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Tromboembolismo na artroplastia: Adesão à profilaxia* * Trabalho desenvolvido no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil

Resumo

Objetivo

Identificar o perfil de adesão à profilaxia medicamentosa de tromboembolismo em pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas de artroplastia de joelho ou de quadril em hospital público.

Métodos

Estudo de coorte prospectivo, realizado no período de agosto de 2017 a setembro de 2018, com pacientes adultos que foram acompanhados desde a internação até o pós-operatório. Para medir a adesão, aplicou-se a Escala de Adesão Terapêutica de Morisky de oito itens. A quantificação do grau de adesão foi determinada segundo o resultado da soma de todas as respostas corretas: alta adesão (8 pontos), média adesão (6 a < 8 pontos), e baixa adesão (< 6 pontos). No presente estudo, foram divididos em altamente aderentes aqueles que tiveram alta adesão e parcialmente aderentes os pacientes que tiveram média ou baixa adesão.

Resultados

A análise da adesão mostrou que 73,0% dos pacientes foram altamente aderentes, enquanto 27,0% foram parcialmente aderentes à tromboprofilaxia. O anticoagulante prescrito na alta hospitalar foi o rivaroxabana, inibidor direto do fator Xa. Obtiveram maior adesão os pacientes que não necessitaram de reforço na orientação sobre a profilaxia durante o acompanhamento e, por conseguinte, relataram boa e ótima aceitação à profilaxia, embora estivessem polimedicados durante a alta hospitalar.

Conclusão

A análise dos dados obtidos permitiu concluir que os fatores que mais influenciaram na adesão foram os níveis de compreensão e aceitação dos pacientes quanto à profilaxia, a quantidade de medicamentos usada por dia pelo paciente, o custo do anticoagulante e o seu potencial em desenvolver reações adversas.

Palavras-chave:
aderência ao tratamento; anticoagulants; artroplastia; profilaxia; tromboembolismo

Abstract

Objective

The present paper aims to identify the profile of compliance to thromboembolism drug prophylaxis in patients undergoing knee or hip arthroplasty at a public hospital.

Methods

This is a prospective cohort study, carried out from August 2017 to September 2018, with adult patients who were followed-up from admission until the postoperative period. The Morisky Medication Adherence Scale, consisting of eight items, was applied. Compliance was quantified according to the sum of all correct answers as high (8 points), medium (6 to < 8 points), and low compliance (< 6 points). For the present study, subjects with high compliance were referred as highly compliant, whereas those with medium to low compliance were referred as partially compliant.

Results

The compliance analysis showed that 73.0% of the patients were highly compliant and 27.0% were partially compliant to thromboprophylaxis. The anticoagulant prescribed at hospital discharge was rivaroxaban, a direct factor Xa inhibitor. Compliance was greater in patients who did not require reinforcement in prophylaxis guidance during follow-up; these subjects reported good and excellent acceptance of prophylaxis, although they were on multiple medications at discharge.

Conclusion

The data analysis allowed us to conclude that the factors that most influenced compliance were the levels of understanding and acceptance of prophylaxis by the patients, the amount of medication used per day by the subject, the cost of the anticoagulant agent, and its potential to cause adverse reactions.

Keywords
treatment adherence; anticoagulants; arthroplasty; prophylaxis; thromboembolism

Introdução

O tromboembolismo venoso (TEV) é o termo comumente empregado para designar a trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP). Esses fenômenos estão relacionados com a tríade de Virchow: estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade.11. Carandina RF. Revisão sistemática e metanálise do perfil de risco e profilaxia de tromboembolismo venoso no Brasil e no mundo [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho 2015. Available from: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/134090
https://repositorio.unesp.br/handle/1144...

