Resumo
Neste trabalho objetivou-se verificar as possíveis relações de pontos amostrais da temperatura da superfície do mar distribuídos espacialmente no Atlântico Tropical e o desenvolvimento de linhas de instabilidade atuantes na costa Norte e Nordeste do Brasil utilizando-se de técnicas de modelagem linear generalizada. Para isso, foram usados modelos lineares generalizados a partir da regressão linear de Poisson e da Binomial Negativa. Na análise das relações instituídas pela modelagem foi aplicada o teste de variância ANOVA com nível de significância de 0,05 de probabilidade para determinar que variáveis independentes foram mais significativas. Também foram analisados os resíduos gerados pelo ajuste dos modelos no intuito de identificar a distribuição que melhor se ajustasse aos dados. Toda análise estática foi realizada no software R. Entre os 132 pares de observações, a magnitude do coeficiente de correlação linear de Pearson (r) oscilou entre 0,06 (p < 0,04) entre (LI e TSM5) e 0,88 (p < 0,0001) entre (TSM2 e TSM5). Apesar das relações de TSM e episódios de LI apresentarem ausência de relação linear ou relação linear positiva perfeita, do ponto de vista estatístico, estas relações foram significativas. Os resultados obtidos pelo modelo da Binomial Negativa apresentaram menores resíduos, todavia, o modelo de Poisson foi ainda significativo do ponto de vista estatístico. Os pontos de extração dos valores da temperatura da superfície do mar (TSM2, TSM5 e TSM10) apresentaram as maiores contribuições na explicação da variabilidade dos episódios de linhas de instabilidade no Norte e Nordeste do Brasil.
Palavras-chave: linhas de instabilidade; modelos estatísticos; Amazônia; Poisson; precipitação pluvial
Abstract
This work aimed to verify the possible relationships of sampling points of the sea surface temperature spatially distributed in the tropical Atlantic and the development of squall lines in North northeast coast of Brazil using techniques of generalized linear modeling. For this, we used generalized linear models from the linear regression Poisson and negative binomial, for analysis of the relationship established by modeling was applied ANOVA variance test with significance level of 0.05 probability to determine which independent variables were more significant in modeling. Also the waste generated by the adjustment of the models in order to identify the distribution that best fitted the data were analyzed. All static analysis was performed in R. software Among the 132 pairs of observations, the magnitude of the correlation coefficient of Pearson (r) ranged from 0.06 (p < 0.04) between (LI and TSM5) and 0.88 (p < 0.0001) (TSM2 and TSM5), despite relations TSM and episodes of LI present no linear relationship or perfect positive linear relationship between the observations still rather have the significant statistical point of view. The results obtained by the negative binomial model had lower waste; however, the Poisson model was also significant from a statistical point of view. The points of extraction temperature values of sea surface (TSM2, TSM5 and TSM10) had the highest contributions in explaining the variability of episodes of instability lines in the north-northeastern Brazil.
Keywords: climate variability; statistical models; Amazon; Poisson; rainfall
1. Introdução
A variabilidade interanual de precipitação no Nordeste do Brasil é fortemente dependente da fase do dipolo do Atlântico, tendo em vista que as anomalias positivas da temperatura da superfície do mar (TSM) no Atlântico Norte e anomalias negativas no Atlântico Sul, ao sul do equador, estão associadas a condições mais secas no Nordeste do Brasil (Moura e Shukla, 1981). Condições de chuva são observadas quando as anomalias de TSM opostas estão presentes. Moura e Shukla, (1981) ainda ressaltam que a forte associação das anomalias de TSM do Atlântico Tropical e a precipitação, também está presente para o norte da América do Sul, Amazônia Oriental e sobre África Tropical.
Nobre e Shukla (1997) identificaram que a TSM do Atlântico Tropical exerce grande influência no regime de precipitação sobre a América do Sul tropical e África, e que o defasamento da resposta estende-se por uma escala temporal bem maior que a escala das TSM do Pacífico Tropical. Segundo Nobre e Shukla (1997), em longo prazo (decenal ou interdecadal), a correspondência da variabilidade da precipitação nas regiões Norte e Nordeste da América do Sul está diretamente relacionada com as flutuações da TSM do Atlântico Tropical.
