Acessibilidade / Reportar erro

Neuropatia óptica isquêmica e envelhecimento: revisão sistemática e metanálise

Ischemic optic neuropathy and aging: systematic review and meta-analysis

RESUMO

Objetivo:

Esta revisão sistemática teve como objetivo investigar a prevalência e a incidência de neuropatia óptica em idosos.

Métodos:

Foi realizada uma busca nas bases de dados MEDLINE/PubMed®, Embase, SciELO e BVS, e a extração de dados para essa revisão abrangeu o período até março de 2023, utilizando termos MeSH e operadores booleanos. A estratégia e os métodos de busca selecionados foram registrados na base de dados PROSPERO (#CRD42023403901).

Resultados:

Foram incluídos para esta análise 12 artigos, compreendendo quatro estudos de caso-controle e sete estudos de coorte. Os resultados desta metanálise mostraram aumento das taxas de prevalência e incidência de neuropatia óptica isquêmica entre pacientes com 60 anos ou mais em comparação com pacientes com idade entre 40 e 59 anos.

Conclusão:

Pode-se concluir que os estudos demonstraram aumento da incidência e prevalência de neuropatia óptica isquêmica em pacientes mais idosos, e que indivíduos afetados por isquemia do nervo óptico foram mais frequentemente portadores de hipertensão arterial sistêmica e dislipidemias.

Registro PROSPERO: #CRD42023403901

Descritores:
Idoso; Prevalência; Incidência; Doenças do nervo óptico

ABSTRACT

Objective:

This systematic review aimed to investigate the prevalence and incidence of optic neuropathy in older adults.

Methods:

A search was conducted in the following databases: Medline/Pubmed, Embase, Scielo, and BVS, and data extraction for this review encompassed the period up until March 2023, using MeSH terms and Boolean operators. The selected search strategy and methods were registered in the PROSPERO database (#CRD42023403901).

Results:

Twelve articles were included for analysis, comprising four case-control studies and seven cohort studies. The results of this meta-analysis showed increased prevalence and incidence rates of ischemic optic neuropathy among patients aged 60 years or older compared to patients aged 40-59.

Conclusion:

It can be concluded that the studies demonstrated an increased incidence and prevalence of ischemic optic neuropathy in older patients and that individuals affected by optic nerve ischemia were more frequently carriers of systemic arterial hypertension, diabetes mellitus, and dyslipidemias.

PROSPERO Register: #CRD42023403901

Keywords:
Aged; Prevalence; Incidence; Optic nerve diseases

INTRODUÇÃO

A população idosa hoje corresponde a 12,3% da população mundial, e esse percentual cresce 3% ao ano. A estimativa é, de acordo com as projeções atuais, que, em 2030, o número de pessoas com mais de 60 anos corresponda a 1,4 bilhões, e que, em 2050, esse grupo corresponda a 2,1 bilhões, com crescimento de 50% aproximadamente em 20 anos.(11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Brasília (DF): IBGE; 2017.) O processo de inversão da pirâmide é uma realidade mundial que se deve a uma elevação na expectativa de vida com uma grande restrição do número de nascimentos e a consequente diminuição da taxa de fecundidade.(22 United Nations. World population Ageing. Highlights. 2017 [cited 2024 Aug 6]. Available from: http://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/ageing/WPA2017_Highlights.pdf
http://www.un.org/en/development/desa/po...
)

Combinado a essa dinâmica populacional, observa-se o aumento da prevalência da redução da acuidade visual de modo extremamente rápido em todo mundo e, de modo particular, entre indivíduos com mais de 75 anos.(33 Zheng DD, Swenor BK, Christ SL, West SK, Lam BL, Lee DJ. Longitudinal Associations Between Visual Impairment and Cognitive Functioning: The Salisbury Eye Evaluation Study. JAMA Ophthalmol. 2018;136(9):989-95.) Em 2020, aproximadamente 1,1 bilhão de indivíduos apresentaram redução da acuidade visual não corrigida, globalmente, e espera-se que esse número aumente para 1,8 bilhão em 2050.(44 Swenor BK, Ehrlich JR. Ageing and vision loss: looking to the future. Lancet Glob Health. 2021 9(4):e385-e386.)

