Acessibilidade / Reportar erro

Análise do perfil clínico-epidemiológico dos casos de ceratite infecciosa em um serviço de emergência oftalmológica

Analysis of the clinical-epidemiological profile of infectious keratitis in an ophthalmological emergency service

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o perfil clínico-epidemiológico dos pacientes e o perfil dos agentes causadores de ceratite infecciosa em pacientes submetidos à cultura obtida a partir de raspados corneanos em um serviço de emergência oftalmológica em um hospital de referência.

Métodos:

Análise retrospectiva de prontuários e resultados do exame de cultura de córnea. Os dados foram coletados após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Resultados:

A maioria dos pacientes era do sexo masculino, com média de idade de 47,6 anos, etnia caucasiana, baixo nível de escolaridade e procedentes da Grande Florianópolis. Trauma ocular foi o principal fator de risco observado. Foram obtidos resultados de cultura positivos em 43,6% dos casos, sendo Pseudomonas aeruginosa o principal agente identificado. O tratamento clínico foi a conduta inicial na maioria dos casos.

Conclusão:

Ceratite infecciosa é uma doença grave e o conhecimento atualizado é necessário para o diagnóstico precoce e manejo adequado da doença.

Descritores:
Úlcera de córnea; Ceratite; Perfil de saúde; Doenças da córnea

ABSTRACT

Objective:

To evaluate patients’ clinical-epidemiological profile and causative agents of infectious keratitis on patients submitted to culture obtained from corneal smears in an ophthalmological emergency in a reference hospital.

Methods:

Retrospective analysis of medical records and corneal culture examination results. The data were collected after the approval of the Human Research Ethics Committee.

Results:

Most patients were male, with an average age of 47.6 years old, Caucasian ethnicity, low level of education, and from the Greater Florianópolis area. Ocular trauma was the main observed risk factor. Positive culture results were obtained in 43.6% of cases, with Pseudomonas aeruginosa being the main identified agent. Clinical treatment was the initial approach in most cases.

Conclusion:

Infectious keratitis is a serious disease, and up-to-date knowledge is necessary for early diagnosis and appropriate management of the disease.

Keywords:
Corneal ulcer; Keratitis; Health profile; Corneal diseases

INTRODUÇÃO

A ceratite infecciosa é uma doença grave da córnea e potencialmente ameaçadora à visão.(11 Austin A, Lietman T, Rose-Nussbaumer J. Update on the management of infectious keratitis. Ophthalmology. 2017;124(11):1678-89.,22 Porth JM, Deiotte E, Dunn M, Bashshur R. A review of the literature on the global epidemiology of corneal blindness. Cornea. 2019;38(12):1602-9.) Essa condição pode ser causada por uma variedade de microrganismos, como bactérias, fungos, protozoários e vírus, e consiste em uma das mais importantes causas de cegueira unilateral evitável no mundo.(11 Austin A, Lietman T, Rose-Nussbaumer J. Update on the management of infectious keratitis. Ophthalmology. 2017;124(11):1678-89.,33 Ting DS, Ho CS, Cairns J, Gopal BP, Elsahn A, Al-Aqaba M, et al. Seasonal patterns of incidence, demographic factors and microbiological profiles of infectious keratitis: the Nottingham Infectious Keratitis Study. Eye. 2021;35(9):2543-9.,44 Ung L, Acharya NR, Agarwal T, Alfonso EC, Bagga B, Bispo PJ, et al. Infectious corneal ulceration: a proposal for neglected tropical disease status. Bull World Health Organ. 2019;97(12):854.) Considerada uma emergência oftalmológica, a úlcera de córnea necessita de tratamento imediato, pois compromete a integridade do olho, o que pode resultar em dano irreversível para a visão.(11 Austin A, Lietman T, Rose-Nussbaumer J. Update on the management of infectious keratitis. Ophthalmology. 2017;124(11):1678-89.,55 Khoo P, Cabrera-Aguas MP, Nguyen V, Lahra MM, Watson SL. Microbial keratitis in Sydney, Australia: risk factors, patient outcomes, and seasonal variation. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1745-55.) Dessa forma, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado das úlceras de córnea são aspectos essenciais para a prevenção de possíveis complicações.(11 Austin A, Lietman T, Rose-Nussbaumer J. Update on the management of infectious keratitis. Ophthalmology. 2017;124(11):1678-89.,66 Cabrera-Aguas M, Khoo P, Watson SL. Infectious keratitis: A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(5):543-62.) A cultura de material obtido a partir do raspado corneano é o método padrão-ouro para identificação do agente etiológico, o que é de extrema importância para o sucesso do tratamento. Isso ocorre porque diferentes microrganismos podem causar quadros clínicos semelhantes, dificultando a escolha do tratamento adequado.(66 Cabrera-Aguas M, Khoo P, Watson SL. Infectious keratitis: A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(5):543-62.,77 Hernandez-Camarena JC, Graue-Hernandez EO, Ortiz-Casas M, Ramirez-Miranda A, Navas A, Pedro-Aguilar L, et al. Trends in microbiological and antibiotic sensitivity patterns in infectious keratitis: 10-year experience in Mexico City. Cornea. 2015;34(7):778-85.)