Os resultados encontrados por Dias de Paiva e Clarke (1995) indicaram uma tendência negativa na precipitação na maior parte das bacias do Amazonas e Xingu, possivelmente, relacionados com a variabilidade da TSM do Atlântico. Tardy et al. (1994) indicaram que a descarga da bacia do Rio Amazonas diminuiu significativamente entre 1910 e 1990. Entretanto, Chu et al. (1995) mostraram aumento sistemático da precipitação na porção noroeste da bacia do rio Amazonas desde 1975. Porém, os dados do fluxo do rio sobre a porção noroeste da Bacia Amazônica não tem mudanças sistemáticas indicadas (Marengo, 1995).
O gradiente meridional da TSM do Atlântico Tropical apresenta significativa tendência decenal de variações e foi objeto de estudo de Wagner (1996). Este autor detectou um aquecimento sistemático do Atlântico Sul, principalmente, a partir da década de 50. As TSM apresentaram aumentos significativos nos meses de janeiro e fevereiro, e decréscimos nos meses de agosto e setembro. Desta forma, a análise das condições da superfície dos oceanos e, em especial, do Atlântico associado aos acumulados de precipitação sobre o Brasil foi estudada por muitos autores.
Barreiro et al. (2002) ressaltam que a TSM exerce papel significativo na variabilidade da precipitação apresentando, em muitos casos, mais influência que as condições da atmosfera, pois estão diretamente relacionados ao armazenamento de energia e fonte de umidade para retroalimentação de sistemas convectivos. Assim, verifica-se que a variabilidade climática pode ocorrer impulsionada pelas condições da TSM do Pacífico e Atlântico. Por exemplo, durante as condições de El Niño, quando o Oceano Pacífico a oeste é anomalamente quente, as precipitações geralmente são mais baixas sobre o leste da Amazônia (Marengo, 2004). Além disto, a análise dos dados mostra que um Atlântico tropical quente pode ser associado ao fraco cisalhamento do vento e menores acumulados de precipitação (Nobre e Shukla, 1996).
As linhas de instabilidade (LI) são descritas por grande parte dos autores como aglomerados convectivos alinhados, responsáveis por bandas de chuvas fortes, seguido de precipitação estratiforme (Houze et al., 1990), e são frenquentemente observadas entre a faixa que se estende das latitudes médias até o equador. Browning e Ludlam (1962) são responsáveis pelo desenvolvimento dos primeiros modelos conceituais para explicar o fluxo de ar dentro destas linhas de instabilidade. Dentre as principais caracteristicas das linhas de instabilidade utilizadas para desenvolvimento de modelos conceituais estam às circulações de ar ascendente da frente para a retaguarda do sistema e o fluxo descendente dentro da região estratiforme, estudadas por Houze et al. (1989), a partir de imagens de radar meteorológico.
Fovell e Ogura (1989), em estudo utilizando simulações númericas, identificaram elementos caracteristicos as LI, tais como, piscina de ar frio, frente de rajada e o cisalhamento vertical do vento associado à formação de tal sistema. Vários autores (Smull e Houze, 1987; Houze et al., 1989) utilizaram medições de radar meteorológico com objetivo de analisar o fluxo de ar e padrões de chuva no interior dos sistemas convectivos associados as LI.
As linhas de instabilidade estão entre os fenômenos de mesoescala mais difíceis de simular. Embora sejam, indubitavelmente, influenciadas (e às vezes geradas) pelas características geográficas, como terreno, elas são altamente variáveis no espaço e transientes no tempo, fazendo com que limites laterais e condições iniciais sejam essenciais para previsões satisfatórias, o que é difícil e de custo computacional elevado para se obter (Pielke, 2002).