Estudos anteriores correlacionaram desfechos desfavoráveis em idosos com deficiência visual, como relação entre quedas, quedas múltiplas e deficiência visual entre idosos com baixa visão,(55 Singh RR, Maurya P. Visual impairment and falls among older adults and elderly: evidence from longitudinal study of ageing in India. BMC Public Health. 2022;22(1):2324.) deficiência visual antecedendo quadros de fragilidade do idoso(66 Hou T, Liu M, Zhang J. Bidirectional association between visual impairment and frailty among community-dwelling older adults: a longitudinal study. BMC Geriatr. 2022;22(1):672.) e o prejuízo sensorial como fator contributivo para o isolamento social e consequente redução da estimulação cognitiva, contribuindo para o aumento do risco de quadro demenciais.(77 Livingston G, Huntley J, Sommerlad A, Ames D, Ballard C, Banerjee S; et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. Lancet. 2020 396(10248):413-46.) Também perdas cognitivas e quadros de deficiências visual podem ter fatores causais concomitantes decorrentes de processos neuropatológicos ou transtornos vasculares.(88 Albers MW, Gilmore GC, Kaye J, Murphy C, Wingfield A, Bennett DA; et al. At the interface of sensory and motor dysfunctions and Alzheimer's disease. Alzheimers Dement. 2015;11(1):70-98.)

Nesse contexto, temos a neuropatia óptica isquêmica constituindo uma importante causa de cegueira ou visão gravemente prejudicada entre a população de meia-idade e idosos (99 Hayreh SS. Ischemic optic neuropathy. Prog Retin Eye Res. 2009;28(1):34-62.), embora nenhuma idade seja imune.(1010 Patil AD, Biousse V, Newman NJ. Ischemic optic neuropathies: current concepts. Ann Indian Acad Neurol. 2022;25(Suppl 2):S54-S58.) A neuropatia óptica isquêmica é o termo atribuído à doença do nervo óptico secundária da interrupção de fluxo sanguíneo que pode ocorrer de modo transitório ou permanente.(1111 Morrow MJ. Ischemic optic neuropathy. Continuum (Minneap Minn). 2019;25(5):1215-35.)

A ocorrência de isquemia no nervo óptico é conceituada como neuropatia do nervo óptico, que recebe classificações a depender da área de envolvimento. A neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA) envolve a cabeça do disco óptico, enquanto o envolvimento da parte do disco que se localiza atrás do olho é considerado neuropatia óptica isquêmica posterior (NOIP). A NOIA, por sua vez, é subdividida em outras duas classificações, a depender da presença ou não de vasculite, sendo que, na presença da vasculite, passa a ser definida como NOIA arterítica (NOIA-A) e, na ausência dela, é então denominada NOIA não arterítica (NOIA-NA).(1212 Hattenhauer MG, Leavitt JA, Hodge DO, Grill R, Gray DT. Incidence of nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. Am J Ophthalmol. 1997;123(1):103-7.)

A presença do evento isquêmico do nervo óptico é relevante, já que pode conduzir para uma deficiência visual permanente nos olhos acometidos.(1313 Johnson LN, Arnold AC. Incidence of nonarteritic and arteritic anterior ischemic optic neuropathy. Population-based study in the state of Missouri and Los Angeles County, California. J Neuroophthalmol. 1994;14(1):38-44.,1414 Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD; et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ. 2021;372:n71.)

Com base nessas premissas, o presente estudo investigou a prevalência e a incidência da neuropatia óptica isquêmica na pessoa idosa em comparação com populações mais jovens.

MÉTODOS

Trata-se de revisão sistemática de estudos que investigaram a prevalência e a incidência da neuropatia óptica isquêmica. Um protocolo foi estabelecido e registrado no PROSPERO, um registro prospectivo internacional de revisões sistemáticas (#CRD42023403901).