A ceratite infecciosa raramente ocorre na ausência de fatores predisponentes, considerando que a superfície ocular possui mecanismos de defesa inatos e adaptativos.(33 Ting DS, Ho CS, Cairns J, Gopal BP, Elsahn A, Al-Aqaba M, et al. Seasonal patterns of incidence, demographic factors and microbiological profiles of infectious keratitis: the Nottingham Infectious Keratitis Study. Eye. 2021;35(9):2543-9.,55 Khoo P, Cabrera-Aguas MP, Nguyen V, Lahra MM, Watson SL. Microbial keratitis in Sydney, Australia: risk factors, patient outcomes, and seasonal variation. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1745-55.) Os principais fatores de risco relacionados ao desenvolvimento de úlcera de córnea incluem trauma ocular e uso de lentes de contato – esse último é um fator evitável que acomete principalmente indivíduos com hábitos inadequados de uso, como, por exemplo, dormir com lentes de contato, má higiene das lentes de contato e troca infrequente de seu estojo de armazenamento.(88 Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.) Cirurgia ocular ou palpebral prévia também é considerada importantes fatores de risco.(33 Ting DS, Ho CS, Cairns J, Gopal BP, Elsahn A, Al-Aqaba M, et al. Seasonal patterns of incidence, demographic factors and microbiological profiles of infectious keratitis: the Nottingham Infectious Keratitis Study. Eye. 2021;35(9):2543-9.,55 Khoo P, Cabrera-Aguas MP, Nguyen V, Lahra MM, Watson SL. Microbial keratitis in Sydney, Australia: risk factors, patient outcomes, and seasonal variation. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1745-55.,99 Stapleton F. The epidemiology of infectious keratitis. Ocul Surf. 2023;28:351-6 Doenças oculares preexistentes e imunossupressão sistêmica também aumentam a possibilidade de desenvolver a doença.(99 Stapleton F. The epidemiology of infectious keratitis. Ocul Surf. 2023;28:351-6,1010 Ni N, Nam EM, Hammersmith KM, Nagra PK, Azari AA, Leiby BE, et al. Seasonal, geographic, and antimicrobial resistance patterns in microbial keratitis: 4-year experience in eastern Pennsylvania. Cornea. 2015;34(3):296-302.)

O diagnóstico adequado de ceratite infecciosa é essencial para determinar o tratamento e alcançar a resolução da infecção.(11 Austin A, Lietman T, Rose-Nussbaumer J. Update on the management of infectious keratitis. Ophthalmology. 2017;124(11):1678-89.,66 Cabrera-Aguas M, Khoo P, Watson SL. Infectious keratitis: A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(5):543-62.) A história clínica do paciente e o exame oftalmológico devem ser considerados para se chegar a um diagnóstico presuntivo da etiologia da doença e, além disso, é igualmente relevante ressaltar a importância do conhecimento dos dados epidemiológicos locais no processo de raciocínio diagnóstico.(66 Cabrera-Aguas M, Khoo P, Watson SL. Infectious keratitis: A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(5):543-62.) Os sintomas mais frequentemente relatados incluem dor ocular, baixa acuidade visual, hiperemia ocular e fotofobia.(33 Ting DS, Ho CS, Cairns J, Gopal BP, Elsahn A, Al-Aqaba M, et al. Seasonal patterns of incidence, demographic factors and microbiological profiles of infectious keratitis: the Nottingham Infectious Keratitis Study. Eye. 2021;35(9):2543-9.,44 Ung L, Acharya NR, Agarwal T, Alfonso EC, Bagga B, Bispo PJ, et al. Infectious corneal ulceration: a proposal for neglected tropical disease status. Bull World Health Organ. 2019;97(12):854.)

A ceratite infecciosa pode ser tratada empiricamente ou guiada por resultados de cultura.(66 Cabrera-Aguas M, Khoo P, Watson SL. Infectious keratitis: A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(5):543-62.,1111 Zhang Z, Cao K, Liu J, Wei Z, Xu X, Liang Q. Pathogens and antibiotic susceptibilities of global bacterial keratitis: a meta-analysis. Antibiotics. 2022;11(2):238.) O tratamento precoce auxilia na redução de cicatrizes na córnea e consequente deficiência visual, assim como previne complicações graves, como perfuração corneana, endoftalmite e até mesmo perda do globo ocular.(1212 Farias R, Pinho L, Santos R. Epidemiological profile of infectious keratitis. Rev Bras Oftalmol. 2017;76:116-20.)

Estudos sugerem que a variação geográfica e sazonal está relacionada aos agentes etiológicos envolvidos, sendo importante determinar os padrões epidemiológicos locais.(33 Ting DS, Ho CS, Cairns J, Gopal BP, Elsahn A, Al-Aqaba M, et al. Seasonal patterns of incidence, demographic factors and microbiological profiles of infectious keratitis: the Nottingham Infectious Keratitis Study. Eye. 2021;35(9):2543-9.) A etiologia da ceratite infecciosa pode ser influenciada pela região em que vivem os pacientes (áreas urbanas ou rurais) e por fatores climáticos, sendo importante caracterizar essas diferenças no perfil dos pacientes.(33 Ting DS, Ho CS, Cairns J, Gopal BP, Elsahn A, Al-Aqaba M, et al. Seasonal patterns of incidence, demographic factors and microbiological profiles of infectious keratitis: the Nottingham Infectious Keratitis Study. Eye. 2021;35(9):2543-9.,88 Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.)

A ceratite bacteriana é o tipo mais comum de ceratite infecciosa, e a maioria dos casos se resolve com terapia empírica de amplo espectro, que pode ser realizada com monoterapia ou com a combinação de colírios antibióticos fortificados, com objetivo de oferecer ampla cobertura contra microrganismos Gram-positivos e Gram-negativos.(1111 Zhang Z, Cao K, Liu J, Wei Z, Xu X, Liang Q. Pathogens and antibiotic susceptibilities of global bacterial keratitis: a meta-analysis. Antibiotics. 2022;11(2):238.,1313 Agarwal S, Khan TA, Vanathi M, Srinivasan B, Iyer G, Tandon R. Update on diagnosis and management of refractory corneal infections. Indian J Ophthalmol. 2022;70(5):1475.)