O Modelo Linear Generalizado (MLG) permite a modelagem de variáveis de resposta que não possuem as características da distribuição normal. Relacionando assim outras variáveis de resposta por meio de uma função de ligação, fazendo com que a amplitude da variação de cada medição torne-se uma função do seu valor previsto. Os modelos lineares generalizados foram formulados por John Nelder e Wedderburn Robert em 1972, como uma forma de unificar vários outros modelos estatísticos, incluindo regressão linear, regressão logística e regressão de Poisson. Entretanto, de acordo com Conceição et al. (2001), a relação da variável dependente e não dependente não é tão óbvia. As relações entre as diversas variáveis intervenientes podem não apresentar o mesmo comportamento ao longo de todos os valores do seu domínio e, mesmo se o apresentarem, a intensidade da associação pode não ser constante; por exemplo, o número de óbitos pode variar linearmente numa determinada faixa de valores de temperatura, e quadrática ou exponencialmente, em outras.
Dada a complexidade das relações de interesse, a escolha de modelos apropriados para a análise se reveste de bastante importância. Por exemplo, modelos de regressão linear servem para investigar se uma variável reposta Y está associada com variáveis explicativas X1, X2,…, Xn, mas este tipo de modelo avalia esta associação apenas sob a ótica linear, que nem sempre é aquela que rege os fenômenos considerados. Além disto, é importante ter em mente que as suposições, usualmente empregadas na análise, dificilmente corresponderão à realidade de modo exato, por mais sofisticado que seja o modelo em questão (Tomé e Latorre, 2001).
O objetivo principal do presente estudo é verificar as possíveis relações da TSM no Atlântico Tropical e o desenvolvimento de linhas de instabilidade atuantes na costa Norte e Nordeste do Brasil utilizando-se de técnicas de modelagem linear generalizada.
2. Dados e Metodologia
2.1. Área de estudo
A região de estudo compreende as latitudes de 4° N e 1° S e as longitudes de 48,7° e 35,7° W (Fig. 1). Esta área encontra-se sobre o Nordeste do Estado do Pará e parte do Nordeste do Brasil, região que sofre grande influência da brisa marítima e da ocorrência de LI.
2.2. Dados e técnicas de observação
Os seguintes dados e materiais, para o período de janeiro de 2003 a dezembro de 2013 foram utilizados:
-
–
Dados da temperatura da superfície do mar (TSM) obtidos do satélite Aqua-MODIS disponibilizados pela University of Hawaii em: http://apdrc.soest.hawaii.edu/. Foram utilizados neste estudo, dados médios mensais de 14 pontos sobre o oceano Atlântico Tropical, em que foi fixada a latitude de 0° com intuito de verificar a influência da convergência dos alísios de nordeste, e assim foram extraídas informações no intervalo de longitudes espaçadas em 1° (35,7 – 48,7° W). Neste caso, a TSM1 está sob a longitude de 35,7° W e a TSM14 está sob a longitude de 48,7° W; - Registros de LI do Boletim Climanálise, editado mensalmente pelo CPTEC, disponível em: http://climanalise.cptec.inpe.br/~rclimanl/boletim/.
2.3. A análise estatística
-
Construção do Modelo de Regressão de Poisson (MRP) e Binomial Negativa (MBN), em que os episódios de LI foram considerados como variável dependente e as TSM do Atlântico Tropical foram consideradas variáveis independentes. Para tanto, foram confeccionados modelos de regressão para a seleção das variáveis independentes que apresentassem significância ao nível de 5% de probabilidade (p < 0,05). A distribuição de Poisson e a distribuição Binomial Negativa foram utilizadas para descrever dados de contagem. Em situações em que a variável resposta apresenta dados de contagem e deseja-se estudar a relação com as variáveis explicativas, pode-se utilizar um modelo de regressão que pertence à classe especial dos modelos lineares generalizados (MLG);
-
O teste f da análise de variância (ANOVA) foi utilizado para verificar a significância das estimativas dos parâmetros do modelo e seus respectivos desvios padrão, teste t e o correspondente p-valor para a variável dependente LI em relação à significância das variáveis independentes (TSM);
-
Para avaliar o ajuste do modelo, realizou-se uma análise dos resíduos. Esta análise foi feita através do gráfico dos desvios residuais de cada observação em relação aos valores ajustados pelo modelo;
-
Foi calculado o coeficiente de correlação de Pearson entre cada par de matrizes, e sua significância foi verificada pelo teste t de Student, a 5% de probabilidade, com n-2 = graus de liberdade (gl), em que n são os pares de caracteres. Ainda foram feitos o histograma, o diagrama de dispersão e foi calculada a matriz de coeficientes de correlação linear de Pearson (r);
-
Foram ainda aplicados teste de normalidade (Shapiro-Wilk), de tendência (Mann-Kendall) e estacionariedade (Dick-Fuller) para as séries temporais de LI e das TSM.