Critérios de elegibilidade

Os critérios para inclusão dos estudos foram os seguintes: os observacionais de coorte prospectivo, retrospectivo; os transversais e caso-controle, que versassem sobre a prevalência e a incidência da neuropatia óptica isquêmica e os que disponibilizassem dados com informação de número dos casos observados e o número total da amostra avaliada. Estudos nos idiomas inglês, espanhol e português foram considerados elegíveis.

Foram excluídos: estudos que não discriminassem qual o subtipo de neuropatia óptica estava sendo avaliada (considerados estudos com desenho de estudo inapropriado); nos quais a população avaliada fosse exclusivamente exposta a algum fator de risco; sem grupo controle (considerados estudos com população não apropriada) e os não disponíveis na íntegra.

Para preencher esses critérios, o texto completo foi consultado, caso o resumo não fornecesse informações suficientes para a avaliação final. A seleção dos trabalhos foi realizada de forma pareada.

Em seguida, o levantamento das informações seguiu as recomendações da lista de comprobação pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis,(1515 Peters MD, Godfrey CM, Khalil H, McInerney P, Parker D, Soares CB. Guidance for conducting systematic scoping reviews. Int J Evid Based Healthc. 2015;13(3):141-6.) com o objetivo de apresentar o número de publicações e de proporcionar uma informação mais completa e transparente.

Estratégia de pesquisa

Foi realizada uma busca na literatura entre fevereiro de 2023 com pesquisas concluídas em março de 2023, utilizando as seguintes bases de dados eletrônicas: MEDLINE/PubMed®, Embase, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Os seguintes termos descritores e operadores booleanos AND foram utilizados nas bases da dados: P = população (Elderly) OR (Aged), AND O = (outcome) desfecho (Optic Neuropathy, Ischemic) OR (Ischemia, Optic Nerve) OR (Optic Nerve Ischemias). Limites de data não foram aplicados na estratégia de busca. Estudos nos idiomas inglês, espanhol e português foram considerados elegíveis.

A extração de dados foi realizada por dois revisores de forma independente. Em caso de discrepâncias entre os dois revisores, um consenso foi obtido por meio de discussão. Caso não fosse possível chegar a um consenso total entre os dois revisores após uma discussão exaustiva, a opinião de um terceiro revisor foi obtida para chegar a um consenso final.

Estudos não randomizados, incluindo casos-controle, transversais e estudos de coorte podem ser difíceis de implementar e conduzir. A avaliação da qualidade de tais estudos é essencial para uma compreensão adequada dos estudos não randomizados. O Joanna Briggs Institute (JBI) examina a qualidade metodológica de estudos de prevalência(1616 Park SJ, Yang HK, Byun SJ, Park KH, Hwang JM. Risk of stroke after nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. Am J Ophthalmol. 2019;200:123-9.) e foi o método de escolha na avaliação da qualidade metodológica dos estudos obtidos.

RESULTADOS

Após buscas nas bases de dados, foram levantados 3.220 artigos, dos quais 1.191 estavam duplicados, sendo excluídos e, em seguida, foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão.

Finalmente, 12 estudos foram incluídos, sendo que 5 forneceram dados para serem incluídos na metanálise. Observamos, na figura 1, o fluxograma do método Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (Prisma),(1515 Peters MD, Godfrey CM, Khalil H, McInerney P, Parker D, Soares CB. Guidance for conducting systematic scoping reviews. Int J Evid Based Healthc. 2015;13(3):141-6.) utilizado para ilustrar a seleção dos artigos desta revisão sistemática. Depois de selecionados, 12 artigos atenderam aos critérios de inclusão para esta revisão sistemática e foram publicados entre 1994 e 2023: um em 1994, 1997, 2007, 2009, 2011, 2017, 2018, 2019, 2021, 2022 e 2023; e dois, em 2016. No que se refere ao idioma, as 12 publicações estavam em inglês.

Figura 1
Identificação de estudos por meio de banco de dados e registros.

Segundo o país de publicação, verificamos que, na América do Norte, foram realizados quatro estudos; na Ásia, oito.

