Acessibilidade / Reportar erro

Necrose avascular pós-cirurgia de Dunn modificada no tratamento do escorregamento da epífise proximal do fêmur*

Resumo

Objetivo

Analisar a incidência da necrose avascular da epífise no tratamento do escorregamento da epífise proximal do fêmur pela técnica de Dunn modificada, correlacionando-a com outras variáveis. Como objetivo secundário, descrevemos outras complicações encontradas.

Métodos

Estudo retrospectivo com 20 pacientes tratados entre 2009 e 2019, com seguimento de 2 a 12 anos, tratados pela mesma equipe cirúrgica. A análise incluiu características gerais, tempo entre apresentação e procedimento cirúrgico, classificação, presença de perfusão sanguínea intraoperatória da epífise, avaliação das complicações e seus respectivos tratamentos.

Resultados

Todos os casos eram graves, 65% crônicos agudizados e 55% dos escorregamentos eram instáveis. Nossa taxa de complicações foi de 45%, sendo 5 casos de necrose avascular, 2 de infecção profunda, uma falha do material e uma instabilidade articular. Pacientes operados com maior tempo após a internação e os sem perfusão intraoperatória da epífise tiveram maior risco de necrose na análise estatística. Considerando o tempo do estudo, tivemos 4 casos de necrose nos primeiros 5 anos e 1 caso nos últimos 5 anos.

Conclusão

Nosso estudo demonstrou que a necrose foi a complicação mais comum e que o atraso para a realização da cirurgia e a ausência de perfusão da epífise no intraoperatório podem predispor à necrose avascular. Embora não estatisticamente significante, a instabilidade coxofemoral foi observada na forma de apresentação crônica e a fixação cirúrgica com fios rosqueados se mostrou menos eficaz que a fixação com parafuso canulado.

Este procedimento deve ser reservado para casos graves nos quais outras técnicas não sejam possíveis e realizado por equipe experiente, treinada e capacitada.

Palavras-chave
escorregamento das epífises proximais do fêmur/complicações; necrose da cabeça do fêmur; osteotomia

Abstract

Objective

The present study analyzed the incidence of epiphyseal avascular necrosis in patients with slipped capital femoral epiphysis (SCFE) treated using a modified Dunn technique. In addition, this study determined the correlation of other variables with this incidence and described treatment complications.

Methods

This is a retrospective study with 20 patients treated by the same surgical team from 2009 to 2019 and followed up for 2 to 12 years. The analysis included general features, time from presentation to surgical procedure, classification, and intraoperative blood perfusion of the epiphysis, as well as complications and their treatment.

Results

All cases were severe; 65% were acute on chronic, and 55% of the SCFEs were unstable. Our complication rate was 45%, with 5 cases of avascular necrosis, 2 cases of deep infection, 1 case of material failure, and 1 case of joint instability. The statistical analysis revealed that the risk of necrosis was higher when the surgery occurred after a long hospitalization time and there was no intraoperative epiphyseal perfusion. Four necrosis cases happened within the first 5 years, and 1 case in the last 5 years of the study.

Conclusion

Our study showed that necrosis was the most common complication. It also revealed that surgery delay and lack of intraoperative epiphysis perfusion potentially predispose to avascular necrosis. Although with no statistical significance, coxofemoral instability occurred in chronic SCFE, and surgical fixation with threaded wires was less effective than fixation with a cannulated screw.

The modified Dunn procedure should be reserved for severe cases in which other techniques are not feasible and performed by an experienced, trained, and qualified team.

Keywords
slipped capital femoral epiphyses/complications; femur head necrosis; osteotomy

