Open-access Distrofia macular oculta

Resumo

Apresentamos um caso de distrofia macular oculta bilateral, em paciente de 70 anos com queixa de baixa acuidade visual progressiva, sem achados fundoscópicos ou angiográficos justificáveis. Foram realizados exames de imagem do sistema nervoso central que afastaram lesões expansivas e testes eletrofisiológicos que sugeriram diagnóstico.

Descritores: Degeneração macular; Eletrorretinograma; Eletrofisiologia; Acuidade visual

Abstract

We report a case of bilateral occult macular dystrophy in a 70-year-old woman with progressive low visual acuity, without justifiable fundoscopic or angiographic findings. Imaging tests were done to excluding expansive lesions and electrophysiological tests that suggested the diagnosis.

Keywords: Macular degeneration; Electroretinogram; Electrophysiology; Visual acuity

Introdução

A distrofia macular oculta consiste na perda progressiva da visão (1,2) devido a perda dos cones foveais (1) com eletroretinograma (ERG) macular focal anormal associado a fundoscopia, angiografia fluoresceínica e ERG full-field normais.(2-4)

Inicialmente foi descrita como doença autossômica dominante, de caráter hereditário.(5) Entre os genes mapeados está o RP1L1,(1-3) que codifica um fotorreceptor de 2400 aminoácidos.(1) Sabe-se que a existência desta mutação tem grande importância na progressão na doença.(2) Entretanto, as mutações do RP1L1 não são exclusivas da distrofia macular oculta, e estão associados também a fenótipos de retinose pigmentar.(1)

Atualmente são descritas duas formas de distrofia macular oculta, sendo elas: hereditárias e esporádicas.(3) Na forma esporádica ocorre defeito na junção do segmento externo e interno dos fotorreceptores.(4)

O início dos sintomas pode ser amplo (6-81 anos), com perda da acuidade visual e visão de cores.(3) O diagnóstico da doença costuma ser tardio em razão da normalidade da fundoscopia,(3) visto que, mesmo em estágios avançados permanece inalterado.(4) A boa aparência do fundo de olho provavelmente é atribuída a boa função do epitélio pigmentar da retina.(4,6)

A fim de definir precocemente o diagnóstico e com menor custo, casos suspeitos devem ser avaliados seguindo ordem de Tomografia de Coerência Óptica (OCT), seguida de Angiografia Fluoresceína (AF), ERG full field, ERG multifocal e posteriormente exames mais avançados, como Tomografia Computadorizada (TC) ou Ressonância Magnética (RM) de crânio.(3) O teste genético é o exame diagnóstico mais preciso, entretanto de difícil acesso. Desta forma, o diagnóstico depende de exame oftalmológico multimodal.(3)

Até o momento, não existe tratamento efetivo por ser uma forma idiopática de degeneração macular.(3)

Relato de caso

IRN, gênero feminino, 70 anos, dona de casa, natural do Rio de Janeiro, procurou atendimento devido a insatisfação com facectomia realizada no olho esquerdo (OE) e baixa acuidade visual (BAV) progressiva em ambos os olhos. Ao exame, apresentava acuidade visual corrigida de 20/200 em olho direito (OD) e 20/400 em OE, biomicroscopia de segmento anterior demonstrando catarata nuclear 2+/4+ em OD e lente intraocular tópica em OE, tonometria de aplanação dentro da normalidade em ambos os olhos (AO). Fundoscopia evidenciando discos ópticos com contornos regulares e escavação fisiológica, arcadas vasculares preservadas, brilho foveal preservado e degeneração paving stone inferior em AO (Figura 1).

Figura 1
Retinografia de olho direito (A) e olho esquerdo (B)

Diante do quadro de BAV sem causa aparente justificável ao exame oftalmológico, exames complementares foram solicitados. O OCT demonstrou atrofia foveal central com alteração da zona elipsoide em AO (Figura 2). A AF (Figura 3) e o Potencial Evocado Visual (PEV) encontravam-se dentro da normalidade. A RM de crânio excluiu lesões expansivas ou vasculares e evidenciou dilatação de ventrículos supratentoriais, sulcos corticais e cisternas da base. O exame de RM de órbita encontrava-se dentro da normalidade. O ERG escotópico e fotópico de campo total foram normais em OD e subnormais em OE. O ERG multifocal (Figura 4) demonstrava diminuição da amplitude da onda P1 na região central em AO.