As características demográficas dos artigos foram descritas na tabela 1.

Tabela 1
Dados demográficos e características dos estudos da revisão sistemática

Entre os estudos de base populacional, segue o detalhamento sobre a presença dos comorbidades (Tabela 2)

Tabela 2
Detalhamento das comorbidades dos estudos de base populacional
Tabela 3
Detalhamento das comorbidades dos estudos de serviços de referência

Entre os estudos de serviços de referência, Dhiman et al(2121 Dhiman R, Singh D, Gantayala SP, Ganesan VL, Sharma P, Saxena R. Neuro-Ophthalmology at a Tertiary Eye Care Centre in India. J Neuroophthalmol. 2018;38(3):308-11.) não discriminadas as comorbidades. No estudo que apresentou detalhamento, foram abordadas a presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), dislipidemia e doença cardíaca.

Dentre os estudos desta revisão, somente dois apresentaram dados de prevalência da NOIA-NA, não sendo encontrados dados de prevalência sobre a forma arterítica e NOIP. Esses estudos(1717 Lee JY, Park KA, Oh SY. Prevalence and incidence of non-arteritic anterior ischaemic optic neuropathy in South Korea: a nationwide population-based study. Br J Ophthalmol. 2018;102(7):936-41.,2323 Lee YC, Wang JH, Huang TL, Tsai RK. Increased risk of stroke in patients with nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy: a nationwide retrospective cohort study. Am J Ophthalmol. 2016;170:183-9.) demonstraram o aumento da prevalência da NOIA-NA entre os idosos, quando comparados a pacientes mais jovens (Figura 2).

Figura 2
Prevalência de neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (por 100.000)

Metanálise

Para população geral, foi verificada a incidência de NOIA-NA de 6,68 (intervalo de confiança de 95% [IC95%] 0,83-18,02) por 100 mil, conforme figura 3.

Figura 3
Incidência cumulativa do total de casos de neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (por 100 mil observações).

Para população de 40 a 59 anos, foi verificada a incidência de NOIA-NA de 10,37 (IC95% 1,29-27,98) por 100 mil, conforme figura 4.

Figura 4
Incidência cumulativa de casos de neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica por faixa etária de 40 a 59 anos (por 100 mil observações).

Para população de 60 anos ou mais, foi verificada a incidência de NOIA-NA de 23,78 (IC95% 19,25-28,78) por 100 mil, conforme figura 5.

Figura 5
Incidência cumulativa de casos de neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica por faixa etária de 60 ou mais (por 100 mil observações).

Observou-se um aumento da incidência da neuropatia óptica isquêmica na população maior que 60 anos, quando comparada à geral e à com idade compreendida entre 40 e 59 anos.

DISCUSSÃO

A revisão demonstrou, em seis estudos, o aumento das taxas de incidência de neuropatia óptica isquêmica com relação ao aumento da idade, levantando a hipótese justamente desse papel da idade como colaborador para o aumento da frequência de neuropatia isquêmica, o que pode estar relacionado com a elevação da presença de comorbidades nessa faixa etária, acarretando maior risco de eventos vasculares.(1717 Lee JY, Park KA, Oh SY. Prevalence and incidence of non-arteritic anterior ischaemic optic neuropathy in South Korea: a nationwide population-based study. Br J Ophthalmol. 2018;102(7):936-41.)

Quatro estudos trouxeram a estratificação por faixa etária e demonstraram a redução das taxas de incidência e prevalência de neuropatia óptica isquêmica em indivíduos com mais de 75 anos quando comparados à população de 60 a 74 anos, o que promove a discussão sobre esse fenômeno poder estar associado à perspectiva desse grupo ser composto de indivíduos mais saudáveis, o que pode justificar o alcance de faixas etárias mais avançadas.(1717 Lee JY, Park KA, Oh SY. Prevalence and incidence of non-arteritic anterior ischaemic optic neuropathy in South Korea: a nationwide population-based study. Br J Ophthalmol. 2018;102(7):936-41.)

