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Avaliação radiográfica da técnica de cimentação com haste femoral cônica polida e tripla cunha em artroplastia do quadril Trabalho desenvolvido no Hospital Universitário Cajuru, Curitiba, PR, Brasil.

Resumo

Objetivo

Avaliar radiograficamente a qualidade da técnica de cimentação e implantação de hastes femorais polidas e tripla cunha em artroplastias totais do quadril (ATQ).

Método

Estudo retrospectivo com avaliação de radiografias de 86 quadris em 83 pacientes submetidos à ATQ com componente femoral cimentado polido em tripla cunha C-Stem (DePuy Orthopaedics, Varsóvia, Ind.). Incluímos casos com pelo menos um ano de seguimento, foram registrados dados relacionados à evolução radiográfica pré-operatória, pós-operatória imediata e pós-operatória tardia. Avaliamos, entre outros dados, a anatomia do fêmur, a qualidade da cimentação segundo descrito por Barrack e o posicionamento da haste. A cimentação também foi avaliada e quantificada em cada zona de Gruen com um ano de seguimento.

Resultados

A idade média foi de 62,85 anos. A conformação do fêmur proximal foi do tipo A de Dorr em 34 (39,53%) casos, tipo B em 52 (60,46%) e não foram observados casos do tipo C. Cinco (5,81%) casos foram definidos como tipo A segundo a classificação de cimentação de Barrack, 46 (56,49%) tipo B, 27 (31,40%) tipo C e oito (9,30%) tipo D. A maior espessura média do manto foi observada nas zonas 4 (15,53 mm) e 11 (15,64 mm), a menor foi na zona 9 (3,51 mm). Foi observado posicionamento em varo em oito (9,3%) casos e em valgo em 25 (29%).

Conclusão

A haste femoral C-Stem apresentou resultados satisfatórios quanto ao padrão de cimentação, posicionamento, à presença de osteólise e stress shielding, tanto em relação à literatura referente aos modelos em dupla cunha quanto referente ao mesmo modelo de implante, mostrou-se um método seguro e com padrão de cimentação previsível e confiável.

Palavras-chave:
Artroplastia de quadril; Cimento ósseo; Cimentação/métodos; Próteses de quadril

Abstract

Objective

To radiographically evaluate the quality of cementation and implantation technique using a polished, triple-tapered femoral stem in total hip arthroplasty (THA).

Method

Retrospective study with radiographic evaluation of 86 hips in 83 patients who underwent to primary THA with the triple-tapered cemented femoral stem C-Stem (DePuy Orthopedics, Warsaw, Indiana). Cases with at least one-year of follow-up were included, and data related to preoperative, immediate postoperative, and late postoperative radiographic evolution were recorded. This study analyzed, among others, the proximal femoral anatomy, the quality of cementation as described by Barrack, and the implant positioning. Cementation was also evaluated and quantified in the Gruen zones with one-year of follow-up.

Results

The mean age was 62.85 years. Proximal femoral anatomical conformation was Dorr type A in 34 (39.53%) cases, type B in 52 (60.46%), and no type C cases were found. Five (5.81%) cases were defined as type A by Barrack's cementation classification system, 46 (56.49%) type B, 27 (31.40%) type C, and eight (9.30%) type D. The greatest cement mantle thickness was observed in zones four (15.53 mm) and 11 (15.64 mm), and the smallest in zone nine (3.51 mm). Positioning in varus was observed in eight (9.3%) cases, valgus in 25 (29%), forward deviation in two (5%), and backward deviation in 55 (63.95%).

Conclusions

The C-Stem femoral system presented satisfactory results related to cementation pattern, positioning, osteolysis, and stress shielding with regard to literature referring to double-tapered or triple-tapered models, demonstrating to be a safe method, with a predictable and reliable cementing pattern.