As úlceras fúngicas podem ser causadas por fungos filamentosos e/ou leveduriformes. Os fungos filamentosos são os principais responsáveis pela ceratite fúngica, podendo causar infecção em olhos previamente saudáveis. Já os leveduriformes são mais associados a doenças preexistentes.(1414 Brown L, Leck AK, Gichangi M, Burton MJ, Denning DW. The global incidence and diagnosis of fungal keratitis. Lancet Infect Dis. 2021;21(3):e49-e57., 1515 Lin A, Rhee MK, Akpek EK, Amescua G, Farid M, Garcia-Ferrer FJ, et al. Bacterial keratitis preferred practice pattern®. Ophthalmology. 2019;126(1):P1-P55.) A ceratite fúngica é menos comum do que a bacteriana, mas geralmente apresenta quadro mais grave.(1414 Brown L, Leck AK, Gichangi M, Burton MJ, Denning DW. The global incidence and diagnosis of fungal keratitis. Lancet Infect Dis. 2021;21(3):e49-e57.) Os fungos podem penetrar profundamente no estroma da córnea e obter acesso à câmara anterior.(1616 Ting DS, Ho CS, Deshmukh R, Said DG, Dua HS. Infectious keratitis: an update on epidemiology, causative microorganisms, risk factors, and antimicrobial resistance. Eye. 2021;35(4):1084-101.,1717 Bourcier T, Sauer A, Dory A, Denis J, Sabou M. Fungal keratitis. J Fr Ophtalmol. 2017;40(9):e307-e313.) A infecção profunda pode ser difícil de erradicar, pois a resposta ao tratamento é comprometida pela má penetração dos medicamentos na córnea. Muitas vezes, são necessários debridamento do epitélio corneano, associação de medicação oral, injeção intraestromal e lavagem de câmara anterior com antifúngicos, em casos de progressão da doença e comprometimento de câmara anterior.(1414 Brown L, Leck AK, Gichangi M, Burton MJ, Denning DW. The global incidence and diagnosis of fungal keratitis. Lancet Infect Dis. 2021;21(3):e49-e57.,1818 Kitazawa K, Fukuoka H, Inatomi T, Aziza Y, Kinoshita S, Sotozono C. Safety of retrocorneal plaque aspiration for managing fungal keratitis. Jpn J Ophthalmol. 2020;64:228-233.)

A ceratite por Acanthamoeba pode causar formas graves de úlcera de córnea. Essa condição é diagnosticada pelo raspado de córnea e pesquisa laboratorial do parasita, e está fortemente relacionada ao uso de lentes de contato.(88 Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.,99 Stapleton F. The epidemiology of infectious keratitis. Ocul Surf. 2023;28:351-6) O tratamento é prolongado e envolve a combinação de duas classes de antimicrobianos, geralmente uma diamidina e um antisséptico catiônico.(1919 Varacalli G, Di Zazzo A, Mori T, Dohlman TH, Spelta S, Coassin M, et al. Challenges in Acanthamoeba keratitis: a review. J Clin Med. 2021;10(5):942.,2020 Bouten M, Elsheikha HM. Diagnosis and management of Acanthamoeba Keratitis: a continental approach. Parasitologia. 2022;2(3):167-97.)

Considerando que a proporção de pessoas que desenvolvem cegueira secundária à ceratite infecciosa é alta em países em desenvolvimento, o conhecimento sobre a patologia é fundamental. A detecção precoce e o tratamento adequado são importantes para minimizar os danos potenciais. Pacientes com fatores de risco que os predispõem à úlcera de córnea devem ser instruídos sobre o risco aumentado de desenvolver a doença, ficando familiarizados com os sinais e sintomas que sugerem infecção e orientados sobre a necessidade de consultar um oftalmologista imediatamente quando necessário.(99 Stapleton F. The epidemiology of infectious keratitis. Ocul Surf. 2023;28:351-6)

OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil clínico-epidemiológico dos pacientes e o perfil dos agentes causadores de ceratite infecciosa em pacientes submetidos à cultura obtida a partir de raspados corneanos em um serviço de emergência oftalmológica em um hospital de referência.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal descritivo entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, no Serviço de Oftalmologia do Hospital Regional de São José Dr. Homero de Miranda Gomes (HRSJ-HMG), em São José (SC). A partir de todos os pacientes atendidos no período definido, foram selecionados indivíduos com diagnóstico de úlcera de córnea com indicação de coleta de raspado de córnea.

A análise retrospectiva foi realizada por meio de registros de prontuários eletrônicos arquivados no sistema Micromed do HRSJ-HMG e a identificação dos resultados dos raspados de córnea foi realizada por meio do banco de dados do Laboratório Diagnóstico de Análises do HRSJ-HMG. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina.

Foram excluídos da análise todos os pacientes com diagnóstico de ceratite infecciosa que não preencheram os critérios de gravidade e não tiveram indicação de coleta do raspado de córnea. Além disso, foram excluídos também todos os pacientes com suspeita de ceratite por vírus do herpes, úlceras neurotróficas, úlceras em escudo, úlceras autoimunes e úlceras marginais.

Foi estabelecido pelos pesquisadores um protocolo predefinido de coleta de dados clínicos dos pacientes selecionados com as seguintes variáveis: idade na data da primeira consulta; sexo; município em que o paciente residia; doenças sistêmicas; antecedentes oftalmológicos; sintomas oftalmológicos no diagnóstico; acuidade visual; fatores de risco para o desenvolvimento de úlcera de córnea; resultado do raspado de córnea; uso de antibiótico tópico prévio à coleta; conduta médica inicial; duração do tratamento; evolução do quadro e necessidade de abordagem cirúrgica.

