Acessibilidade / Reportar erro

Epidemiologia das lesões e suas implicações em praticantes de jiu-jitsu: Uma revisão sistemática integrativa

Resumo

Objetivo

Investigar a epidemiologia dos tipos de lesões entre praticantes de jiu-jitsu e sua incidência em diferentes níveis de habilidade e experiência por meio da questão: "Quais as características e a prevalência das lesões musculoesqueléticas em praticantes de jiu-jitsu?"

Métodos

Desde o início do estudo, em agosto de 2020, foram pesquisados os bancos de dados MEDLINE, LILACS e SciELO. Foram incluídos estudos transversais, publicados entre 2018 e 2023, que investigaram a epidemiologia dos tipos de lesões ocorridas entre praticantes de jiu-jitsu e compararam sua incidência em diferentes níveis de habilidade e experiência. Para tanto, dois pesquisadores independentes realizaram a extração dos dados e avaliaram o risco de viés.

Resultados

Sete estudos foram incluídos. Os resultados comuns envolveram 2.847 praticantes de jiu-jitsu. Houve uma alta prevalência de lesão na articulação do joelho e nas áreas do tórax e das costelas. Considerando a diferença de nível de experiência entre os praticantes, pôde-se observar que a maioria dos indivíduos incluídos eram iniciantes. Entre as faixas etárias observadas, homens acima de 30 anos de idade foram os que mais apresentaram lesões musculoesqueléticas, principalmente durante os treinos.

Conclusão

Houve uma alta prevalência de lesões musculoesqueléticas entre os praticantes de jiu-jitsu. Os segmentos anatômicos mais acometidos foram a articulação do joelho, o tórax e a região das costelas, seguidos da articulação do ombro. Os fatores relacionados mudaram de acordo com algumas variáveis, sendo mais comuns durante o treinamento em indivíduos do sexo masculino com mais de 30 anos e iniciantes na modalidade.

Palavras-chave
artes marciais; esportes; medicina esportiva; transtornos traumáticos cumulativos

Abstract

Objective

To investigate the epidemiology of injury types among jiu-jitsu practitioners, as well as the incidence regarding different skill and experience levels, through the question: "What are the characteristics and prevalence of musculoskeletal injuries in Jiu-Jitsu practitioners?".

Methods

Since the beginning of the study, in August 2020, we conducted a search on the MEDLINE, LILACS, and SciELO electronic databases. We included cross-sectional studies published between 2018 and 2023 on the epidemiology of the types of injuries among jiu-jitsu practitioners that compared their incidence regarding different levels of ability and experience. Two independent researchers performed the data extraction and assessed the risk of bias.

Results

Seven studies were included. The common outcomes involved 2,847 jiu-jitsu practitioners. A high prevalence in the knee joint and chest and rib areas was reported. Considering the difference in experience level among the practitioners, we could observe that most of the individuals included were beginners. Among the age groups observed, male practitioners older than 30 years of age were the ones who presented the highest rate of musculoskeletal injury, especially during training sessions.

Conclusion

There is a high prevalence of musculoskeletal injuries among jiu-jitsu practitioners. The most affected anatomical segments are the knee joint, the chest, and the rib region, followed by the shoulder joint. The related factors change according to certain variables, being more common during training in male individuals over 30 years of age and beginners in the sport.

Keywords
cumulative trauma disorders; martial arts; sports; sports medicine

Introdução

As lutas em esportes de combate podem resultar em lesões de partes moles11 Reehal P. Facial injury in sport. Curr Sports Med Rep 2010;9(01): 27–34 e até mesmo traumatismos estruturais;22 Polmann H, Melo G, Conti Réus J, et al. Prevalence of dentofacial injuries among combat sports practitioners: A systematic review and meta-analysis. Dent Traumatol 2020;36(02):124–140essas lesões podem ser graves e requerer artroplastia de determinadas estruturas,33 Piccininni P, Clough A, Padilla R, Piccininni G. Dental and orofacial injuries. Clin Sports Med 2017;36(02):369–405 além de poder levar à interrupção da luta ou ao afastamento da prática esportiva.