Introdução

O escorregamento da epífise proximal do fêmur (EEPF) é uma doença relativamente comum que acomete o quadril dos adolescentes,11 Lehmann CL, Arons RR, Loder RT, Vitale MG. The epidemiology of slipped capital femoral epiphysis: an update. J Pediatr Orthop 2006;26(03):286-290 apresentando uma incidência de 11/100.000 habitantes.22 Aronsson DD, Loder RT, Breur GJ, Weinstein SL. Slipped capital femoral epiphysis: current concepts. J Am Acad Orthop Surg 2006;14(12):666-679 Seu tratamento permanece controverso, variando desde a tradicional fixação in situ para os casos leves a moderados e, para casos graves, as osteotomias, que podem ser realizadas na região intertrocantérica, na base do colo ou na região subcapital. A necrose avascular (NAV) da epífise, advinda principalmente das osteotomias intracapsulares, é a principal e mais temida complicação destes procedimentos. Alguns outros métodos foram descritos mais recentemente para os escorregamentos graves, tais como a técnica proposta por Parsch et al.,33 Parsch K, Weller S, Parsch D. Open reduction and smooth Kirschner wire fixation for unstable slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2009;29(01):1-8 que consiste na redução gentil cruenta monitorada pela palpação com a ponta do dedo indicador através de um pequeno acesso ântero-lateral (Watson Jones) com a drenagem do hematoma articular e a osteotomia subcapital para o realinhamento da epífise femoral através da luxação controlada do quadril (Dunn modificado).44 Slongo T, Kakaty D, Krause F, Ziebarth K. Treatment of slipped capital femoral epiphysis with a modified Dunn procedure. J Bone Joint Surg Am 2010;92(18):2898-2908,55 Soni JF, Valenza WR, Uliana CS. Surgical treatment of femoroacetabular impingement after slipped capital femoral epiphysis. Curr Opin Pediatr 2018;30(01):93-99

A fixação in situ tem como objetivo estabilizar a epífise femoral proximal provocando fechamento fisário e com isto impedir a progressão da doença. Por outro lado, os procedimentos que visam a redução incruenta ou cruenta da epífise proporcionam a correção pelo alinhamento da deformidade e podem minimizar a progressão do quadril para a artrose coxofemoral.

O procedimento cirúrgico de Dunn modificado, descrito em Berna em 1998,66 Leunig M, SlongoT, Kleinschmidt M, Ganz R. Subcapital correction osteotomy in slipped capital femoral epiphysis by means of surgical hip dislocation. Oper Orthop Traumatol 2007;19(04): 389-410,77 Tannast M, Jost LM, Lerch TD, Schmaranzer F, Ziebarth K, Siebenrock KA. The modified Dunn procedure for slipped capital femoral epiphysis: the Bernese experience. J Child Orthop 2017;11(02):138-146 tem como principal benefício a restauração da anatomia do fêmur proximal através de uma abordagem cirúrgica com a luxação, dita controlada, do quadril, ressecando na maioria das vezes o ligamento redondo. Nesta abordagem, cria-se um flap do retináculo do colo, com o intuito de preservar a vascularização da epífise femoral para que a osteotomia corretiva do colo femoral seja realizada com segurança.

Esta cirurgia proporciona uma excelente correção do deslizamento; contudo, é um procedimento complexo, necessitando, portanto, de maior experiência e treinamento adequado, sendo que complicações podem ser esperadas.88 Masquijo JJ, Allende V, D’Elia M, Miranda G, Fernández CA. Treatment of Slipped Capital Femoral Epiphysis With the Modified Dunn Procedure: AMulticenter Study. J Pediatr Orthop 2019; 39(02):71-75

Dentre as complicações descritas mais frequentemente estão:a NAV da epífise femoral, instabilidade do quadril, infecção, falha (quebra) do material de osteossíntese e a pseudartrose do trocânter maior.99 Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MB, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2014;34(07):661-667,1010 Upasani VV, Birke O, Klingele KE, Millis MBInternational SCFE Study Group. Iatrogenic Hip Instability Is a Devastating Complication After the Modified Dunn Procedure for Severe Slipped Capital Femoral Epiphysis. Clin Orthop Relat Res 2017;475(04):1229-1235

O objetivo primário do nosso estudo foi analisar a incidência da NAV no tratamento da EEPF pela técnica de Dunn modificada, correlacionando esta complicação com outras variáveis. Como objetivo secundário descrevemos outras complicações encontradas em nossa amostra.

Materiais e Métodos

Esse estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa sob o número CAAE:44899021.6.0000.5225.

Trata-se de um estudo retrospectivo realizado entre 2009 e 2019 em um hospital terciário, no qual foram revisados os prontuários de pacientes submetidos ao tratamento do EPPF pela técnica de Dunn modificada.