Todos os cálculos e ajustes necessários para realização deste trabalho foram realizados a partir de scripts do programa R (R Development Core Team, 2009). Foram utilizados os pacotes forecast, car, MASS e effects, que são módulos do R com funções especificas para análises desenvolvidas nesta pesquisa.
3. Resultados e Discussão
3.1. Análise da eficiência do MLG
A partir da distribuição dos desvios residuais envelopados obtidos da regressão de MBN e MRP (Fig. 2) é possível definir à capacidade de explicação do modelo, no que se refere à variabilidade dos episódios de LI na região norte e nordeste do Brasil relacionados aos pontos de TSM, identificados no modelo como variáveis independentes. A partir da Fig. 2A, verificou-se que as distribuições dos desvios residuais obtidos do MBN apresentaram satisfatórias aderências, sem pontos saindo do intervalo. Todavia o modelo MRP (Fig. 2B) ainda foi satisfatório pelos critérios de escolha através dos índices estatísticos, o mesmo apresenta pontos fora das retas dos desvios e outliers nos extremos da distribuição.
Distribuição dos desvios residuais envelopados obtidos da regressão da Binomial Negativa (A) e da Poisson (B).
De acordo com Baxter et al. (1997), um modelo bem ajustado possui a distribuição dos pontos o mais próximo possível de zero no intervalo entre −2 e 2. Tal ajuste está diretamente associado à capacidade de explicação do modelo, no que se refere à variabilidade dos episódios de LI na região norte e nordeste do Brasil.
Aplicando o teste ANOVA ao MLG obtido pela função de ligação de Poisson entre os registros de LI e os 14 pontos de TSM no Atlântico Tropical, foi possível verificar que apenas às variáveis independentes (TSM2, TSM5 e TSM10) foram significativas ao nível de 5% de probabilidade (Tabela 1). Os resultados obtidos pela ANOVA indicaram ainda que coeficiente β1 = 0,24 °C relaciona-se ao aumento dos episódios de LI em função do aumento da TSM2, em cerca de 30% de acréscimo. Logo, se espera que para os meses com maiores registros de temperatura da superfície do mar, neste ponto, possivelmente, possam ser observados maiores ocorrências de LI.
Estimativa dos parâmetros do modelo de Poisson e seus respectivos desvios padrão, teste t e o correspondente p valor para a variável dependente LI.
Os coeficientes β2 e β3 representam as contribuições das longitudes (39,7 e 44,7° W). Os valores de 0,3 e 0,32 °C indicam taxas de acréscimo de 35 e 37,7% de aumento, respectivamente. Para os três pontos apresentados, a estatística foi extremamente significativa (p < 0,05). Apesar de compor a modelagem, a TSM12 (46,7° W) não foi significativa ao nível de 5% de probabilidade. A defasagem na resposta do aquecimento das águas do oceano Atlântico Tropical podem influenciar diretamente no desenvolvimento e propagação das LI, e podem justificar assim o período preferencial de ocorrência de tais fenômenos.
