RESUMO
Objetivo Este estudo apresenta os resultados de 25 pacientes consecutivos e avalia o sucesso do retalho fasciocutâneo sural de fluxo reverso (RFSR) na cobertura da região do pé e tornozelo.
Métodos Foram analisados 25 pacientes com defeitos de partes moles na parte inferior da perna, pé ou tornozelo com RFSR, de janeiro de 2010 a janeiro de 2017. Na avaliação dos pacientes, o formulário preparado pela clínica foi usado e os seguintes dados foram coletados: idade, seguimento, sexo, etiologia, tamanho do defeito, complicações e grau de satisfação do paciente.
Resultados O tempo médio de seguimento foi de 18 meses. Em todos os pacientes os defeitos foram totalmente cobertos. Três pacientes desenvolveram necrose parcial devido à congestão venosa. Não houve perda total do retalho. O grau de satisfação dos pacientes foi excelente em todos os casos.
Conclusão O retalho fasciocutâneo sural reverso é rápido, versátil e fácil de aplicar. Além disso, fornece uma cobertura de tecidos moles segura, não requer reparo microvascular e é uma opção à reconstrução microcirúrgica.
ABSTRACT
Objective This study presents the results of 25 consecutive patients and evaluates the success of reverse sural fasciocuteneous flap (RSFF) on coverage of the foot and ankle region.
Methods A total of 25 patients with soft tissue defects in the lower leg, foot, or ankle were treated with RSFF, from January 2010 to January 2017. In the evaluation of patients, the form prepared by the clinic was used and the following data were collected: age, follow-up, gender, etiology, defect size, complications, and patient satisfaction rates.
Results Mean follow up time was 18 months. In all patients, the defects were fully covered. Three patients developed partial necrosis due to venous congestion. There was no complete flap loss in any of the patients. Patient satisfaction was excellent in all cases.
Conclusion RSFF is quick, versatile, and easy to apply; it also provides safe soft tissue coverage, requires no microvascular repair, and provides an alternative to microsurgical reconstruction.
Keywords
Ankle injuries; Foot injuries; Reconstructive surgical procedures; Patient satisfaction; Treatment outcome
Introdução
A reconstrução dos defeitos das partes moles do pé e do tornozelo continua a ser um problema desafiador para os cirurgiões reconstrutivos, devido à baixa espessura dos tecidos de cobertura e baixa oferta de sangue.1 Assim, entre as opções de reconstrução de defeitos ao redor do tornozelo ou do pé, o fechamento direto ou enxerto de pele pode não ser aplicável em muitos casos.
A transferência livre de retalhos tem sido comumente aceita como o tratamento cirúrgico de escolha nos casos de envolvimento grave dos tecidos locais do pé e do tornozelo.2 O progresso no estudo da microcirurgia, especialmente o conceito de angiossomas,3,4 técnicas de retalhos neurovasculares e retalhos neuro-adipo-fasciais pediculares5 são soluções opcionais populares. Além disso, o retalho fasciocutâneo sural de fluxo reverso (RFSR), descrito por Masquelet et al.6 em 1992, é aceito como uma possível opção para defeitos específicos. A literatura apresenta relatos de resultados positivos com o uso do RFSR.7,8
O presente estudo teve como objetivo apresentar os resultados de 25 pacientes consecutivos e avaliar o sucesso do RFSR na cobertura da região do pé e do tornozelo.
Pacientes e métodos
Cada autor certifica que sua instituição aprovou o protocolo humano deste estudo, que todas as análises foram feitas de acordo com os princípios éticos de pesquisa e que foi obtido consentimento informado para a participação no estudo.
Foram tratados 25 pacientes com defeitos de partes moles na perna (fig. 1), pé (fig. 2) ou tornozelo com RFSR entre janeiro de 2010 e janeiro de 2017. Dos 25 pacientes, 21 (84%) eram do sexo masculino e quatro (16%) do feminino. A média foi de 44 anos (intervalo: 13-83). Em oito (32%) pacientes, os defeitos da pele foram causados por acidentes de trânsito; em quatro (16%), por queda de altura; em três (12%), por lesões por arma de fogo; em três (12%), por cirurgia prévia de tendão de Aquiles; em três (12%), por lesão por esmagamento; em dois (8%), por infecção/celulite; em um (4%), por ressecção tumoral; em um (4%), por osteomielite crônica. As áreas de defeito foram o terço inferior da canela em 12 (48%) pacientes, tendão de Aquiles em três (12%) pacientes, superfície dorsal do pé em seis (24%) pacientes, área calcaneal em três (12%) pacientes e área do pé medial em um (4%) paciente. Não se observou fratura concomitante em sete (28%) pacientes; os demais pacientes apresentaram fraturas fechadas ou expostas. O menor defeito foi de 3 cm × 3 cm na área maleolar medial devido a osteomielite crônica e o maior defeito foi de 6 cm × 8 cm no terço inferior da canela devido a cirurgia para tratamento de fratura do pilão tibial.
Retalho sural; fotografias obtidas no período pré-operatório e pós-operatório imediato de um paciente com defeito no terço distal do cruris.
Retalho fasciocutâneo sural reverso, pré-operatório e pós-operatório de dois anos de um paciente com defeito da pele no tendão de Aquiles.