Keywords:
Hip arthroplasty; Bone cement; Cementation/methods; Hip prosthesis

Introdução

John Charnley foi responsável pelo sucesso na evolução da artroplastia total do quadril (ATQ) cimentada. Durante anos de estudos, alterações nos modelos protéticos foram feitas para diminuir a incidência de falhas, como solturas, desgaste, fraturas da haste e stress shielding. Hastes femorais com formato simples monoplanar passaram para as formas bicônica ou tricônica e as porosas para polidas, o que permitiu uma melhor distribuição de cargas axiais e uma adaptação ou acomodação dentro do manto de cimento.11 Shah N, Porter M. Evolution of cemented stems. Orthopedics. 2005;28(8 Suppl):S819-25.

O conceito das hastes cônicas e polidas baseia-se na teoria de que superfícies lisas com afunilamento duplo (em dois sentidos) ou triplo (em três sentidos) mantêm uma relação menos rígida entre o implante e o cimento, permitem migração e estabilização secundária, sem criar tensões excessivas.22 Scheerlinck T, Casteleyn PP. The design features of cemented femoral hip implants. J Bone Joint Surg Br. 2006;88(11):1409-18.

Os componentes femorais cimentados apresentam algumas vantagens em relação aos não cimentados, como a melhor transmissão de cargas no fêmur proximal (maior similaridade entre o coeficiente de elasticidade do cimento e do osso),33 Callaghan JJ, Templeton JE, Liu SS, Pedersen DR, Goetz DD, Sullivan PM, et al. Results of Charnley total hip arthroplasty at a minimum of thirty years. A concise follow-up of a previous report. J Bone Joint Surg Am. 2004;86(4):690-5.,44 Hartofilakidis G, Karachalios T, Karachalios G. The 20-year outcome of the Charnley arthroplasty in younger and older patients. Clin Orthop Relat Res. 2005;(434):177-82. o que permite sua remodelação. A reabsorção óssea secundária ao stress shielding leva a uma diminuição da sobrevida da prótese não cimentada,55 Malchau H, Herberts P, Ahnfelt L. Prognosis of total hip-replacement in Sweden - follow-up of 92,675 operations performed 1978-1990. Acta Orthop Scand. 1993;64(5):497-506.,66 Kobayashi S, Saito N, Horiuchi H, Iorio R, Takaoka K. Poor bone quality or hip structure as risk factors affecting survival of total-hip arthroplasty. Lancet. 2000;355(9214):1499-504. particularmente no nível do calcar.77 Carlsson AS, Gentz CF. Mechanical loosening of the femoral-head prosthesis in the Charnley total hip-arthroplasty. Clin Clin Orthop Relat Res. 1980;(147):262-70. Apesar de ocorrer mais comumente em implantes não cimentados, a reabsorção óssea é também demonstrada em hastes cimentadas88 Damborg F, Nissen N, Jørgensen HR, Abrahamsen B, Brixen K. Changes in bone mineral density (BMD) around the cemented Exeter stem: a prospective study in 18 women with 5 years follow-up. Acta Orthop. 2008;79(4):494-8.,99 Kroger H, Miettinen H, Arnala I, Koski E, Rushton N, Suomalainen O. Evaluation of periprosthetic bone using dual-energy X-ray absorptiometry: precision of the method and effect of operation on bone mineral density. J Bone Miner Res. 1996;11:1526-30. com maior perda na zonas 1 e 7 de Gruen et al.1010 Gruen TA, McNeice GM, Amstutz HC. ‘Modes of failure’ of cemented stem-type femoral components: a radiographic analysis of loosening. Clin Orthop Relat Res. 1979;(141):17-27. Outra vantagem é o baixo índice de fraturas femorais durante a cirurgia, por volta de 1% nas cimentadas e 6,6% nas não cimentadas.1111 Schwartsmann CR, Telokën MA, Lompa PA, Oliveira RK, Boschin LC, Catharina GS, et al. Fratura ipsilateral do femur durante artroplastia total do quadril. Rev Bras Ortop. 2002;37(4):114-21. Todavia, a taxa de resultados satisfatórios é diretamente proporcional à qualidade da técnica de cimentação, como a manutenção de uma espessura média do manto de cimento entre 2 e 4 mm, o que evita tanto a fragilidade quanto o estresse excessivo.1212 Ayers D, Mann K. The importance of proximal cement filling of the calcar region: a biomechanical justification. J Arthroplasty. 2003;18(7 Suppl 1):103-9.