A cirurgia ortopédica de artroplastia de quadril ou de joelho é considerada fator de risco muito alto para o desenvolvimento de TEV; como profilaxia, as Diretrizes Clínicas Baseadas em Evidência do American College of Chest Physicians (ACCP, na sigla em inglês) recomendam a utilização de métodos mecânicos associados aos farmacológicos.22. Caprini JA. Risk assessment as a guide to thrombosis prophylaxis. Curr Opin Pulm Med 2010;16(05):448–45244. Falck-Ytter Y, Francis CW, Johanson NA, et al. Prevention of VTE in orthopedic surgery patients: Antithrombotic Therapy and Pre- vention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physi- cians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest 2012; 141(02):e278S–e325S

No entanto, para que a profilaxia de eventos tromboembólicos seja efetiva, torna-se essencial a adesão do paciente que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), corresponde ao grau em que o comportamento de uma pessoa se ajusta às recomendações acordadas com um profissional de saúde.55. Leme LE, Sguizzatto GT. Prophylaxis of venous thromboembo- lism in orthopaedic surgery. Rev Bras Ortop 2015;47(06): 685–693,66. Sabaté E Adherence to long-term therapies: evidence for action. Genebra, Suíça: World Health Organization; 2004

Os fatores que podem influenciar a adesão farmacológica estão agrupados em cinco categorias, a saber: relacionados ao paciente, ao sistema de saúde, à condição de saúde, à terapia e a fatores socioeconômicos. A influência variável e mesclada desses grupos exige abordagens diferenciadas a fim de garantir a adequação do paciente ao tratamento.77. Krueger KP, Berger BA, Felkey B. Medication adherence and persis- tence: a comprehensive review. Adv Ther 2005;22(04):313–356,88. Peidro-Garcés L, Otero-Fernandez R, Lozano-Lizarraga L. Adher- ence to and satisfaction with oral outpatient thromboembolism prophylaxis compared to parenteral: SALTO study. Rev Esp Cir Ortop Traumatol 2013;57(01):53–60

Desta forma, o presente estudo tem como objetivo identificar o perfil e os fatores relacionados à adesão da profilaxia medicamentosa de TEV por pacientes adultos após cirurgias eletivas de artroplastia de quadril ou joelho.

Métodos

Critérios de inclusão

Pacientes com idade ≥ 18 anos que realizaram cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho e que tinham indicação para profilaxia farmacológica de TEV.

Critérios de não inclusão

Pacientes nos quais foram observados desorientação ou dificuldade na compreensão dos objetivos do estudo, ou ainda, aqueles que não aceitaram participar da pesquisa.

Critérios de exclusão

Pacientes que não compareceram às consultas de retorno no pós-operatório ou aqueles que necessitaram prolongar a internação e, consequentemente, fizeram a profilaxia estendida no hospital.

Tipo de estudo e amostra

Realizou-se um estudo de coorte prospectivo no período de agosto de 2017 a setembro de 2018.

A amostra corresponde ao total de pacientes que fizeram cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho durante o período do estudo, totalizando 112 pacientes. No entanto, 15,2% (17) não participaram por atenderem aos critérios de não inclusão e 22,3% (25) foram excluídos. Portanto, foi acompanhado um total de 70 pacientes (►Figura 1).

Fig. 1.
Fluxograma para determinação da amostra.

Local

O estudo foi realizado em um hospital público federal de ensino. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do local onde foi realizada a pesquisa é de ∼ 1.014.837 habitantes (censo de 2010). É um município cuja renda per capita de 38,8% da população é de até ½ salário mínimo, enquanto o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,768.99. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil em Síntese: Índice de Desenvolvimento Humano 2017. Disponível em: https://ibge.gov.br/
https://ibge.gov.br/...

Coleta dos dados

A abordagem ao paciente foi iniciada durante a internação e continuou no ambulatório de ortopedia até a conclusão da profilaxia. Foi feita a triagem diária de todos os internados para cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho através do relatório diário de cirurgias.