O jiu-jitsu é um esporte de combate em que os atletas utilizam técnicas de "finalização" sobre o adversário; muitas vezes, o resultado de tais técnicas é um bloqueio articular, denominado "chave de submissão" pelos praticantes.44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53 A luta acontece com movimentos inesperados, rápidos, repetitivos e de alta sobrecarga para músculos e articulações. Associados ao treinamento de alto volume, esses fatores podem favorecer o aparecimento de lesões musculoesqueléticas e osteoarticulares.55 Scoggin JF III, Brusovanik G, Izuka BH, Zandee van Rilland E, Geling O, Tokumura S. Assessment of injuries during Brazilian jiu-jitsu competition. Orthop J Sports Med 2014;2(02):2325967114522184

Nessa arte marcial, o alto impacto físico e a exposição aos treinos diários corroboram os desfechos observados na literatura, com maior incidência de lesões durante os treinos do que durante as competições.66 Fortina M, Mangano S, Carta S, Carulli C. Analysis of injuries and risk factors in taekwondo during the 2014 Italian University Championship. Joints 2017;5(03):168–17299 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113

Alguns autores enfatizaram que a incidência de lesões é muito semelhante entre as artes marciais. Porém, há poucos estudos associados às lesões decorrentes especificamente da prática do jiu-jitsu.44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,55 Scoggin JF III, Brusovanik G, Izuka BH, Zandee van Rilland E, Geling O, Tokumura S. Assessment of injuries during Brazilian jiu-jitsu competition. Orthop J Sports Med 2014;2(02):2325967114522184,1010 Kreiswirth EM, Myer GD, Rauh MJ. Incidence of injury among male Brazilian jiujitsu fighters at the World Jiu-Jitsu No-Gi Championship 2009. J Athl Train 2014;49(01):89–94,1111 Stephenson C, Rossheim ME. Brazilian Jiu Jitsu, Judo, and Mixed Martial Arts Injuries Presenting to United States Emergency Departments, 2008-2015. J Prim Prev 2018;39(05):421–435 Como as lesões são caracterizadas de acordo com a gravidade, o tempo de tratamento, a natureza e as características intrínsecas,44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,1212 Nicolini AP, de Carvalho RT, Matsuda MM, Sayum JF, Cohen M. Common injuries in athletes’ knee: experience of a specialized center. Acta Ortop Bras 2014;22(03):127–131 o conhecimento da incidência e da prevalência das lesões ortopédicas, bem como de suas características, gera benefícios diretos para o tratamento, prevenção e promoção de estratégias para tais eventos. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar a epidemiologia dos tipos de lesões entre praticantes de jiujitsu, bem como a incidência em diferentes níveis de habilidade e experiência, por meio da questão: "Quais as características e a prevalência das lesões musculoesqueléticas entre praticantes de jiu-jitsu?". Esta revisão sistemática sintetiza e traz evidências para a comunidade científica e clínica sobre essas condições e possível apoio à saúde dos praticantes de jiu-jitsu.

Materiais e Métodos

Estratégia de Busca

Esta revisão sistemática foi conduzida de acordo com as diretrizes da declaração Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).1313 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DGPRISMA Group. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med 2009;6(07):e1000097,1414 Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ 2021;372(71):n71 O protocolo do estudo foi elaborado e registrado no banco de dados Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO) sob a identificação CRD42023422767. A busca foi realizada nas bases de dados eletrônicas MEDLINE (PubMed), LILACS e SciELO. A estratégia utilizada foi a combinação e adaptação dos descritores medical subject headings (MeSH), da National Library of Medicine: jiu-jitsu, Brazilian jiu-jitsu ("jiu-jitsu brasileiro")e injuries ("lesões")(Tabela 1). A busca foi realizada desde o início do estudo até maio de 2023. As listas de referências bibliográficas foram revisadas para identificar outros possíveis estudos.

Tabela 1
Estratégias de busca

A estratégia de População, Intervenção, Comparação, Desfechos e Estudos (Population, Intervention, Comparison, Outcomes, Studies, PICOS, em inglês) foi utilizada para formular a questão nesta revisão sistemática, em que P representa os praticantes de jiu-jitsu, I e C não são aplicáveis, O é a prevalência de lesões musculoesqueléticas e os tipos mais frequentes entre os praticantes, e S representa os estudos observacionais. Esta revisão sistemática não inclui intervenção ou comparação.