O objetivo deste estudo é avaliar radiograficamente a qualidade da técnica de cimentação e implantação da haste femoral C-Stem (DePuy Orthopaedics, Varsóvia, Ind.). Trata-se de uma haste cônica, polida com formato em tripla cunha, composta por aço inoxidável nitrogenado, com a qual se prevê migração distal dentro do manto de cimento, com estabilidade secundária.1313 Fowler JL, Gie GA, Lee AJ, Ling RS. Experience with the Exeter total hip replacement since 1970. Orthop Clin N Am. 1988;19(3):477-89.

Material e métodos

Foi feito estudo retrospectivo com avaliação de radiografias de 86 quadris em 83 pacientes submetidos à artroplastia total do quadril com componente femoral cimentado C-Stem. A amostra foi desenvolvida por seis ortopedistas em especialização na área de cirurgia do quadril durante o estágio de formação e ocorreu através da seleção consecutiva de pacientes que fizeram acompanhamento ambulatorial de janeiro de 2010 a março de 2015.

Foram incluídos apenas casos com seguimento mínimo de um ano. Definimos como critérios de exclusão os casos sem registros de radiografias pré-operatórias e/ou pós-operatórias, exames de imagem com técnica inadequada, presença de cirurgia prévia no lado a ser operado e casos onde foram usadas técnicas de cimentação manual. As radiografias foram avaliadas em duas incidências: anteroposterior com ampola centrada na sínfise púbica, rotação interna dos quadris de 15º, e lateral, de forma que toda a haste femoral fosse evidenciada.

Foram feitas 907 ATQs, 437 com componente femoral cimentado C-Stem. Dos pacientes, 98 foram excluídos por apresentar exame radiográfico inadequado, 113 por terem cirurgia prévia no quadril avaliado, 130 por seguimento ambulatorial inadequado e 10 por ter sido feita cimentação manual. Com base na revisão de prontuários, foram coletados dados como sexo, idade, diagnóstico pré-operatório e tempo de seguimento. A análise radiográfica foi feita com o sistema visualizador de imagens Agfa HealthCare Viewer, pelo qual foram registrados dados relacionados à cirurgia e à evolução radiográfica pré-operatória, pós-operatória imediata (até dois dias após a cirurgia) e pós-operatória tardia (com um ano de seguimento) (tabela 1).

Tabela 1
Dados cirúrgicos e radiográficos

Na radiografia pré-operatória foi avaliada a anatomia do fêmur proximal através da classificação de Dorr et al.1414 Dorr LD, Faugere MC, Mackel AM, Gruen TA, Bognar B, Malluche HH. Structural and cellular assessment of bone quality of proximal femur. Bone. 1993;14(3):231-42. e na pós-operatória imediata a qualidade da cimentação segundo o método descrito por Barrack et al.1515 Barrack RL, Mulroy RD, Harris WH. Improved cementing techniques and femoral component loosening in young patients with hip arthroplasty. A 12-year radiographic review. J Bone Joint Surg Br. 1992;74(3):385-9. Após seguimento de um ano, a qualidade da cimentação foi avaliada e quantificada em cada zona descrita por Gruen et al.1010 Gruen TA, McNeice GM, Amstutz HC. ‘Modes of failure’ of cemented stem-type femoral components: a radiographic analysis of loosening. Clin Orthop Relat Res. 1979;(141):17-27. Concomitantemente, foi calculada a proporção entre a espessura da cortical, do cimento e da haste nas zonas 2 e 6 na radiografia de frente e 9 e 13 na radiografia lateral. Aspectos como espessura do manto de cimento, presença de radioluscência (definida como a presença de uma linha radiotransparente adjacente à linha esclerótica avaliada nas zonas de Gruen).1010 Gruen TA, McNeice GM, Amstutz HC. ‘Modes of failure’ of cemented stem-type femoral components: a radiographic analysis of loosening. Clin Orthop Relat Res. 1979;(141):17-27. Reabsorção óssea, bolhas, fratura do cimento, fratura da haste ou migração também foram registradas. Outra variável relevante mensurada no estudo foi o grau de alinhamento do componente femoral com o objetivo de observar presença de varo/valgo ou antecurvato/recurvato.

