Open-access Avaliação da ressonância magnética sem contraste como método para diagnóstico de lesões parciais do tendão da cabeça longa do bíceps

RESUMO

OBJETIVO:  Avaliar a ressonância magnética (RM) sem contraste como método diagnóstico da lesão parcial da cabeça longa do bíceps com o uso da cirurgia artroscópica como padrão ouro.

MÉTODOS:  Foram avaliados dados de RM e achados cirúrgicos artroscópicos de pacientes operados devido à lesão do manguito rotador e à lesão do alto do labrum de anterior para posterior (do inglês superior labral anterior to posterior SLAP). Foi usado como critério de detecção de lesão da cabeça longa do bíceps ressonância magnética sem contraste de no mínimo 1,5 Tesla, com laudo de radiologistas. Todos os casos foram operados por um único cirurgião em nosso hospital.

RESULTADOS:  O estudo avaliou dados de 965 pacientes, 311 mulheres (32%) e 654 homens (68%), com média de 45 anos, que se submeteram a cirurgia artroscópica para reparo do manguito rotador e da SLAP, entre setembro de 2012 e setembro de 2015. De forma geral, a sensibilidade e a especificidade da RM fora, de 0,22 (IC:0,17 a 0,26) e 0,98 (IC: 0,96 a 0,99), respectivamente.

CONCLUSÕES:  A RM tem baixa sensibilidade e alta especificidade para detecção de roturas parciais do tendão da cabeça longa do bíceps.

Palavras-chave: e especificidade; Manguito rotador; Imagem por ressonância magnética

ABSTRACT

OBJECTIVE:  To evaluate the use of magnetic resonance imaging (MRI) without contrast as a diagnostic method of partial lesions of the long head of the biceps, using arthroscopic surgery as the gold standard.

METHODS:  We evaluated data from MRI and arthroscopic surgical findings of patients operated due to rotator cuff and SLAP injuries. MRI without contrast of at least 1.5 T, with a radiologist report, was used as a criterion for the detection of long head of the biceps injury. All cases were operated by the same surgeon at this hospital.

RESULTS:  This study evaluated data from 965 patients, 311 women (32%) and 654 men (68%), with a mean age of 45 years, who underwent arthroscopic surgery for rotator cuff and SLAP repair from September 2012 to September 2015. Overall, the sensitivity and specificity of MRI was 0.22 (CI: 0.17-0.26) and 0.98 (CI: 0.96-0.99), respectively.

CONCLUSIONS:  MRI has a low sensitivity and high specificity for detection of partial tears of the long head of the biceps tendon.

Keywords: Sensitivity and specificity; Rotator cuff; Magnetic resonance imaging

Introdução

As lesões do tendão da cabeça longa do bíceps são comuns em pacientes com dor no ombro e necessitam de intervenção cirúrgica em aproximadamente metade dos casos. As alterações patológicas da cabeça longa do tendão do bíceps incluem tenossinovite, rotura parcial, rotura total, subluxação e luxação.1and2

Apesar de na maioria dos casos a lesão da cabeça longa do bíceps poder fazer parte de uma síndrome ou estar associada a outras patologias, não é incomum a encontrarmos como causa exclusiva da dor no ombro.3,4and5

A ressonância magnética (RM) é usada rotineiramente como um método para avaliar casos de dor no ombro e diagnosticar a doença do manguito rotador e lesões da cabeça longa do bíceps. A literatura sobre a efetividade da RM sem contraste é composta de pequenas séries de casos que examinaram a doença do bíceps, mas como objetivo secundário.1and6 Existem apenas quatro trabalhos que estudaram especificamente a validade da RM sem contraste na detecção da lesão parcial do tendão da cabeça longa do bíceps como objetivo primário, nenhum deles nacional.3,7,8and9

O objetivo do nosso estudo foi avaliar a RM como método diagnóstico da rotura parcial do tendão da cabeça longa do bíceps com o uso da cirurgia artroscópica como o padrão ouro (fig. 1).

Figura 1 -
Exemplos de lesão parcial da cabeça longa do bíceps vistos na artroscopia.

Material e métodos

Avaliamos retrospectivamente dados de 965 pacientes operados, em um único centro e por um único cirurgião. Os pacientes que seriam submetidos a procedimento cirúrgico artroscópico, para reparo de manguito rotador ou lesões SLAP, tinham os dados dos laudos da ressonância anotados, com especial atenção para a descrição das condições da cabeça longa do bíceps. Após a artroscopia eram anotados os dados referentes à cabeça longa do bíceps quando ela apresentava rotura parcial de suas fibras.