Os critérios de exclusão aplicados foram: pacientes com prontuário incompleto e aqueles com seguimento inferior a 2 anos.

Os dados epidemiológicos avaliados foram: o sexo, a idade no momento da doença e o lado acometido. O deslizamento foi classificado de acordo com a gravidade (leve, moderado ou grave) como proposto por Southwick,1111 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am 1967;49(05):807-835 de acordo com o tempo de apresentação (crônica, crônica agudizada e aguda) segundo Fahey e O'Brien1212 Fahey JJ, O’Brien ET. Acute slipped capital femoral epiphysis: review of the literature and report of ten cases. J Bone Joint Surg Am 1965;47:1105-1127 e ainda pela estabilidade como proposto por Loder et al.,1313 Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am 1993;75(08):1134-1140 divididas em estável ou instável. Foi avaliado também o tempo entre o diagnóstico (admissão) no serviço, a realização do procedimento cirúrgico, bem como a perfusão intraoperatória da epífise femoral, esta realizada através da perfuração na epífise femoral com um fio de Kirschner de 1,5 mm.

Os pacientes que evoluíram para NAV foram comparados com aqueles sem necrose para tentar identificar os fatores que influenciaram sua ocorrência. Os dados usados para tal foram a idade da apresentação, separando em pacientes menores e maiores de 12 anos, sexo, lateralidade, tempo até a cirurgia (divididos em menos ou mais de 2 dias), característica da doença pelas classificações já citadas e a presença ou não de perfusão intraoperatória.

Outras complicações avaliadas foram: infecção superficial e profunda, falha do material de síntese, instabilidade (luxação do quadril) e pseudartrose do trocânter maior. Descrevemos também quais procedimentos posteriores foram realizados para tratar tais complicações.

Os resultados obtidos no estudo foram descritos por médias, desvios padrões, medianas, variáveis quantitativas ou variáveis categóricas. Para a comparação dos grupos definidos pela presença de necrose (sim ou não), em relação à idade, foi usado o teste t de Student para amostras independentes. Esta análise para tempo entre diagnóstico e a cirurgia foi feita usando-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Para a avaliação da associação entre variáveis categóricas e a probabilidade de ocorrência de necrose foi usado o teste exato de Fisher. Valores de p< 0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional Stata/SE v.14.1. (StataCorp LLC, College Station, TX, USA).

Resultados

Nossa amostra constituiu-se de 20 pacientes com EEPF grave tratados pela mesma equipe cirúrgica com o procedimento de Dunn modificado no período de 2009 a 2019. Todos os pacientes tiveram acompanhamento pós-operatório variando de 2 a 12 anos. Tivemos 11 pacientes do sexo masculino, com uma idade média de 12,45 anos (8–14 anos). Doze procedimentos foram realizados no lado esquerdo, sendo que em 12 pacientes foi realizada a fixação in situ do lado contralateral, por apresentação bilateral ou por fixação profilática, mas em nenhum paciente tivemos o procedimento proposto realizado bilateralmente. Os pacientes foram operados com uma média de 3 dias de apresentação da doença (1–12 dias) (Tabela 1 e Figuras 1, 2, 3 e 4).

Tabela 1
Pacientes do estudo

Fig. 1
Radiografia em anteroposterior de um paciente com escorregamento da epífise proximal do fêmur crônica agudizada instável.

Fig. 2
Radiografia em anteroposterior do pós-operatório imediato de escorregamento da epífise proximal do fêmur crônica agudizada instável, tratada pela técnica de Dunn modificada.

Fig. 3
Radiografia em anteroposterior do paciente com 8 anos de pós-operatório de escorregamento da epífise proximal do fêmur crônica agudizada instável no lado esquerdo, tratada pela técnica de Dunn modificada e fixação in situ do lado contralateral.

Fig. 4
Radiografia em lauestein do paciente com 8 anos de pós-operatório de escorregamento da epífise proximal do fêmur crônica agudizada instável no lado esquerdo, tratada pela técnica de Dunn modificada e fixação in situ do lado contralateral.