Ao primeiro contato, foram explicados os objetivos do estudo, o significado do TEV e seus riscos, além da importância da profilaxia no pós-operatório. Na alta hospitalar, os participantes receberam orientações sobre o uso dos medicamentos prescritos e seu primeiro retorno ao ambulatório, quando seria feita a entrevista. Esta, por sua vez, deu-se em um período de 15 dias após a alta, tempo médio 17.9 dias (desvio padrão [DP] = 5,8 dias).

Assim, foram coletados os seguintes dados:
  1. a)

    Dados sócio-demográfico-econômicos: idade, gênero, cor da pele (autodeclarada), renda familiar, meio de deslocamento (transporte coletivo ou próprio), ocupação, estado civil, nível de escolaridade e composição familiar.

  2. b)

    Dados clínicos: tipo de cirurgia (artroplastia de joelho ou quadril), complicações pós-operatórias, existência ou não de doenças crônicas e uso ou não de medicamentos de uso contínuo.

  3. c)

    Dados sobre a adesão medicamentosa: foi utilizado um método indireto para medir a adesão, através da aplicação da Escala de Morisky de oito itens em uma versão em português da Morisky Medication Adherence Scale (MMAS – 8, na sigla em inglês), que foi traduzida e validada em um estudo brasileiro para avaliação da adesão ao uso de anti-hipertensivos.1010. Oliveira-Filho AD, Barreto-Filho JA, Neves SJ, Lyra Junior DP. Association between the 8-item Morisky Medication Adherence Scale (MMAS-8) and blood pressure control. Arq Bras Cardiol 2012;99(01):649–658

A Escala de Morisky é um questionário de autorrelato com oito perguntas de respostas fechadas de caráter dicotômico sim/não, das quais sete devem ser respondidas negativamente e apenas uma positivamente, com a última questão sendo respondida segundo uma escala de 5 opções.1111. Morisky DE, Ang A, Krousel-Wood M, Ward HJ. Predictive validity of a medication adherence measure in an outpatient setting. J Clin Hypertens (Greenwich) 2008;10(05):348–354 A escala foi aplicada em dois momentos: no primeiro retorno ambulatorial após a alta hospitalar e poucos dias antes de finalizar o período previsto da profilaxia. No segundo momento, o questionário foi aplicado por telefone.

A quantificação do grau de adesão foi determinada segundo o resultado da soma de todas as respostas corretas: alta adesão (8 pontos), média adesão (6 a < 8 pontos) e baixa adesão (< 6 pontos).1111. Morisky DE, Ang A, Krousel-Wood M, Ward HJ. Predictive validity of a medication adherence measure in an outpatient setting. J Clin Hypertens (Greenwich) 2008;10(05):348–354 No presente estudo, os pacientes foram divididos em altamente aderentes, aqueles que tiveram alta adesão, e parcialmente aderentes, os pacientes que tiveram média ou baixa adesão.

As diretrizes recomendam a administração da profilaxia farmacológica por um período mínimo de 10 a 14 dias para artroplastia total de joelho e artroplastia total de quadril, porém sugerem a continuação por até 35 dias após a cirurgia de quadril.44. Falck-Ytter Y, Francis CW, Johanson NA, et al. Prevention of VTE in orthopedic surgery patients: Antithrombotic Therapy and Pre- vention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physi- cians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest 2012; 141(02):e278S–e325S,1212 Nunes V, Neilson J, O’Flynn N, et al. Clinical guidelines and evidence review for medicines adherence: involving patients in decisions about prescribed medicines and supporting adherence. National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) and National Collaborating Centre for Primary Care London 2009,1313. Pai M, Douketis JD. Prevention of venous thromboembolism in orthopedic surgical patients. Waltham, MA: Up to Date®; 2018. Available from: http://www.uptodate.com
http://www.uptodate.com...