Foram incluídos pacientes com diagnóstico de lesão de manguito rotador ou SLAP, que tivessem feito RM sem contraste de no mínimo 1,5 Tesla, com laudo de um radiologista, e que tivessem sido submetidos a cirurgia artroscópica do ombro.

Foram excluídos pacientes com ressonância de qualidade inferior a 1,5 Tesla, com diagnóstico de instabilidade da articulação glenoumeral, com rotura completa de cabeça longa de bíceps e com cirurgia prévia, na qual foi feita tenotomia ou tenodese de cabeça longa de bíceps. Casos de cirurgia prévia que não tiveram abordagem da cabeça longa do bíceps não foram excluídos.

Exame artroscópico

Todos os procedimentos cirúrgicos foram feitos pelo mesmo cirurgião, com o paciente sob anestesia geral, bloqueio de plexo e posição de cadeira de praia. Tanto a articulação glenoumeral quanto o espaço subacromial foram examinados, o que permitiu a avaliação do lábio glenoidal, do manguito rotador e da cabeça longa do bíceps. O tendão da cabeça longa do bíceps foi diretamente visualizado e inspecionado para tendinite, rotura parcial ou total. Consideramos como positivos apenas os exames nos quais havia rotura parcial das fibras do tendão da cabeça longa do bíceps.

Análise estatística

Os achados cirúrgicos foram registrados para os verdadeiros e falsos positivos e verdadeiros e falsos negativos para a rotura parcial do bíceps por meio de construção de tabelas 2 × 2. Construímos tabelas para calcular sensibilidade, especificidade, valores preditivos, razão de verossimilhança e odds ratio, calculados pelo programa Excel. Foi considerado para análise de todos os dados intervalo de confiança de 95%. Usamos, para avaliar correlação entre a gravidade da patologia e a presença de lesões parciais, o coeficiente de Pearson, com uso do Excel, e consideramos valores entre 0 e 0,3 como de fraca correlação, entre 0,3 e 0,6 como de moderada correlação e maiores do que 0,6 como de forte correlação. Para essa mesma relação, também usamos o método de Mann-Whitney, pelo programa Minitab.

Resultados

Foram coletados dados de 965 pacientes, 311 mulheres (32%) e 654 homens (68%), com média de 45 anos, que se submeteram a cirurgia artroscópica para reparo de lesão de manguito rotador e SLAP, de setembro de 2012 a setembro de 2015. Os resultados obtidos, na avaliação de todos os pacientes em conjunto, estão compilados na tabela 1. A prevalência da lesão da cabeça longa do bíceps foi de 0,35 (IC:0,32 a 0,38). Os pacientes foram analisados, a depender da patologia em questão e da gravidade da lesão, em quatro grupos: com lesão SLAP (tabela 2); com rotura parcial de manguito rotador (tabela 3); com rotura de manguito rotador < 3 cm (tabela 4); e com rotura de manguito rotador > 3 cm (tabela 5).

Tabela 1-
Efetividade da ressonância magnética para diagnóstico de lesão da cabeça longa do bíceps
Tabela 2-
Efetividade da ressonância magnética para diagnóstico de lesão da cabeça longa do bíceps, quando associada a lesão SLAP
Tabela 3-
Efetividade da ressonância magnética para diagnóstico de lesão da cabeça longa do bíceps, quando associada a lesão parcial de tendão supraespinhal
Tabela 4-
Efetividade da ressonância magnética para diagnóstico de lesão da cabeça longa do bíceps, quando associada a lesão completa de tendão supraespinhal < 3 cm
Tabela 5-
Efetividade da ressonância magnética para diagnóstico de lesão da cabeça longa do bíceps, quando associada a lesão completa de tendão supraespinhal > 3 cm

A prevalência de roturas completas do manguito rotador foi de 33% (319 de 965) em toda a amostra, com 53% de roturas parciais do manguito rotador (513 de 965) e 14% de lesão SLAP (133 de 965). Das roturas completas, 7% (70 de 965) eram maiores do que 3 cm e 26% (249 de 965) eram menores do que 3 cm. A prevalência de lesão parcial da cabeça longa do bíceps foi de 9% (12 de 133) nas lesões tipo SLAP, 28% (144 de 513) nas lesões parciais de supraespinhal, 48% (119 de 249) nas lesões completas de supraespinhal menores do que 3 cm e 87% (61 de 70) nas lesões maiores do que 3 cm. Encontramos pelo coeficiente de Pearson correlação moderada entre a gravidade da lesão e a presença de lesões parciais da cabeça longa do bíceps, com resultado de 0,38. Pelo método de Mann-Whitney, encontramos valor estatisticamente significativo para essa correlação, com p < 0,0001.

