RESUMO
O pterígio é uma das doenças que mais acomete a superfície ocular, principalmente em regiões próximas ao Equador. Ocorre principalmente em adultos jovens, podendo ocasionar sintomas, danos estéticos e ópticos. Relata-se um caso de exérese de pterígio classificado pela extensão corneana em grau II e, pela vascularização, em grau 2 de Tan, com cirurgia prévia de LASIK, a partir de uma nova técnica, a técnica de Moscovici, a qual fundamenta-se na dissecção com bolha de ar, com a finalidade de separar o epitélio conjuntival do estroma profundo e da Tenon, com maior facilidade e rapidez e para obter enxertos finos.
Pterígio; Tomografia de coerência óptica; Ceratomileuse assistida por excimer laser in situ; Córnea; Procedimentos cirúrgicos oftalmológicos
ABSTRACT
Pterygium is one of the diseases that most affect the ocular surface, especially in regions close to the equator. It mainly affects young adults and can cause symptoms, as well as aesthetic and optical impairment. We report a case of pterygium excision classified by grade II corneal extension and Tan grade 2 vascularization with previous laser in situ keratomileusis (LASIK) surgery, using a new technique, the Moscovici technique, which is based on dissection with an air bubble to separate easier and faster the conjunctival epithelium from the deep stroma and the Tenon, obtaining thinner grafts.
Pterygium; Tomography, optical coherence; Keratomileusis, laser in situ; Cornea; Ophthalmologic surgical procedures
INTRODUÇÃO
O pterígio é uma das doenças mais comuns da superfície ocular, caracterizada por crescimento fibrovascular proveniente da conjuntiva peribulbar em direção à córnea.1,2 A prevalência varia de 0,7% a 58,8%, ocorrendo principalmente em pacientes que residem em regiões próximas ao Equador.1,3 Sua patogênese permanece incerta, mas os principais fatores de risco envolvidos são exposição aos raios ultravioleta (UV), baixa renda, tabagismo e sexo masculino. A prevalência em localidades próximas ao Equador é dez vezes maior do que distante delas, favorecendo o papel dos raios UV na fisiopatologia do pterígio.4-6
Ocorre mais frequentemente em adultos jovens, entre 20 e 40 anos.3,7Usualmente é localizado na região interpalpebral, sendo mais comum na região nasal.3,8 Os sintomas incluem hiperemia, lacrimejamento, irritação e alteração visual.1,8
O pterígio pode ser classificado de duas maneiras. A primeira, de acordo com Tan, conforme a visibilidade dos vasos episclerais. Desse modo, T1 são aqueles pterígios com vasos episclerais visíveis abaixo de seu corpo. O estágio T3 apresenta todos os vasos episclerais obscurecidos por tecido fibrovascular opaco do corpo do pterígio. O estágio T2 são os que não se enquadram nem no T1 e nem no T3.5,9 A segunda forma de classificação é por meio do tamanho da progressão do tecido fibrovascular ao longo da córnea, sendo grau I ao atingir o limbo, grau II ao cobrir a córnea em aproximadamente 2mm, grau III ao tocar a margem pupilar e grau IV ao exceder a pupila.3,10
O tratamento inicia com lubrificantes e óculos de sol, sendo a cirurgia indicada quando o paciente deseja melhora sintomática, óptica ou estética.8 A recorrência é algo preocupante, visto que sua incidência chega a 89% em alguns estudos. A espessura fina do enxerto e o tempo cirúrgico reduzido são essenciais para o sucesso do resultado estético e para evitar recidivas.1
Recentemente, uma técnica nova para confecção do enxerto foi descrita, denominada técnica de Moscovici. Ela consiste no preenchimento de uma seringa com 0,5 a 1mL de ar, e sua inserção se dá próximo ao limbo, às 12h, sendo empurrada superficialmente no sentido superior e temporal, com o bisel para cima. Em seguida, é injetado o ar sob o epitélio conjuntival o mais distante possível do estroma. O enfisema causado pela propagação da bolha de ar pode ser visualizado, confirmando a dissecção conjuntival da cápsula de Tenon. Após, são realizadas a excisão do pterígio com o método preferível do cirurgião e a adesão do enxerto conjuntival com cola de fibrina biológica.
O presente relato de caso demonstrou uma técnica cirúrgica segura em um paciente com pterígio nasal por meio dessa nova técnica de bolha de ar, a qual se mostrou segura, benéfica e sem custos adicionais. Este relato foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer: 5.320.544; CAAE: 56976822.7.0000.5509) da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).