Outro ponto que precisa ser levantado como hipótese para menor prevalência e incidência de neuropatia óptica isquêmica na faixa etária acima de 75 anos seria a possível dificuldade de acesso ao serviço médico, que, neste caso, pode estar relacionada com alguma condição mais debilitante presente nesse grupo, hipótese que não é possível afirmar.

No que tange aos fatores de risco desse evento isquêmico, nove artigos avaliaram a presença de comorbidades no grupo com NOI, sendo observada a presença de HAS, DM em nove estudos e de dislipidemia em oito. A presença de apneia obstrutiva do sono (AOS) na população com NOIA foi demonstrada em três estudos. Dois estudos informaram a presença de doença renal crônica (DRC). Também foram avaliados o uso de terapia de reposição hormonal (TRH), a presença de doença inflamatória crônica e a DM isoladamente.

Recente revisão sistemática com 21 estudos(2626 Chatziralli IP, Kazantzis D, Chatzirallis AP, Machairoudia G, Papageorgiou EG, Theodossiadis GP; et al. Cardiometabolic factors and risk of non-arteritic anterior ischemic optic neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2022;260(5):1445-56.) examinou a associação entre NOIA-NA e fatores de risco cardiometabólicos elegíveis, sendo encontrados, como fatores de risco para NOIA-NA, HAS (conjunto de razão de chances [RC] de 1,50; IC95% 1,16-1,94), DM (conjunto de RC de 1,71; IC95% 1,33-2,21) e hipercolesterolemia/dislipidemia (conjunto de RC de 2,00; IC95% 1,53-2,62). Entre os componentes da dislipidemia, triglicerídeos séricos mais altos foram associados à NOIA-NA. Esse mesmo estudo conclui que a NOIA-NA estava associada a fatores cardiometabólicos, sugerindo que a disfunção vascular pode estar implicada na patogênese da doença.

Quanto à presença de AOS como fator de risco para NOIA-NA, uma coorte retrospectiva de base populacional(2727 Yang HK, Park SJ, Byun SJ, Park KH, Kim JW, Hwang JM. Obstructive sleep apnoea and increased risk of non-arteritic anterior ischaemic optic neuropathy. Br J Ophthalmol. 2019;103(8):1123-8.) que acompanhou pacientes por 12 anos, realizada na Coreia, observou que a probabilidade de incidência de NOIA-NA em 10 anos foi maior no grupo que apresentou apneia do sono, sugerindo que pacientes com essa patologia têm risco aumentado de NOIA-NA. Recente revisão sistemática(2828 Bulloch G, Seth I, Zhu Z, Sukumar S, McNab A. Ocular manifestations of obstructive sleep apnea: a systematic review and meta-analysis. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2024;262(1):19-32.) concluiu que a população com apneia do sono apresenta maior risco de evoluir com NOIA-NA.

A AOS é caracterizada por episódios de colapso parcial ou completo das vias aéreas superiores durante o sono, levando à hipoxemia transitória. A AOS tem forte associação com doenças cardiovasculares por meio de inúmeros mecanismos, como inflamação sistêmica, disfunção endotelial e resistência à insulina. Diante da relação com essas comorbidades, não é possível afirmar se AOS tem relação direta com a NOIA-NA, ou se essa relação é decorrente das comorbidades referidas. É considerado que é a hipóxia intermitente determina um prejuízo da perfusão do nervo óptico, que é intensificado pela vasodilatação cerebral induzida pelo quadro hipoxêmico.(2727 Yang HK, Park SJ, Byun SJ, Park KH, Kim JW, Hwang JM. Obstructive sleep apnoea and increased risk of non-arteritic anterior ischaemic optic neuropathy. Br J Ophthalmol. 2019;103(8):1123-8.)

No presente estudo, dois estudos demonstraram a presença de DRC em pacientes com quadros isquêmicos e as explicações para relação com NOIA seriam um distúrbio da vascularização da cabeça do nervo óptico secundário à anemia crônica e as flutuações da pressão arterial que ocorrem durante as sessões de diálise.(2929 Biousse V, Newman NJ. Ischemic optic neuropathies. N Engl J Med. 2015;372(25):2428-36.)