Diferentemente da análise de adesão nas doenças crônicas, na qual o paciente é considerado aderente mesmo usando o medicamento 80% do tempo, os estudos de adesão à tromboprofilaxia em pós-cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho ratificam que o paciente é considerado não aderente quando deixa de usar o medicamento em pelo menos um dia durante o período da profilaxia.55. Leme LE, Sguizzatto GT. Prophylaxis of venous thromboembo- lism in orthopaedic surgery. Rev Bras Ortop 2015;47(06): 685–693,1414. Wilke T, Müller S. Nonadherence in outpatient thromboprophy- laxis after major orthopedic surgery: a systematic review. Expert Rev Pharmacoecon Outcomes Res 2010;10(06):691–700

Relação das variáveis com a adesão

De acordo com os cinco grupos de fatores que podem influenciar a adesão,66. Sabaté E Adherence to long-term therapies: evidence for action. Genebra, Suíça: World Health Organization; 2004 a presente pesquisa relacionou variáveis inseridas nos seguintes conjuntos de fatores: socioeconômicos, condição de saúde e paciente.

Análise estatística

Os dados foram avaliados pelo programa NCSS 11 (v.2017, SGM Analysis, Kaysville, Utah, USA). As variáveis qualitativas foram apresentadas em tabelas com frequências absoluta e relativa, e as quantitativas em média e DP. A normalidade dos dados foi testada usando o teste de D’Agostinho-Pearson. Posteriormente, para se avaliar a associação das variáveis classificatórias com os dois níveis de adesão (altamente aderentes e parcialmente aderentes), fez-se o teste não paramétrico de qui-quadrado de independência (χ2). Para avaliar a correlação linear entre as variáveis numéricas, foi utilizada a Correlação não-paramétrica de Spearman. O nível de significância para se rejeitar a hipótese de nulidade foi de 5%, ou seja, considerou-se como estatisticamente significante um valor de p < 0,05.

Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição sob o número de aprovação 2.206.256.

Resultados

O perfil dos pacientes quanto às variáveis sócio-demográfico-econômicas mostrou um predomínio do sexo feminino, da faixa etária > 60 anos, com idade média de 60,5 anos (DP = 16 anos), de uma renda média de 2 a 3 salários mínimos, de até 4 anos de estudo e aposentados (►Tabela 1). Houve predomínio de artroplastia de quadril (85,7%) e de pacientes que declararam serem portadores de algum tipo de comorbidade (65,7%). Entre as doenças crônicas relatadas, a hipertensão foi a mais citada (52,9%), seguida de diabetes e artrite (ambas as condições com 11,4%). Consequentemente, 70% dos pacientes faziam uso de ≥ 5 comprimidos por dia durante a alta (►Tabela 2).

Tabela 1.
Perfil sócio-econômico-demográfico dos pacientes e relação das variáveis com o nível de adesão
Tabela 2.
Perfil dos pacientes quanto às variáveis clínicas e relação com o nível de adesão

O anticoagulante prescrito para todos os pacientes na alta hospitalar foi o inibidor do fator Xa, rivaroxabana, o qual for a adquirido através das redes particulares de farmácia. Durante a internação, os pacientes receberam heparina não fracionada (84,3%), rivaroxabana (10%) e heparina de baixo peso molecular (HBPM) (5,7%).

De acordo com a Escala de Morisky aplicada, 73% (51) dos pacientes foram altamente aderentes à profilaxia (totalizando 8 pontos). Os pacientes classificados como parcialmente aderentes atingiram um nível de 27% (19) (►Tabela 3).

Tabela 3.
Respostas e pontuação obtida na Escala de Morisky 8 itens

O tempo médio de internação dos pacientes foi de 5,6 dias (DP = 3,7). Quanto ao tempo da profilaxia estendida, o estudo demonstrou que o grupo parcialmente aderente teve um tempo médio de 27 dias (variação de 8 a 35 dias), enquanto no altamente aderente a média foi de 33 dias (variação de 15 a 38 dias). Essa diferença no tempo entre os 2 grupos foi estatisticamente significativa (p < 0,05).

