2 >. Acesso em: 13 jul. 2017.
    » https://bit.ly/2DcJcB2
  • BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013.
  • BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília, 1998.
  • CASSIANO, C. C. F. O mercado do Livro didático no Brasil do século XXI: a entrada do capital espanhol na Educação nacional. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
  • CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Manual do professor. 6º ano. 9. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2015.
  • COMPAGNON, A. A literatura. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010 [1999]. p. 29-45.
  • CORACINI, M. J. (Org.). Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. São Paulo: Pontes, 2011 [1999].
  • COSSON, R. Introdução. Os pressupostos. In: ______. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2011. p. 9-43.
  • FIORIN, J. L. Os gêneros do discurso. In: ______. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008. p. 60-76.
  • FULGÊNCIO, L.; LIBERATO, Y. A leitura na escola. São Paulo: Contexto , 1996.
  • GERHARDT, A. F. L. M. Ensino de gramática e desenvolvimento metalinguístico: teorias, reflexões e exercícios. Campinas, SP: Pontes , 2016.
  • KATO, M. A. A aprendizagem da leitura. São Paulo: Martins Fontes , 1990.
  • KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: Pontes , 2010.
  • KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. 8. ed. Campinas, SP: Pontes , 2001.
  • LAJOLO, M. A leitura literária na escola. In: ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2000. p. 11-16.
  • LEFFA, V. J. Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolinguística. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1996.
  • MARCUSCHI, L. A. Compreensão ou copiação? A propósito dos exercícios de leitura nos manuais de ensino de língua. Em aberto, Brasília, DF, ano 16, n. 69, p. 64-82, jan./mar. 1969.
  • PAULINO, M. das G. R. Algumas especificidades da leitura literária. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.) Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 55-68.
  • PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSLING, T. (Org.). Escola e leitura: velhas crises, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
  • ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 184-207.
  • SOARES, M. Ler, verbo transitivo. In: PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.) Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Autêntica , 2005. p. 29-34.
  • TAGLIANI, D. C. O livro didático como instrumento mediador no processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa: a produção de textos. RBLA, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 135-148, 2011. Doi: https://doi.org/10.1590/S1984-63982011000100008
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/S1984-63982011000100008
  • TILIO, R. Atividades de leitura em livros didáticos de inglês: PCN, letramento crítico e o panorama atual. RBLA, Belo Horizonte, v. 12, n. 4, p. 997-1024, 2012. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1984-63982012005000010
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/S1984-63982012005000010
  • 1
    O nível meta em atividades diz respeito à “abertura de espaços didáticos dedicados a duas capacidades humanas fundamentais: a de autoconhecimento e a de autogestão” (GERHARDT, 2016GERHARDT, A. F. L. M. Ensino de gramática e desenvolvimento metalinguístico: teorias, reflexões e exercícios. Campinas, SP: Pontes , 2016., p. 34).
  • 2
    Capacidade de utilizar os enunciados em situações concretas de interação comunicativa.
  • 3
    É importante destacar a complicada apropriação do conceito de gêneros feita pelos PCNs. Fiorin (2008)FIORIN, J. L. Os gêneros do discurso. In: ______. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008. p. 60-76. menciona que, “depois que os Parâmetros Curriculares Nacionais estabeleceram que o ensino de Português fosse feito com base nos gêneros, apareceram muitos livros didáticos que veem o gênero como um conjunto de propriedades formais a que o texto deve obedecer” (FIORIN, 2008FIORIN, J. L. Os gêneros do discurso. In: ______. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008. p. 60-76., p. 60). Tal apropriação contradiz a noção bakhtiniana de gêneros do discurso, segundo a qual os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Os gêneros do discurso. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016. p. 11-69., p. 12, grifo do autor).
  • 4
    Para maiores informações sobre a diferenciação entre gêneros textuais e gêneros do discurso, recomendo a leitura de Rojo (2005)ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 184-207..
  • 5
    As respostas, destacadas em itálico, encontram-se apenas no Manual do Professor.
  • 6
    O intertexto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019
  • Data do Fascículo
    Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2017
  • Aceito
    20 Jul 2018
Faculdade de Letras - Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Letras, Av. Antônio Carlos, 6627 4º. Andar/4036, 31270-901 Belo Horizonte/ MG/ Brasil, Tel.: (55 31) 3409-6044, Fax: (55 31) 3409-5120 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: rblasecretaria@gmail.com