Quanto a TRH como fator de risco para NOIA-NA, um estudo(2525 Lee C, Han KD, Yoo J, Park KA, Oh SY. Hormone Replacement Therapy and the Incidence of Nonarteritic Anterior Ischemic Optic Neuropathy: a Nationwide Population-Based Study (2009-2018). Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2023;261(7):2019-29.) avaliou a incidência de NOIA-NA entre pacientes usuárias de TRH e foi observado um aumento da incidência relacionado ao uso e duração da TRH. Nesse estudo, os grupos TRH < 2 anos, TRH de 2 a 5 anos e TRH por mais de 5 anos apresentaram as seguintes taxas: hazard ratio (HR) de 1,19 (IC95% 1,10-1,28), 1,3 (IC95% 1,17-1,45) e 1,473 (IC95% 1,31-1,65), respectivamente.

No que tange à utilização de medicamentos, apenas um estudo avaliou o uso de amiodarona e os inibidores da fosfodiesterase tipo 5. Os inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (por exemplo: sildenafil, tadalafila e vardenafila) são usados no tratamento da disfunção erétil e possuem como mecanismo de ação o aumento do óxido nítrico com vasodilatação subsequente, o que pode contribuir para uma consequente hipotensão sistêmica induzindo à isquemia do nervo óptico(3030 Liu B, Zhu L, Zhong J, Zeng G, Deng T. The association between phosphodiesterase type 5 inhibitor use and risk of non-arteritic anterior ischemic optic neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Sex Med. 2018;6(3):185-92.).

Assim como o uso dos inibidores da fosfodiesterase tipo 5, a amiodarona apresenta relação incerta com NOIA-NA, e, em geral, é utilizada em pacientes com doença cardíaca isquêmica. A amiodarona é um antiarrítmico prescrito em quadros de diversas arritmias, sendo utilizada em pacientes com doença cardíaca de alto risco para NOIA-NA. A amiodarona pode induzir uma neuropatia óptica medicamentosa conhecida como neuropatia óptica associada à amiodarona (NOAA), que apresenta início insidioso, progressão lenta, perda de visão bilateral e edema de disco prolongado, em contraste com NOIA, que se desenvolve rapidamente, de maneira unilateral e com um edema de disco que involui em semanas, com acometimento visual mais severo.(3131 Mitchell R, Chacko J. Clinical and mechanistic review of amiodarone-associated optic neuropathy. Biomolecules. 2022;12(9):1298.)

Dentre os estudos desta revisão, somente dois apresentaram dados de prevalência da neuropatia óptica isquêmica em geral e todos os outros restringiram-se a dados de NOIA, o que sugere a importância de estudos posteriores que versem sobre a incidência dos subtipos de neuropatia óptica isquêmica, do mesmo modo que apenas seis estudos trouxeram diferenciação por faixas etárias, sugerindo importância de estudos posteriores que tragam esse detalhamento.

Trata-se de doença rara, com desfecho visual desfavorável, com escassez de terapêutica nos subtipos NOIP e NOIA-NA, em uma fase da vida na qual os indivíduos apresentam menor capacidade de adaptação em decorrência do envelhecimento. Portanto, é necessária a atuação mais assertiva sobre os fatores de risco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta revisão sistemática com metanálise, identificou-se que o envelhecimento está intimamente ligado ao aumento das taxas de incidência e prevalência da neuropatia óptica isquêmica, o que pode estar relacionado com aumento das doenças crônicas em idosos, como HAS, DM e dislipidemias, ou a outros fatores que possam estar ligados ao envelhecimento da vascularização ocular.

Pode-se concluir que existem poucos estudos abordando a incidência e a prevalência de NOIA-NA, e a literatura disponível aponta para uma doença rara, que tem ocorrência aumentada com o envelhecimento e que apresenta associação com fatores de risco cardiovasculares.