Pela classificação temporal de Fahey O'Brien, a maior parte dos casos—65% (13/20)— era do tipo crônica agudizada, seguido das agudas—25% (5/20), e 10% crônicas (2/20). Segundo a classificação proposta por Loder, 55% foram considerados instáveis (11/20), e o restante, 45, instáveis (9/20). Todos os casos eram de EEPF grave pela classificação de Southwick.

Encontramos 45% (9/20) de complicações, sendo 5 (25%) casos de necrose avascular, 2 (10%) casos de infecção profunda, 1 (5%) caso de luxação da articulação do quadril e 1 (5%) caso de falha do material de síntese (Tabela 2).

Tabela 2
Frequência de complicações

Na avaliação dos fatores relacionados à ocorrência da necrose avascular, não houve diferença relacionada à idade, ao sexo e ao lado acometido. Também não houve diferença significativa relacionada ao tempo de apresentação e à estabilidade do deslizamento. Estatisticamente, os pacientes operados até o segundo dia de internação (p< 0,008) e aqueles com perfusão intraoperatória (p< 0,032) da epífise apresentaram menor risco de evolução para necrose. No que se refere ao tempo de apresentação, pela classificação de Fahey O'Brien, nenhum apresentou risco estatisticamente significativo de evolução para necrose, tendo sido comparadas as apresentações estáveis (crônicas) com as instáveis (crônica agudizada e aguda) e as duas apresentações instáveis entre si.

Os procedimentos posteriores para os cinco casos de NAV foram: duas osteotomias de suporte pélvico, uma retirada de material de síntese e observação clínica, uma retirada de material com osteocondroplastia do colo e uma osteotomia valgizante associada à osteocondroplastia (Tabela 3 e Figuras 5, 6 e 7).

Tabela 3
Fatores relacionados a necrose

Fig. 5
Radiografia no pré operatório de escorregamento da epífise proximal do fêmur aguda instável a esquerda.

Fig. 6
Radiografia no pós-operatório imediato de escorregamento da epífise proximal do fêmur aguda instável a esquerda, tratada pela técnica de Dunn modificada e fixação profilática a direita.

Fig. 7
Radiografia em anteroposterior do paciente com 8 anos de pós-operatório de retirada do material de síntese e osteocondroplastia pela técnica da luxação controlada do quadril para tratar necrose avascular pós cirurgia de Dunn modificada.

Considerando o tempo do estudo 2009 a 2019, 4 das 5 necroses ocorreram nos primeiros 5 anos do uso da técnica, sendo estes também os primeiros 10 pacientes operados, e apenas 1 necrose nos 5 anos mais recentes compreendendo os últimos 10 pacientes operados (Tabela 4).

Tabela 4
Casos com evolução para a necrose avascular da cabeça femoral

Discussão

O tratamento do EEPF permanece um desafio para os cirurgiões ortopédicos. A cirurgia de Dunn modificada ganhou popularidade como uma forma de tratamento nos casos moderados e graves. Este procedimento proporciona a correção da deformidade no local onde ela ocorre, prevenindo futura degeneração articular do quadril. Sabe-se, entretanto, que o procedimento é tecnicamente complexo requerendo uma curva de aprendizado longa por parte do cirurgião e equipe, sendo que complicações são relativamente comuns.

Dunn, em 1964,1414 Dunn DM. The treatment of adolescent slipping of the upper femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br 1964;46:621-629 descreveu a técnica de osteotomia subcapital realizada por uma abordagem cirúrgica posterior e apresentou uma taxa de apenas 4% de NAV. Em estudos posteriores, essa taxa não foi reprodutível, com relatos chegando a 54% de NAV,1515 Hall JE. The results of treatment of slipped femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br 1957;39-B(04):659-673,1616 Hiertonn T.Wedge osteotomy in advanced femoral epiphysiolysis. Acta Orthop Scand 1955;25(01):44-62 sendo que esses casos foram relacionados ao estiramento dos vasos retinaculares posteriores.77 Tannast M, Jost LM, Lerch TD, Schmaranzer F, Ziebarth K, Siebenrock KA. The modified Dunn procedure for slipped capital femoral epiphysis: the Bernese experience. J Child Orthop 2017;11(02):138-146