RELATO DO CASO
Homem, 48 anos, sem comorbidades, com cirurgia prévia de LASIK em ambos os olhos (AO) há 10 anos. Apresenta acuidade visual com correção de 20/20 AO e pterígio nasal classificado pela extensão corneana em grau II e, pela vascularização, em grau 2 de Tan em olho direito (OD) em cima da borda do flap, sem outras alterações ao exame oftalmológico. Assim, a conduta foi a exérese do pterígio.
Para isso, foi realizada a técnica de Moscovici, fundamentada na dissecção com bolha de ar, objetivando separar o epitélio conjuntival do estroma profundo e da Tenon com maior facilidade e para obter enxertos finos. Essa técnica consiste na injeção de 0,5 a 1mL de bolha de ar na parte superior do limbo (às 12h) no sentido superior e temporal sob o epitélio conjuntival, o mais longe possível do estroma, com o bisel voltado para cima (Figura 1). A dissecção é comprovada pela transparência da conjuntiva acima da conjuntiva enfisematosa. A excisão do pterígio a partir de sua cabeça foi feita com cautela para não levantar a borda do flap de LASIK. Após, foi realizada a adesão do enxerto conjuntival com cola de fibrina biológica, com o lado estromal para baixo e o epitelial para cima, seguido do posicionamento cuidadoso do enxerto. Em seguida, foi feito um orifício central no enxerto para a drenagem de sangue e finalizou-se com a aplicação de cola tanto na córnea, para prevenir dor, quanto nas bordas do enxerto, para facilitar a aderência.
(A) Pterígio em olho direito antes de sua excisão, (B) antes da injeção de bolha de ar; (C) bolha de ar na parte superior do limbo às 12h.
O paciente foi acompanhado no pós-operatório, sem intercorrências, exibindo admiráveis resultados. A espessura do enxerto medida pela tomografia de coerência óptica (OCT) variou entre 80µm e 90µm. Após o primeiro mês de cirurgia, o paciente apresentou excelente aspecto estético, sem sinais de recidiva, com o enxerto bem localizado e de espessura adequada, promovendo a visualização de vasos episclerais (Figura 2).
(D) Após o primeiro mês de cirurgia, apresentando excelente aspecto. Enxerto bem locado, sem sinais de recidiva e com espessura adequada, promovendo a visualização de vasos episclerais; (E) espessura do enxerto medida pela tomografia de coerência óptica variando entre 80µm e 90µm.
DISCUSSÃO
No relato, o enxerto obtido por meio da técnica de Moscovici é uma inovação e traz melhoria e excelência nos resultados pós-cirúrgicos.1 Por não envolver custos adicionais no procedimento, favorece sua introdução na prática diária. É uma técnica simples e barata, que facilita a dissecção da conjuntiva com a cápsula de Tenon e apresenta menor relação estroma/Tenon, além de exibir enxertos mais finos, como evidenciado na OCT do relato, evitando recidivas.
Segundo a literatura, de 138 pacientes contemplados com essa técnica em um estudo, todos obtiveram alto grau de satisfação. Eles foram acompanhados por 6 meses sem recorrências e complicações. As queixas apresentadas foram equiparadas às da técnica convencional, todavia a estética foi preferida em relação à de Moscovici.1
Com relação ao uso da cola de fibrina para a adesão do enxerto, estudos também indicam benefícios na redução do tempo cirúrgico, comparado ao uso de suturas, assim como a técnica da bolha de ar, que apresentou ligeira rapidez em relação às técnicas tradicionais.1,11 Além disso, a cola de fibrina, em contraposição às suturas, possibilitou redução do risco de recorrência e de inflamação pós-operatória.12 Trabalhos demonstram que a espessura do enxerto conjuntival realizado com laser de femtosegundo equivale a 74,5±9,8μm sendo semelhante ao do relato com a técnica de Moscovici (80 a 90μm), exibindo ótimos resultados com a finura.1
Portanto, essa nova técnica proporciona vários benefícios estéticos, redução de tempo cirúrgico e de risco de complicações, adelgaçamento do enxerto, além de não envolver custos adicionais e ser de fácil realização, com ótimos resultados.
REFERÊNCIAS
- 1 Moscovici BK, Rodrigues PF, Freitas MM, E Silva FB, Felberg S, Dantas PE. Donor graft harvesting with air in pterygium surgery. Eur J Ophthalmol. 2022:11206721221090802.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Out 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
25 Abr 2022 -
Aceito
22 Jul 2022