Os resultados obtidos por Silva Dias et al. (2005) e Alcântara et al. (2011) evidenciam que as LI ocorrem mais frequentemente entre abril e agosto, contribuindo para elevados valores de precipitação nas áreas atingidas. O período de transição (outono-inverno) no hemisfério sul (HS), descrito pelos autores, representam o gradiente térmico continente-oceano mais pronunciado o que pode justificar o maior número de observações de LI na costa Norte e Nordeste do Brasil.
Os resultados do teste ANOVA ao MLG obtido pela função de ligação da Binomial Negativa indicaram apenas as TSM5 e TSM10 (39,7 e 44,7° W) como significativas (Tabela 2). Observa-se que os coeficientes β1 e β2 apresentam contribuições inversas, ou seja, o coeficiente β2 = −0,31 °C relaciona-se ao decréscimo dos episódios de LI em função da diminuição da TSM5, na ordem de 26,7%. Logo, se espera que para os meses com menores registros de temperatura da superfície do mar nesse ponto, possivelmente, haverá diminuição na ocorrência de LI. O coeficiente β3 indica taxa de acréscimo de 35%, em função do aumento de 0,3 °C.
Estimativa dos parâmetros do modelo da Binomial Negativa e seus respectivos desvios padrão, teste t e o correspondente p valor para a variável dependente LI.
Observa-se a partir das contribuições dos coeficientes do MLG-Binomial Negativa em função do número de episódios de LI e dos valores da temperatura da superfície do mar para os pontos TSM2, TSM5 e TSM10 (Fig. 3) que apesar de não significativa, a TSM2 (p > 0,05) apresenta relação positiva com a ocorrência de LI, verifica-se uma taxa de 25,9% de acréscimo em função do aumento em 0,23 °C. A variabilidade de resposta para esse ponto (Fig. 4A) é mais sensível para registros de temperatura acima de 28 °C, ficando assim comprometida a estimativa de LI. Entretanto, as contribuições da TSM5 (Fig. 4B) apresentam componente de redução de LI, as estimativas de eventos também indicam que temperaturas acima de 28 °C aumentam o erro associado a previsão. A Fig. 3C destaca, para a TSM10, a componente de aumento de LI em função do acréscimo da temperatura. Evidencia-se, apesar de distanciados, a formação de um fluxo zonal gerado como efeito do gradiente horizontal da temperatura ou gradiente de densidade em baixos níveis da atmosfera. A intensidade da componente meridional do vento pode sofrer atenuações em função da variabilidade da densidade próxima a superfície do oceano. Observa-se assim que a dinâmica dos processos oceânicos e sua interação com a atmosfera podem induzir padrões de grande variabilidade espaço-temporal e apresentam-se desde escala intrasazonal até aqueles que perduram por décadas. As respostas de tais variações influenciam o comportamento de correntes oceânicas e das camadas mais próximas à superfície do mar.
Contribuições dos coeficientes do MLG-Binomial Negativa em função do número de episódios de LI em relação a TSM2 (A) TSM5 (B) e TSM10(C).
Histograma de frequência (na diagonal) e gráficos de dispersão entre os episódios de LI e os valores de TSM e entre as TSM.
3.2. Análise das séries temporais de TSM e LI
Verificou-se pelo teste de tendência das séries temporais de TSM e LI em análise (Tabela 3) que nenhuma apresenta aumento ou decréscimo significativo, pois todas são estacionárias de acordo com teste de Dick-Fuller apresentando assim valores próximos à média das observações. De acordo com o teste de normalidade (Shapiro-Wilk), apenas a TSM 2 não apresenta aderência às características de uma distribuição normal (Tabela 4). Isto pode ser verificado a partir do histograma das observações apresentado na Fig. (4). Tem-se ainda que os coeficientes de correlação linear de Pearson (r), para cada par de observações, foram em geral similares entre os valores de TSM o que pode inferir certo grau de associação entre os pontos de TSM em face dos processos de aquecimento ou resfriamento da superfície. Entre os 132 pares de observações, a magnitude do coeficiente de correlação linear de Pearson (r) oscilou entre 0,06 (p < 0,04) entre (LI e TSM5) e 0,88 (p < 0,0001) entre (TSM2 e TSM5), apesar das relações de TSM e episódios de LI apresentarem ausência de relação linear ou relação linear positiva perfeita entre as observações, foram significativos do ponto de vista estatístico.