A partir dos estudos de Gautier et al.1717 Gautier E, Ganz K, Krügel N, Gill T, Ganz R. Anatomy of the medial femoral circumflex artery and its surgical implications. J Bone Joint Surg Br 2000;82(05):679-683 sobre vascularização do fêmur proximal e da descrição de Ganz et al.1818 Ganz R, Gill TJ, Gautier E, Ganz K, Krügel N, Berlemann U. Surgical dislocation of the adult hip a technique with full access to the femoral head and acetabulum without the risk of avascular necrosis. J Bone Joint Surg Br 2001;83(08):1119-1124 da luxação cirúrgica controlada do quadril, o grupo de Berna apresentou os resultados do procedimento de Dunn, dito modificado, pois realizava esta via de abordagem para a realização da osteotomia subcapital com uma taxa surpreendente de 0% de NAV.66 Leunig M, SlongoT, Kleinschmidt M, Ganz R. Subcapital correction osteotomy in slipped capital femoral epiphysis by means of surgical hip dislocation. Oper Orthop Traumatol 2007;19(04): 389-410,1919 Leunig M, Slongo T, Ganz R. Subcapital realignment in slipped capital femoral epiphysis: surgical hip dislocation and trimming of the stable trochanter to protect the perfusion of the epiphysis. Instr Course Lect 2008;57:499-507 Mais tarde, Lerch et al.,2020 Lerch TD, Vuilleumier S, Schmaranzer F, et al. Patients with severe slipped capital femoral epiphysis treated by the modified Dunn procedure have low rates of avascular necrosis, good outcomes, and little osteoarthritis at long-termfollow-up. Bone Joint J 2019; 101-B(04):403-414 do mesmo grupo de Berna, em 2019 analisaram os resultados a longo prazo de 40 casos de EEPF graves submetidos ao procedimento de Dunn modificado, com 2% de incidência de osteoartrose, 5% de NAV e 7% de falha de material.

A incidência de NAV descrita na literatura nos pacientes com EEFP crônica, quando não se realiza a redução do escorregamento, é próxima de 0%. Nos pacientes com escorregamentos agudos instáveis, essa incidência varia de 10 a 60%, independente do tratamento realizado.2121 Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Joint Surg Am 2013;95(07):585-591,2222 Zaltz I, Baca G, Clohisy JC. Unstable SCFE: review of treatment modalities and prevalence of osteonecrosis. Clin Orthop Relat Res 2013;471(07):2192-2198 No estudo inicial de Zierbath et al.,2323 Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim YJ. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res 2009;467(03):704-716 realizado em duas instituições e referente aos resultados da técnica de Dunn modificada, não foi encontrada necrose avascular, porém outras séries demonstraram variação dessa incidência de 5 a 47%.88 Masquijo JJ, Allende V, D’Elia M, Miranda G, Fernández CA. Treatment of Slipped Capital Femoral Epiphysis With the Modified Dunn Procedure: AMulticenter Study. J Pediatr Orthop 2019; 39(02):71-75,99 Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MB, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2014;34(07):661-667,2121 Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Joint Surg Am 2013;95(07):585-591,2222 Zaltz I, Baca G, Clohisy JC. Unstable SCFE: review of treatment modalities and prevalence of osteonecrosis. Clin Orthop Relat Res 2013;471(07):2192-2198,2424 Huber H, Dora C, Ramseier LE, Buck F, Dierauer S. Adolescent slipped capital femoral epiphysis treated by a modified Dunn osteotomy with surgical hip dislocation. J Bone Joint Surg Br 2011; 93(06):833-838

Em nossa amostra, foi observada uma incidência de NAV após procedimento de Dunn modificado de 25%, sendo este resultado condizente com a literatura publicada. Quando analisamos nossos casos de NAV da epífise, um paciente foi classificado inicialmente como crônico estável, um crônico agudizado estável, um crônico agudizado instável e dois agudos instáveis. Contudo, devido ao número baixo da amostra, não foi possível estabelecer uma correlação estatisticamente significativa entre tempo de apresentação, estabilidade (Loder) e NAV.