Quando questionados sobre as razões da não adesão, os motivos mais relatados foram o abandono ou a interrupção do tratamento por suspeita de reação adversa ao anticoagulante e por falta de recursos financeiros para aquisição do mesmo (►Tabela 4).

Tabela 4.
Motivos relatados para a não adesão

Apenas uma complicação relacionada ao TEV e uma à plaquetopenia induzida por heparina foram registradas no pós-operatório. No entanto, não foram documentadas as complicações dos pacientes que foram excluídos do estudo.

A maioria dos pacientes não relatou reações adversas relacionadas ao uso do rivaroxabana (70%) após a alta hospitalar. As mais relatadas foram constipação e dores abdominais (►Figura 2).

Fig. 2.
Principais reações adversas relatadas.

A maioria dos pacientes acompanhados sabia da finalidade do uso do anticoagulante (82,9%), conhecia a forma de usá-lo (92,9%) e relatou boa e ótima aceitação quanto à profilaxia. Como resultado, houve pouca necessidade de reforçar orientações (74,3%) quanto à profilaxia e a posologia do anticoagulante (►Tabela 5).

Tabela 5.
Perfil quanto às variáveis relacionadas ao paciente e relação com o nível de adesão

Fatores sócio-demográfico-econômicos versus adesão

Na ►Tabela 1, os dados mostram que não há relação entre as variáveis sociais e econômicas com a adesão.

Fatores relacionados à condição de saúde versus adesão

A ►Tabela 2 relaciona as variáveis clínicas com o nível de adesão, na qual se observa que a quantidade de medicamentos usada por dia no momento da alta hospitalar teve relação com a adesão.

Fatores relacionados ao paciente versus adesão

A ►Tabela 5 mostra que o grau de aceitação à profilaxia e a necessidade de orientação dos pacientes tiveram relação com a adesão. Logo, pacientes que relataram ótima e boa aceitação ao tratamento e aqueles que não precisaram de orientação no decorrer do acompanhamento tiveram maior percentual como altamente aderentes à profilaxia.

Discussão

O presente estudo demonstrou que na tromboprofilaxia ambulatorial, após cirurgias de artroplastia de quadril ou de joelho, não houve alta adesão em todos os pacientes, com 27% de adesão parcial (média ou baixa adesão). Este resultado coincide com aqueles observados em uma metanálise que demonstrou uma faixa percentual de não adesão à tromboprofilaxia entre 13 e 37%.1414. Wilke T, Müller S. Nonadherence in outpatient thromboprophy- laxis after major orthopedic surgery: a systematic review. Expert Rev Pharmacoecon Outcomes Res 2010;10(06):691–700

A duração da profilaxia estendida não foi adequada e houve interrupções durante o período de uso do anticoagulante no grupo parcialmente aderente. Estes resultados assemelham-se aos mostrados em um estudo no qual os dados analisados mostraram que houve uma variação de entre 10 a 21 dias no período de tromboprofilaxia.1414. Wilke T, Müller S. Nonadherence in outpatient thromboprophy- laxis after major orthopedic surgery: a systematic review. Expert Rev Pharmacoecon Outcomes Res 2010;10(06):691–700

A taxa de eventos tromboembólico e hemorrágico observada é semelhante à demonstrada na literatura, a qual mostra que um regime anticoagulante preventivo de 35 a 40 dias reduz o risco de trombose de 3,3 para 1,3%. O risco de acidente hemorrágico maior é de 0,7 a 0,9%.1515. Lebel B, Malherbe M, Gouzy S, et al. Oral thromboprophylaxis following total hip replacement: the issue of compliance. Orthop Traumatol Surg Res 2012;98(02):186–192

Os agentes antitrombóticos incluem agentes antiplaquetários e anticoagulantes. Estes são encontrados em grande variedade no mercado farmacêutico, com atuação em uma ou mais etapas na cascata de coagulação, através de mecanismos de ação que incluem a inibição enzimática direta, a inibição indireta pela ligação à antitrombina e o antagonismo dos fatores dependentes da vitamina K.1616. Leung LLK. Direct oral anticoagulants and direct parenteral thrombin inhibitors: dosage and adverse effects. Waltham, MA: Up to Date®; 2018. Disponível em: http://www.uptodate.com
http://www.uptodate.com...