Na avaliação dos pacientes, usou-se um formulário preparado nesta clínica, para coletar dados de idade, seguimento, gênero, etiologia, tamanho do defeito, complicações e taxas de satisfação do paciente em uma escala de 0 e 10 pontos, na qual 0 = insatisfeito, 10 = muito satisfeito. Resultados entre 0-2 pontos foram avaliados como ruins; entre 3-5 pontos, moderados; entre 6-8 pontos, bons e entre 9-10 pontos, excelentes.
Resultados
O tempo médio de seguimento foi de 18 meses (2-35). Em todos os pacientes, os defeitos foram totalmente cobertos. Três pacientes evoluíram com necrose parcial devido a congestão venosa. Esses pacientes foram tratados com desbridamento seriado, fechamento assistido por vácuo, enxerto de pele de espessura parcial e aplicação de sanguessuga médica. Não foram observados casos de perda completa do retalho. Uma complicação no local doador foi observada em um paciente, que foi tratado com cobertura local com um retalho de rotação. Em um paciente, foi necessária cirurgia de ressecção devido ao volume do retalho na área maleolar medial. Em todos os casos, o nível de satisfação do paciente foi considerado excelente.
Discussão
A reconstrução de defeitos no tornozelo e pé continua a ser uma tarefa desafiadora para cirurgiões reconstrutivos. Trauma e outros processos de deformação podem acometer as partes moles, o osso subjacente e as estruturas ligamentares, causar defeitos que expõem o tendão e o osso diretamente. O calcanhar é uma área de apoio de peso e pode sofrer traumas com frequência. Além disso, a pele sobre as áreas de apoio de peso é estirada e apresenta pouca circulação. A literatura descreve várias opções para a reconstrução, inclusive enxertos locais e retalhos locais e a distância, mas seu uso é limitado.9 Enxertos de pele não podem ser usados para cobrir tendões expostos e ossos. Um retalho local pode não ser possível, quer devido à disponibilidade inadequada de tecido a ser movido de áreas adjacentes ao defeito ou devido à mobilização limitada da aba. Ausência de pulso periférico, diabetes e trombose vascular periférica são contraindicações à cirurgia de retalho local.10 O uso de RFSR para a reconstrução do pé e do tornozelo tem ganhado popularidade ao longo da última década. A maior vantagem do uso desse retalho é o tamanho, relativamente grande, que pode ser colhido com pequena deformidade ou morbidade na área doadora. Além disso, a dissecção do retalho é relativamente fácil e a perda de sangue intraoperatória é mínima. A congestão venosa é a complicação mais importante que pode causar perda do retalho.11 No presente estudo, observou-se necrose parcial devido a congestão venosa em três retalhos, uma taxa de necrose parcial semelhante à observada na literatura. O procedimento não requer anastomose microvascular e o tempo cirúrgico é curto, é um procedimento em um único estágio. O RFSR tem um amplo arco de rotação em seu pedículo, a aproximadamente 5 cm superior ao maléolo lateral; ele é útil na reconstrução de defeitos no calcanhar, maléolo, tornozelo e pé.
Quirino e Viegas12 apresentaram uma série de casos de retalhos surais. Naquele estudo, a complicação mais comum foi a epidermólise, observada em oito dos 22 retalhos. Dois deles (um sural e um lateral supramaleolar) apresentaram necrose parcial. No presente estudo, observou-se epidermólise em dois pacientes com necrose parcial; essa complicação não foi observada nos demais retalhos.
Dhamangaonkar e Patankar8 descreveram o uso de RFSR em um pedículo cutâneo. A vantagem dessa aplicação é que a pele sobre o pedículo impede qualquer possibilidade de torção do pedículo que pudesse levar à falha do retalho. Naquele estudo, a taxa de sobrevivência do retalho foi de 89,21%. Além disso, a preservação de uma camada de pele exige o uso de uma técnica de ponte aberta sem criar túneis na pele entre a área doadora e a ferida. No presente estudo, aplicou-se a técnica de túneis abertos para retalhos surais.
Uma das desvantagens desse retalho é a cicatriz inaceitável na área doadora, especialmente para pacientes do sexo feminino. No presente estudo, um caso de perda de enxerto da área doadora foi observado e tratado com desbridamento serial. Devido ao sacrifício do nervo sural, os pacientes apresentam perda da sensibilidade lateral do pé e da perna. Alguns autores sugeriram que o nervo sural não deve ser removido com o retalho.13,14 No presente estudo, o nervo sural foi removido com o retalho para aumentar a vascularização do retalho e para prevenir danos às estruturas vasculares.
A congestão venosa é uma complicação especial nos retalhos distais da extremidade inferior; essa complicação também ocorre no RFSR. Aparentemente, a congestão venosa está relacionada à compressão do pedículo por um hematoma ou à falta de elasticidade na pele sobre o topo do túnel. De acordo com Nakajima et al.,14 o mecanismo da congestão venosa é a incompetência valvular; essa congestão foi a principal complicação observada no presente estudo.
Conclusão
O RFSR é rápido, versátil e de fácil aplicação; além disso, oferece uma cobertura segura de partes moles e não requer reparação microvascular, é uma opção à reconstrução microcirúrgica.
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