Técnica operatória

O acesso cirúrgico posterolateral (Kocher-Langenbeck) foi usado em todos os casos, com o paciente posicionado em decúbito lateral através de posicionadores anterior e posterior. Foi usado cimento ósseo Smartset de média viscosidade (Endurance MV, DePuy International, Blackpool, Inglaterra), introduzido de forma retrógrada com pistola, seguido de pressurização, e restringido através da implantação de plug sintético ou ósseo no canal. As hastes femorais foram inseridas com uso de centralizador distal. Não se usou lavagem pulsátil nem mistura a vácuo.

Resultados

Revisamos 86 radiografias de artroplastias totais de quadril primárias em 83 pacientes com componente femoral C-Stem, 31 quadris (36,05%) de pacientes masculinos e 55 (63,95%) femininos. A média de idade foi DE 62,85 (23-86) anos.

Com base na classificação de Dorr et al.,1414 Dorr LD, Faugere MC, Mackel AM, Gruen TA, Bognar B, Malluche HH. Structural and cellular assessment of bone quality of proximal femur. Bone. 1993;14(3):231-42. 34 (39,53%) conformações do fêmur proximal eram do tipo normal (tipo A), 52 (60,46%) do tipo cone (tipo B) e nenhuma do tipo cilíndrico (tipo C). De acordo com a classificação de cimentação de Barrack et al.,1515 Barrack RL, Mulroy RD, Harris WH. Improved cementing techniques and femoral component loosening in young patients with hip arthroplasty. A 12-year radiographic review. J Bone Joint Surg Br. 1992;74(3):385-9. foram registrados como tipo A cinco (5,81%) casos, tipo B 46 (56,49%), tipo C 27 (31,40%) e oito (9,30%) tipo D.

A maior espessura média do manto de cimento foi observada nas zonas 4 e 11, com 15,53 mm (0-74) e 15,64 mm (0-73), respectivamente, ao passo que a menor média foi registrada na zona 9, com 3,51 mm (0-10) (fig. 1). Houve maior índice de radioluscência nas zonas 2 e 10 em 52 (60,47%) casos e 50 (58,14%) casos, respectivamente, o menor índice foi na zona 14, com 16 casos (18,60%) (fig. 2). Dentre as zonas nas quais foram observadas presença de stress schielding, houve maior incidência nas zonas 1 e 14, com 23 quadris (26,74%) e 12 quadris (13,95%), respectivamente, e menor incidência nas zonas 2 e 13, com apenas dois quadris (2,32%). Além dessas, foram encontrados sinais de diminuição da densidade óssea também nas zonas 7 e 8. Bolhas foram registradas com maior frequência na zona 3, em 38 casos (44,19%), e na zona 14, em um caso. Nenhum caso de fratura do cimento e/ou da haste foi registrado (tabela 2).

Figura 1
Espessura média do manto de cimento por zonas de Gruen (mm).

Figura 2
Presença de linhas de radioluscência por zonas de Gruen (%).

