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Estenose lombar: caso clínico Trabalho realizado na Unidade Local de Saúde Alto Minho, Viana do Castelo, Portugal.

Resumos

A estenose lombar é uma patologia cada vez mais frequente, que acompanha o aumento da esperança média de vida e que comporta custos elevados para a nossa sociedade. Apresenta inúmeras causas, entre as quais destacam-se a degenerativa, a neoplásica e a traumática. A maioria dos pacientes responde bem à terapêutica conservadora. O tratamento cirúrgico está reservado para aqueles doentes que apresentem sintomatologia após a implementação de medidas conservadoras. É apresentado um caso de estenose grave da coluna lombar em vários níveis, numa doente do sexo feminino com antecedentes patológicos/cirúrgicos da coluna lombar, na qual foram aplicadas duas técnicas distintas de descompressão, no mesmo ato cirúrgico.

Coluna vertebral; Estenose espinal; Laminectomia


Lumbar stenosis is an increasingly common pathological condition that is becoming more frequent with increasing mean life expectancy, with high costs for society. It has many causes, among which degenerative, neoplastic and traumatic causes stand out. Most of the patients respond well to conservative therapy. Surgical treatment is reserved for patients who present symptoms after implementation of conservative measures. Here, a case of severe stenosis of the lumbar spine at several levels, in a female patient with pathological and surgical antecedents in the lumbar spine, is presented. The patient underwent two different decompression techniques within the same operation.

Spine; Spinal stenosis; Laminectomy


Introdução

A estenose lombar é definida como a diminuição patológica do canal vertebral e/ou dos forames intervertebrais, o que leva à compressão do saco tecal e/ou das raízes nervosas, e pode estar confinada apenas a um segmento (duas vértebras adjacentes e o disco intervertebral, facetas articulares e ligamentos correspondentes) ou, em situações mais graves, abranger dois ou mais segmentos11. Spivak JM. Current concepts review. Degenerative lumbar spinal stenosis. J Bone Joint Surg Am. 1998;80(7):1053–66. e apresentar várias etiologias.

À medida que a esperança média de vida aumenta, pessoas mais idosas apresentam um estilo de vida ativo e, consequentemente, a limitação funcional e a dor por causa de uma patologia degenerativa da coluna sintomática tornam-se um fenômeno mais frequente e a estenose lombar é uma patologia importante.

As principais manifestações clínicas são a lombalgia, geralmente associada a irradiação para os membros inferiores, e a claudicação neurogênica.

Os exames radiológicos, notadamente o RX lombar, a tomografia computorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), são ferramentas úteis e indispensáveis no diagnóstico/caracterização da estenose lombar.

A terapêutica continua a ser um desafio clínico, com várias opções disponíveis.

Relato de caso

Doente de 53 anos, sexo feminino, etnia branca, observada em consulta externa de ortopedia por lombalgia em contexto de carga constante, com irradiação para ambos os membros inferiores, com cerca de dois anos de evolução, em território de L5 e S1, apesar da terapêutica conservadora – analgesia, Aines, miorrelaxantes e fisioterapia – instituída pelo médico de família. Refere claudicação neurogênica. Sem história prévia de traumatismo.

Refere antecedentes pessoais de hérnia discal presente em dois segmentos da coluna lombar (L3-L4 e L4-L5) e ter sido submetida a discectomia lombar clássica.

Ao exame físico apresentava dor à palpação das apófises espinhosas lombares, bem como massas paravertebrais. Sinal de Lasegue positivo bilateralmente. Exame neurológico revela pé pendente à direita.

A RM lombar demonstrou abaulamento do disco intervertebral, hipertrofia das facetas articulares e ligamento amarelo nos níveis L2-L3, L3-L4, L4-L5 e L5-S1, que condicionam estreitamento do canal raquidiano, com comprometimento das raízes de L4, L5 e S1 (figs. 1 e 2 A, B). Fez ainda eletromiografia dos membros inferior que revelou radiculopatia severa L5 e S1.

Figura 1
RMN da coluna lombar (corte sagital) em que se verifica estenose lombar L2-S1.
Figura 2
RMN da coluna lombar (corte axial) em que se verifica estreitamento do canal raquidiano nos níveis (A) L4-L5 e (B) L5-S1.

Foi então estabelecido o diagnóstico de estenose lombar L2-L3, L3-L4, L4-L5, L5-S1, associada a déficits neurológicos, e foi proposto tratamento cirúrgico. A doente foi submetida a recalibragem lombar L2-L3 e L3-L4 pela técnica de Senegas e L4-L5 e L5-S1 por laminectomia e fixação com parafusos transpediculares e artrodese posterolateral com enxerto ósseo autólogo (fig. 3).

Figura 3
RX da coluna lombar após a cirurgia com artrodese L4-S1.

A doente apresentou regressão de déficits neurológicos no pós-operatório. Atualmente é seguida em consulta externa e encontra-se assintomática.