Dos 5 casos que evoluíram para NAV, 3 foram operados com 3 dias de internação e os outros com 10 e 13 dias, fato esse que se mostrou relevante estatisticamente na evolução para necrose, não sendo observada a mesma incidência nos pacientes operados no primeiro dia. Isto, atualmente, orienta a nossa conduta de realizar, se possível, o procedimento nas primeiras 24 horas. Esse dado é compatível com os trabalhos de Persinger et al.2525 Persinger F, Davis RL II, Samora WP, Klingele KE. Treatment of Unstable Slipped Capital Epiphysis Via the Modified Dunn Procedure. J Pediatr Orthop 2018;38(01):3-8 e de Herrera-Soto et al.2626 Herrera-Soto JA, Duffy MF, Birnbaum MA, Vander Have KL. Increased intracapsular pressures after unstable slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2008;28(07):723-728

Outro dado que se mostrou estatisticamente significante foi a perfusão intraoperatória da epífise femoral. Dos cinco pacientes com NAV, três não apresentavam perfusão quando testados. Esta correlação não foi observada na série de Upasani et al;99 Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MB, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2014;34(07):661-667 entretanto, Novais et al.2727 Novais EN, Sink EL, Kestel LA, Carry PM, Abdo JCM, Heare TC. Is Assessment of Femoral Head Perfusion During Modified Dunn for Unstable Slipped Capital Femoral Epiphysis an Accurate Indicator of Osteonecrosis? Clin Orthop Relat Res 2016;474(08):1837-1844 e Aprato et al.2828 Aprato A, Bonani A, Giachino M, Favuto M, Atzori F, Masse A. Can we predict femoral head vitality during surgical hip dislocation? J Hip Preserv Surg 2014;1(02):77-81 confirmaram a correlação.

Masquijo et al.88 Masquijo JJ, Allende V, D’Elia M, Miranda G, Fernández CA. Treatment of Slipped Capital Femoral Epiphysis With the Modified Dunn Procedure: AMulticenter Study. J Pediatr Orthop 2019; 39(02):71-75 e Upasani et al.,99 Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MB, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2014;34(07):661-667 correlacionaram as complicações com a curva de aprendizado e a experiência do cirurgião. Em nossa série, tivemos 4 NAV nos primeiros 10 casos, operados nos primeiros 5 anos, e um paciente com NAV nos pacientes operados nos últimos 5 anos, dados estes que corroboram com estes trabalhos citados previamente.

Dois pacientes de nossa amostra evoluíram com infecção do sítio cirúrgico, ambos foram tratados com desbridamento cirúrgico e antibioticoterapia e apresentaram resolução adequada do quadro. Em nenhum deles foi observada NAV associada. Elmarhany et al.2929 Elmarghany M, Abd El-Ghaffar TM, Seddik M, et al. Surgical hip dislocation in treatment of slipped capital femoral epiphysis. SICOT J 2017;3:10 tiveram 3% de infecção profunda que também não alterou o resultado final do procedimento.

Tivemos um paciente (5%) com falha do material de síntese (fios rosqueados entortaram), tendo sido realizada a troca dos fios rosqueados por dois parafusos canulados com boa evolução. Desde esta falha, nossa preferência é a fixação da epífise com 2 parafusos canulados de 7.0 mm. Na literatura, encontramos taxa de 7% desta complicação no artigo de Zierbath et al.3030 Ziebarth K, Steppacher SD, Siebenrock KA. Die modifizierte Dunn- Operation zur Behandlung der schweren Epiphyseolysis capitis femoris. Orthopade 2019;48(08):668-676 (3 casos em 40 acompanhados), ou até mais significativas, como a descrita por Sankar et al.,2121 Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Joint Surg Am 2013;95(07):585-591 de 15%.

Em uma revisão multicêntrica, Upasani e o grupo internacional de estudo da EEFP1010 Upasani VV, Birke O, Klingele KE, Millis MBInternational SCFE Study Group. Iatrogenic Hip Instability Is a Devastating Complication After the Modified Dunn Procedure for Severe Slipped Capital Femoral Epiphysis. Clin Orthop Relat Res 2017;475(04):1229-1235 descreveram uma taxa de 4% de instabilidade coxofemoral após procedimento de Dunn modificado; todos os casos eram de EEPF grave, crônica ou crônica agudizada. Destes casos de instabilidade, 47% necessitaram de nova cirurgia e 82% evoluíram com NAV, resultado semelhante ao estudo de Upasani et al.99 Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MB, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2014;34(07):661-667 em 2014, com 5% de instabilidade. Em nossa série, tivemos um paciente (5%) com luxação da articulação coxofemoral no pós-operatório imediato da EEFP (crônica grave), sendo este tratado com redução e imobilização com aparelho gessado pélvico-podálico, com resolução da instabilidade e sem NAV. A partir desta intercorrência, nos escorregamentos crônicos graves, quando o acetábulo está adaptado à deformidade da epífise femoral, preferimos a osteotomia flexora intertrocantérica associada à osteocondroplastia através da luxação cirúrgica controlada do quadril.