Discussão

Estudos para avaliação de métodos de imagem para o diagnóstico da lesão parcial da cabeça longa do bíceps são raros na literatura. A quase totalidade dos estudos avalia a acurácia desses exames apenas para lesões completas desse tendão. Existem apenas quatro trabalhos que estudaram especificamente a validade da RM sem contraste na detecção da lesão parcial do tendão da cabeça longa do bíceps como objetivo primário.3,7,8and9

Nosso estudo demonstrou que a RM sem contraste apresenta alta especificidade para lesões parciais do tendão da cabeça longa do bíceps, no entanto com baixa sensibilidade. Parece haver consistência entre os estudos em relatar baixa sensibilidade e maior especificidade da RM na detecção de patologias da cabeça longa do bíceps.7 Houtz et al.10 apresentaram em seu trabalho baixa sensibilidade, que variou de 7% a 33%, e valores de especificidade que variaram de 95% a 100%, para 31 casos de alterações da cabeça longa do bíceps em 104 avaliados por RM sem contraste, independentemente da local de atuação dos radiologistas (comunidade vs. acadêmica). Nourissat et al., 11 que apenas examinaram a tendinopatia da porção intra-articular da cabeça longa do bíceps, relataram uma sensibilidade de 43% e um valor menor de especificidade de 75%. Beall et al., 3 que usaram um tamanho de amostra de 111 pacientes, relataram sensibilidade e especificidade de 52% e 86%, respectivamente, para as roturas totais ou parciais da cabeça longa do bíceps, com prevalência de 21% (23 de 111). Nas roturas parciais da cabeça longa do bíceps, estudos anteriores estão de acordo com o nosso, relataram baixa sensibilidade. 7and11 A prevalência de lesões parciais em um estudo feito por Mohtadi et al., 1 que examinaram a cabeça longa do bíceps em um estudo prospectivo de 58 pacientes, foi de 19%, com sensibilidade e especificidade de 50% e 70%, respectivamente. Dubrow et al.7 relataram uma sensibilidade de 28% e especificidade de 84% para a detecção de ruptura parcial da cabeça longa do bíceps. Mohtadi et al.1 relataram sensibilidade de 0% e especificidade de 94% para as lesões de espessura total dos bíceps.

Roturas parciais permanecem um desafio para o diagnóstico pela RM sem contraste devido a algumas razões. A cabeça longa do bíceps está sujeita a um artefato à ressonância, que ocorre na porção cranial da sulco intertubecular, que é envolvido por colágeno e aparece hiperintenso, pode ser confundido com uma alteração patológica.12

A anatomia do intervalo rotador é complexa e as roturas do manguito rotador podem atrapalhar a interpretação da cabeça longa do bíceps devido a fluidos que se estendem para essa região. Um outro fator é que o posicionamento do paciente com o braço em rotação interna aumenta a dificuldade de avaliar o tendão.

No nosso estudo, os valores de sensibilidade reduzida em pacientes com roturas de manguito rotador maiores do que 3 cm indicam que as lesões de maior gravidade provavelmente adicionam dificuldade de diagnosticar lesões da cabeça longa do bíceps. Razmajou et al.9 encontraram em seu estudo dados semelhantes a esse, mostraram que a gravidade da lesão do manguito rotador diminui a sensibilidade da ressonância para detectar a lesão do bíceps. Nossa análise encontrou que as lesões de manguito rotador de maior gravidade à RM apresentam menor sensibilidade e nesses casos a prevalência das roturas parciais da cabeça longa do bíceps apresenta seu maior valor. Assim, como também mostrado em outros estudos, a gravidade da doença do manguito rotador (retração do tendão, atrofia muscular e infiltração de gordura) pode resultar em subestimação da lesão do bíceps e contribuir para a sua menor sensibilidade.13

Algumas considerações devem ser feitas em relação ao nosso estudo. Ele foi analisado de forma retrospectiva, apresenta as deficiências inerentes a tais estudos. Temos ainda o fato de que as ressonâncias magnéticas foram interpretadas por radiologistas da nossa comunidade, não necessariamente treinados para interpretação de ressonância musculoesquelética, muito embora alguns estudos não tenham notado diferença entre a interpretação de radiologistas do meio acadêmico com os de comunidade.10 Porém, temos como ponto forte a amostra significativa de 965 pacientes, a maior amostra nesse assunto das que conhecemos. .1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13and14