Análise da normalidade das séries temporais de LI e das TSM estatisticamente significativas.
Nos casos que determinam a relação de LI vs. TSM, é importante examinar, além da significância estatística, a magnitude do r e as relações físicas entre o ambiente e o processo de formação das linhas de instabilidade, que forneça um significado prático de determinada associação linear (Hair et al., 2005). Fisicamente, observa-se que anomalias negativas de TSM próximas à costa geram melhores condições de formação de brisas, tendo em vista o contraste térmico continente-oceano, e para estas configurações a identificação de LI é mais facilitada, em detrimento da não associação a outros padrões de circulação da atmosfera.
Destaca-se ainda que os padrões de aquecimento e resfriamento da TSM, em vários pontos do oceano Atlântico Tropical, podem inibir ou induzir o processo de formação de brisas e, por consequência, o número de observações de LI na costa Norte e Nordeste do país (Alcântara et al., 2011).
Os resultados obtidos a partir das correlações simples apresentadas por (r e R2) foram de grande importância para o desenvolvimento da hipótese de associação da TSM do Atlântico Tropical e os episódios de LI na costa Norte e Nordeste do Brasil, insere-se no contexto da modelagem linear generalizada como ferramenta mais flexível na descrição das ocorrências de LI, tomando por base sua natureza de variabilidade como dado de contagem.
Sendo assim é possível inferir que padrões anômalos de aquecimento da superfície do mar podem influenciar em escalas diferentes os padrões de circulação da atmosfera, e ainda os regimes de precipitação. De acordo com Andreoli e Kayano (2007), anomalias de TSM presentes no Atlântico Tropical podem gerar anomalias na precipitação na região nordeste do Brasil, e ainda na ausência das mesmas, tais anomalias na precipitação são resultado de padrões de teleconexões associados ao rearranjamento da célula de Walker. Tais estruturas seriam bem evidentes durante a fase inicial e de desenvolvimento do ENOS, em dezembro, janeiro e fevereiro.
Hastenrath (1984) ressalta que o campo atmosférico sobre o Atlântico Tropical no que se refere aos padrões de vento e precipitação é, possivelmente, induzido por mecanismos de efeito retardado, ou seja, apresentam oscilações de frequências de anos, apresentando assim resposta lenta nas camadas da superfície do oceano. O autor ainda ressalta que os ciclos anuais de aquecimento solar seja a forçante moduladora da variabilidade interanual dos ventos e da TSM. Tal panorama resulta na variabilidade do calor sensível armazenado nas camadas próximas a superfície do oceano.
Alcântara et al. (2014) associou que as oscilações dos gradientes térmicos e de perfis de vento na média e alta atmosfera são possíveis condicionantes do ambiente favorável a formação e desenvolvimento da LI, sendo assim, e a partir de simulações numéricas, analisaram o impacto do cisalhamento do vento nos médios e baixos níveis da atmosfera. Justifica-se assim a variabilidade média mensal dos episódios de linhas de instabilidade nas regiões norte e nordeste do Brasil pode ser explicada pelo fato de tal sistema dificilmente atuar individualmente, ou seja, a associação das LI com as brisas marítimas e de vale-montanha e ainda, em grande escala, com a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) está presente na maioria das observações.
Segundo Hastenrath (1984), Nobre e Shukla (1996), os mecanismos de circulação e os padrões de aquecimento das águas do oceano Atlântico Tropical influenciam diretamente a flutuação da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principalmente, na componente meridional (norte-sul) quando comparada a configuração zonal (leste-oeste), resultando assim num padrão mais característico de variabilidade das TSM e ventos à superfície. A ZCIT é responsável por grande parte da precipitação nas regiões norte e nordeste do Brasil.
