Open-access Papel da imunoistoquímica no diagnóstico das alterações oculares na leishmaniose tegumentar americana: relato clínico-patológico de cinco casos

Role of imunohistochemistry in the diagnosis of ocular lesions in mucocutaneous leishmaniasis: report of five cases

Resumos

OBJETIVO: Descrever os achados clínicos, histopatológicos e imunoistoquímicos de cinco pacientes portadores de leishmaniose tegumentar americana com manifestações oftalmológicas. MÉTODOS: Estudo retrospectivo, no período de quatro anos, compreendendo análise dos prontuários de pacientes do Hospital Universitário Professor Edgard Santos e das lâminas de histopatologia e do estudo imunoistoquímico. RESULTADO: O sintoma mais frequente foi a hiperemia conjuntival (2/5), seguida por lesão crostosa palpebral (1/5), leucoplasia conjuntival (1/5) e prurido ocular (1/5).Todos os pacientes foram submetidos à biópsia. O estudo histológico evidenciou inflamação crônica (3/5) e hiperplasia pseudoepiteliomatosa (2/5). Todos os pacientes com aspecto histopatológico de hiperplasia pseudoepiteliomatosa apresentaram resultado positivo para leishmaniose pela imunoistoquímica (anticorpo policlonal antileishmania). CONCLUSÃO: Devido ao polimorfismo das manifestações oculares da leishmaniose tegumentar americana, à inespecificidade do quadro histopatológico e à grande dificuldade de visualização de amastigotas na coloração hematoxilina-eosina, a biópsia com estudo imunoistoquímico contribuiu para a confirmação diagnóstica.

Leishmaniose; Infecções oculares parasitárias; Doenças oculares; Imunoistoquímica; Relatos de casos


PURPOSE: To describe the clinical, histopathological and immunoistochemical findings of ocular leishmaniasis in five patients presenting positive Montenegro reaction. METHODS: Retrospective study in four years of the clinical charts, histopathologic and immunoistochemic study of the material obtained by biopsy of ocular lesions in five patients with positive Montenegro reaction. RESULTS: The most frequent clinical findings was conjunctival hyperemia (2/5), followed by crusting lid lesion (1/5), conjunctival leukoplakia (1/5) and ocular itching (1/5). The histopathological study disclosed chronic inflammation (3/5) and pseudoepitheliomatous hyperplasia (2/5). The all patients that presented pseudoepitheliomatous hyperplasia in the biopsy material also presented immunohistochemical positivity for polyclonal antibody anti-leishmania. CONCLUSION: The immunoistochemical study was contribuitory for the diagnosis of ocular leishmaniasis in the five patients of this study.

Leishmaniasis; Eye infections, parasitic; Eye diseases; Immunohistochemistry; Case reports


ARTIGO ORIGINAL

Papel da imunoistoquímica no diagnóstico das alterações oculares na leishmaniose tegumentar americana. Relato clínico-patológico de cinco casos

Role of imunohistochemistry in the diagnosis of ocular lesions in mucocutaneous leishmaniasis. Report of five cases

Lívia Maria Nossa MoitinhoI; Luiz Antônio Rodrigues de FreitasII; Eduardo Ferrari MarbackIII; Roberto Lorens MarbackIV

IMestre, Professora assistente da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências - FBDC - Salvador (BA), Brasil

IIDoutor, Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia e Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. Salvador (BA), Brasil

IIIDoutor, Médico Oftalmologista do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA), Brasil

IVDoutor, Professor Titular Oftalmologia. Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Roberto Lorens Marback Rua Eduardo José dos Santos, nº 147, sala 808 Garibaldi CEP 41940-455 - Salvador - BA - Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Descrever os achados clínicos, histopatológicos e imunoistoquímicos de cinco pacientes portadores de leishmaniose tegumentar americana com manifestações oftalmológicas.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo, no período de quatro anos, compreendendo análise dos prontuários de pacientes do Hospital Universitário Professor Edgard Santos e das lâminas de histopatologia e do estudo imunoistoquímico.