Tabela 2
Avaliação da qualidade de cimentação por zonas de Gruen

Um aprimoramento da avaliação da qualidade do manto de cimento foi feito através do cálculo da sua proporção em relação à espessura da cortical e da haste nas zonas centrais observadas nas incidências anteroposterior (zonas 2 e 6) e perfil (zonas 9 e 13). A média da espessura da cortical e de cimento na zona 2 foi de 5,88 mm e 4,73 mm, respectivamente, ao passo que na zona 6 foi de 6,23 mm e 5,34 mm, respectivamente. A haste apresentou largura média de 13,6 mm na incidência de frente. Nas radiografias laterais, foram obtidas médias de espessura da cortical e cimento na zona 9 de 4,41 mm e 3,43 mm, respectivamente, enquanto que na zona 13 foram registradas médias de 5,31 mm e 6,70 mm, respectivamente. Na mesma incidência, a largura média da haste foi de 9,93 mm. Desse modo, ao considerar as mensurações sequenciais entre cortical-cimento-haste-cimento-cortical, registramos as proporções de 1,2: 1: 2,8: 1,1: 1,3 de lateral para medial na incidência de anteroposterior e 1,2: 1: 2,8: 1,9: 1,5 de anterior para posterior na incidência em perfil (tabela 3).

Tabela 3
Proporção entre cortical, cimento e haste

Na avaliação do alinhamento da haste no plano coronal, foi observada presença de varo em oito (9,3%) casos, com média de 3,5° (2-8°), e valgo em 25 (29%), com média de 2,5° (1-8°). Já no plano sagital, foi observada presença de antecurvato em dois (5%) casos, com média de 3,5° (2-5°), e recurvato em 55 (63,95%) casos, com média de 4,2° (1-10°). Em todos os casos foi observado algum grau de migração distal da haste (subsidence), a média foi de 0,8 (0-5) mm.

Discussão

O conceito original de Charnley de uma haste cônica, polida e cimentada ainda representa o padrão-ouro cinco décadas após ter sido lançado em 1962.1616 Purbach B, Kay PR, Siney PD, Fleming PA, Wroblewski BM. The C-stem in clinical practice: fifteen-year follow-up of a triple tapered polished cemented stem. J Arthroplasty. 2013;28(8):1367-71. O problema da perda óssea proximal observado ao longo da década de 1960 a 1990 exigiu alterações no formato da haste.1717 Wroblewski BM. Revision surgery in total hip arthroplasty. Berlin: Springer-Verlag London; 1990. Desenhos de hastes femorais de dupla cunha, tais como Exeter (Stryker Howmedica Ortopedia, Mahwah, New Jersey) e CPT (Zimmer Ltd., Swindon, Inglaterra) apresentam afunilamento no sentido craniocaudal e anteroposterior. Nos implantes em tripla cunha, há adição de um terceiro afunilamento na direção de lateral para medial, com o objetivo de aumentar carga no fêmur proximal, especialmente no calcar, o que diminui a reabsorção óssea.1818 Wroblewski BM, Siney PD, Fleming PA. Triple taper polished cemented stem in total hip arthroplasty: rationale for the design, surgical technique, and 7 years of clinical experience. J Arthroplasty. 2001;16(8 Suppl 1):37-41. Buckland et al.1919 Buckland AJ, Dowsey MM, Stoney JD, Hardidge AJ, Ng KW, Choong PF. Periprosthetic bone remodeling using a triple-taper polished cemented stem in total hip arthroplasty. J Arthroplasty. 2010;25(7):1083-90. fizeram uma observação interessante, na qual após uma redução inicial da massa óssea na região do calcar os pacientes fisicamente ativos apresentavam um aumento da densidade óssea nessa região ao longo dos dois primeiros anos. Purbach et al.1616 Purbach B, Kay PR, Siney PD, Fleming PA, Wroblewski BM. The C-stem in clinical practice: fifteen-year follow-up of a triple tapered polished cemented stem. J Arthroplasty. 2013;28(8):1367-71. demonstraram uma melhoria do estoque ósseo em 78,2% na região medial em um seguimento de 13 anos. Em nosso seguimento, observamos diminuição da densidade óssea metafisária proximal no fêmur nas zonas 1 e 7, representado por 26,74% e 11,63% respectivamente. Portanto, houve maior preservação do estoque na região do calcar, fator considerado importante por se tratar de uma área submetida a maior carga axial (fig. 3A).