O diagnóstico dos gradientes térmicos do Atlântico Tropical auxilia na detecção do ambiente sinótico propício ao desenvolvimento e propagação de sistemas convectivos de meso e grande escala. Todavia, é notório que os padrões de variabilidade das TSM e dos ventos observados sobre o Pacífico Tropical apresentam uma magnitude muito maior do que comparados ao Atlântico Tropical, mesmo assim ressalta-se a necessidade de monitoramento de tal ambiente, tendo em vista que o mesmo é modulador das condições climáticas de grande parte da América do Sul e, principalmente, da região nordeste do Brasil.
4. Conclusões
O modelo da Binomial Negativa apresentou os menores resíduos, tornando-o mais confiável para verificação de possíveis relações da temperatura da superfície do mar no Atlântico Tropical e o desenvolvimento de linhas de instabilidade atuantes na costa Norte e Nordeste do Brasil. Tal aplicação se insere no contexto do desenvolvimento de mecanismos de previsão de tempo em função de variáveis monitoradas (TSM). Verificou-se assim que as TSM2, TSM5 e TSM10 apresentaram as maiores contribuições na explicação da variabilidade dos episódios de linhas de instabilidade. É possível que futuramente novas áreas de TSM possam ser inseridas para melhoramento do modelo.
Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES pelo apoio financeiro ao projeto Estudo e Caracterização das Circulações do Tipo Brisa e Linhas de Instabilidade no Nordeste Brasileiro através de Simulações Numéricas de Alta Resolução.
Referências
- ALCÂNTARA, C.R. Linha de Instabilidade da Amazônia: Estudo de caso e Importância das características do perfil do vento na sua formação e desenvolvimento. Ciência e Natura, v. 33, p. 197-226, 2011.
- ALCÂNTARA, C.R.; SILVA DIAS, M.A.F.; SOUZA, E.P.; COHEN, J.C.P. Verification of the Role of the Low Level Jets in Amazon Squall Lines. Atmospheric Research, v. 100, p. 36-44, 2011.
- ALCÂNTARA, C.R.; SOUZA, E.P.; SILVA DIAS, M.A.F.; BIAZETO, B. Influência dos jatos em médios e baixos níveis nos processos de nuvem: estudo numérico de uma linha de instabilidade amazônica. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 29, p. 29-46, 2014.
- ANDREOLI, R.V.; KAYANO, M.T. A importância relativa do Atlântico tropical sul e Pacífico leste na variabilidade de precipitação do Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 22, n. 1, p. 63-74, 2007.
- BARREIRO, M.; CHANG, P.; SARAVANAN, R. Variability of the South Atlantic Convergence Zone simulated by an atmospheric general circulation model. Journal of Climate, v. 15, p. 745-763, 2002.
- BAXTER, L.A; FINCH, S.J.; LIPFERT, F.W. Comparing estimates of the effects of air pollution on human mortality obtained using different regression methodologies. Risk Analysis, v. 17, n. 3, p. 273-278, 1997.
- BROWNING, K.A.; LUDLAM, F.H. Airflow in convective storms, Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 88, p. 117-135, 1962.
- CAVALCANTI, I.F.A. Um estudo sobre interações entre sistemas de circulação de escala sinótica e circulações locais 133 p. (INPE-2494-TDL/097). Dissertação (Mestrado em Meteorologia) – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, 1982.
- CHU, P.S.; YU, P.; HASTENRATH, S. Detecting climate change concurrent with deforestation in the Amazon basin: which way has it gone? Bulletin of the American Meteorological Society, v. 75, p. 579-583, 1995.
- CLIMANALISE - Boletim de Monitoramento e Análise Climática Cachoeira Paulista, SP: INPE, 1998-2013. Mensal.
- COHEN, J.C.P.; SILVA DIAS, M.F.; NOBRE, C.A. Aspectos climatológicos das linhas de instabilidade na Amazônia. Climanálise – Boletim de Monitoramento e Análise Climática, v. 4, n. 11, p. 34-40, 1989. (INPE-6028-PRE/2143).