O procedimento de Dunn modificado é um procedimento complexo; entretanto, sua grande vantagem é restaurar a anatomia do quadril, proporcionando a preservação da função e prevenindo também o aparecimento da osteoartrose. Por outro lado, sua curva de aprendizado é longa e requer treinamento adequado para minimizar a ocorrência de complicações.

Atualmente, em nosso serviço, indicamos esse procedimento apenas para casos graves, crônico agudizados e para os instáveis, quando a técnica de Parsch et al.33 Parsch K, Weller S, Parsch D. Open reduction and smooth Kirschner wire fixation for unstable slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2009;29(01):1-8 não é mais aplicável, ou seja, casos acima de 48 horas de ocorrência do deslizamento.

Como limitações do nosso estudo, ressaltamos que este procedimento é utilizado em situações específicas de EEPF grave, necessitando de treinamento e experiência da equipe cirúrgica. Isto pode, em parte, explicar nossa amostra relativamente pequena de 20 casos em um período de 10 anos. Por outro lado, estudos randomizados duplo cegos comparados com outras opções cirúrgicas são necessários para melhor aferir a incidência de complicações correlacionando com fatores predisponentes.

Conclusão

Nosso estudo demonstrou que, no procedimento de Dunn modificado, a necrose foi a complicação mais comum, apresentando uma íntima relação com o atraso na realização da cirurgia e a presença da perfusão da epífise no intraoperatório, sendo que estes fatores podem predispor o aparecimento da NAV. Embora sem desfechos estatisticamente significantes, a instabilidade coxofemoral foi observada na forma de apresentação crônica e a fixação cirúrgica da epífise com fios rosqueados se mostrou menos eficaz do que a fixação com parafuso canulado.

Este procedimento deve ser reservado para casos graves, nos quais outras técnicas não sejam possíveis, e realizado por equipe experiente, treinada e capacitada.