Figura 3
Diminuição da densidade óssea na zona 1 e preservação na zona 7/calcar (A). Presença de radioluscência nas zonas 2, 3, 4 e 5 e bolhas na zonas 4, 5 e 6 (B). Radiografia em perfil demostra posicionamento da haste em recurvato (C).

Charnley e Kettlewell2020 Charnley J, Kettlewell J. The elimination of slip between prosthesis and femur. J Bone Joint Surg Br. 1965;47:56-60. haviam de fato calculado o movimento relativo entre a haste e o manto ao relatar em sua monografia a função do implante em um sistema fechado sobre o cimento acrílico: “Embora não haja adesão entre a superfície polida da prótese e o cimento, a forma afunilada da prótese é muito adequada para a transmissão de peso, uma vez que vai ficar mais apertada sob carga”.2121 Charnley J. Acrylic cement in orthopaedic surgery. Livingstone: Edinburgh; 1970. Na comparação de componentes femorais de tripla cunha e de dupla cunha demonstrou-se não haver diferenças em relação a escores clínicos, complicações ou afundamento da haste (subsidence).2222 Ek ET, Choong PF. Comparison between triple-tapered and double-tapered cemented femoral stems in total hip arthroplasty: a prospective study comparing the C-Stem versus the Exeter Universal early results after 5 years of clinical experience. J Arthroplasty. 2005;20(1):94-100. Sundberg et al.,2323 Sundberg M, Besjakov J, von Schewelow T, Carlsson A. Movement patterns of the C-stem femoral component: an RSA study of 33 primary total hip arthroplasties followed for two years. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(10):1352-6. ao fazer estudo sobre os padrões de movimento da haste C-Stem em 33 ATQs com seguimento de dois anos, observaram uma migração distal média de 1,35 mm em todos os componentes femorais, a maior parte desse movimento ocorreu nos três primeiros meses. Eugene et al.,2222 Ek ET, Choong PF. Comparison between triple-tapered and double-tapered cemented femoral stems in total hip arthroplasty: a prospective study comparing the C-Stem versus the Exeter Universal early results after 5 years of clinical experience. J Arthroplasty. 2005;20(1):94-100. em análise comparativa com seguimento de cinco anos entre haste dupla cunha e tripla cunha, registraram subsidence médio de 0,82 mm e 0,77 mm, respectivamente. Encontramos níveis menores de migração distal da haste C-Stem comparados com o estudo de Sundberg et al.2323 Sundberg M, Besjakov J, von Schewelow T, Carlsson A. Movement patterns of the C-stem femoral component: an RSA study of 33 primary total hip arthroplasties followed for two years. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(10):1352-6. e maiores relação ao estudo de Eugene et al., com uma média de migração distal de 0,8 mm. Notamos, portanto, que não houve diferença significativa no que se refere ao subsidence, ou seja, manteve-se dentro da média de deslocamento apresentada na literatura. O subsidence excessivo é um indicador indireto de soltura precoce do implante, pois pode estar relacionado ao movimento do manto de cimento em relação ao osso.2424 Walker PS, Mai SF, Cobb AG, Bentley G, Hua J. Prediction of clinical outcome of THR from migration measurements on standard radiographs. A study of cemented Charnley and Stanmore femoral stems. J Bone Joint Surg Br. 1995;77(5):705-14.