- COHEN, J.; CAVALCANTI, I.F.A.; R.H.M.; BRAGA, L.S.; NETO, L.S. Squall lines along the North-Northeast coast of South America, In: Iracema F. A. Cavalcanti; Nelson J. Ferreira, Maria Justi da Silva; Maria Assunção S Dias. (Org.). Tempo e Clima no Brasil São Paulo: Oficina de textos, 2009.
- CONCEIÇÃO, G.M.S.; SALDIVA, P.H.N.; SINGER, J.M. Modelos GLM e GAM: uma tradução para leigos e aplicação a um estudo de mortalidade e poluição atmosférica na cidade de São Paulo. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 4, p. 206-219, 2001.
- DIAS DE PAIVA, E.M.C.; CLARKE, R. Time trends in rainfall records in Amazonia. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 75, p. 579-583, 1995.
- FOVELL, R.G.; OGURA, Y. Effect of vertical wind shear on numerically simulated multicell storm structure, Journal Atmospheric Sciences, v. 46, p. 3144-3176, 1989.
- HAIR, J.F.; ANDERSON, R.E.; TATHAM, R.L.; BLACK, W.C. Análise multivariada de dados 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005, 593p.
- HASTENRATH, S.; WU, M.C.; CHU, P.S. Towards the monitoring and prediction of Northeast Brazil droughts. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 110, p. 411-425, 1984.
- HOUZE, R.A.; RUTLEDGE, S.A.; BIGGERSTAFF, M.I.; SMULL, B.F. Interpretation of Doppler weather radar displays of midlatitude mesoscale convective systems, Bulletin of the American Meteorological Society, v. 70, p. 608-619, 1989.
- HOUZE, R.A.; SMULL, B.F.; DODGE, P. Mesoscale organization of springtime rainstorms in Oklahoma, Monthly Weather Review, v. 118, p. 613-654, 1990.
- MARENGO, J. Interdecadal variability and trends of rainfall across the Amazon basin. Theoretical and Applied Climatology, v. 78, p. 79-96, 2004.
- MARENGO, J. Variations and Change in South American Streamflow’. Climate Change, v. 31, p. 99-117, 1995.
- MOURA, A.D.; SHUKLA, J. On the dynamics of droughts in northeast Brazil: Observations, theory and numerical experiments with a general circulation model. Journal Atmospheric Sciences, v. 38, p. 2653-2675, 1981.
- NOBRE, P.; SHUKLA, J. Variations of sea surface temperature, wind stress and rainfall over the tropical Atlantic and South America. Journal of Climate, v. 9, p. 2464-2479, 1996.
- PIELKE, R.A. Mesoscale Meteorological Modeling, 2° end, International Geophysics Series, Volume 78, Academic Press, 2002.
- SILVA DIAS, M.A.D.; COHEN, J.C.P.; GANDÚ, A.W. Interações entre nuvens, chuvas e a biosfera na Amazônia. Acta Amazônica, v. 35, n. 2, p. 215-222, 2005.
- SMULL, B.F.; HOUZE, R.A. Dual-Doppler radar analysis of a midlatitude squall line with trailing region of stratiform rain. Journal Atmospheric Sciences, v. 44, p. 2128-2148, 1987.
- TARDY, Y.; MORTATTI, J.; RIBEIRO, A.; VICTORIA, R.; PROBST, J.L. Fluctuations de la pluviosité,de l’écoulement et de la température sur le bassin de l’Amazone et oscillationsdu climat global au cours du siècle écoulé. Comptes Rendus de l’Académie des Sciences, v. 318, n. 2, p. 955-960, 1994.
- TOMÉ, E.A.; LATORRE, M.R.D. de O. Tendências da mortalidade infantil no Município de Guarulhos: análise do período de 1971 a 1998. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 4, p. 153-167, 2001.
- WAGNER, R. Decadal-scale trends in mechanisms controlling meridional sea surface temperature gradients in the tropical Atlantic. Journal Geophysical Research, v. 101, p. 16683-16694, 1996.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2017
Histórico
-
Recebido
04 Jun 2016 -
Aceito
23 Jan 2017