Recentemente tivemos a oportunidade de assistir a mais um congresso da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS).
Observamos uma perda da exuberância nos famosos exibitssempre grandiosos e que demonstram o poder econômico do sistema. Este ano foram um pouco mais modestos, com exceção de uma ou outra empresa.
Um fato que nos chamou muita atenção foi a frequência com que o tema "custo" esteve presente no programa científico.
A baixa de rendimento causada pelo Obamacare, novo sistema de remuneração da saúde, e pelo efeito complianceafetou de forma profunda o comportamento dos nossos colegas do norte, sempre acostumados a ganhos astronômicos que foram atingidos de forma importante com esses dois novos dispositivos, vamos chamar assim.
O Obamacareestabelece pacotes fechados para pagamento de procedimentos médicos, incluindo honorários e material. Assim, uma artroplastia vale X, incluindo diárias hospitalares, material, medicamentos e honorários médicos.
Num primeiro momento houve uma dificuldade grande de dividir esse dinheiro, o que cabia a quem?
Mas logo a inventividade movida pelo lucro direcionou os nossos colegas a tirar parte do custo do conforto e da segurança do paciente.
Se se gastar menos com a internação e consequentemente com a medicação, o resultado financeiro será mais favorável aos honorários.
O máximo dessa proposta ocorreu em um simpósio no qual a proposta era fazer uma artroplastia total de joelho de ambulatório, isso mesmo, o paciente interna de manhã, opera e sai de alta à noite! Em cirurgias menores, como artroscopias, osteotomias e correções de deformidades, nem se discute a alta no mesmo dia.
Dessa forma há uma diminuição do custo hospitalar e sobra mais dinheiro para ser dividido.
A defesa dessa ideia é feita nas apresentações científicas por nomes que influenciaram e influenciam muito a nossa formação.
O chamado fast-track, título que se dá ao conjunto de medidas que aceleram a estada dos pacientes em ambiente hospitalar, já começa a surgir também em algumas publicações de revistas, respeitáveis, segundo o critério de fator de impacto.
A RBO ainda não recebeu artigo sobre essa nova tendência.
O compliance, algo inventado pela indústria, que se dizia cansada de pagar propinas para médicos, causou baixa significativa do ganho de alguns de nossos colegas americanos e foi um importante fator determinante de protestos.
O fato interessante é que a cada apresentação o relator cita, e agora publica no programa, quatro a cinco relações com empresas de material cirúrgico. Essa relação seguramente é financeira, embora disfarçada como consultoria técnica.
Devemos compreender a lei do compliance, amplamente divulgada na imprensa leiga, como uma lei que veio para punir médicos que recebem dinheiro para o uso desse ou daquele material; e não para punir uma forma de corrupção induzida pela indústria para desova de seu material.
O número de palestrantes que apresentam sua relação com indústrias desmente claramente o caráter de honestidade que se pretende dar a essa atitude punitiva, pois serve apenas para alguns.
Enfim, o custo passou a ser objeto de programa científico e levou muitos a crer que dar alta no mesmo dia para um paciente submetido a uma artroplastia de joelho é algo moderno, correto e atual.
Já importamos muitas coisas da pratica médica americana e estamos em vias de aceitar o Obamacare.As seguradoras já apresentam pacotes para pagamento dos procedimentos em vários estados.
O compliancefoi objeto de uma reportagem devastadora, baseada em dois ou três médicos, que destruiu a nossa relação com as empresas fornecedoras de material cirúrgico, que logo aderiram à fascinante ideia do compliance.
Nunca a SBOT ou qualquer comitê defendeu remuneração do médico pelo uso de material cirúrgico e nem a indicação de cirurgias desnecessárias. Esta prática constitui crime na sociedade civil e gravíssima infração médica na análise da SBOT.
Essas empresas estão trocando a relação honesta e saudável com os médicos, seus reais consumidores e parceiros, com a relação com as empresas de saúde suplementar, seus pagadores.
A deterioração da relação empresas fornecedoras de material cirúrgico com os médicos está clara na dificuldade de patrocínio para os nossos programas de educação médica continuada, que levaram à suspensão de vários dos nossos congressos tradicionais.
A nossa relação com os fornecedores de material sempre foi muito produtiva, propiciou o avanço da ortopedia, trouxe para o Brasil os materiais modernos e importantes conferencistas, propiciou estágios no exterior de vários brasileiros e patrocinou nossas revistas e nossos congressos.
Enfim, vamos aguardar que o bom senso prevaleça, que os doentes sejam respeitados e que as empresas fornecedoras de material cirúrgico compreendam que a única forma de sobrevivência possível é uma solida parceria com a classe médica, que perdurava há muitos anos.
Vamos esquecer o sonho americano.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Ago 2015
Histórico
-
Aceito
20 Jul 2015