A classificação da qualidade do manto de cimento no pós-operatório imediato proposta por Barrack et al.1515 Barrack RL, Mulroy RD, Harris WH. Improved cementing techniques and femoral component loosening in young patients with hip arthroplasty. A 12-year radiographic review. J Bone Joint Surg Br. 1992;74(3):385-9. em 1992 apresenta importância para avaliar o efeito dos melhores métodos de cimentação femoral sobre o risco de aumento em taxas de afrouxamento ou falha mais precoce. Com base nessa graduação, avaliamos a evolução radiográfica imediatamente após a cirurgia, registramos cinco casos (5,81%) do tipo A, 46 (53,49%) do tipo B, 27 (31,4%) do tipo C e oito (9,30%) do tipo D.

Ek e Choong2222 Ek ET, Choong PF. Comparison between triple-tapered and double-tapered cemented femoral stems in total hip arthroplasty: a prospective study comparing the C-Stem versus the Exeter Universal early results after 5 years of clinical experience. J Arthroplasty. 2005;20(1):94-100. graduaram radiograficamente 192 mantos de cimento em componentes femorais C-Stem e também observaram maior frequência do tipo B (46,3%), seguido do tipo A em 45,7% e C em 8%. No mesmo estudo, ao comparar a qualidade da cimentação com a haste Exeter em 189 radiografias, identificaram que o tipo B também foi o mais prevalente, em 56,6%, seguido do tipo A em 36,5% e do tipo C em 6,9%. Na comparação da avaliação feita por Berstock et al.2525 Berstock JR, Whitehouse MR, Piper DC, Eastaugh-Waring SJ, Blom AW. A 5-8 year retrospective follow-up of the C-stem AMT femoral component: patient reported outcomes and survivorship analysis. J Arthroplasty. 2014;29(9):1753-7. em 2014 com nosso estudo, observou-se maior prevalência do tipo A (60%), o tipo B em 38%, C em 2% e D em 6,9%.

Sundberg et al.2323 Sundberg M, Besjakov J, von Schewelow T, Carlsson A. Movement patterns of the C-stem femoral component: an RSA study of 33 primary total hip arthroplasties followed for two years. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(10):1352-6. também registraram com maior frequência graduações do tipo A (84,8%), do tipo B em 15,15%. Um fator importante a ser considerado é que nesses dois últimos estudos a técnica operatória usou cimentação de terceira geração com lavagem pulsátil, que diferiu da nossa pesquisa, na qual não foi feita. Observamos maior frequência de radioluscência nas zonas 2 (60,47%) e 10 (58,14%), seguidas das zonas 6 (55,81%) e 7 (51,16%), ao passo que nas zonas 1, 8 e 14 registramos a menor prevalência, com 25,58%, 23,26% e 18,60%, respectivamente (fig. 3B).

Na comparação de hastes tripla e dupla cunha, Ek e Choong2222 Ek ET, Choong PF. Comparison between triple-tapered and double-tapered cemented femoral stems in total hip arthroplasty: a prospective study comparing the C-Stem versus the Exeter Universal early results after 5 years of clinical experience. J Arthroplasty. 2005;20(1):94-100. observaram resultados divergentes, com maior frequência de linhas radiotransparentes na zona 1 em componentes C-Stem e zonas 1 e 7 em componentes Exeter. Os mesmos autores ressaltaram a hipótese de que sinais de radioluscência podem surgir precocemente devido ao subsidence da haste e, portanto, não indicam necessariamente presença de afrouxamento do implante. Tal teoria pode explicar a presença de linhas radiolúcidas maiores do que 1 mm encontradas em 32 de 33 (96,9%) quadris avaliados por Sundberg et al.2323 Sundberg M, Besjakov J, von Schewelow T, Carlsson A. Movement patterns of the C-stem femoral component: an RSA study of 33 primary total hip arthroplasties followed for two years. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(10):1352-6. em seu estudo. Berstock et al.2525 Berstock JR, Whitehouse MR, Piper DC, Eastaugh-Waring SJ, Blom AW. A 5-8 year retrospective follow-up of the C-stem AMT femoral component: patient reported outcomes and survivorship analysis. J Arthroplasty. 2014;29(9):1753-7. também observaram alta frequência de linhas radiotransparentes em sua análise, o que correspondeu a 61% dos quadris avaliados, e também foi mais prevalente nas zonas 1 (55%) e 7 (35%).