A ceratite infecciosa foi definida como um infiltrado corneano supurativo associado a um defeito do epitélio sobrejacente de pelo menos 1mm. A avaliação clínica foi realizada por meio de exame oftalmológico de biomicroscopia. A indicação de realização de raspado de córnea foi estabelecida por meio do protocolo do setor de oftalmologia vigente no período, que considera critério de gravidade e, desse modo, indicação de raspado de córnea: úlcera maior que 2,0mm, acometimento central da córnea e presença de afilamento estromal >50%. O sucesso do tratamento foi definido como a cicatrização completa da úlcera dentro de 12 semanas da primeira visita. A falha do tratamento foi definida como úlcera de córnea persistente, perfuração, necessidade de ceratoplastia penetrante de emergência ou evisceração do globo ocular.

Foi definido como perda do seguimento oftalmológico a ausência de novos registros de atendimentos nos prontuários em que a alta do acompanhamento médico não foi expressamente declarada na consulta mais recente disponível. Pacientes que receberam retornos ambulatoriais posteriores ao mês de dezembro de 2022 (período de coleta final dos dados registrados em prontuários eletrônicos) foram considerados como os que mantiveram o acompanhamento oftalmológico com a equipe de córnea.

Os dados foram tabulados e armazenados no programa Office Excel® e analisados descritivamente no programa IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. As variáveis foram exploradas de forma descritiva, por meio da média e do desvio-padrão ou frequência absoluta e relativa. A normalidade dos dados foi testada a partir do teste de Kolmogorov-Smirnov. Para identificar possíveis diferenças entre o tempo de início dos sintomas e a região de origem e o tempo de início dos sintomas e a escolaridade dos pacientes, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, com post-hoc de Dunn. Para analisar a associação entre cultura geral e os períodos pandêmicos, foi empregado o teste do qui-quadrado de Pearson. Todas as análises levaram em consideração nível de significância de 5%.

Com o intuito de avaliar associações entre os fatores de risco (trauma e lente de contato) e o sexo dos pacientes, utilizou-se a regressão do Poisson, com estimador robusto, que verifica a probabilidade dos eventos e os intervalos de confiança. Para a comparação entre a procura por atendimento após início dos sintomas e a presença de algum fator de risco nos pacientes, foi empregado o teste U de Mann-Whitney. Ainda, para avaliar a associação entre bactérias Gram-positivas e cirurgia prévia ou doença ocular, utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson. Além disso, para investigar a associação entre presença de diabetes e transplante de urgência, mais uma vez o teste do qui-quadrado de Pearson foi utilizado. Todas as análises levaram em consideração um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Foram analisados 234 prontuários de pacientes que tiveram diagnóstico de úlcera de córnea grave e realizaram o exame de raspado de córnea no setor de oftalmologia do HRSJ-HMG no período selecionado para o estudo. Foi necessário excluir da análise 14 pacientes, conforme os critérios definidos previamente, considerando que 10 pacientes foram diagnosticados com ceratite herpética, 3 com úlcera neurotrófica e 1 com ceratite marginal. Quatro pacientes apresentaram mais de um episódio de ceratite, e apenas um tinha quadro bilateral no período estudado.

O ano de 2022 teve o maior percentual de atendimentos de úlcera de córnea grave, sendo realizados 62 procedimentos (28,2%), seguido de 2021, com 54 (24,6%), e 2020 e 2019 com 52 procedimentos cada (23,7%). Foi observada distribuição homogênea em relação aos meses do ano, sendo julho e dezembro (12,3%) os meses com maior indicação de coleta de material para raspado de córnea, e outubro o mês com menos indicações (4,6%).

Os pacientes selecionados foram avaliados inicialmente quanto às seguintes características epidemiológicas: idade, sexo, etnia, nível de escolaridade, ocupação e município de origem (Tabela 1). O procedimento foi indicado em pacientes entre a faixa etária de 2 a 96 anos, sendo a idade média de 47,6 anos (desvio-padrão de 18,16). Quanto ao sexo, 159 (72,3%) pacientes eram do sexo masculino.

Tabela 1
Dados epidemiológicos

A maioria dos pacientes do estudo (88,6%) era de etnia caucasiana e tinha baixo nível de escolaridade, sendo que 2,7% não sabiam ler e escrever, e 62,3% possuíam Ensino Fundamental incompleto. Apenas 51,5% da amostra estudada tinha registro da ocupação profissional, sendo 18,6% aposentados e pensionistas, 7,3% auxiliar de serviços gerais, 6,4% profissionais autônomos, 5,5% pedreiro, serralheiro ou marceneiro, 4,6% trabalhadores do lar e 9,1% desempenhavam outras profissões.

Os pacientes que realizaram exame de raspado de córnea no HRSJ-HMG foram procedentes das nove macrorregiões de Santa Catarina e dois pacientes do Rio Grande do Sul. Noventa e um (41,4%) eram oriundos da Grande Florianópolis. As regiões do Vale do Itajaí e Sul apresentaram percentuais de 19,6 e 18,2%, respectivamente. A procedência dos pacientes do Oeste, Planalto Norte e Planalto Serrano tiveram os respectivos percentuais de 8,2%, 8,2% e 3,6%.

Exposto o panorama geral das características epidemiológicas e sociodemográficas dos pacientes, discute-se, a seguir, em relação aos achados clínicos e às condutas realizadas a partir da admissão no serviço (Tabelas 2 a 5).

Tabela 2
Histórico clínico e oftalmológico
Tabela 3
Clínica oftalmológica
Tabela 4
Conduta inicial e evolução
Tabela 5
Resultado de cultura de raspado de córnea

Quanto às comorbidades mencionadas no primeiro atendimento, 31,4% dos pacientes apresentavam pelo menos uma comorbidade, sendo a hipertensão arterial sistêmica a principal relatada (17,3%), seguido de diabetes mellitus (11,4%), doença autoimune (3,6%), doença cardiovascular (2,7%) e doença respiratória (1,4%); 3,2% referiram outras doenças e 68,6% relataram não possuir doenças sistêmicas.