Este estudo apresenta como pontos fortes a estratégia de busca abrangente, a avaliação metodológica e o processo de extração dos dados padronizados. Consideram-se como limitações desta revisão sistemática, a disponibilidade de poucos estudos, as populações heterogêneas e específicas dos estudos incluídos e o tamanho das amostras.

As limitações do trabalho foram frutos da falta de dados referentes à estratificação por faixa etária, com maior detalhamento, assim como presença de poucos estudos de base populacional que versassem sobre a neuropatia óptica isquêmica.

Por fim, os mecanismos fisiopatológicos do envelhecimento ocular e o envelhecimento das vascularizações do olho necessitam de maior aprofundamento em estudos posteriores para identificação de fatores de riscos e possíveis linhas de atuação na prevenção de eventos isquêmico oculares e, talvez, até mesmo no direcionamento futuro de possíveis linhas de tratamento. Os resultados obtidos neste estudo são importantes no planejamento das políticas de saúde pública dessa área, pois nortearão os profissionais de saúde e os gestores.

  • Instituição de realização do trabalho:

    Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
  • Fonte de auxílio à pesquisa:

    trabalho não financiado.
  • Trabalho acadêmico associado:

    Artigo derivado de dissertação de mestrado intitulada Prevalência e Incidência da Neuropatia Óptica Isquêmica em Pacientes Idosos: Revisão Sistemática e Meta-Análise, defendida por Denise Borges de Andrade Mendanha no Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, em 2023.

