Open-access Reprodutibilidade do escore radiográfico de consolidação das fraturas da tíbia (RUST)

RESUMO

OBJETIVO:  Avaliar a reprodutibilidade inter e intraobservador do escore radiográfico de consolidação das fraturas (RUST) da diáfise da tíbia.

MÉTODOS:   Foram obtidos 51 conjuntos de radiografias nas incidências anteroposterior (AP) e perfil (P) da diáfise da tíbia tratadas com haste intramedular. A análise das radiografias foi feita em dois momentos, com intervalo de 21 dias entre as avaliações, por nove avaliadores. Para avaliar a reprodutibilidade do escore RUST entre os avaliadores foi usado o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) com intervalo de confiança de 95%. O valor do CCI varia de +1, que representa concordância perfeita, a -1, que corresponde a total discordância.

RESULTADOS:   Houve uma concordância significativa entre todos os avaliadores: CCI = 0,87 (IC 95% 0,81 a 0,91). A concordância intraobservador mostrou-se substancial, com CCI = 0,88 (IC 95% 0,85 a 0,91) .

CONCLUSÃO:   Este trabalho confirma que a escala RUST apresenta um elevado grau de confiabilidade e concordância.

Palavras-chave: Consolidação da fratura; Radiografia

ABSTRACT

OBJECTIVE:  This study aimed to evaluate the inter- and intra observer reproducibility of the radiographic score of consolidation of the tibia shaft fractures.

METHODS:  Fifty-one sets of radiographs in anteroposterior (AP) and profile (P) of the tibial shaft treated with intramedullary nail were obtained. The analysis of X-rays was performed in two stages, with a 21-day interval between assessments by a group of nine evaluators. To evaluate the reproducibility of RUST score between the evaluators, the intra-class correlation coefficient (ICC) with a 95% confidence interval was used. ICC values range from +1, representing perfect agreement, to -1, complete disagreement.

RESULTS:  There was a significant correlation among all evaluators: ICC = 0.87 (95% CI 0.81 to 0.91). The intraobserver agreement proved to be substantial with ICC = 0.88 (95% CI 0.85 to 0.91) .

CONCLUSION:  This study confirms that the RUST scale shows a high degree of reliability and agreement.

Keywords: Tibia; Fracture healing; Radiography

Introdução

A fratura da diáfise da tíbia é a mais comum entre as fraturas dos ossos longos, apresenta elevada incidência, acomete principalmente indivíduos jovens do sexo masculino, em idade ativa. São lesões resultantes de trauma de alta energia cinética, tais como queda de altura e acidentes automobilísticos, esses últimos figuram como a principal causa das fraturas e levam à incapacidade, com elevados custos socioeconômicos.1,2,3,4,5and6

A fixação interna com haste intramedular fresada e bloqueada no tratamento das fraturas da diáfise da tíbia encontra-se bem estabelecida na literatura.2 Apesar dos avanços nas técnicas cirúrgicas, as condições anatômicas locais podem colaborar para o surgimento de complicações, como o retardo na consolidação e a pseudoartrose.7and8

A incidência de pseudoartrose após a fixação interna com haste intramedular tem sido relatada na literatura, varia de 5 a 33%, o que muitas vezes resulta na necessidade de intervenção secundária ou tratamento adicional para estimular a união óssea.2,3,9and10

O processo de consolidação óssea é um fenômeno biológico simples que ocorre em fases, formação de hematoma, inflamação, angiogênese, formação de cartilagem (com subsequente calcificação, remoção da cartilagem e então formação de osso) e remodelação óssea. A consolidação completa da fratura pode levar vários meses, ocorre somente após a finalização de todas as etapas.2,4and11

Do ponto de vista clínico, a fratura pode ser considerada consolidada ao término da fase de reparação. Os critérios usados para essa definição podem ser subdivididos em dados do exame clínico (ex. descarga de peso sem apresentar dor local, ausência de mobilidade no foco da fratura) e os fatores relacionados ao paciente (qualidade de vida).4,7,12and13

Corrales et al., 13 ao fazer uma revisão de 77 estudos clínicos que usaram critérios clínicos para definir a consolidação das fraturas dos ossos longos, observaram que os três critérios mais usados eram a ausência dor ou sensibilidade com a descarga de peso, ausência de dor ou sensibilidade à palpação do foco de fratura durante o exame.

Para a avaliação radiológica das fraturas, a radiografia simples continua a ser o método mais comum na definição de cura.7 Alguns autores sugerem como critério para determinar a consolidação de uma fratura a presença de pelo menos três corticais consolidadas vistas em duas incidências radiográficas (anteroposterior e perfil).14

Panjabi et al., 15 em estudo experimental, demonstraram que a continuidade da cortical foi o melhor preditor de cura de uma fratura e a área de calo o menos importante. McClelland et al., 15 ao estudar pacientes com fratura da tíbia tratados com fixador externo, encontraram uma correlação mais moderada entre a cura radiográfica e rigidez no local da fratura. Os autores sugeriram que a presença de calo ósseo em duas corticais resultou na melhor predição para definir uma fratura como curada.