Seleção de Estudos

Os estudos identificados na busca foram inseridos em uma planilha do programa Excel (Microsoft Corp., Redmond, WA, Estados Unidos) para a exclusão de duplicatas. Dois pesquisadores independentes (HHPS e SPN) empregaram a estratégia de seleção baseada no conteúdo do título e do resumo. Posteriormente, os textos completos dos estudos foram recuperados para a avaliação de elegibilidade. Os critérios de inclusão foram estudos transversais que envolviam praticantes de jiu-jitsu e lesões musculoesqueléticas. Foram excluídos estudos publicados em idiomas que não inglês ou português e textos incompletos. Divergências entre os pesquisadores foram resolvidas por meio de discussões. Em caso de persistência de qualquer divergência, a avaliação de um terceiro pesquisador (CEG) foi solicitada.

Extração de Dados e Avaliação do Risco de Viés

Dois pesquisadores independentes (HHPS e SPN) realizaram a extração de dados e avaliaram o risco de viés. A coleta de dados foi feita em um formulário predefinido, que abrangia o primeiro autor, o ano de publicação, o nível dos praticantes, a idade, o sexo, o número de atletas, a frequência de treinamento, a região anatômica da lesão musculoesquelética e o momento da lesão. O risco de viés em estudos observacionais de exposição foi avaliado por meio da ferramenta Risk of Bias In Non-Randomized Studies – of Exposure (ROBINS-E), da Cochrane Collaboration,1515 ROBINS-E Development Group Higgins J, Morgan R, et al. Risk of Bias in Non-randomized Studies - of Exposure (ROBINS-E). Available from: https://www.riskofbias.info/welcome/robinse-tool. Published online 2022
https://www.riskofbias.info/welcome/robi...
que abrange sete domínios metodológicos: confusão, mensuração da exposição, seleção de participantes, intervenções pós-exposição, dados faltantes, medida de resultados e seleção do resultado relatado. A pontuação é estabelecida como risco de viés baixo (-), alto (þ) e incerto (?).

Resultados

Na busca sistemática nas principais bases de dados eletrônicas, foram encontrados 34 artigos. Não foram selecionados estudos da literatura cinzenta, pois os registros identificados já constavam nas demais bases de dados. Após exclusão das duplicatas e conclusão da triagem de títulos e resumos, restaram 10 registros. Posteriormente, um registro foi descartado, e nove estudos foram considerados elegíveis para serem avaliados na íntegra. Depois da leitura do texto completo, sete estudos44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 2325967121106256899 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113,1616 da Silva Júnior JN, Kons RL, Dellagrana RA, Detanico D. Prevalência de lesões em atletas de Brazilian jiu-jitsu: comparação entre diferentes níveis competitivos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2018;20(03):280–2891818 Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu Training. Sports Health 2019;11(05): 432–439 foram finalmente incluídos para a realização da síntese qualitativa e quantitativa. A Fig. 1 mostra uma visão geral do processo de seleção.

Fig. 1
Odiagramade fluxodoprocessodeseleção dos estudos segundo a declaração Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).

Características do Estudo

Os estudos transversais incluídos nesta revisão sistemática,44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 2325967121106256899 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113,1616 da Silva Júnior JN, Kons RL, Dellagrana RA, Detanico D. Prevalência de lesões em atletas de Brazilian jiu-jitsu: comparação entre diferentes níveis competitivos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2018;20(03):280–2891818 Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu Training. Sports Health 2019;11(05): 432–439 publicados entre 2018 e 2023, totalizaram 2.847 praticantes de jiu-jitsu. A Tabela 2 apresenta as características dos artigos incluídos.