Os inibidores diretos do fator Xa representam os anticoagulantes mais recentes introduzidos no mercado e estão sendo cada vez mais usados pelos clínicos, pois além de terem um perfil farmacocinético mais favorável, estudos sugerem que a segurança e a eficácia para a prevenção de TEV são similares à terapia padrão com HBPM.1111. Morisky DE, Ang A, Krousel-Wood M, Ward HJ. Predictive validity of a medication adherence measure in an outpatient setting. J Clin Hypertens (Greenwich) 2008;10(05):348–354,1717. Garcia A, Oliveira LCO Anticoagulantes Indicações e complicações. Controle da anticoagulação. In: Zago MA, Falcão RP, Pasquini R, editores. Tratado de Hematologia. São Paulo: Atheneu; 2013: 693–708 Como representante deste grupo, tem-se a rivaroxabana.

Na alta hospitalar, todos os pacientes receberam prescrição de rivaroxabana 10 mg, um anticoagulante que apresenta esquema posológico simples (um comprimido por dia), porém apresenta também um custo elevado para o perfil socioeconômico dos pacientes estudados, uma vez que não era dispensado na alta hospitalar.

Portanto, uma questão relevante a ser levantada para a adesão medicamentosa é o custo do produto, motivo pelo qual alguns pacientes interromperam a profilaxia (8,6%) na presente pesquisa. Segundo autores, este fato seria um dos fatores preditores da má adesão.1818. Osterberg L, Blaschke T. Adherence to medication. N Engl J Med 2005;353(05):487–497

Em países como o Brasil, a acessibilidade aos medicamentos é um fator crucial ao se analisar a adesão medicamentosa, principalmente em estados cujo IDH é baixo, como na região onde foi realizado o presente estudo.99. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil em Síntese: Índice de Desenvolvimento Humano 2017. Disponível em: https://ibge.gov.br/
https://ibge.gov.br/...
O acesso do paciente ao medicamento seria a primeira condição necessária para aderir ou não ao tratamento.1919. Leite SN, Vasconcellos MP. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Cienc. Saúde Coletiva 2003;8(03):775–782

Considerando os grupos de fatores com potencial de influenciar a adesão, segundo Sabaté,66. Sabaté E Adherence to long-term therapies: evidence for action. Genebra, Suíça: World Health Organization; 2004 os resultados apresentados no presente estudo mostraram que os dados sóciodemográfico-econômicos não tiveram relação com os níveis de adesão, como já demonstrado por outros autores.77. Krueger KP, Berger BA, Felkey B. Medication adherence and persis- tence: a comprehensive review. Adv Ther 2005;22(04):313–356,1818. Osterberg L, Blaschke T. Adherence to medication. N Engl J Med 2005;353(05):487–497

No entanto, acredita-se que fatores sociais e econômicos em países como o Brasil possam exercer influência sobre a adesão, uma vez que podem impor ao paciente uma condição de escolha entre prioridades.2020. Castro MS, Corrêa PM, Diemen TV. Comunicação e adesão à farmacoterapia. In: Soares L, Farias MR, Leite SN, Campese M, Manzini FAtuação clínica do farmacêutico. Assistência Farm- acêutica no Brasil: política, gestão e clínica. Florianópolis: EdUFSC; 2016

Observou-se também que, na amostra estudada, houve o predomínio de pacientes idosos, com comorbidades e polimedicados. Esta última condição é definida como o uso simultâneo de ≥ 5 princípios ativos2121. Santos M, Almeida A. Polimedicação no idoso. Rev Enferm 2010; 03(02):149–162 e teve relação com a adesão (p < 0,05).