Várias escalas e classificações têm sido propostas para definir a consolidação das fraturas, com uma combinação de critérios radiográficos.5,7,9,10and16

Kooistra et al.2 recomendam o uso do método Radiographic Union Scale for Tibial Fractures (RUST) para a avaliação da consolidação. Esse método avalia duas projeções radiográficas ortogonais e para cada cortical atribuem-se pontos que variam de 1 a 3. Uma fratura no pós-operatório imediato receberá a pontuação mínima, 4, e uma fratura considerada totalmente consolidada atingirá a pontuação máxima, 12. Estudos mostram a escala RUST como um indicador simples, sistemático e contínuo na avaliação das fraturas da tíbia tratadas com haste intramedular. 2

O presente estudo tem como objetivo avaliar a reprodutibilidade inter e intraobservador do escore radiográfico de consolidação das fraturas da diáfise da tíbia em pacientes tratados com haste intramedular fresada e bloqueada.

Material e métodos

Foi feito um estudo retrospectivo para avaliar a reprodutibilidade intra e interobservador da escala radiográfica de consolidação das fraturas da diáfise da tíbia (RUST).

O trabalho incluiu radiografias de pacientes com fratura da diáfise da tíbia tratados com haste intramedular fresada e bloqueada, com idade igual ou superior a 16 anos, de ambos os sexos; exames com boa qualidade técnica, nas incidências anteroposterior (AP) e perfil (P), feitos durante o seguimento (oito semanas a nove meses). Excluíram-se pacientes com fratura patológica, que apresentaram infecção, retardo da consolidação ou que evoluíram para pseudoartrose e com necessidade de novo procedimento.

Foram obtidos 77 conjuntos de radiografias nas incidências AP e P da diáfise da tíbia tratadas com haste intramedular de pacientes do ambulatório de egressos em 2014; 51 conjuntos preencheram todos os critérios de inclusão. Os exames foram selecionados a partir do prontuário eletrônico do hospital, em diversas fases de consolidação.

A análise das radiografias foi feita em dois momentos, com intervalo de 21 dias entre as avaliações, por nove avaliadores; dois residentes de ortopedia e traumatologia do primeiro ano, dois do segundo ano, dois do terceiro ano e três traumatologistas com mais de dez anos de título de especialista. As imagens foram apresentadas simultaneamente para todos os avaliadores, em ambiente climatizado, com projetor de imagem Sony VPL-DX130B(r). As radiografias nas incidências AP e P de cada paciente foram projetadas em conjunto, com um minuto para cada avaliação.

O sistema RUST atribui uma pontuação para um dado conjunto de radiografias em AP e P, com base na avaliação da cicatrização em cada uma das quatro corticais visíveis sobre essas projeções (corticais medial e lateral nas incidências anteroposterior e anterior e posterior no perfil). A cada cortical é atribuído 1 ponto se for visualizada linha de fratura sem a presença de calo; 2 se houver calo presente, mas uma linha de fratura ainda visível, e 3 se houver calo sem evidência da linha de fratura (tabela 1).

Tabela 1-
Escala radiográfica de consolidação das fraturas da tíbia

As pontuações de cada cortical foram somadas e resultaram num valor total para cada conjunto de películas, 4 é a pontuação mínima indicativa de que a fratura não estará curada e 12 a pontuação máxima, que indica fratura completamente curada.2,10and17 Um escore ≥ 7 equivale ao mínimo de três corticais com calo ósseo, Com essa pontuação a fratura pode ser considerada radiologicamente consolidada17 (fig. 1).

Figura 1 -
Escore do RUST em três fases de consolidação: A = 4; B = 8; C = 12.

Os examinadores não tiveram acesso ao histórico do paciente, idade, tempo de fratura e qualquer outra informação clínica. As radiografias foram identificadas por números e somente o pesquisador responsável teve acesso a essa identificação.

A reprodutibilidade interobservador foi avaliada por meio da comparação dos escores totais de cada observador obtidos na visualização inicial das radiografias. A reprodutibilidade intraobservador foi determinada a partir da comparação dos escores da primeira e segunda avaliação de cada um dos participantes.

Para avaliar a reprodutibilidade do escore RUST entre os avaliadores foi usado o coeficiente de correlação interclasse (CCI), com intervalo de confiança de 95%. O valor do CCI varia de +1, que representa concordância perfeita, a -1, que corresponde a total discordância.

O estudo foi avaliado e aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, Parecer número 788.655.

Resultados

A pontuação do RUST dos 51 conjuntos de radiografias (AP e P) variou de 4 a 12 e apresentou uma pontuação média de 7,53 ± 2,53 (mediana 7) na primeira avaliação e 7,88 ± 2,49 (mediana 8) na segunda (Figura 2 and Figura 3).