Tabela 2
Características dos estudos que atenderam aos critérios de inclusão

Definição da Lesão Musculoesquelética no Esporte

As lesões musculoesqueléticas são comuns e representam um fardo significativo para o sistema de saúde. Segundo Caine et al.,1919 Caine DJ, Caine CG, Lindner KJ. Epidemiology of Sports Injuries Symposium. Epidemiology of Sports Injuries Champaign IL: Human Kinetics; 1996 Hoff e Martin2020 Hoff GL, Martin TA. Outdoor and indoor soccer: injuries among youth players. Am J Sports Med 1986;14(03):231–233 e Van Mechelen et al.,2121 van Mechelen W, Hlobil H, Kemper HCG. Incidence, severity, aetiology and prevention of sports injuries. A review of concepts. Sports Med 1992;14(02):82–99 lesões esportivas é o nome coletivo para caracterizar todos os tipos de danos relacionados às atividades físicas. Corroborando a discussão dos autores, Timpka et al.2222 Timpka T, Jacobsson J, Bickenbach J, Finch CF, Ekberg J, Nordenfelt L. What is a sports injury? Sports Med 2014;44(04):423–428 as definem etiologicamente como perda de funções corporais ou desvio de estruturas decorrente da transferência de energia durante a participação no esporte. Portanto, é possível distinguir lesões agudas, que ocorrem pela interação com uma força relativamente alta em curto tempo de estímulo, de lesões crônicas, causadas pelo efeito da força aplicada na repetição, mesmo em menor intensidade, como o uso excessivo, por exemplo.2323 Olsen OE, Myklebust G, Engebretsen L, Bahr R. Injury pattern in youth team handball: a comparison of two prospective registration methods. Scand J Med Sci Sports 2006;16(06): 426–432,2424 Yang J, Tibbetts AS, Covassin T, Cheng G, Nayar S, Heiden E. Epidemiology of overuse and acute injuries among competitive collegiate athletes. J Athl Train 2012;47(02):198–204 Assim, com base nessa definição, esta revisão sistemática visa proporcionar compreensão sobre esses resultados da literatura.

Epidemiologia da Lesão: Estrutura, Idade e Momento de Ocorrência

A distribuição da ocorrência de lesões musculoesqueléticas de acordo com os estudos incluídos44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 2325967121106256899 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113,1616 da Silva Júnior JN, Kons RL, Dellagrana RA, Detanico D. Prevalência de lesões em atletas de Brazilian jiu-jitsu: comparação entre diferentes níveis competitivos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2018;20(03):280–2891818 Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu Training. Sports Health 2019;11(05): 432–439 mostra alta prevalência delas na articulação do joelho (22%) e nas regiões do tórax e das costelas (22%), com taxas próximas à metade do total de casos relatados neste estudo. Considerando a diferença no nível de experiência entre os praticantes, é possível observar que a maioria dos indivíduos incluídos era das faixas branca e azul, ou seja, iniciantes na modalidade. A Fig. 2 mostra a distribuição total da prevalência de lesões e da experiência dos atletas.

Fig. 2
Características epidemiológicas das lesões e nível de experiência dos praticantes de jiu-jitsu.

Considerando as faixas etárias, foram incluídos participantes acima de 18 anos, o que dificulta a análise dos dados dos praticantes mais jovens. Nesse sentido, de acordo com os dados disponíveis, percebe-se que os praticantes do sexo masculino acima de 30 anos são mais suscetíveis a sofrer uma lesão musculoesquelética. Outra característica notável é a alta taxa de ocorrência de lesões durante os treinamentos em comparação com as competições. A Tabela 3 mostra os dados completos.

Tabela 3
Epidemiologia das características de pacientes com lesão

Avaliação do Risco de Viés

De modo geral, houve um risco moderado de viés nos estudos incluídos44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 2325967121106256899 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113,1616 da Silva Júnior JN, Kons RL, Dellagrana RA, Detanico D. Prevalência de lesões em atletas de Brazilian jiu-jitsu: comparação entre diferentes níveis competitivos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2018;20(03):280–2891818 Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu Training. Sports Health 2019;11(05): 432–439 (Fig. 3). As descrições dos protocolos e dos métodos abordados não foram apropriadas para uma interpretação completa dos fatores de confusão e medida dos desfechos. Participação, sequência aleatória e ocultação de alocação foram identificadas de forma robusta em três estudos.44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,88 Nery LC, Junior CCP, Saragiotto BT, et al. Prevalence and profile of musculoskeletal injuries in high-performance professional Brazilian jiu-jitsu athletes. Open Sports Sci J 2023;16(01):1–6. e1875399X2212230,99 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113 Os estudos não deram muita ênfase à perda de dados ou à exposição errônea, bem como ao viés de medida dos desfechos. A Fig. 3 apresenta a avaliação de cada item de risco de viés dos estudos incluídos.

Fig. 3
Resumo dos julgamentos de revisão dos autores sobre cada item de risco de viés de cada estudo incluído.

Discussão

O presente estudo é uma revisão sistemática da literatura sobre a prevalência de lesões musculoesqueléticas em praticantes de jiu-jitsu, com avaliação da relação entre os segmentos anatômicos mais acometidos, a idade, o sexo, a faixa e o tempo de lesão. Portanto, foi possível destacar as regiões anatômicas com maior incidência de lesões que mais deveriam chamar a atenção dos praticantes e instrutores de jiu-jitsu.

