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Formação do médico

O ensino médico de formação é algo que nos afeta diretamente, mesmo que não estejamos diretamente ligados a escolas. A qualidade do médico é algo inerente à nossa prática profissional.

Bons médicos, boa medicina, maus médicos, má medicina.

O incrível aumento de escolas com a desculpa do "mais médicos" preocupa, pois observamos que mesmo as escolas médicas estabelecidas há anos têm dificuldade de manter o seu padrão de qualidade.

Faltam professores, falta material didático, faltam hospitais-escola adequados.

A carreira docente na área médica tem sido pouco procurada, pois os jovens anteveem uma longa jornada de fim duvidoso com salários ridículos, quando comparados com os do exercício profissional liberal. Na turma que se formou em 2015 na prestigiosa Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, um terço dos alunos sequer fará residência.

Difícil de compreender e imaginar o que será o futuro desses formandos.

Há uma falta de cadáveres que se agrava, pois se trata de material didático indispensável na formação do médico. Uma tese sobre o assunto, que procura sensibilizar as autoridades competentes, foi escrita pela doutora Renata Simão Marsola sobre a "Doação voluntária de corpos para estudo anatômico".

O curso médico com as novas visões dos pedagogos da área sofre profunda modificação e exige dos alunos e dos professores acesso a fontes de informação internacionais, nem sempre disponíveis nos sistemas das escolas. Uniram-se cadeiras, desapareceram disciplinas e dá-se uma grande importância à doença ou ao fato que será estudado; a base, como as classificações, os conceitos básicos de fisiologia, patologia, microbiologia, deve ser buscada nas fontes teoricamente disponíveis.

Os hospitais-escola são públicos e na sua maioria falidos, mal equipados, sem funcionários. Há uma informação de que em São Paulo existem mais de 1.000 leitos públicos fora de funcionamento por falta de pessoal e equipamento.

Trabalhar e atender nesses hospitais já é uma grande dificuldade, imaginem ensinar.

A pouca exigência de qualidade faz com que várias universidades particulares se aventurem a organizar cursos de medicina, extremamente rentáveis.

Uma vez formados, esses jovens necessitam de uma complementação na sua formação para exercer suas especialidades, mesmo que se dediquem a áreas como saúde da família.

As residências médicas, já em número pequeno, têm sido insuficientes para formar adequadamente um especialista. Na nossa especialidade, o fim da formação é uma área de estudo bem definida, como joelho, pé, mão etc., que exige no mínimo quatro anos de residência.

No raciocínio quantitativo, o governo e as entidades responsáveis estão em busca de solucionar o problema: teremos mais médicos, mais especialistas; no raciocínio qualitativo, único que pode ser usado quando nos preocupamos em tratar de pessoas, haverá uma nítida queda da qualidade.

Os otimistas poderão dizer este é um momento que seguramente passará.

Acreditamos que não, pois a formação médica é algo sequencial - só médicos ensinam médicos.

Quem formará os futuros médicos?

A educação médica continuada (EMC), área fundamental na nossa profissão pelo dinamismo com que ela evolui, tem sido invadida pelas empresas distribuidoras de material cirúrgico, que viram nessa atividade uma arma poderosa de marketing; "vamos ensinar os doutores a usar os nossos materiais" é o projeto básico. Como já comentamos neste espaço, algumas alegam que têm cursos próprios e abandonam os nossos cursos e congressos, instrumentos de EMC da SBOT. O interessante é que os professores desses cursos somos nós, pois essas empresas não se dispõem a formar especialistas próprios, captam no mercado com diversos subterfúgios como argumento.

Sempre tivemos uma parceria saudável com essas empresas, afinal foi o patrocínio delas que permitiu a evolução da ortopedia brasileira. Mas no momento está havendo um preocupante desvio de interesse, que acena para o fim da sociedade médica como instrumento de EMC.

Há uma parcela de responsabilidade governamental em todo esse processo, que vai desde a formação do médico até a EMC, mas há também uma grande parcela nossa, que deve ser ativada o mais brevemente possível, antes que seja tarde.

A passividade de observar o erro acontecer, prática comum em nosso país, deve ser deixada de lado neste momento, pois esse é um processo quase irreversível que demandara anos para ser corrigido.

A formação do médico é responsabilidade de todos nós.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    jan-feb 2016
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