Foi observado que 39 (17,7%) pacientes realizaram cirurgia oftalmológica prévia, sendo a cirurgia de catarata e o transplante de córnea os mais frequentes (10,5% e 7,7%, respectivamente). Quanto ao histórico de doença ocular, a amostra apresentou prevalência de 30,9%, sendo que 11,0% relataram erros refrativos e 4,6% glaucoma.

A acuidade visual no primeiro atendimento era inferior a 20/400 em 75,5% dos pacientes e, em apenas 8,2%, superior a 20/40. Após tratamento clínico e resolução da infecção naqueles pacientes que não tiveram indicação cirúrgica, 37,9% tinham acuidade visual inferior a 20/400 e 19,6% superior a 20/40. Dentre aqueles que realizaram cirurgia – incluindo tanto cirurgias eletivas quanto de urgência –, 45,3% permaneceram com acuidade inferior a 20/400 e 6,7% superior a 20/40. Vinte e quatro pacientes (10,9%) informaram baixa acuidade visual prévia ao episódio de úlcera de córnea, sendo 21 pacientes com ausência de percepção luminosa no olho acometido pela lesão.

Os principais fatores de riscos observados no estudo foram trauma ocular (33,0%) e uso de lentes de contato (15,9%). Os sintomas mais relatados no momento do diagnóstico foram dor (78,6%), baixa acuidade visual (45,9%) e hiperemia ocular (35,5%). Os pacientes procuraram atendimento com média de 10,9 (desvio-padrão de 14,3) dias de início sintomas. Analisando a tabela 6, percebe-se que a região da Grande Florianópolis foi a que procurou ajuda mais rapidamente, com uma média de 7,7 dias, enquanto a Região Norte teve uma média de 16,1 dias.

Tabela 6
Tempo de início dos sintomas de acordo com a região de origem

Durante a primeira consulta no Setor de Emergência, todos os pacientes apresentaram pelo menos um critério de gravidade para coleta de raspado de córnea. Cento e noventa (86,8%) pacientes apresentavam úlcera maior que 2mm, 171 (78,1%) apresentavam acometimento de eixo visual, 48 (21,9%) afinamento corneano ou descemetocele, 38 (17,4%) melting corneano e 81 (36,8%) hipópio. Quinze (6,9%) pacientes foram diagnosticados com perfuração ocular no atendimento inicial.

Como conduta inicial, 84,8% tiveram indicação de tratamento clínico. Optou-se por monoterapia em 13,5% dos casos, colírios antibióticos fortificados em 23,2% e antifúngicos associados a colírios antibióticos fortificados 62,2%. Trinta e três (15,2%) pacientes tiveram indicação de intervenção cirúrgica imediata.

Cento e três (46,8%) pacientes tiveram indicação de internação para tratamento da úlcera, com tempo médio de internação de 9,6 (desvio-padrão de 9,28) dias. A duração média do tratamento foi de 32,5 (desvio-padrão de 32,29) dias, sendo que 44 (20,0%) apresentaram boa evolução, 45 (20,5%) perderam acompanhamento e 83 (37,7%) apresentaram alguma complicação. Entre as complicações analisadas, 53 (24,2%) apresentaram leucoma no eixo visual, 24 (11,0%) descemetocele, 11 (5,0%) endoftalmite e 8 (3,7%) evoluíram para perfuração.

Dos exames analisados, 96 (43,6%) tiveram o agente causador da ceratite infecciosa identificado, sendo 45 (68,2%) bactérias Gram-negativas e 20 (30,3%) bactérias Gram-positivas. A principal bactéria Gram-negativa identificada foi Pseudomonas aeruginosa (71,1%) e a principal bactéria Gram-positiva foi Streptococcus pneumoniae (45,0%). Além disso, foram identificados 14,1% dos pacientes com fungos como agente causador, sendo o Fusarium sp. (70,9%) o mais prevalente. Apenas um paciente teve cultura positiva para Acanthamoeba.

Oitenta e seis (39,1%) pacientes fizeram uso de antibiótico tópico previamente à coleta de material.

Quanto à necessidade de cirurgia, 89 (41,1%) tiveram necessidade de intervenção cirúrgica de urgência, sendo 9 (10,0%) lavagem de câmara anterior, 57 (64,4%) transplantes de córnea tectônicos (incluindo 2 patches corneanos), e 23 (25,6%) evisceração.

A principal indicação de transplante de urgência foi descemetocele (41,7%), seguida por falha no tratamento (23,3%). Doze pacientes necessitaram de retransplante de córnea, três (25,0%) devido à falência primária e sete (58,3%) devido à recidiva da infecção.

Ao analisar possíveis diferenças entre o tempo de início dos sintomas e a procura por atendimento em relação às regiões de origem dos pacientes, é possível identificar que, visualmente, os pacientes da Grande Florianópolis apresentaram tempo médio menor entre o início dos sintomas e a procura por atendimento em comparação às outras regiões; no entanto, o teste estatístico não confirmou essa diferença de forma significativa (p=0,079). Quando analisadas possíveis diferenças entre o tempo de início dos sintomas e a escolaridade dos pacientes, mais uma vez nenhum resultado significativo foi observado (p=0,365). Além disso, ao verificar uma possível associação entre a cultura geral e os períodos pandêmicos, a análise não demonstrou diferença nas proporções (p=0,903).