Figura 2
Tomografia de Coerência Óptica de olho direito (A) e olho esquerdo (B)

Figura 3
Angiografia fluoresceínica do olho direito (A) e esquerdo (B)

Figura 4
Eletrorretinograma multifocal do olho direito (A) e olho esquerdo (B).

Diante do caso de BAV em ambos os olhos, com fundoscopia inespecífica, atrofia foveal em OCT, ERG com amplitude reduzida, sem anormalidades em exames de imagem, PEV ou AF, sugeriu-se o diagnóstico de maculopatia oculta. O teste genético não foi realizado devido dificuldade de acesso ao exame.

Discussão

Vários estudos tem demonstrado que a idade característica de apresentação da distrofia macular oculta varia entre 6 e 81 anos(3) e não costuma progredir após os 60 anos.(7) Em nosso relato a paciente foi diagnosticada aos 70 anos correspondendo a faixa etária citada.

Na maculopatia oculta ocorre piora progressiva da acuidade visual com fundoscopia e AF geralmente normais, contribuindo pouco com o diagnóstico. A AF pode evidenciar hiperfluorescência, principalmente em doença avançada,(4) com sinal circular ao redor da fóvea que pode significar lesão nos fotorreceptores ou no epitélio pigmentar da retina.(7) No caso descrito, não foi observada nenhuma alteração na fundoscopia e na AF.

O OCT é essencial no diagnóstico da distrofia macular oculta pois demonstra aspecto característico de perda bilateral da zona elipsoide na região central.(3-5,8) Baseado nos achados tomográficos, sabe-se que a distrofia oculta está relacionada a deformidades dos fotorreceptores.(2) Desta forma, o padrão de perda visual está diretamente relacionado ao grau de acometimento de cones e das hastes de fotorreceptores.(1)

A paciente do caso relatado apresentou afinamento da região foveal ao OCT, achado que corrobora com diagnóstico de distrofia oculta. Entretanto, apesar de característico, a perda da zona elipsoide não é patognomônica de distrofia macular oculta (5) e pode ser encontrado ainda na exposição a nitrito de alquila e tamoxifeno, e na retinopatia solar.(8)

Os testes eletrofisiológicos e genéticos são importantes para diferenciar a distrofia macular oculta da distrofia de cones e bastonetes, e da acromatopsia. (8)

O PEV nesta afecção pode cursar com redução da amplitude ou aumento da latência, achado não específico, porém adicional no diagnóstico diferencial de ambliopia e doenças do nervo óptico como a neurite óptica retrobulbar.(5,9) No caso apresentado o PEV era normal.

Segundo Fujinami et al. o ERG multifocal da distrofia macular oculta demonstra caracteristicamente alteração nos 15º centrais.(4) Nosso paciente apresentava ERG full-field normal em OD e subnormal em OE, e ERG multifocal com redução central bilateral, semelhante aos casos encontrados na literatura. (7,10,11)

A Microperimetria oferece melhor capacidade de avaliar escotomas e déficit visual relacionado a fixação nos casos de distrofia macular oculta quando comparado a outras técnicas perimétricas.(12) Normalmente apresenta diminuição da sensibilidade foveal.(13)

Relatamos o caso de uma paciente com distrofia macular oculta diagnosticada com exames clínico, testes eletrofisiológicos, OCT e AF mesmo na ausência de teste genético. Salientamos a importância deste diagnóstico diferencial em casos sintomáticos com poucos ou nenhum achado fundoscópico.

Referências

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  • 5 Chen CJ, Scholl HP, Birch DG, Iwata T, Miller NR, Goldberg MF. Characterizing the phenotype and genotype of a family with occult macular dystrophy. Arch Ophthalmol . 2012;130(12):1554-9.
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  • 9 Hanazono G, Ohde H, Shinoda K, Tsunoda K, Tsubota K, Miyake Y. Pattern-reversal visual-evoked potential in patients with occult macular dystrophy. Clin Ophthalmol . 2010; 4:1515-20.
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  • 13 Viana KI, Messias A, Siqueira RC, Rodrigues MW, Jorge R. Structure-functional correlation using adaptive optics, OCT, and microperimetry in a case of occult macular dystrophy. Arq Bras Oftalmol . 2017;80(2):118-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2019
  • Aceito
    24 Jun 2019
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