Discussão

A estenose lombar apresenta uma incidência de 1,7%-8% na população geral e aumenta a partir da quinta década de vida.22. Lieberman JR, Pensak MJ. Prevention of venous thromboembolic disease after total hip and knee arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(19):1801–11.

Pode ser classificada de acordo com a etiologia, mas também com a anatomia. A classificação etiológica divide-se em estenose congênita e estenose adquirida/degenerativa. A estenose congênita caracteriza-se por um estreitamento do canal vertebral idiopático ou secundário a uma displasia óssea como acondroplasia. A estenose adquirida/degenerativa pode ocorrer como resultado de uma doença metabólica (ex: doença de Paget), tumor, infecção, alterações osteoartrósicas ou instabili-dade com ou sem espondilolistese. A classificação anatômica é usada para identificar áreas específicas de estenose e são úteis como "guias" para a descompressão cirúrgica. Divide-se em estenose (1) central, (2) do recesso lateral, (3) foraminal e (4) extraforaminal.

A estenose lombar degenerativa dos adultos, presente neste caso clínico, está quase sempre associada a um aumento osteofítico/degenerativo das facetas articulares e essas alterações têm como causa a instabilidade segmentar. Acredita-se que todo esse processo degenerativo tenha início na degeneração do disco intervertebral, seguida do colapso do espaço discal,33. Kirkaldy-Willis WH, Wedge JH, Yong-Hing K, Reilly J. Pathology and pathogenesis of lumbar spondylosis and stenosis. Spine (Phila PA 1976). 1978;3(4):319–28. que condiciona uma cinética de movimento anormal, com consequente osteoartrose/hipertrofia das facetas articulares, o que resulta numa diminuição da porção central e intervertebral do canal vertebral. Por causa da perda de altura do disco e da hipertrofia das facetas articulares, verifica-se um encurtamento e um espessamento do ligamento amarelo, que também contribui para a diminuição do espaço central do canal vertebral. Em determinados pacientes ainda se pode verificar a presença de cistos degenerativos na região sinovial das facetas articulares, que causam um efeito "massa" e contribuem para um maior grau de estenose lombar.

A apresentação clínica clássica da estenose lombar consiste na claudicação neurogênica bilateral, bem como lombalgia crônica com irradiação para os membros inferiores, que agrava com o ortostatismo prolongado, a atividade física e a extensão lombar. Alguns pacientes descrevem melhoria dos sintomas quando se sentam e/ou flexionam a coluna lombar. É necessário distinguir a claudicação neurogênica da claudicação vascular. Essa não apresenta agravamento durante o ortostatismo prolongado e não alivia com a flexão da coluna lombar, ao contrário do verificado na claudicação neurogênica. Ao exame objetivo, os pacientes com claudicação vascular geralmente apresentam alterações do pulso arterial, bem como alterações tróficas (pele mais fina, brilhante). O uso da prova de esforço pode ser útil na distinção dessas duas entidades clínicas. Um pequeno numero de pacientes apresenta, associado à claudicação neurogênica, priapismo e/ou disfunção esfincteriana, o que revela um grau de estenose lombar mais severo. Alterações da sensibilidade dos membros inferiores e dos reflexos tendinosos também podem estar presentes.

Existem diversas patologias que apresentam sintomatologia semelhante e é necessário fazer o diagnóstico diferencial. É importante excluir tumores (primários, metástases), doença de Paget e infeção, bursite trocantérica e coxartrose/gonartrose.44. Jönsson B, Strömqvist B. Symptoms and signs in degeneration of the lumbar spine. A prospective, consecutive study of 300 operated patients. J Bone Joint Surg Br. 1993;75(3):381–5.

O diagnóstico de estenose lombar pode ser confirmado com o uso de tomografia computorizada (TC) e ressonância magnética (RM). A TC é o exame que apresenta maior custo-eficácia e fornece um detalhe excelente das estruturas ósseas, sobretudo na região do recesso lateral. A RM proporciona uma visão superior dos tecidos moles, muito útil na avaliação de patologia do disco intervertebral, e apresenta uma eficácia superior à TC e à mielografia.55. Postacchini F, Amatruda A, Morace GB, Perugia D. Magnetic resonance imaging in the diagnosis of lumbar spinal canal stenosis. Ital J Orthop Traumatol. 1991;17(3):327–37. A eletromiografia, que testa a velocidade de condução nervosa e avalia os potenciais evocados somatosensorais, não faz parte da avaliação de rotina da estenose lombar. É útil para distinguir a radiculopatia por causa da compressão lombar e da neuropatia diabética que afeta os nervos periféricos sensório-motores.

O tratamento da estenose lombar apresenta duas variantes principais: o conservador e o cirúrgico.