É importante ressaltar que as artes marciais são baseadas em princípios biomecânicos que podem causar graves danos aos praticantes.55 Scoggin JF III, Brusovanik G, Izuka BH, Zandee van Rilland E, Geling O, Tokumura S. Assessment of injuries during Brazilian jiu-jitsu competition. Orthop J Sports Med 2014;2(02):2325967114522184,2525 Silva JE, Voltolini JC, Mine CEC. Frequency of injuries of the Brazilian Jiu-Jitsu athletes in Vale of Paraiba Paulista and its associated factors. Braz J Exerc Presc Physiol 2016;10(60):497–503 Devido à técnica de luta que expõe os praticantes a quedas e choques com grande aplicação de força, as lesões ortopédicas acabam se tornando muito comuns na prática do esporte. Aproximadamente 90% dos atletas participantes relataram a ocorrência de pelo menos uma lesão.2626 Dummont RP, Matos RS, Nunes Filho JCC, Pinto DV, Caminha JSR, Nunes MPO. Occurrence of injuries in jiu-jitsu recreational practitioners. Col Pesq Educ Fís 2018;17(03):71–78 Porém, ao examinar a incidência dessas lesões segundo variáveis demográficas, não foi possível encontrar um fator consistente que tivesse impacto significativo em sua ocorrência.

Esta revisão sistemática observou maior prevalência de lesões no joelho, tórax e tornozelo em comparação a outros segmentos anatômicos. Essa situação também se aplica ao avaliarmos estudos sobre outras artes marciais, como o judô.2727 Kons RL, Athayde MSDS, Antunes L, Lopes JSS, Detanico D. Injuries in Judo Athletes With Disabilities: Prevalence, Magnitude, and Sport-Related Mechanisms. J Sport Rehabil 2022;31(07):904–910 Além disso, como observado por Pocecco et al.,2828 Pocecco E, Ruedl G, Stankovic N, et al. Injuries in judo: a systematic literature review including suggestions for prevention. Br J Sports Med 2013;47(18):1139–1143dedos e mãos são os sítios mais acometidos por lesões no judô, diferentemente do jiu-jitsu, como mostram os dados do presente estudo. Em outras modalidades, como as artes marciais mistas, que permitem contato mais agudo e incisivo, como socos e chutes, a prevalência de lesões é maior na cabeça e no pescoço. Nessas modalidades, as lacerações, escoriações e contusões são as mais frequentes, além de condições como concussão.

Nesta revisão, evidenciou-se o baixo número de estudos sobre o tema, o que dificulta ainda mais a interpretação dos resultados. Fatores como a falta de padronização para considerar atletas iniciantes ou experientes também dificultaram a realização de inferências sobre os resultados. Para ilustrar, da Silva Junior et al.1616 da Silva Júnior JN, Kons RL, Dellagrana RA, Detanico D. Prevalência de lesões em atletas de Brazilian jiu-jitsu: comparação entre diferentes níveis competitivos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2018;20(03):280–289 consideraram atletas iniciantes aqueles nas faixas branca ou azul, ao passo que Petrisor et al.1818 Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu Training. Sports Health 2019;11(05): 432–439 consideraram atletas iniciantes apenas aqueles de faixa branca, sendo os demais atletas considerados avançados. Seria interessante que estudos futuros padronizassem essa categorização de acordo com o tempo de prática, o que parece ser uma métrica mais confiável para inferências futuras.

Outro fator de extrema importância que deve ser destacado nos estudos epidemiológicos são os mecanismos de lesão. Nery et al.88 Nery LC, Junior CCP, Saragiotto BT, et al. Prevalence and profile of musculoskeletal injuries in high-performance professional Brazilian jiu-jitsu athletes. Open Sports Sci J 2023;16(01):1–6. e1875399X2212230 os subdividem em dois grupos: lesões atraumáticas e traumáticas. Apesar de simples, essa divisão ajuda a compreender o comportamento do processo da lesão no atleta. Segundo Bittencourt et al.,2929 Bittencourt NFN, Meeuwisse WH, Mendonça LD, Nettel-Aguirre A, Ocarino JM, Fonseca ST. Complex systems approach for sports injuries: moving from risk factor identification to injury pattern recognition-narrative review and new concept. Br J Sports Med 2016;50(21):1309–1314 a lesão é composta por uma rede multimodal com fatores interligados de maior ou menor impacto. Por isso, identificar com precisão os mecanismos das lesões e como elas ocorrem é de suma importância para a prática clínica. Estudos mais precisos a esse respeito são necessários, como observado por Hinz et al.77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 23259671211062568

Um consenso sobre a definição de lesão no futebol ressaltou a importância de identificar o tempo entre a lesão e o retorno à participação plena no esporte.3030 Fuller CW, Ekstrand J, Junge A, et al. Consensus statement on injury definitions and data collection procedures in studies of football (soccer) injuries. Br J Sports Med 2006;40(03): 193–201 Nos estudos incluídos44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53,77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 2325967121106256899 Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113,1616 da Silva Júnior JN, Kons RL, Dellagrana RA, Detanico D. Prevalência de lesões em atletas de Brazilian jiu-jitsu: comparação entre diferentes níveis competitivos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2018;20(03):280–2891818 Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu Training. Sports Health 2019;11(05): 432–439 em nesta revisão, apenas um77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 23259671211062568 fez essa avaliação de grande importância para também compreender a gravidade da lesão. Somente os estudos de Nicolini et al.44 Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53 e Hinz et al.77 Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 23259671211062568 apontaram o impacto dessas lesões por meio do tratamento recebido após o evento.

Esta revisão sistemática indica que estudos futuros devem ser mais categóricos em suas avaliações para possibilitar uma melhor inferência dos resultados. Para tanto, é necessário incluir variáveis como horas semanais de treino, tempo de retorno após a lesão e mecanismo de lesão, para a promoção de melhoras nos modelos de aula, nas estratégias de enfrentamento e na mitigação do risco de lesão.

Conclusão

Houve uma alta prevalência de lesões musculoesqueléticas entre os praticantes de jiu-jitsu. Os segmentos anatômicos mais acometidos foram a articulação do joelho, o tórax e a região das costelas, seguidos da articulação do ombro. Os fatores relacionados mudaram de acordo com determinadas variáveis, sendo mais comuns durante o treinamento em indivíduos do sexo masculino com mais de 30 anos e iniciantes na modalidade.

  • Suporte Financeiro
    Os autores declaram que não receberam financiamento de agências dos setores público, privado ou sem fins lucrativos para a realização deste estudo.
  • Trabalho desenvolvido no Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

References

  • 1
    Reehal P. Facial injury in sport. Curr Sports Med Rep 2010;9(01): 27–34
  • 2
    Polmann H, Melo G, Conti Réus J, et al. Prevalence of dentofacial injuries among combat sports practitioners: A systematic review and meta-analysis. Dent Traumatol 2020;36(02):124–140
  • 3
    Piccininni P, Clough A, Padilla R, Piccininni G. Dental and orofacial injuries. Clin Sports Med 2017;36(02):369–405
  • 4
    Nicolini AP, Penna NA, Oliveira GT, Cohen M. Epidemiology of orthopedic injuries in jiu-jitsu athletes. Acta Ortop Bras 2021;29 (01):49–53
  • 5
    Scoggin JF III, Brusovanik G, Izuka BH, Zandee van Rilland E, Geling O, Tokumura S. Assessment of injuries during Brazilian jiu-jitsu competition. Orthop J Sports Med 2014;2(02):2325967114522184
  • 6
    Fortina M, Mangano S, Carta S, Carulli C. Analysis of injuries and risk factors in taekwondo during the 2014 Italian University Championship. Joints 2017;5(03):168–172
  • 7
    Hinz M, Kleim BD, Berthold DP, et al. Injury patterns, risk factors, and return to sport in Brazilian jiu jitsu: A cross-sectional survey of 1140 athletes. Orthop J Sports Med 2021;9(12): 23259671211062568
  • 8
    Nery LC, Junior CCP, Saragiotto BT, et al. Prevalence and profile of musculoskeletal injuries in high-performance professional Brazilian jiu-jitsu athletes. Open Sports Sci J 2023;16(01):1–6. e1875399X2212230
  • 9
    Moriarty C, Charnoff J, Felix ER. Injury rate and pattern among Brazilian jiu-jitsu practitioners: A survey study. Phys Ther Sport 2019;39:107–113
  • 10
    Kreiswirth EM, Myer GD, Rauh MJ. Incidence of injury among male Brazilian jiujitsu fighters at the World Jiu-Jitsu No-Gi Championship 2009. J Athl Train 2014;49(01):89–94
  • 11
    Stephenson C, Rossheim ME. Brazilian Jiu Jitsu, Judo, and Mixed Martial Arts Injuries Presenting to United States Emergency Departments, 2008-2015. J Prim Prev 2018;39(05):421–435
  • 12
    Nicolini AP, de Carvalho RT, Matsuda MM, Sayum JF, Cohen M. Common injuries in athletes’ knee: experience of a specialized center. Acta Ortop Bras 2014;22(03):127–131
  • 13
    Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DGPRISMA Group. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med 2009;6(07):e1000097
  • 14
    Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ 2021;372(71):n71
  • 15
    ROBINS-E Development Group Higgins J, Morgan R, et al. Risk of Bias in Non-randomized Studies - of Exposure (ROBINS-E). Available from: https://www.riskofbias.info/welcome/robinse-tool. Published online 2022
    » https://www.riskofbias.info/welcome/robinse-tool. Published online 2022
  • 16
    da Silva Júnior JN, Kons RL, Dellagrana RA, Detanico D. Prevalência de lesões em atletas de Brazilian jiu-jitsu: comparação entre diferentes níveis competitivos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2018;20(03):280–289
  • 17
    Lopes OP, Alves LD, Felipe PN, Pacheco Neto PS, Souza SFM. Prevalence of injuries and functional evaluation of movement among Jiu Jitsu practitioners. Motricidade 2018;14(01):368–375
  • 18
    Petrisor BA, Del Fabbro G, Madden K, Khan M, Joslin J, Bhandari M. Injury in Brazilian Jiu-Jitsu Training. Sports Health 2019;11(05): 432–439
  • 19
    Caine DJ, Caine CG, Lindner KJ. Epidemiology of Sports Injuries Symposium. Epidemiology of Sports Injuries Champaign IL: Human Kinetics; 1996
  • 20
    Hoff GL, Martin TA. Outdoor and indoor soccer: injuries among youth players. Am J Sports Med 1986;14(03):231–233
  • 21
    van Mechelen W, Hlobil H, Kemper HCG. Incidence, severity, aetiology and prevention of sports injuries. A review of concepts. Sports Med 1992;14(02):82–99
  • 22
    Timpka T, Jacobsson J, Bickenbach J, Finch CF, Ekberg J, Nordenfelt L. What is a sports injury? Sports Med 2014;44(04):423–428
  • 23
    Olsen OE, Myklebust G, Engebretsen L, Bahr R. Injury pattern in youth team handball: a comparison of two prospective registration methods. Scand J Med Sci Sports 2006;16(06): 426–432
  • 24
    Yang J, Tibbetts AS, Covassin T, Cheng G, Nayar S, Heiden E. Epidemiology of overuse and acute injuries among competitive collegiate athletes. J Athl Train 2012;47(02):198–204
  • 25
    Silva JE, Voltolini JC, Mine CEC. Frequency of injuries of the Brazilian Jiu-Jitsu athletes in Vale of Paraiba Paulista and its associated factors. Braz J Exerc Presc Physiol 2016;10(60):497–503
  • 26
    Dummont RP, Matos RS, Nunes Filho JCC, Pinto DV, Caminha JSR, Nunes MPO. Occurrence of injuries in jiu-jitsu recreational practitioners. Col Pesq Educ Fís 2018;17(03):71–78
  • 27
    Kons RL, Athayde MSDS, Antunes L, Lopes JSS, Detanico D. Injuries in Judo Athletes With Disabilities: Prevalence, Magnitude, and Sport-Related Mechanisms. J Sport Rehabil 2022;31(07):904–910
  • 28
    Pocecco E, Ruedl G, Stankovic N, et al. Injuries in judo: a systematic literature review including suggestions for prevention. Br J Sports Med 2013;47(18):1139–1143
  • 29
    Bittencourt NFN, Meeuwisse WH, Mendonça LD, Nettel-Aguirre A, Ocarino JM, Fonseca ST. Complex systems approach for sports injuries: moving from risk factor identification to injury pattern recognition-narrative review and new concept. Br J Sports Med 2016;50(21):1309–1314
  • 30
    Fuller CW, Ekstrand J, Junge A, et al. Consensus statement on injury definitions and data collection procedures in studies of football (soccer) injuries. Br J Sports Med 2006;40(03): 193–201

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2023
  • Aceito
    06 Nov 2023
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br