DISCUSSÃO

O presente estudo permitiu uma caracterização clínico-epidemiológica dos pacientes com ceratite infecciosa grave atendidos no setor de córnea de um centro de referência em assistência oftalmológica estadual. Dentre a amostra de pacientes estudada, a maioria era do sexo masculino e tinha, em média, 47,6 anos, assim como observado em outros estudos.(55 Khoo P, Cabrera-Aguas MP, Nguyen V, Lahra MM, Watson SL. Microbial keratitis in Sydney, Australia: risk factors, patient outcomes, and seasonal variation. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1745-55.,1616 Ting DS, Ho CS, Deshmukh R, Said DG, Dua HS. Infectious keratitis: an update on epidemiology, causative microorganisms, risk factors, and antimicrobial resistance. Eye. 2021;35(4):1084-101., 2121 Chidambaram JD, Venkatesh Prajna N, Srikanthi P, Lanjewar S, Shah M, Elakkiya S, et al. Epidemiology, risk factors, and clinical outcomes in severe microbial keratitis in South India. Ophthalmic Epidemiol. 2018;25(4):297-305.)

Foi evidenciado que a maior prevalência de ceratite infecciosa grave e, portanto, com indicação de coleta de material corneano para cultura ocorreu em pacientes com baixo nível de escolaridade. É importante ressaltar que o nível de escolaridade está intimamente relacionado ao nível socioeconômico de uma população.(88 Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.) Stapleton realizou grande revisão sobre o impacto dessa doença em populações financeiramente desfavorecidas e observou pior desfecho clínico para esses pacientes.(88 Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.)

Além disso, estudos demonstraram que o baixo nível socioeconômico aumenta o risco de desenvolver ceratite infecciosa, atribuído principalmente à baixa educação e ao acesso limitado a serviços de saúde, principalmente em comunidades rurais.(1212 Farias R, Pinho L, Santos R. Epidemiological profile of infectious keratitis. Rev Bras Oftalmol. 2017;76:116-20.) No entanto, no presente estudo não foram observadas diferença estatisticamente significativa entre o tempo de início dos sintomas e a procura por atendimento em relação ao nível de escolaridade dos pacientes.

A maioria dos estudos sobre o tema observou que a agricultura é a principal ocupação profissional relacionada ao desenvolvimento de úlcera de córnea. Este estudo mostrou maior prevalência em pacientes aposentados e pensionistas e auxiliares de serviços gerais.

Chang et al. identificaram que o risco de úlcera de córnea é maior em pacientes com diabetes em comparação com aqueles sem a doença, e Farias et al. observaram que o diabetes foi correlacionado com pior prognóstico, pois, na maioria das vezes, esses pacientes evoluíram para transplantes de córnea de emergência.(1212 Farias R, Pinho L, Santos R. Epidemiological profile of infectious keratitis. Rev Bras Oftalmol. 2017;76:116-20.,2222 Chang YS, Tai MC, Ho CH, Chu CC, Wang JJ, Tseng SH, et al. Risk of corneal ulcer in patients with diabetes mellitus: a retrospective large-scale cohort study. Sci Rep. 2020;10(1):7388.) No presente estudo, a hipertensão arterial sistêmica foi a principal comorbidade relatada, seguida por diabetes mellitus. Além disso, não foi encontrada associação significativa entre a presença de diabetes e transplante de urgência.

Os principais fatores predisponentes relatados na literatura para úlcera de córnea incluem uso de lentes de contato, trauma ocular, cirurgia ocular prévia e doença da superfície ocular prévia, corroborando os achados deste estudo.(1212 Farias R, Pinho L, Santos R. Epidemiological profile of infectious keratitis. Rev Bras Oftalmol. 2017;76:116-20.,88 Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.,2323 Khor WB, Prajna VN, Garg P, Mehta JS, Xie L, Liu Z, et al.; ACSIKS Group. The Asia Cornea Society Infectious Keratitis Study: a prospective multicenter study of infectious keratitis in Asia. Am J Ophthalmol. 2018;195:161-70.) Alguns estudos revelaram que homens eram mais propensos a desenvolver ceratite infecciosa secundária ao trauma, enquanto as mulheres eram mais propensas a ter o uso de lentes de contato como fator de risco.(1616 Ting DS, Ho CS, Deshmukh R, Said DG, Dua HS. Infectious keratitis: an update on epidemiology, causative microorganisms, risk factors, and antimicrobial resistance. Eye. 2021;35(4):1084-101.,2323 Khor WB, Prajna VN, Garg P, Mehta JS, Xie L, Liu Z, et al.; ACSIKS Group. The Asia Cornea Society Infectious Keratitis Study: a prospective multicenter study of infectious keratitis in Asia. Am J Ophthalmol. 2018;195:161-70.) Ao analisar possíveis associações entre os fatores de risco e o sexo dos pacientes, observou-se que os homens apresentam probabilidade 40% (intervalo de confiança de 95% – IC95% 1,26-1,56) maior de ter trauma, e as mulheres probabilidade 18% (IC95% 1,04-1,33) maior de uso de lente de contato em comparação aos homens.

O tempo entre início dos sintomas e a procura por atendimento variou entre os estudos analisados. Khoo et al. identificaram que a duração média dos sintomas antes de procurar atendimento foi de 3 dias, enquanto Bajracharya,(2424 Bajracharya L, Bade AR, Gurung R, Dhakhwa K. Demography, risk factors, and clinical and microbiological features of microbial keratitis at a tertiary eye hospital in Nepal. Clin Ophthalmol. 2020;14:3219-26.) foi de 21,5 dias. Neste estudo foi observado tempo médio de 10,9 dias. Khoo et al. observaram, em média, 8 dias de internação, enquanto, neste estudo, foi observada a média de 10,9 dias de internação.(55 Khoo P, Cabrera-Aguas MP, Nguyen V, Lahra MM, Watson SL. Microbial keratitis in Sydney, Australia: risk factors, patient outcomes, and seasonal variation. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1745-55.)