Na avaliação da imagem em perfil, observamos maior frequência de recurvato em média de 4,2º, encontrado em 55 quadris, o que correspondeu a 63,95% dos casos, ao passo que antecurvato foi registrado em dois quadris (5%), com média de 3,5º (fig. 3C). Já na análise da radiografia de frente, observamos maior posicionamento em valgo, em 25 casos (29%), com média de 2,5º. Já o varo foi observado em oito quadris (9,3%), com média de 3,5º. Acreditamos que esses desvios podem ser explicados pelo processo de migração progressiva da haste em relação ao eixo inicial, como Sundberg et al.2323 Sundberg M, Besjakov J, von Schewelow T, Carlsson A. Movement patterns of the C-stem femoral component: an RSA study of 33 primary total hip arthroplasties followed for two years. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(10):1352-6. demonstraram em seu estudo, registraram deslocamentos que ocorreram com maior frequência no período médio de três meses de pós-operatório e observaram também na radiografia anteroposterior desalinhamento em valgo na maioria dos casos, com uma prevalência de 63,3%, ao passo que 15,1% dos quadris apresentaram posicionamento em varo.

Ek e Choong,2222 Ek ET, Choong PF. Comparison between triple-tapered and double-tapered cemented femoral stems in total hip arthroplasty: a prospective study comparing the C-Stem versus the Exeter Universal early results after 5 years of clinical experience. J Arthroplasty. 2005;20(1):94-100. em sua avaliação comparativa entre hastes tripla e dupla cunha, apresentaram menores índices de desvios das hastes. Nos componentes C-Stem, observaram maior desalinhamento em varo, com uma frequência de 3,7%, comparado com 2,5% de valgo. Nas hastes Exeter foram registrados 5,9% de varo e nenhum caso de valgo. Deve-se ressaltar que essa frequência menor de desalinhamentos deve-se ao fato de que o autor levou em consideração desvios maiores de 5º.

A proporção entre a espessura das corticais, do manto de cimento e da haste foi calculada para avaliar de forma indireta a qualidade da cimentação. Na incidência anteroposterior, obtivemos a proporção lateromedial entre cortical-cimento-haste-cimento-cortical de 1,2: 1: 2,8: 1,1: 1,3. Dessa forma, pode-se observar uma similaridade entre a cimentação no lado lateral e medial. Já na incidência em perfil, ao avaliar a mesma sequência no sentido anteroposterior, registramos uma proporção de 1,2: 1: 2,8: 1,9: 1,5, ou seja, houve uma discrepância entre a cimentação anterior e posterior. Uma provável hipótese para essa variação entre as duas incidências é a maior frequência de bom alinhamento em varo/valgo e maior prevalência de desvios em recurvato da haste femoral. Não foram encontrados estudos na literatura nos quais foram registrados cálculos da proporção entre as corticais, o manto de cimento e a haste.

Conclusão

A haste femoral cimentada em tripla cunha C-Stem apresentou resultados satisfatórios quanto ao padrão e à qualidade da cimentação, ao posicionamento do implante, ao padrão de acomodação secundária e à presença de osteólise e stress shielding, tanto em relação aos dados da literatura referentes aos modelos em dupla cunha quanto aos dados desse mesmo implante produzido por outros autores, mostrou-se um método seguro e com padrão de cimentação previsível e confiável.

  • Trabalho desenvolvido no Hospital Universitário Cajuru, Curitiba, PR, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2016
  • Aceito
    26 Jan 2017
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