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Análise do filme lacrimal e dos sintomas de olho seco em pacientes submetidos à facoemulsificação

Analysis of the tear film and dry eye symptoms in patients undergoing phacoemulsification

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o filme lacrimal e os sintomas de olho seco antes e após a realização da facoemulsificação.

Métodos:

Participaram deste estudo clínico 51 pacientes diagnosticados com catarata (55% mulheres; 78% brancos; 71,2 ± 6,5 anos de idade; sem uso de colírio lubrificante) que foram submetidos à facoemulsificação em um hospital na cidade de Aparecida (SP). A análise do filme lacrimal foi feita pelo teste de ruptura do filme lacrimal, e os sintomas de olho seco foram avaliados pelo Índice de Doença da Superfície Ocular, ambos antes da cirurgia e 30 e 60 dias de pós-operatório.

Resultados:

Na análise pré-operatória, 25,5% dos pacientes tinham olho seco pelo critério subjetivo (Índice de Doença da Superfície Ocular ≥ 25%), enquanto a proporção de pacientes com olho seco foi de 92,2% pelo critério objetivo (teste de ruptura do filme lacrimal < 10 segundos). Não houve correlação entre o teste de ruptura do filme lacrimal e o Índice de Doença da Superfície Ocular (r = −0,14; p = 0,33). Não foi observada redução dos sintomas de olho seco (15,9 ± 17,6 versus 12,2 ± 13,2 versus 7,8 ± 11,5; p < 0,001) e nem do tempo de ruptura do filme lacrimal (6,2 ± 2,2 vs. 4,3 ± 2,0 versus 6,9 ± 2,0 segundos; p < 0,001) no pré, 30 e 60 dias após a cirurgia.

Conclusão:

A facoemulsificação desencadeia sintomas de olho seco e altera os valores do teste de ruptura do filme lacrimal e do Índice de Doença da Superfície Ocular, havendo melhora depois da cirurgia, com o passar dos dias. Observou-se que, após os 60 dias, os sintomas de olho seco avaliados pelo Índice de Doença da Superfície Ocular apresentaram melhora. Em relação ao filme lacrimal, avaliado pelo teste de ruptura do filme lacrimal, observou-se que houve piora estatisticamente significativa aos 30 dias, seguida de melhora no pós-operatório de 60 dias. Os resultados sugerem que a análise clínica do olho seco deve ser realizada por diferentes métodos, preferencialmente objetivos.

Descritores:
Síndromes do olho seco; Extração de catarata; Facoemulsificação

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the tear film and dry eye symptoms before and after phacoemulsification.

Methods:

Fifty-one patients diagnosed with cataracts participated in this clinical study (55% female; 78% white; 71.2 ± 6.5 years old; without the use of lubricating eye drops) and underwent phacoemulsification at a hospital in Aparecida (SP). Tear film analysis was performed by the tear film break-up test and dry eye symptoms were assessed by the Ocular Surface Disease Index, both before surgery and 30 and 60 days after surgery.

Results:

In the preoperative analysis, 25.5% of the patients had dry eye according to the subjective criterion (Ocular Surface Disease Index ≥ 25%), while the proportion of patients with dry eye was 92.2% according to the objective criterion (tear film break-up test < 10 seconds). There was no correlation between tear film break-up test and Ocular Surface Disease Index (r = −0.14; p = 0.33). There was no reduction in dry eye symptoms (15.9 ± 17.6 versus 12.2 ± 13.2 versus 7.8 ± 11.5; p<0.001) nor in tear film break-up time (6.2 ± 2.2 versus 4.3 ± 2.0 versus 6.9 ± 2.0 seconds; p < 0.001) before, 30 and 60 days after surgery.