Além disso, o estudo realizado por Khoo et al. evidenciou que quando há a presença de um fator de risco – principalmente uso recente de lentes de contato ou trauma ocular –, o paciente procura atendimento significativamente mais cedo.(55 Khoo P, Cabrera-Aguas MP, Nguyen V, Lahra MM, Watson SL. Microbial keratitis in Sydney, Australia: risk factors, patient outcomes, and seasonal variation. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1745-55.) Quando analisado neste estudo se a presença de algum fator de risco leva o paciente a procurar atendimento mais cedo, a hipótese se confirmou (p=0,006); pacientes com algum fator de risco levam, em média, 5 dias para buscar atendimento, enquanto pacientes sem fator de risco 7 dias.

Estudos têm mostrado que baixa acuidade visual baixa à apresentação inicial pode estar associada a pior prognóstico visual ao fim do tratamento.(1212 Farias R, Pinho L, Santos R. Epidemiological profile of infectious keratitis. Rev Bras Oftalmol. 2017;76:116-20.) No presente trabalho, notou-se que a maioria dos pacientes apresentou queixa de redução da acuidade visual, e 75,5% apresentaram acuidade visual inferior a 20/400 no primeiro atendimento.

A taxa de cultura positiva de raspados de córnea varia de 38% a 66% em diferentes estudos em todo o mundo.(66 Cabrera-Aguas M, Khoo P, Watson SL. Infectious keratitis: A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(5):543-62.,2525 Somerville TF, Corless CE, Sueke H, Neal T, Kaye SB. 16S ribosomal RNA PCR versus conventional diagnostic culture in the investigation of suspected bacterial keratitis. Transl Vis Sci Technol. 2020;9(13):2.) Neste trabalho, foram obtidos 43,6% de resultados com culturas positivas, sendo as bactérias Gram-negativas os principais agentes infecciosos identificados no estudo.

Um estudo realizado no estado do Maranhão também relatou maior incidência de ceratite infecciosa causada por bactérias Gram-negativas, representada principalmente por Pseudomonas, o que difere da literatura brasileira, em que a maioria dos casos é por bactérias Gram-positivas, destacando Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureus e S. pneumoniae.(1212 Farias R, Pinho L, Santos R. Epidemiological profile of infectious keratitis. Rev Bras Oftalmol. 2017;76:116-20.)

As bactérias Gram-positivas são mais comumente associadas a infecções após cirurgia ocular ou doença ocular, e menos comumente associadas a ceratite após trauma ocular ou uso de lentes de contato, no entanto, neste trabalho, observou-se que não há associação significativa.(88 Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.,2424 Bajracharya L, Bade AR, Gurung R, Dhakhwa K. Demography, risk factors, and clinical and microbiological features of microbial keratitis at a tertiary eye hospital in Nepal. Clin Ophthalmol. 2020;14:3219-26.)

Stamate et al. destacam que o transplante de córnea, além de restaurar a integridade do globo ocular, tem função terapêutica.(2626 Stamate AC, Tătaru CP, Zemba M. Update on surgical management of corneal ulceration and perforation. Rom J Ophthalmol. 2019;63(2):166.) O transplante de córnea é a cirurgia mais comumente realizada enquanto a infecção ainda está em atividade, assim como observado neste trabalho, em que 57 pacientes tiveram indicação de transplante de córnea tectônico de urgência.(2323 Khor WB, Prajna VN, Garg P, Mehta JS, Xie L, Liu Z, et al.; ACSIKS Group. The Asia Cornea Society Infectious Keratitis Study: a prospective multicenter study of infectious keratitis in Asia. Am J Ophthalmol. 2018;195:161-70.,2727 Ku L ozano J, Samudio M, Penniecook-Sawyers JA, Abente S, Duré C. Características clínico-epidemiológicas y evolución del tratamiento en pacientes con úlceras corneales. Mem Inst Investig Cienc Salud. 2019;17(1):16-24.)

CONCLUSÃO

A ceratite infecciosa é a patologia de córnea mais comum nos países em desenvolvimento, e o conhecimento atualizado sobre a doença é necessário para controle e manejo adequado.

O impacto da doença é agravado pela pobreza e pelo acesso limitado a serviços e tratamentos. O diagnóstico precoce, o acesso ao tratamento adequado, a profilaxia no trauma ocular e a conscientização dos fatores de risco podem estar associados à redução da gravidade da doença e à perda da visão.

Este estudo clínico-epidemiológico permitiu a caracterização dos pacientes com ceratite infecciosa grave atendidos em um centro de referência oftalmológica estadual.