RESULTADO: O sintoma mais frequente foi a hiperemia conjuntival (2/5), seguida por lesão crostosa palpebral (1/5), leucoplasia conjuntival (1/5) e prurido ocular (1/5).Todos os pacientes foram submetidos à biópsia. O estudo histológico evidenciou inflamação crônica (3/5) e hiperplasia pseudoepiteliomatosa (2/5). Todos os pacientes com aspecto histopatológico de hiperplasia pseudoepiteliomatosa apresentaram resultado positivo para leishmaniose pela imunoistoquímica (anticorpo policlonal antileishmania).

CONCLUSÃO: Devido ao polimorfismo das manifestações oculares da leishmaniose tegumentar americana, à inespecificidade do quadro histopatológico e à grande dificuldade de visualização de amastigotas na coloração hematoxilina-eosina, a biópsia com estudo imunoistoquímico contribuiu para a confirmação diagnóstica.

Descritores: Leishmaniose/patologia; Infecções oculares parasitárias/diagnóstico; Doenças oculares/micorbiologia; Imunoistoquímica; Relatos de casos

ABSTRACT

PURPOSE: To describe the clinical, histopathological and immunoistochemical findings of ocular leishmaniasis in five patients presenting positive Montenegro reaction.

METHODS: Retrospective study in four years of the clinical charts, histopathologic and immunoistochemic study of the material obtained by biopsy of ocular lesions in five patients with positive Montenegro reaction.

RESULTS: The most frequent clinical findings was conjunctival hyperemia (2/5), followed by crusting lid lesion (1/5), conjunctival leukoplakia (1/5) and ocular itching (1/5). The histopathological study disclosed chronic inflammation (3/5) and pseudoepitheliomatous hyperplasia (2/5). The all patients that presented pseudoepitheliomatous hyperplasia in the biopsy material also presented immunohistochemical positivity for polyclonal antibody anti-leishmania.

CONCLUSION: The immunoistochemical study was contribuitory for the diagnosis of ocular leishmaniasis in the five patients of this study.

Keywords: Leishmaniasis/pathology; Eye infections, parasitic/diagnosis; Eye diseases/microbiology; Immunohistochemistry; Case reports

INTRODUÇÃO

Leishmaniose envolve um espectro de doenças que ocorrem mais comumente em áreas tropicais e subtropicais, apresenta incidência de 500.000 e prevalência de 2.4 milhões de casos(1). No Brasil, é endêmica, com aproximadamente 30.000 casos notificados por ano(2).

Segundo Marback (3), a ocorrência de lesões oculares na leishmaniose tegumentar americana foi descrita pela primeira vez por Pina em 1912. As mais comuns manifestações clínicas da doença são: blefarite, conjuntivite, ceratoconjuntivite e lesão erosiva palpebral(3-8). Outros tipos de manifestação oftalmológica são a simulação de dacriocistite, chalázio, tumores como ceratoacantoma e carcinoma basocelular, estenose do ducto lacrimo-nasal e uveíte(9-11).

Aspectos epidemiológicos e o teste cutâneo positivo para leishmania são importantes para o diagnóstico. A confirmação diagnóstica, atualmente, pode ser obtida através da demonstração de antígenos de Leishmania no tecido por técnica imunoistoquímica.12 Esta técnica utiliza anticorpo policlonal antileishmania e marca positivamente antígenos de Leishmania, sobretudo em macrófagos e células endoteliais(13).

O objetivo deste trabalho foi descrever a análise clínica e histopatológica de cinco casos de leishmaniose tegumentar americana com manifestações oftalmológicas, submetidos à biópsia, enfatizando o papel da imunoistoquímica no diagnóstico.

Apresentações dos casos

Foram estudados retrospectivamente, cinco casos de pacientes portadores de leishmaniose tegumentar americana, encaminhados para o Ambulatório de Oftalmologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, no período de quatro anos.