AGRADECIMENTO

A Patrícia da Silva Fukuta pela orientação durante a análise estatística e por todo conhecimento compartilhado.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Brasília (DF): IBGE; 2017.
  • 2
    United Nations. World population Ageing. Highlights. 2017 [cited 2024 Aug 6]. Available from: http://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/ageing/WPA2017_Highlights.pdf
    » http://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/ageing/WPA2017_Highlights.pdf
  • 3
    Zheng DD, Swenor BK, Christ SL, West SK, Lam BL, Lee DJ. Longitudinal Associations Between Visual Impairment and Cognitive Functioning: The Salisbury Eye Evaluation Study. JAMA Ophthalmol. 2018;136(9):989-95.
  • 4
    Swenor BK, Ehrlich JR. Ageing and vision loss: looking to the future. Lancet Glob Health. 2021 9(4):e385-e386.
  • 5
    Singh RR, Maurya P. Visual impairment and falls among older adults and elderly: evidence from longitudinal study of ageing in India. BMC Public Health. 2022;22(1):2324.
  • 6
    Hou T, Liu M, Zhang J. Bidirectional association between visual impairment and frailty among community-dwelling older adults: a longitudinal study. BMC Geriatr. 2022;22(1):672.
  • 7
    Livingston G, Huntley J, Sommerlad A, Ames D, Ballard C, Banerjee S; et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. Lancet. 2020 396(10248):413-46.
  • 8
    Albers MW, Gilmore GC, Kaye J, Murphy C, Wingfield A, Bennett DA; et al. At the interface of sensory and motor dysfunctions and Alzheimer's disease. Alzheimers Dement. 2015;11(1):70-98.
  • 9
    Hayreh SS. Ischemic optic neuropathy. Prog Retin Eye Res. 2009;28(1):34-62.
  • 10
    Patil AD, Biousse V, Newman NJ. Ischemic optic neuropathies: current concepts. Ann Indian Acad Neurol. 2022;25(Suppl 2):S54-S58.
  • 11
    Morrow MJ. Ischemic optic neuropathy. Continuum (Minneap Minn). 2019;25(5):1215-35.
  • 12
    Hattenhauer MG, Leavitt JA, Hodge DO, Grill R, Gray DT. Incidence of nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. Am J Ophthalmol. 1997;123(1):103-7.
  • 13
    Johnson LN, Arnold AC. Incidence of nonarteritic and arteritic anterior ischemic optic neuropathy. Population-based study in the state of Missouri and Los Angeles County, California. J Neuroophthalmol. 1994;14(1):38-44.
  • 14
    Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD; et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ. 2021;372:n71.
  • 15
    Peters MD, Godfrey CM, Khalil H, McInerney P, Parker D, Soares CB. Guidance for conducting systematic scoping reviews. Int J Evid Based Healthc. 2015;13(3):141-6.
  • 16
    Park SJ, Yang HK, Byun SJ, Park KH, Hwang JM. Risk of stroke after nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. Am J Ophthalmol. 2019;200:123-9.
  • 17
    Lee JY, Park KA, Oh SY. Prevalence and incidence of non-arteritic anterior ischaemic optic neuropathy in South Korea: a nationwide population-based study. Br J Ophthalmol. 2018;102(7):936-41.
  • 18
    Cestari DM, Gaier ED, Bouzika P, Blachley TS, De Lott LB, Rizzo JF, et al. Demographic, systemic, and ocular factors associated with nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy. Ophthalmology. 2016 123(12):2446-55.
  • 19
    Xu L, Wang Y, Jonas JB. Incidence of nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy in adult Chinese: the Beijing Eye Study. Eur J Ophthalmol. 2007;17(3):459-60.
  • 20
    Lim SA, Wong WL, Fu E, Goh KY, Seah A, Tan C, et al. The incidence of neuro-ophthalmic diseases in Singapore: a prospective study in public hospitals. Ophthalmic Epidemiol. 2009;16(2):65-73.
  • 21
    Dhiman R, Singh D, Gantayala SP, Ganesan VL, Sharma P, Saxena R. Neuro-Ophthalmology at a Tertiary Eye Care Centre in India. J Neuroophthalmol. 2018;38(3):308-11.
  • 22
    Lee MS, Grossman D, Arnold AC, Sloan FA. Incidence of nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy: increased risk among diabetic patients. Ophthalmology. 2011;118(5):959-63.
  • 23
    Lee YC, Wang JH, Huang TL, Tsai RK. Increased risk of stroke in patients with nonarteritic anterior ischemic optic neuropathy: a nationwide retrospective cohort study. Am J Ophthalmol. 2016;170:183-9.
  • 24
    Lin TY, Lai YF, Chen PH, Chung CH, Chen CL, Chen YH, et al. Association Between Ischemic Optic Neuropathy and Inflammatory Bowel Disease: A Population-Based Cohort Study in Taiwan. Front Med (Lausanne). 2021;8:753367.
  • 25
    Lee C, Han KD, Yoo J, Park KA, Oh SY. Hormone Replacement Therapy and the Incidence of Nonarteritic Anterior Ischemic Optic Neuropathy: a Nationwide Population-Based Study (2009-2018). Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2023;261(7):2019-29.
  • 26
    Chatziralli IP, Kazantzis D, Chatzirallis AP, Machairoudia G, Papageorgiou EG, Theodossiadis GP; et al. Cardiometabolic factors and risk of non-arteritic anterior ischemic optic neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2022;260(5):1445-56.
  • 27
    Yang HK, Park SJ, Byun SJ, Park KH, Kim JW, Hwang JM. Obstructive sleep apnoea and increased risk of non-arteritic anterior ischaemic optic neuropathy. Br J Ophthalmol. 2019;103(8):1123-8.
  • 28
    Bulloch G, Seth I, Zhu Z, Sukumar S, McNab A. Ocular manifestations of obstructive sleep apnea: a systematic review and meta-analysis. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2024;262(1):19-32.
  • 29
    Biousse V, Newman NJ. Ischemic optic neuropathies. N Engl J Med. 2015;372(25):2428-36.
  • 30
    Liu B, Zhu L, Zhong J, Zeng G, Deng T. The association between phosphodiesterase type 5 inhibitor use and risk of non-arteritic anterior ischemic optic neuropathy: a systematic review and meta-analysis. Sex Med. 2018;6(3):185-92.
  • 31
    Mitchell R, Chacko J. Clinical and mechanistic review of amiodarone-associated optic neuropathy. Biomolecules. 2022;12(9):1298.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2024
  • Aceito
    07 Ago 2024
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br