Figura 2 -
Distribuição do RUST na 1 ª e na 2 ª avaliação.

Figura 3 -
Comparação das médias do RUST entre avaliadores. a1, a2, a3; traumatologistas; a4, a5, residentes do 3° ano; a6, a7, residentes do 2° ano; a8, a9, residentes do 1° ano.

Houve uma concordância significativa entre os avaliadores com coeficiente de correlação interclasses, CCI de 0,87 (IC 95%; 0,81-0,91). Entre os traumatologistas houve uma tendência maior de confiabilidade quando comparados aos residentes do primeiro, segundo e terceiro ano (CCI 0,94; 0,80; 0,92 e 0,90, respectivamente) (tabela 2).

Tabela 2-
Coeficiente de correlação interclasses inter e intraobservador do escore RUST

A concordância intraobservador se mostrou substancial com CCI 0,88 (IC 95%; 0,85-0,91). Ao analisar os avaliadores de acordo com o grau de formação, observou-se que os traumatologistas apresentaram uma reprodutibilidade próximo da perfeita (CCI 0,94; IC 95%; 0,91-0,95). Entre os residentes, o maior CCI foi para os do segundo ano (CCI 0,89), seguidos do primeiro (CCI 0,87) e por último do terceiro (CCI 0,83) (tabela 2).

Discussão

Apesar de inúmeros estudos relacionados ao desenvolvimento de escalas para avaliação da consolidação radiográficas das fraturas da tíbia, ainda não se encontra bem estabelecido na literatura um método confiável e eficaz, um padrão-ouro.18and19

A definição de união radiológica é inconsistente devido ao grau de imprecisão das variáveis selecionadas. Algumas investigações usam um único parâmetro, como a presença de calo em pelo menos duas corticais.5

Diversas variáveis são observadas ao se analisar a evolução da consolidação das fraturas, incluindo números de corticais consolidadas, presença de calo ósseo e de uma linha de fratura.17and18Com base nesses parâmetros Kooistra et al. 2 desenvolveram uma escala radiográfica para determinar a consolidação das fraturas da diáfise da tíbia, o RUST. Com o uso da presença de calo ósseo em cada cortical associado à existência de linha de fratura, foi levantada a hipótese de que o RUST apresentaria maior validade e confiabilidade do que os demais sistemas propostos.

O RUST examina a fratura de forma inequívoca e completa. Apresenta algumas vantagens em relação aos outros métodos, entre as quais se destaca o fato de que cada cortical é avaliada separadamente, tornam-se mais confiáveis, uma vez que corticais individuais contribuem para a pontuação final. Trata-se de uma classificação de fácil aplicação, com elevada concordância tanto inter quanto intraobservador.2,10,17,18and19

A reprodutibilidade do RUST foi avaliada por Whelan et al. 10 ao usarem 45 radiografias de pacientes tratados com haste intramedular bloqueada. Encontraram uma concordância entre todos os avaliadores (CCI de 0,86, IC 95%; 0,79-0,91), com uma tendência de maior confiabilidade para os traumatologistas em relação aos cirurgiões ortopédicos e residentes, resultado semelhante ao encontrado no presente estudo. Ali et al. 18 corroboraram esses estudos ao estudar a reprodutibilidade entre ortopedistas e radiologistas. Ao avaliar radiografias com tratamento conservador para fraturas da tíbia, observaram uma correlação interobservador significativa. Macri et al. 17 observaram uma concordância interobservador avaliada pelo CCI de 0,93 (IC 95%; 0,89-0,96).

A capacidade de suportar o peso sobre o membro faturado está diretamente relacionada à fase de consolidação óssea. Essa incapacidade pode causar alterações na marcha, portanto, o padrão de marcha pode ser uma forma prática de monitoração da consolidação das fraturas. Observa-se forte associação entre o padrão de marcha e o escore RUST.17

Ao correlacionar os critérios clínicos e radiológicos, Çekiç et al. 19 observaram que o RUST corresponde diretamente às condições clínicas dos pacientes. A presença de calo em duas ou três corticais não foi visualizada nas imagens dos pacientes que apresentavam elevado índice de dor e determinou a precisão desse escore para revelar tanta a consolidação clínica quanto a radiológica.

Conclusão

Com este trabalho pode-se confirmar que o RUST apresenta um elevado grau de confiabilidade e concordância. Como não há uma classificação radiográfica padrão-ouro para avaliar a cura das fraturas da tíbia, podemos sugerir que este sistema trata-se de uma ferramenta funcional útil, porém torna-se necessário o desenvolvimento de mais pesquisas que relacionem os achados radiográficos ao exame clínico para determiná-lo como um instrumento fundamental na prática diária.

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  • Trabalho desenvolvido no Hospital do Subúrbio, Salvador, BA, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2016
  • Aceito
    03 Maio 2016
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