Os aspectos clínicos como: idade, gênero, sinais e sintomas, tempo de doença e suspeita diagnóstica são apresentados na Tabela 1. Os achados histopatológicos e imunoistoquímicos, conduta e terapêutica podem ser apreciadao na Tabela 2.

RESULTADOS

A idade dos pacientes variou de 8 a 72 anos (média 32,4). Três pacientes foram do gênero feminino e 2, do masculino.

O tempo de doença variou de 3 a 240 dias (média 81,6). O sintoma mais frequente foi a hiperemia conjuntival (40%), seguida por lesão crostosa palpebral (20%) (Figura 1), leucoplasia conjuntival (20%) e prurido ocular (20%). Nenhum caso teve a suspeita de leishmaniose nas manifestações oftalmológicas. Em um caso o aspecto clínico foi muito sugestivo de carcinoma epidermóide de conjuntiva.


Todos os pacientes foram submetidos à biópsia, inclusive os casos com suspeita de conjuntivite devido ao fato de os pacientes já apresentarem diagnóstico clínico de leishmaniose tegumentar americana, inclusive com positividade à reação de Montenegro.

O aspecto histopatológico em três pacientes (60%) foi inflamação crônica inespecífica e em dois (40%) hiperplasia pseudoepiteliomatosa (Tabela 2).

Os pacientes, que apresentaram hiperplasia pseudoepiteliomatosa, mostraram igualmente resultado positivo pela imunoistoquímica (Figura 2).


Apenas 1 paciente não respondeu ao antimonial pentavalente como terapêutica. Neste caso foi utilizada a Anfotericina B com melhora sintomatológica.

DISCUSSÃO

As manifestações oculares da leishmaniose tegumentar americana mais comumente descritas na literatura são: lesões palpebrais(3,8,10), conjuntivite(3,5), blefarite(4,6,7) e uveíte(3).

A maior série de casos de alterações oculares na leishmaniose tegumentar americana encontrada na literatura brasileira foi publicada em 19533. Foram estudados 19 pacientes, destes 11 (57,9%) eram do gênero feminino e 8 (42,1%) do masculino. Nesse estudo, ele observou: 8 (42,1%) casos de conjuntivite, 5 (26,3%) casos de ceratite, 4 (21%) feridas em pálpebra, 2 (10,5%) dacriocistites e 1 (5,3%) blefarite. Todos os pacientes obtiveram melhora clínica com o uso de terapia antimonial. Na nossa série, observamos 3 (60%) pacientes do gênero feminino e 2 (40%) do masculino. O sintoma mais freqüente também foi a hiperemia conjuntival (40%) e todos, com exceção de apenas um caso, responderam bem à terapia com antimonial.

Recentemente, o estudo imunoistoquímico13 tem sido utilizado na confirmação diagnóstica da leishmaniose tegumentar americana, pois os achados à microscopia óptica frequentemente são inespecíficos, representados por inflamação crônica ou reação granulomatosa, sendo os parasitas raramente identificáveis(12). Positividade das biópsias em mucosa nasal, através da análise imunoistoquímica é encontrada em 62% a 75% dos casos(14). Dado esse, compatível com o encontrado em nossa pequena série. Não foram encontrados, em nossa pesquisa, estudos sobre a utilização da imunoistoquímica para diagnóstico de leishmaniose em lesões oftalmológicas.

Devido ao fato de se tratar de uma doença endêmica no Brasil, com grande polimorfismo de manifestações oculares, o conhecimento dessas apresentações clínicas, bem como, o diagnóstico preciso e precoce são fundamentais para minimizar o risco de perda visual e cicatrizes viciosas nesses pacientes.

Recebido para publicação em: 30/6/2009

Aceito para publicação em 29/7/2009

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  • Endereço para correspondência:
    Roberto Lorens Marback
    Rua Eduardo José dos Santos, nº 147, sala 808 Garibaldi
    CEP 41940-455 - Salvador - BA - Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      30 Jun 2009
    • Aceito
      29 Jul 2009
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