Este resultado difere do de outro estudo cujos autores mostraram a polimedicação como fator que reduz ou não exerce nenhuma influência sobre a adesão.77. Krueger KP, Berger BA, Felkey B. Medication adherence and persis- tence: a comprehensive review. Adv Ther 2005;22(04):313–356 No entanto, evidências sugerem que pacientes com maior número de medicamentos de forma contínua são mais propensos a seguir as medidas necessárias para manter ou corrigir sua saúde.2222. Ungari AQ. Adesão ao tratamento farmacológico de pacientes hipertensos seguidos nos Núcleos de Saúde da Família do muni- cípio de Ribeirão Preto, SP [dissertação]. Ribeirão Preto: Univer- sidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2007

A análise dos resultados do estudo também mostrou que pacientes que não necessitaram de reforço na orientação sobre a profilaxia ao longo do acompanhamento tiveram maior percentual de alta adesão, mostrando que a compreensão das informações influenciou a adesão, diferentemente do grau de escolaridade dos pacientes.

Dados semelhantes foram encontrados em uma revisão sistemática que demonstrou que o maior grau de conhecimento da doença e percepção do seu risco sugeriram maior relação à adesão. A mesma revisão também mostrou que o nível de educação do paciente desempenha um papel relevante na adesão; porém, a compreensão das instruções e a importância do tratamento, provavelmente, são mais importantes do que o nível de escolaridade do paciente.77. Krueger KP, Berger BA, Felkey B. Medication adherence and persis- tence: a comprehensive review. Adv Ther 2005;22(04):313–356

Outra variável que teve relação com a adesão (p < 0,05) foi o grau de aceitação da profilaxia. Este resultado assemelha-se também a outro que mostra que quando o paciente sente satisfação e acredita no tratamento, há maior relação com a adesão.77. Krueger KP, Berger BA, Felkey B. Medication adherence and persis- tence: a comprehensive review. Adv Ther 2005;22(04):313–356

Houve prevalência de pacientes que não relataram suspeita de reações adversas com o uso do anticoagulante; no entanto, entre aqueles que relataram, 8,6% (6) interromperam ou abandonaram o tratamento. Este dado reforça a teoria de que os eventos adversos são considerados fatores influenciadores da adesão medicamentosa.66. Sabaté E Adherence to long-term therapies: evidence for action. Genebra, Suíça: World Health Organization; 2004

Uma limitação do presente estudo foi a utilização do método indireto de autorrelato para medir a adesão medicamentosa, o qual não garante haver correspondência fidedigna entre o comportamento real e o verbalizado, podendo levar a imprecisões na interpretação de altamente aderentes/parcialmente aderentes. O presente estudo também utilizou apenas um indicador para medir a adesão, que foi a Escala de Morisky. Acredita-se que novos estudos precisam ser realizados com o uso de métodos que utilizem mais de um indicador para medir a adesão, multicêntricos, que permitam detalhar melhor os fatores preditivos da não adesão já levantados pelas pesquisas atuais.

Conclusão

A análise dos dados obtidos permitiu concluir que não houve alta adesão em todos os pacientes à tromboprofilaxia estendida após cirurgias de artroplastia de quadril ou de joelho. Os fatores que mais influenciaram na adesão foram os níveis de compreensão e aceitação dos pacientes quanto à profilaxia, a quantidade de medicamentos usada por dia pelo paciente, o custo do anticoagulante e o seu potencial em desenvolver reações adversas.

Suporte Financeiro

Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.

Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimento

Agradecemos o apoio da equipe do Programa de PósGraduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, e à Gerência de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), MA, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2020
  • Aceito
    11 Fev 2021
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