Conclusion:

Phacoemulsification triggers dry eye symptoms and changes Ocular Surface Disease Index and tear film break-up test values, with improvement over the postoperative days. Sixty days after surgery, the symptoms of dry eye assessed according to the Ocular Surface Disease Index improved. Regarding the tear film, evaluated by tear film break-up test, it was observed that there was a statistically significant worsening at 30 days, followed by an improvement in the postoperative period of 60 days. The results suggest that the clinical analysis of dry eye should be performed using different methods, preferably objective ones.

Keywords:
Dry eye syndromes; Cataract extraction; Phacoemulsification

INTRODUÇÃO

A disfunção do filme lacrimal, ou síndrome do olho seco, é uma afecção ocasionada por diminuição da quantidade, da estabilidade ou modificação da qualidade da lágrima, podendo ocasionar dano à superfície ocular e afetar a visão e a qualidade de vida do paciente.(11 Garg P, Gupta A, Tandon N, Raj P. Dry eye disease after cataract surgery: study of its determinants and risk factors. Turk J Ophthalmol. 2020;50(3):133-42.) Os sintomas incluem desconforto ocular, sensação de corpo estranho, queimação, fotofobia e embaçamento.(22 Miyake K, Yokoi N. Influence on ocular surface after cataract surgery and effect of topical diquafosol on postoperative dry eye: a multicenter prospective randomized study. Clin Ophthalmol. 2017;11:529-40.) O diagnóstico é feito por meio de história clínica, sinais e sintomas, em conjunto a testes diagnósticos. A função do filme lacrimal pode ser analisada pelo tempo de ruptura do filme lacrimal (T-BUT), enquanto os sintomas e sua gravidade podem ser avaliados pelo Índice da Doença da Superfície Ocular (IDSO).(33 Bernardi FR, Almeida RC, Brock CM, Vargas JA. Olho seco: diagnóstico e manejo. Acta Méd (Porto Alegrre). 2015;36(7):1-7.)

O olho seco é uma queixa comum em pacientes submetidos à cirurgia de catarata.(11 Garg P, Gupta A, Tandon N, Raj P. Dry eye disease after cataract surgery: study of its determinants and risk factors. Turk J Ophthalmol. 2020;50(3):133-42.) A técnica de facoemulsificação utilizada nesses casos provoca a síndrome do olho seco devido à descontinuação no local da incisão, levando à diminuição do T-BUT e à redução na produção de mucina, além de baixa produção e instabilidade do filme lacrimal pela inflamação ocular. Considera-se, como fator adicional para agravamento dos sintomas, o uso de colírios antibióticos e corticoides.(44 Ishrat S, Nema N, Chandravanshi SCL. Incidence and pattern of dry eye after cataract surgery. Saudi J Ophthalmol. 2019;33(1):34-40.) Ao realizar a cirurgia de catarata, ocorre uma denervação da córnea, o que dificulta a cicatrização de feridas epiteliais. Além disso, ocorre aumento da permeabilidade e diminuição da atividade metabólica epitelial e perda de estruturas citoesqueléticas que participam da adesão celular.(11 Garg P, Gupta A, Tandon N, Raj P. Dry eye disease after cataract surgery: study of its determinants and risk factors. Turk J Ophthalmol. 2020;50(3):133-42.)

A taxa de incidência de olho seco pós-facoemulsificação é alta, porém tende a diminuir e/ou normalizar 1 mês após a cirurgia.(11 Garg P, Gupta A, Tandon N, Raj P. Dry eye disease after cataract surgery: study of its determinants and risk factors. Turk J Ophthalmol. 2020;50(3):133-42.) Segundo estudo prospectivo descritivo realizado na Tailândia, a incidência de olho seco foi de 9,8%, o pico de incidência foi no sétimo dia e o padrão da gravidade melhorou ao longo do tempo, com 30 e 90 dias de pós-operatório. Ainda nesse estudo, compararam-se os resultados da presença de sintomas avaliados pelo questionário IDSO em combinação com o TBUT, evidenciando que os pacientes com sintomas tinham diminuição nos escores do TBUT em 77,8%.(55 Kasetsuwan N, Satitpitakul V, Changul T, Jariyakosol S. Incidence and pattern of dry eye after cataract surgery. PLoS One. 2013;8(11):e78657.) Outro estudo observacional prospectivo foi realizado em cem olhos de 96 pacientes que foram divididos em dois grupos, sendo um deles submetido à cirurgia manual de catarata com pequena incisão (SICS) e o outro à facoemulsificação. Os autores encontraram 42% de olhos secos na primeira semana de seguimento, 15% em 1 mês e 9% após 3 meses de cirurgia. Houve diferença estatisticamente significativa entre os tipos de cirurgia realizada nesse estudo, sendo 53,1% e 22,2% olhos secos nos grupos SICS e facoemulsificação, respectivamente.(44 Ishrat S, Nema N, Chandravanshi SCL. Incidence and pattern of dry eye after cataract surgery. Saudi J Ophthalmol. 2019;33(1):34-40.)

O objetivo deste estudo foi avaliar avaliar o filme lacrimal e os sintomas de olho seco antes e após a realização da facoemulsificação. A hipótese era a de que haveria diminuição mais acentuada do T-BUT logo após a realização da cirurgia de facoemulsificação, que seria amenizado no pós-operatório tardio, com 60 dias.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo do tipo ensaio clínico não controlado para analisar o filme lacrimal e os sintomas de olho seco em pacientes submetidos à facoemulsificação. Participaram 51 pacientes atendidos na Santa Casa de Misericórdia de Aparecida, em Aparecida (SP), diagnosticados com catarata por meio do exame de biomicroscopia da câmara anterior com lâmpada de fenda (Apramed), no período de outubro de 2021 a novembro de 2022. Foram incluídos todos os pacientes acima de 18 anos, de ambos os sexos, diagnosticados com catarata e que tinham indicação para realizar a cirurgia de facoemulsificação com implante de lente intraocular. Foram excluídos do estudo aqueles pacientes já sabidamente portadores da síndrome do olho seco e/ou que já faziam uso de colírios lubrificantes. Antes da participação na pesquisa, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Paulínia, sob CAAE 49994421.0.0000.0123, parecer de aprovação 5.001.746.

A análise do filme lacrimal foi realizada por meio da execução do T-BUT e os sintomas de olho seco foram avaliados pelo IDSO. A aplicação do IDSO e a realização do T-BUT foram feitas 15 dias antes da realização da cirurgia de facoemulsificação e, posteriormente, após 30 e 60 dias do procedimento. Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião e, após a realização de cirurgia de catarata, ficou padronizado o uso do colírio Vigadexa (cloridrato de moxifloxacino + fosfato dissódico de dexametasona) na mesma posologia, para todos os pacientes.

O T-BUT avalia o filme lacrimal por meio da observação em lâmpada de fenda com filtro azul cobalto, do tempo para o primeiro rompimento do filme lacrimal, após a instilação e a distribuição uniforme de colírio de fluoresceína em ambos os olhos.(33 Bernardi FR, Almeida RC, Brock CM, Vargas JA. Olho seco: diagnóstico e manejo. Acta Méd (Porto Alegrre). 2015;36(7):1-7.) Esse teste é considerado um método útil e confiável para o diagnóstico de olho seco, uma vez que é amplamente utilizado na prática.(66 Mou Y, Xiang H, Lin L, Yuan K, Wang X, Wu Y, et al. Reliability and efficacy of maximum fluorescein tear break-up time in diagnosing dry eye disease. Sci Rep. 2021;11(1):11517.) O teste foi realizado de forma padrão, por meio da instilação de colírio de fluoresceína sódica 1%, da farmacêutica Oft Vision, no olho com indicação cirúrgica, e foi observado o tempo para o primeiro rompimento do filme lacrimal, por meio da lâmpada de fenda, da marca Apramed, com filtro azul cobalto. O tempo foi mensurado por meio de cronômetro em segundos.

Para avaliar os sintomas de olho seco, utilizou-se o IDSO, que foi validado e traduzido para a língua portuguesa, sendo um método eficaz e confiável para se avaliar, diagnosticar e acompanhar os pacientes com olho seco.(77 Prigol AM, Tenório MB, Mapschinske R, Gehlen ML, Skare T. Tradução e validação do índice da doença da superfície ocular para a língua portuguesa. Arq. Bras. Oftalmol. 2012;75(1):8-24.) O IDSO é composto de 12 perguntas que são graduadas de zero a quatro, com valor total variante de zero a cem, sendo os valores mais altos indicadores de sintomas piores.(88 Schiffman RM, Christianson MD, Jacobsen G, Hirsch JD, Reis BL. Reliability and validity of the Ocular Surface Disease Index. Arch Ophthalmol. 2000;118(5):615-21.) No entanto, no presente estudo, foram excluídos os itens 4 e 5 do questionário que indagavam sobre visão embaçada e visão ruim, para evitar viés de confusão, dado que pacientes com catarata possuem esses sintomas independentemente da presença ou não de olho seco. Essa alteração foi feita com base no estudo descritivo com amostra de 92 pacientes cujo objetivo era avaliar a incidência e o padrão de gravidade do olho seco após facoemulsificação.(55 Kasetsuwan N, Satitpitakul V, Changul T, Jariyakosol S. Incidence and pattern of dry eye after cataract surgery. PLoS One. 2013;8(11):e78657.) A pontuação do IDSO total foi calculada pela seguinte fórmula: pontuação IDSO=(soma de todas as perguntas respondidas)x100/total número de perguntas respondidas)x4.

As variáveis quantitativas foram apresentadas por meio da média ± desvio-padrão e intervalo de confiança de 95% (IC95%) da média e as variáveis categóricas, por meio de porcentagens. A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste Komolgorov-Smirnov e pelos valores de assimetria e curtose. Para testar diferenças no tempo de quebra do filme lacrimal e nos sintomas de olho seco antes e após 30 e 60 dias da cirurgia, foi utilizada a análise de variância (Anova) de medidas repetidas, seguido do teste post-hoc de Bonferroni. Nas comparações múltiplas entre médias, o tamanho do efeito (TE) foi calculado pelo d de Cohen, sendo adotada a seguinte classificação: pequeno < 0,50; moderado 0,50 a 0,79; elevado ≥ 0,80 (Cohen, 1992). Para testar a relação entre as variáveis, utilizou-se o teste de correlação produto-momento de Pearson. Todas as análises foram feitas no software estatístico IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0 (IBM Corporation, Nova Iorque, Estados Unidos). Valor de p < 0,05 foi adotado para significância estatística.

RESULTADOS

Foram analisados 51 pacientes, sendo a média de idade de 71,2 ± 6,5 anos; 54,9% eram mulheres. A maioria era da raça branca e tinha nível de escolaridade de Ensino Fundamental. A renda mensal foi de até R$ 2.000,00 para 64,7% dos pacientes.

Na amostra inicial, 74,5% não apresentavam sintomas de olho seco no questionário IDSO, confrontando com o resultado do TBUT, em que 92,2% apresentavam valores inferior a 10 segundos, caracterizando a presença de instabilidade do filme lacrimal, conforme a tabela 1.

Tabela 1
Características gerais da amostra

A tabela 2 apresenta os resultados do IDSO e do TBUT no pré-operatório e nos pós-operatórios com 30 e 60 dias. O IDSO apresentou média de 15,9 ± 17,6; 12,2 ± 13,2 e 7,8 ± 11,5, já o TBUT registrou 6,2 ± 2,2; 4,3 ± 2,0; 6,9 ± 2,0 no pré, pós de 30 e pós de 60 dias, respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significativa entre o pré e o pós de 30 dias nos valores do IDSO. Já entre o pré e o pós de 60 dias, houve diferença estatisticamente significativa. Quanto ao TBUT, observou-se diferença estatisticamente significativa entre os três tempos. Estes resultados são condizentes com a figura 1, a qual representa o IC95% da média do IDSO e do TBUT.

Tabela 2
Média ± desvio-padrão do Índice de Doença da Superfície Ocular e do teste de ruptura do filme lacrimal de pacientes com catarata submetidos à cirurgia de facoemulsificação
Figura 1
Intervalo de confiança de 95% da média do Índice de Doença da Superfície Ocular e do teste de ruptura do filme lacrimal de pacientes com catarata antes e após cirurgia de facoemulsificação.

A figura 2 mostra que houve correlação entre o IDSO e o TBUT, porém não foi estatisticamente significativa (p>0,05).

Figura 2
Gráfico de dispersão entre o Índice de Doença da Superfície Ocular e o teste de ruptura do filme lacrimal de pacientes com catarata (n = 51). Correlação estatisticamente não significante, p > 0,05.

DISCUSSÃO

O presente estudo objetivou avaliar o filme lacrimal e os sintomas de olho seco em pacientes que foram submetidos à facoemulsificação. A análise do filme lacrimal foi realizada no pré e nos pós-operatórios de 30 e 60 dias por meio do T-BUT e do IDSO. Antes da cirurgia, a maioria dos pacientes (74,5%) não apresentou sintomas de olho seco segundo o IDSO, ao contrário do que foi encontrado pelo T-BUT, de acordo com o qual 92,2% apresentavam instabilidade do filme lacrimal (T-BUT < 10 segundos). Os sintomas de olho seco, quando avaliados pelo IDSO, apresentaram melhora após 60 dias de pós-operatório. Já o filme lacrimal, quando avaliado pelo T-BUT, teve piora estatisticamente significativa aos 30 dias, seguida de melhora aos 60 dias de pós-operatório.

No pré-operatório, apesar de os pacientes não apresentarem diagnóstico de olho seco, eles já apresentavam algum grau de olho seco segundo o IDSO e o TBUT. O mesmo ocorreu no estudo observacional de Trattler et al., em que menos de 25% dos pacientes foram previamente diagnosticados com olho seco quando se apresentaram para cirurgia de catarata, no entanto 30% relataram pelo menos sintomas ocasionais.(99 Trattler WB, Majmudar PA, Donnenfeld ED, McDonald MB, Stonecipher KG, Goldberg DF. The Prospective Health Assessment of Cataract Patients’ Ocular Surface (PHACO) study: the effect of dry eye. Clin Ophthalmol. 2017;11:1423-30.)

Isso provavelmente ocorreu pela média de idade dos pacientes ser de 71,2 anos, sendo então comum a diminuição do TBUT nessa faixa etária, corroborado o estudo de Moss et al., que avaliaram a incidência de olho seco em uma população idosa, cuja incidência foi significativamente associada com a idade.(1010 Moss SE, Klein R, Klein BE. Incidence of dry eye in an older population. Arch Ophthalmol. 2004;122(3):369-73.)

Ademais, assim como no estudo de Diburnet et al., a predominância do sexo feminino na amostra pode ter influenciado a taxa prévia de olho seco, dado que nas mulheres, principalmente pós-menopausa, a produção e a qualidade da lágrima são deficitárias, devido à diminuição de hormônios estrogênios.(1111 Diburnet MS, Ruiz AC, Ávila EG, Carvajal DD, Infante YP. Características epidemiológicas, clínicas y oftalmológicas de pacientes con queratoconjuntivitis seca. Medisan. 2021;25(6):1351-60.) No estudo de Duarte et al., de 29 mulheres na pós-menopausa, 5 foram classificadas com ausência de olho seco, 15 com olho seco leve a moderado e 4 com olho seco intenso.(1212 Duarte MC, Pinto MT, Moreira H, Moreira AT, Wasilewski D. Nível de testosterona total em mulheres pós-menopausa com olho seco. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(3):465-9.)

No pós-operatório de 30 dias, ocorrem diminuição do TBUT e aumento do IDSO em relação ao pré-operatório, o que condiz com o estudo de Sidaraite et al., cujoresultados do TBUT diminuíram, enquanto os escores IDSO aumentaram.(1313 Sidaraite A, Mikalauskiene L, Grzybowski A, Zemaitiene R. Evaluation of ocular surface after cataract surgery-a prospective study. J Clin Med. 2022;11(15):4562.) Já no pós-operatório de 60 dias, esses índices foram melhores que os encontrados na fase inicial, conforme encontrado também no estudo de Ishrat et al.(44 Ishrat S, Nema N, Chandravanshi SCL. Incidence and pattern of dry eye after cataract surgery. Saudi J Ophthalmol. 2019;33(1):34-40.)

A diminuição do TBUT no pré-operatório pode ser explicada pela faixa etária e pelo sexo da maioria dos pacientes. Já a piora do índice com 30 dias explica-se pelas condições inerentes à facoemulsificação, como o dano direto ao epitélio corneano, lesão de nervo periférico na incisão, exposição da superfície ocular à luz forte e lavagem repetida com fluido e uso de conservantes em colírios usados após a cirurgia. Esses fatores e resultados podem ser reforçados pelo estudo de Shao et al., em que os piores índices foram detectados no primeiro dia pós-facoemulsifacação, retornando ao nível pré-operatório com 90 dias após a cirurgia.(1414 Shao D, Zhu X, Sun W, Cheng P, Chen W, Wang H. Effects of femtosecond laser-assisted cataract surgery on dry eye. Exp Ther Med. 2018;16(6):5073-8.)

Há limitações neste estudo, assim como em qualquer outro. Assim como no estudo realizado por Kasetsuwan et al., foi necessário modificar o IDSO, omitindo duas das cinco questões de avaliação de sintomas oculares referentes a desfoque e visão ruim, dado que tais perguntas dificultavam o entendimento por parte dos pacientes.(55 Kasetsuwan N, Satitpitakul V, Changul T, Jariyakosol S. Incidence and pattern of dry eye after cataract surgery. PLoS One. 2013;8(11):e78657.) Além disso, a maioria apresentou escolaridade de Ensino Fundamental, dificultando a interpretação do questionário. Outra limitação encontrada foi a ausência de uma comparação entre o olho seco pós-operatório e a acuidade visual, sendo uma sugestão para estudos posteriores. Uma terceira limitação é que foi utilizado apenas o TBUT como teste objetivo para avaliar a estabilidade do filme lacrimal, sendo que, atualmente, existem outros métodos complementares, como avaliação por interferometria automática. Por fim, não foram excluídos do estudo pacientes que utilizavam medicações ou possuíam comorbidades que poderiam influenciar na doença do olho seco.

Sabe-se que a doença do olho seco já é considerada subdiagnosticada e subtratada, e nossos resultados validam esse fato, principalmente em se tratando da correlação com a facoemulsificação. Portanto, cabe ao médico assistente um monitoramento cuidadoso do olho seco, tanto pré, per e pós-operatório, para assim tomar condutas e medidas adequadas, visando preservar a saúde e conforto ocular do paciente.

CONCLUSÃO

Pacientes submetidos à facoemulsificação pioram os sintomas de olho seco e aumentam a instabilidade do filme lacrimal até 30 dias após a cirurgia, havendo melhora significativa após 60 dias de pós-operatório. Os resultados sugerem que a análise clínica do olho seco deve ser realizada por diferentes métodos, preferencialmente objetivos.

  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.
  • Instituição de realização do trabalho: Santa Casa de Misericórdia de Aparecida, em Aparecida (SP), Brasil.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2023
  • Aceito
    14 Abr 2024
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