Os pilares do tratamento conservador são o uso de fármacos, a fisioterapia, o uso de um lombostato e a injeção epidural de corticosteroides. O uso de anti-inflamatórios não esteroides proporciona uma melhoria sintomática, ao diminuir a resposta inflamatória associada à compressão dos elementos neurais. A fisioterapia baseia-se em exercícios de alongamento e fortalecimento de coluna lombar, bem como exercícios aeróbicos (bicicleta estática). O uso de lombostato pode ser útil no alívio dos sintomas, ao diminuir a lordose lombar, e apresenta melhores resultados em pacientes com espondilolistese.66. Willner S. Effect of a rigid brace on back pain. Acta Orthop Scand. 1985;56(1):40–2. A injeção de corticosteroides no tratamento de patologia lombar, notadamente estenose lombar, permanece controversa.77. Rydevik BL, Cohen DB, Kostuik JP. Spine epidural steroids for patients with lumbar spinal stenosis. Spine (Phila PA 1976). 1997;22(19):2313–7. Vários estudos feitos até hoje não conseguiram demonstrar uma resposta eficaz na resolução da radiculopatia.77. Rydevik BL, Cohen DB, Kostuik JP. Spine epidural steroids for patients with lumbar spinal stenosis. Spine (Phila PA 1976). 1997;22(19):2313–7.

O tratamento cirúrgico deve ser feito depois da implementação de terapêuticas conservadoras, visto que a estenose lombar não é uma entidade "ameaçadora" de vida, embora a progressão de déficits neurológicos e a síndrome de cauda equina sejam indicações para descompressão cirúrgica urgente. A laminectomia descompressiva padrão envolve a remoção das apófises espinhosas, da lâmina e do ligamento amarelo nos níveis afetados. Essa abordagem permite a visualização direta das raízes nervosas e sua descompressão ao longo de todo o trajeto. Recentemente assiste-se ao desenvolvimento de técnicas cirúrgicas descompressivas menos invasivas, que preservam estruturas posteriores ósseas e ligamentares, numa tentativa de diminuir a instabilidade pós-operatória. Essas técnicas incluem laminectomia com ressecção angular da porção anterior e lateral da lâmina, laminotomia unilateral/bilateral seletiva, laminectomia parcial e laminoplastia lombar.88. Kanamori M, Matsui H, Hirano N, Kawaguchi Y, Kitamoto R, Tsuji H. Trumpet laminectomy for lumbar degenerative spinal stenosis. J Spinal Disord. 1993;6(3):232–7.1010. Tsuji H, Itoh T, Sekido H, Yamada H, Katoh Y, Makiyama N, et al. Expansive laminoplasty for lumbar spinal stenosis. Int Orthop. 1990;14(3):309–14. Em determinados casos é possível aplicar, no mesmo doente, várias técnicas cirúrgicas em diferentes níveis vertebrais e reserva-se a laminectomia padrão para os níveis que apresentem estenose mais severa.55. Postacchini F, Amatruda A, Morace GB, Perugia D. Magnetic resonance imaging in the diagnosis of lumbar spinal canal stenosis. Ital J Orthop Traumatol. 1991;17(3):327–37. Os resultados clínicos da descompressão cirúrgica da estenose lombar são favoráveis,1111. Turner JA, Ersek M, Herron L, Deyo R. Surgery for lumbar spinal stenosis. Attempted meta-analysis of the literature. Spine (Phila Pa 1976). 1992;17(1):1–8. com remissão dos sintomas, embora estudos recentes indiquem que a melhoria clínica inicial tende a deteriorar-se com o passar do tempo.1212. Postacchini F, Cinotti G, Gumina S, Perugia D. Long-term results of surgery in lumbar stenosis. 8-year review of 64 patients. Acta Orthop Scand Suppl. 1993;251:78–80. A espondilolistese pós-descompressão sem artrodese lombar é uma das complicações mais comuns. Como tal, deve-se fazer artodese da coluna lombar com enxerto autólogo e fixação com parafusos transpediculares em todos os pacientes que apresentem instabilidade pela ressecção das facetas articulares durante a descompressão.1313. Booth Jr RE, Spivak J. The surgery of spinal stenosis. Instr Course Lect. 1994;43:441–9. É obrigatório fazer a artrodese lombar em pacientes com estenose lombar e espondilolistese ou escoliose degenerativa.1313. Booth Jr RE, Spivak J. The surgery of spinal stenosis. Instr Course Lect. 1994;43:441–9.

Com a apresentação desse caso clínico pretende-se salientar o fato de se tratar de uma doente com antecedentes patológicos/cirúrgicos da coluna lombar, que apresentava uma estenose grave com envolvimento da coluna lombar em vários níveis, na qual foram aplicadas duas técnicas distintas de descompressão no mesmo ato cirúrgico com bons resultados.

  • Trabalho realizado na Unidade Local de Saúde Alto Minho, Viana do Castelo, Portugal.

REFERENCE

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  • 13
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2013
  • Aceito
    08 Out 2013
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