  • Instituição de realização do trabalho: Hospital Regional de São José Dr. Homero de Miranda Gomes, São José, SC, Brasil.
  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.
  • Trabalho acadêmico associado: Artigo derivado de monografia de conclusão de curso intitulada Perfil Clínico-Epidemiológico dos Casos de Ceratite Infecciosa Atendidos em um Hospital de Santa Catarina, que será apresentada por Marcele de la Rocha Paschoal no Programa de Residência Médica de Oftalmologia do Hospital Regional São José - Dr. Homero de Miranda Gomes, São José, SC, Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Austin A, Lietman T, Rose-Nussbaumer J. Update on the management of infectious keratitis. Ophthalmology. 2017;124(11):1678-89.
  • 2
    Porth JM, Deiotte E, Dunn M, Bashshur R. A review of the literature on the global epidemiology of corneal blindness. Cornea. 2019;38(12):1602-9.
  • 3
    Ting DS, Ho CS, Cairns J, Gopal BP, Elsahn A, Al-Aqaba M, et al. Seasonal patterns of incidence, demographic factors and microbiological profiles of infectious keratitis: the Nottingham Infectious Keratitis Study. Eye. 2021;35(9):2543-9.
  • 4
    Ung L, Acharya NR, Agarwal T, Alfonso EC, Bagga B, Bispo PJ, et al. Infectious corneal ulceration: a proposal for neglected tropical disease status. Bull World Health Organ. 2019;97(12):854.
  • 5
    Khoo P, Cabrera-Aguas MP, Nguyen V, Lahra MM, Watson SL. Microbial keratitis in Sydney, Australia: risk factors, patient outcomes, and seasonal variation. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1745-55.
  • 6
    Cabrera-Aguas M, Khoo P, Watson SL. Infectious keratitis: A review. Clin Exp Ophthalmol. 2022;50(5):543-62.
  • 7
    Hernandez-Camarena JC, Graue-Hernandez EO, Ortiz-Casas M, Ramirez-Miranda A, Navas A, Pedro-Aguilar L, et al. Trends in microbiological and antibiotic sensitivity patterns in infectious keratitis: 10-year experience in Mexico City. Cornea. 2015;34(7):778-85.
  • 8
    Stapleton F, Shrestha GS, Vijay AK, Carnt N. Epidemiology, microbiology, and genetics of contact lens–related and non–contact lens-related infectious keratitis. Eye Contact Lens. 2022;48(3):127-33.
  • 9
    Stapleton F. The epidemiology of infectious keratitis. Ocul Surf. 2023;28:351-6
  • 10
    Ni N, Nam EM, Hammersmith KM, Nagra PK, Azari AA, Leiby BE, et al. Seasonal, geographic, and antimicrobial resistance patterns in microbial keratitis: 4-year experience in eastern Pennsylvania. Cornea. 2015;34(3):296-302.
  • 11
    Zhang Z, Cao K, Liu J, Wei Z, Xu X, Liang Q. Pathogens and antibiotic susceptibilities of global bacterial keratitis: a meta-analysis. Antibiotics. 2022;11(2):238.
  • 12
    Farias R, Pinho L, Santos R. Epidemiological profile of infectious keratitis. Rev Bras Oftalmol. 2017;76:116-20.
  • 13
    Agarwal S, Khan TA, Vanathi M, Srinivasan B, Iyer G, Tandon R. Update on diagnosis and management of refractory corneal infections. Indian J Ophthalmol. 2022;70(5):1475.
  • 14
    Brown L, Leck AK, Gichangi M, Burton MJ, Denning DW. The global incidence and diagnosis of fungal keratitis. Lancet Infect Dis. 2021;21(3):e49-e57.
  • 15
    Lin A, Rhee MK, Akpek EK, Amescua G, Farid M, Garcia-Ferrer FJ, et al. Bacterial keratitis preferred practice pattern® Ophthalmology. 2019;126(1):P1-P55.
  • 16
    Ting DS, Ho CS, Deshmukh R, Said DG, Dua HS. Infectious keratitis: an update on epidemiology, causative microorganisms, risk factors, and antimicrobial resistance. Eye. 2021;35(4):1084-101.
  • 17
    Bourcier T, Sauer A, Dory A, Denis J, Sabou M. Fungal keratitis. J Fr Ophtalmol. 2017;40(9):e307-e313.
  • 18
    Kitazawa K, Fukuoka H, Inatomi T, Aziza Y, Kinoshita S, Sotozono C. Safety of retrocorneal plaque aspiration for managing fungal keratitis. Jpn J Ophthalmol. 2020;64:228-233.
  • 19
    Varacalli G, Di Zazzo A, Mori T, Dohlman TH, Spelta S, Coassin M, et al. Challenges in Acanthamoeba keratitis: a review. J Clin Med. 2021;10(5):942.
  • 20
    Bouten M, Elsheikha HM. Diagnosis and management of Acanthamoeba Keratitis: a continental approach. Parasitologia. 2022;2(3):167-97.
  • 21
    Chidambaram JD, Venkatesh Prajna N, Srikanthi P, Lanjewar S, Shah M, Elakkiya S, et al. Epidemiology, risk factors, and clinical outcomes in severe microbial keratitis in South India. Ophthalmic Epidemiol. 2018;25(4):297-305.
  • 22
    Chang YS, Tai MC, Ho CH, Chu CC, Wang JJ, Tseng SH, et al. Risk of corneal ulcer in patients with diabetes mellitus: a retrospective large-scale cohort study. Sci Rep. 2020;10(1):7388.
  • 23
    Khor WB, Prajna VN, Garg P, Mehta JS, Xie L, Liu Z, et al.; ACSIKS Group. The Asia Cornea Society Infectious Keratitis Study: a prospective multicenter study of infectious keratitis in Asia. Am J Ophthalmol. 2018;195:161-70.
  • 24
    Bajracharya L, Bade AR, Gurung R, Dhakhwa K. Demography, risk factors, and clinical and microbiological features of microbial keratitis at a tertiary eye hospital in Nepal. Clin Ophthalmol. 2020;14:3219-26.
  • 25
    Somerville TF, Corless CE, Sueke H, Neal T, Kaye SB. 16S ribosomal RNA PCR versus conventional diagnostic culture in the investigation of suspected bacterial keratitis. Transl Vis Sci Technol. 2020;9(13):2.
  • 26
    Stamate AC, Tătaru CP, Zemba M. Update on surgical management of corneal ulceration and perforation. Rom J Ophthalmol. 2019;63(2):166.
  • 27
    Ku L ozano J, Samudio M, Penniecook-Sawyers JA, Abente S, Duré C. Características clínico-epidemiológicas y evolución del tratamiento en pacientes con úlceras corneales. Mem Inst Investig Cienc Salud. 2019;17(1):16-24.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2023
  • Aceito
    21 Fev 2024
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br