Conclusão

A RM sem contraste apresenta baixa sensibilidade e alta especificidade para a detecção de lesões parciais do tendão da cabeça longa do bíceps. Nas lesões parciais de manguito rotador, nas lesões completas pequenas e médias, menores do que 3 cm, bem como nas lesões tipo SLAP, a sensibilidade da ressonância é um pouco melhor, mas ainda assim muito aquém do desejado. Quanto maior a gravidade da lesão do manguito rotador, menor a sensibilidade da RM para o diagnóstico da rotura parcial do tendão da cabeça longa do bíceps.

Referências bibliográficas

  • 1 Mohtadi NG, Vellet AD, Clark ML, Hollinshead RM, Sasyniuk TM, Fick GH, et al. A prospective, double- blind comparison of magnetic resonance imaging and arthroscopy in the evaluation of patients presenting with shoulder pain. J Shoulder Elbow Surg. 2004;13(3):258-65.
  • 2 Murthi AM, Vosburgh CL, Neviaser TJ. The incidence of pathologic changes of the long head of the biceps tendon. J Shoulder Elbow Surg . 2000;9(5):382-5.
  • 3 Beall DP, Williamson EE, Ly JQ, Adkins MC, Emery RL, Jones TP, et al. Association of biceps tendon tears with rotator cuff abnormalities: degree of correlation with tears of the anterior and superior portions of the rotator cuff. Am J Roentgenol. 2003;180(3):633-9.
  • 4 Cervilla V, Schweitzer ME, Ho C, Motta A, Kerr R, Resnick D. Medial dislocation of the biceps brachii tendon: appearance at MR imaging. Radiology. 1991;180(2):523-6.
  • 5 Chan TW, Dalinka MK, Kneeland JB, Chervrot A. Biceps tendon dislocation: evaluation with MR imaging. Radiology . 1991;179(3):649-52.
  • 6 Halma JJ, Eshuis R, Krebbers YM, Weits T, de Gast A. Interdisciplinary inter- observer agreement and accuracy of MR imaging of the shoulder with arthroscopic correlation. Arch Orthop Trauma Surg. 2012;132(3):311-20.
  • 7 Dubrow SA, Streit JJ, Shishani Y, Robbin MR, Gobezie R. Diagnostic accuracy in detecting tears in the proximal biceps tendon using standard nonenhancing shoulder MRI. Open Access J Sports Med. 2014;5:81-7.
  • 8 Spritzer CE, Collins AJ, Cooperman A, Speer KP. Assessment of instability of the long head of the biceps tendon by MRI. Skeletal Radiol. 2001;30(4):199-207.
  • 9 Razmjou H, Fournier- Gosselin S, Christakis M, Pennings A, ElMaraghy A, Holtby R. Accuracy of magnetic resonance imaging in detecting biceps pathology in patients with rotator cuff disorders: comparison with arthroscopy. J Shoulder Elbow Surg . 2016;25(1):38-44.
  • 10 Houtz CG, Schwartzberg RS, Barry JA, Reuss BL, Shoulder Papa L. MRI accuracy in the community setting. J Shoulder Elbow Surg . 2011;20(4):537-42.
  • 11 Nourissat G, Radier C, Aim F, Lacoste S. Arthroscopic classification of posterior labrum glenoid insertion. Orthop Traumatol Surg Res. 2014;100(2):167-70.
  • 12 Erickson SJ, Cox IH, Hyde JS, Carrera GF, Strandt JA, Estkowski LD. Effect of tendon orientation on MR imaging signal intensity: a manifestation of the magic angle phenomenon. Radiology . 1991;181(2):389-92.
  • 13 Chen CH, Hsu KY, Chen WJ, Shih CH. Incidence and severity of biceps long head tendon lesion in patients with complete rotator cuff tears. J Trauma. 2005;58(6): 1189-93.
  • 14 Patten RM. Tears of the anterior portion of the rotator cuff (the subscapularis tendon): MR imaging findings. Am J Roentgenol . 1994;162(2):351-4.
  • Trabalho desenvolvido no Hospital Orthoservice, Grupo de Ombro e Cotovelo, São José dos Campos, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2015
  • Aceito
    07 Jan 2016
location_on
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro