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Lesão da artéria axilar secundária a fratura do terço proximal de úmero: relato de caso Trabalho desenvolvido no Grupo de Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de CienciasMedicas da Santa Casa de Sao Paulo, Pavilhao Fernandinho Simonsen, Sao Paulo, SP, Brasil.

Resumos

As lesões da artéria axilar são raras em pacientes com fraturas do terço proximal do úmero e podem ter manifestações clínicas bastante variadas. São responsáveis por 15% a 20% das lesões arteriais dos membros superiores e o mecanismo mais comum é a queda ao solo, que representa 79% dos traumas. Em alguns casos os sinais só aparecem tardiamente. É importante lembrar essa associação, a fim de diagnosticá-la precocemente e evitar complicações graves. Relatamos um caso de lesão traumática da artéria axilar secundária à fratura do terço proximal do úmero em uma paciente de 84 anos, com evolução tardia dos sinais clínicos de isquemia do membro acometido. O objetivo é discutir as dificuldades do diagnóstico e do tratamento.

Artéria axilar; Fraturas do úmero; Fraturas do ombro


Lesions of the axillary artery are rare in patients with fracturing of the proximal third of the humerus and may have greatly varying clinical manifestations. They are responsible for 15% and 20% of upper-limb artery injuries and the commonest mechanism is a fall to the ground, which accounts for 79% of such injuries. In some cases, the signs only appear later on. It is important to bear this association in mind, so as to make an early diagnosis and avoid serious complications. We report on a case of traumatic injury of the axillary artery secondary to fracturing of the proximal third of the humerus in an 84-year-old patient, with late evolution of clinical signs of ischemia in the limb affected. The aim here was to discuss the diagnostic difficulties and treatment.

Axillary artery; Humeral fractures; Shoulder fractures


Introdução

As lesões do plexo braquial e da artéria axilar são raras em pacientes com fraturas do terço proximal do úmero (FTPU), apesar da proximidade anatômica dessas estruturas.11. Suttie AS, Mofidi R, Howd A, Griffiths GD. Use of a JavidTM shunt in the management of axillary artery injury as a complication of fracture of the surgical neck of the humerus: a case report. J Med Case Rep. 2008;2:259.

Lesões da artéria axilar são responsáveis por 15% a 20% das lesões arteriais dos membros superiores,22. Zhang Q, Wang S, Tang C, Chen W, Zhang Y, Chen L. Axillary artery lesions from humeral neck fracture: a study in relation to repair. Exp Ther Med. 2013;5(1):328-32. 94% são causados por ferimentos penetrantes e os restantes (6%) são provocados por fraturas-luxação do ombro. O mecanismo mais comum é queda ao solo, 79% dos traumas.33. Yagubyan M, Panneton JM. Axillary artery injury from humeral neck fracture: a rare but disabling traumatic event. Vasc Endovasc Surg. 2004;38(2):175-84.

O objetivo deste artigo é relatar um caso de lesão da artéria axilar ocorrida em consequência de FTPU, bem como as dificuldades do diagnóstico e do tratamento.

Caso clínico

Paciente feminina de 84 anos, admitida no pronto socorro, após ter sofrido queda ao solo, com FTPU direito e traumatismo crânio encefálico (TCE).

Ao exame físico inicial, observou-se edema, hematoma e dor para movimentar o ombro direito. O exame neurológico do membro superior direito (MSD) evidenciava uma paresia na mão e no cotovelo, porém o exame foi prejudicado por causa do rebaixamento do nível de consciência associado ao TCE. Ao exame vascular, a palpação dos pulsos distais e a perfusão periférica estavam normais. A radiografia do ombro direito evidenciava uma FTPU com acentuada medialização da metáfise (fig. 1). Foi proposto tratamento cirúrgico, porém, por causa do TCE e das comorbidades, a paciente não pôde ser operada na emergência.

Figura 1 -
Imagem de radiografia do ombro direito em incidência anteroposterior que evidencia fratura do terço proximal do úmero: observa-se desvio medial da metáfise umeral.

No terceiro dia de internação, observou-se uma diminuição da temperatura no MSD, perfusão distal diminuída e ausência de pulsos distais. Foi indicada a exploração cirúrgica de emergência com suspeita de uma trombose da artéria axilar. Não houve necessidade de uma arteriografia pré-operatória, pois o quadro clínico isquêmico era exuberante, esse exame complementar postergaria o ato cirúrgico e agregaria um maior dano ao membro.

Através da via deltopeitoral, foi feita uma artroplastia de ressecção da epífise umeral, por causa da gravidade da situação e das más condições clínicas da paciente. A equipe da cirurgia vascular fez a dissecção da artéria axilar e encontrou-a íntegra, porém com pulso presente na região proximal ao foco de fratura e ausente na região distal. Foi feita uma tromboendarterectomia (fig. 2) com uso de cateter de Fogarty(r) para total desobstrução da luz arterial. Uma arteriografia intraoperatória (fig. 3) mostrou outra obstrução no nível do cotovelo, que também foi abordada para reperfusão do membro.

Figura 2 -
Imagem intraoperatória que mostra a dissecção da artéria axilar e arteriotomia: observa-se saída do trombo na artéria axilar pela abertura (seta branca).

Figura 3 -
Imagem da arteriografia do membro superior direito que mostrando obstrução arterial ao nível do cotovelo (seta branca).

Na exploração do plexo braquial observamos apenas sinais de contusão dos nervos medianos, ulnar e musculocutâneo.

A paciente faleceu no pós-operatório, 10 horas após ser levada para unidade de terapia intensiva, aonde chegou entubada e com instabilidade hemodinâmica. Evoluiu com bradicardia, seguida por assistolia, que não pôde ser revertida. A causa mortis foi identificada como tromboembolismo pulmonar.

Discussão

As lesões traumáticas da artéria axilar, como complicação da FTPU, são raras. Yagubtan e Panneton33. Yagubyan M, Panneton JM. Axillary artery injury from humeral neck fracture: a rare but disabling traumatic event. Vasc Endovasc Surg. 2004;38(2):175-84. encontraram descritos na literatura de língua inglesa apenas 24 casos de lesão da artéria axilar após uma FTPU; déficit neurológico foi observado em 46% dos pacientes e 54% tinham lesão da camada íntima da artéria, o que levou secundariamente à trombose. O reparo vascular foi feito em todos os casos, com índice de salvamento do membro superior de 89%.

O plexo braquial encontra-se em estreita relação com a artéria axilar, dentro de uma bainha fascial comum. Portanto, qualquer dano à artéria que cause um leve edema pode levar à compressão nervosa.44. Stenning M, Drew S, Birch R. Low-energy arterial injury at the shoulder with progressive or delayed nerve palsy. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(8):1102-6. Sukei et al.55. Suikei M, Vashista G, Shaath N. Axillary artery compromise in a minimally displaced proximal humerus fracture: a case report. Cases J. 2009;2:9308. ressaltam que a parestesia é, provavelmente, o sintoma mais confiável da inadequada circulação periférica. Dessa forma, devemos suspeitar de lesão vascular quando houver déficit neurológico associado à fratura.

Segundo Mathei et al.,66. Matheï J, Depuydt P, Parmentier L, Olivier F, Harake R, Janssen A. Injury of the axillary artery after a proximal humeral fracture: a case report and overview of the literature. Acta Chir Belg. 2008;108(5):625-7. suspeitar de trauma arterial é o primeiro e mais importante passo para o diagnóstico. Quando estiverem presentes sinais clínicos de isquemia do membro, o diagnóstico torna-se fácil, porém, em alguns casos, os sinais de isquemia podem não estar evidentes logo após o trauma e aparecer tardiamente, com consequências graves para o membro.

Lesões vasculares associadas às fraturas da região proximal de úmero são mais comuns nos pacientes idosos. A patogênese dessa lesão se daria pela combinação da osteoporose com aterosclerose.55. Suikei M, Vashista G, Shaath N. Axillary artery compromise in a minimally displaced proximal humerus fracture: a case report. Cases J. 2009;2:9308.

Os mecanismos de lesão incluem: trauma direto por espícula óssea ou estiramento excessivo da artéria com o braço em hiperabdução com avulsão ou ruptura da origem de um dos ramos. Lesões agudas vão desde laceração da artéria a apenas danos à camada íntima, que leva à oclusão da luz do vaso. Lesões tardias incluem pseudoaneurisma, fístula arteriovenosa ou trombose.77. Modi CS, Nnene CO, Godsiff SP, Esler CNA. Axillary artery injury secondary to displaced proximal humeral fractures: a report of two cases. J Orthop Surg. 2008;16(2):243-6. and 88. Jensen BV, Jacobsen J, Andreasen H. Late appearance of arterial injury caused by fracture of the neck of the humerus. J Trauma. 1987;27(12):1368-9. Dessa forma, o estado clínico vascular deve ser avaliado regularmente nos dias seguintes ao trauma.99. Gallucci G, Ranalletta M, Gallucci J, Carli PD, Maignon G. Late onset of axillary artery thrombosis after a nondisplaced humeral neck fracture: a case report. J Shoulder Elbow Surg. 2007;16(2):e7-8.

No caso exposto, o provável mecanismo de lesão foi a contusão da artéria decorrente do contato direto da espícula óssea, que levou à lesão da camada íntima e evoluiu com manifestação clínica tardia de obstrução total do vaso.

O quadro clínico da lesão da artéria axilar é muitas vezes complexo e variável. O exame físico é um ótimo preditor para detecção da lesão arterial com sensibilidade de 96%.33. Yagubyan M, Panneton JM. Axillary artery injury from humeral neck fracture: a rare but disabling traumatic event. Vasc Endovasc Surg. 2004;38(2):175-84. Em alguns casos, estão presentes sinais maiores, como hemorragia ativa, ausência de pulso radial, pressão da artéria braquial alterada e hematoma pulsátil.66. Matheï J, Depuydt P, Parmentier L, Olivier F, Harake R, Janssen A. Injury of the axillary artery after a proximal humeral fracture: a case report and overview of the literature. Acta Chir Belg. 2008;108(5):625-7. and 1010. Smyth EHJ. Major arterial injury in closed fracture of the neck of the humerus. J Bone Joint Surg Br. 1969;51(3):508-10. Em outros casos, podem estar presentes apenas sinais de risco, como alterações do pulso distal ou dor após a redução e estabilização da fratura, fraqueza muscular, dormência, paralisia, rigidez e palidez ou extremidade mais fria do que a do membro oposto.44. Stenning M, Drew S, Birch R. Low-energy arterial injury at the shoulder with progressive or delayed nerve palsy. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(8):1102-6. No nosso caso, o exame físico ficou um pouco prejudicado por causa do rebaixamento do nível de consciência pelo TCE associado.

Modi et al.77. Modi CS, Nnene CO, Godsiff SP, Esler CNA. Axillary artery injury secondary to displaced proximal humeral fractures: a report of two cases. J Orthop Surg. 2008;16(2):243-6. recomendam que todos os pacientes com FTPU com importante deslocamento medial da diáfise ou espícula óssea medial sejam rotineiramente submetidos à ultrassonografia com Doppler para descartar lesões vasculares. Na nossa opinião, uma vez que esse exame pode ser inconclusivo na fase aguda, por não descartar lesão da camada íntima do vaso, não concordamos com a indicação de fazê-lo em todos os pacientes com fraturas desviadas e sem sinais clínicos.

Este artigo chama atenção para a associação da lesão traumática da artéria axilar à FTPU, que, apesar de incomum, quando presente pode levar a uma complicação desastrosa. Em alguns casos, como o nosso, os sinais só aparecem tardiamente. É importante lembrar essa associação, a fim de diagnosticá-la precocemente e evitar complicações mais graves.

References

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  • Trabalho desenvolvido no Grupo de Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de CienciasMedicas da Santa Casa de Sao Paulo, Pavilhao Fernandinho Simonsen, Sao Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2013
  • Aceito
    06 Fev 2014
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