References

  • 1
    Lehmann CL, Arons RR, Loder RT, Vitale MG. The epidemiology of slipped capital femoral epiphysis: an update. J Pediatr Orthop 2006;26(03):286-290
  • 2
    Aronsson DD, Loder RT, Breur GJ, Weinstein SL. Slipped capital femoral epiphysis: current concepts. J Am Acad Orthop Surg 2006;14(12):666-679
  • 3
    Parsch K, Weller S, Parsch D. Open reduction and smooth Kirschner wire fixation for unstable slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2009;29(01):1-8
  • 4
    Slongo T, Kakaty D, Krause F, Ziebarth K. Treatment of slipped capital femoral epiphysis with a modified Dunn procedure. J Bone Joint Surg Am 2010;92(18):2898-2908
  • 5
    Soni JF, Valenza WR, Uliana CS. Surgical treatment of femoroacetabular impingement after slipped capital femoral epiphysis. Curr Opin Pediatr 2018;30(01):93-99
  • 6
    Leunig M, SlongoT, Kleinschmidt M, Ganz R. Subcapital correction osteotomy in slipped capital femoral epiphysis by means of surgical hip dislocation. Oper Orthop Traumatol 2007;19(04): 389-410
  • 7
    Tannast M, Jost LM, Lerch TD, Schmaranzer F, Ziebarth K, Siebenrock KA. The modified Dunn procedure for slipped capital femoral epiphysis: the Bernese experience. J Child Orthop 2017;11(02):138-146
  • 8
    Masquijo JJ, Allende V, D’Elia M, Miranda G, Fernández CA. Treatment of Slipped Capital Femoral Epiphysis With the Modified Dunn Procedure: AMulticenter Study. J Pediatr Orthop 2019; 39(02):71-75
  • 9
    Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MB, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2014;34(07):661-667
  • 10
    Upasani VV, Birke O, Klingele KE, Millis MBInternational SCFE Study Group. Iatrogenic Hip Instability Is a Devastating Complication After the Modified Dunn Procedure for Severe Slipped Capital Femoral Epiphysis. Clin Orthop Relat Res 2017;475(04):1229-1235
  • 11
    Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am 1967;49(05):807-835
  • 12
    Fahey JJ, O’Brien ET. Acute slipped capital femoral epiphysis: review of the literature and report of ten cases. J Bone Joint Surg Am 1965;47:1105-1127
  • 13
    Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am 1993;75(08):1134-1140
  • 14
    Dunn DM. The treatment of adolescent slipping of the upper femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br 1964;46:621-629
  • 15
    Hall JE. The results of treatment of slipped femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br 1957;39-B(04):659-673
  • 16
    Hiertonn T.Wedge osteotomy in advanced femoral epiphysiolysis. Acta Orthop Scand 1955;25(01):44-62
  • 17
    Gautier E, Ganz K, Krügel N, Gill T, Ganz R. Anatomy of the medial femoral circumflex artery and its surgical implications. J Bone Joint Surg Br 2000;82(05):679-683
  • 18
    Ganz R, Gill TJ, Gautier E, Ganz K, Krügel N, Berlemann U. Surgical dislocation of the adult hip a technique with full access to the femoral head and acetabulum without the risk of avascular necrosis. J Bone Joint Surg Br 2001;83(08):1119-1124
  • 19
    Leunig M, Slongo T, Ganz R. Subcapital realignment in slipped capital femoral epiphysis: surgical hip dislocation and trimming of the stable trochanter to protect the perfusion of the epiphysis. Instr Course Lect 2008;57:499-507
  • 20
    Lerch TD, Vuilleumier S, Schmaranzer F, et al. Patients with severe slipped capital femoral epiphysis treated by the modified Dunn procedure have low rates of avascular necrosis, good outcomes, and little osteoarthritis at long-termfollow-up. Bone Joint J 2019; 101-B(04):403-414
  • 21
    Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicenter perspective. J Bone Joint Surg Am 2013;95(07):585-591
  • 22
    Zaltz I, Baca G, Clohisy JC. Unstable SCFE: review of treatment modalities and prevalence of osteonecrosis. Clin Orthop Relat Res 2013;471(07):2192-2198
  • 23
    Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim YJ. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res 2009;467(03):704-716
  • 24
    Huber H, Dora C, Ramseier LE, Buck F, Dierauer S. Adolescent slipped capital femoral epiphysis treated by a modified Dunn osteotomy with surgical hip dislocation. J Bone Joint Surg Br 2011; 93(06):833-838
  • 25
    Persinger F, Davis RL II, Samora WP, Klingele KE. Treatment of Unstable Slipped Capital Epiphysis Via the Modified Dunn Procedure. J Pediatr Orthop 2018;38(01):3-8
  • 26
    Herrera-Soto JA, Duffy MF, Birnbaum MA, Vander Have KL. Increased intracapsular pressures after unstable slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop 2008;28(07):723-728
  • 27
    Novais EN, Sink EL, Kestel LA, Carry PM, Abdo JCM, Heare TC. Is Assessment of Femoral Head Perfusion During Modified Dunn for Unstable Slipped Capital Femoral Epiphysis an Accurate Indicator of Osteonecrosis? Clin Orthop Relat Res 2016;474(08):1837-1844
  • 28
    Aprato A, Bonani A, Giachino M, Favuto M, Atzori F, Masse A. Can we predict femoral head vitality during surgical hip dislocation? J Hip Preserv Surg 2014;1(02):77-81
  • 29
    Elmarghany M, Abd El-Ghaffar TM, Seddik M, et al. Surgical hip dislocation in treatment of slipped capital femoral epiphysis. SICOT J 2017;3:10
  • 30
    Ziebarth K, Steppacher SD, Siebenrock KA. Die modifizierte Dunn- Operation zur Behandlung der schweren Epiphyseolysis capitis femoris. Orthopade 2019;48(08):668-676

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2021
  • Aceito
    20 Jan 2022
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br