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Correlação da flexão do cotovelo com a flexão da mão e do punho após neurotização dos fascículos do nervo ulnar para ramo motor do bíceps Trabalho desenvolvido na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Grupo Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva, São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

O ganho da flexão do cotovelo em pacientes com lesão no plexo braquial é de suma importância. A cirurgia de transferência de fascículo do nervo ulnar para ramo motor do nervo musculocutâneo (cirurgia de Oberlin) é uma opção de tratamento. Contudo, o ganho da flexão do cotovelo, em alguns pacientes, vem associado à flexão do punho e dos dedos. O objetivo deste trabalho é avaliar a frequência dessa associação e o comprometimento funcional do membro.

MÉTODOS:

Estudo tipo caso-controle de 18 pacientes submetidos à cirurgia de Oberlin. No Grupo 1 foram incluídos os pacientes que não apresentavam dissociação do ganho da flexão do cotovelo com a dos dedos e do punho; no Grupo 2, os pacientes em que havia dissociação. Os testes de Sollerman e Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (Dash) foram usados na avaliação funcional.

RESULTADOS:

Observou-se que 38,89% dos pacientes não dissociavam flexão de cotovelo de flexão de punho e dos dedos. Apesar de existir uma diferença favorável ao grupo que dissociava o movimento quando aplicado o protocolo de Sollerman na comparação entre os pacientes dos dois grupos, essa não se mostrou estatisticamente significante. Já no teste Dash, observou-se diferença estatisticamente significante, favorável ao grupo de pacientes que consegue dissociar o movimento.

CONCLUSÃO:

A associação da flexão do cotovelo com a flexão de punho e dos dedos no grupo estudado mostrou ser um evento frequente, teve influência no resultado funcional do membro acometido.

Palavras-chave:
Plexo braquial/lesões; Plexo braquial/cirurgia; Neuropatias do plexo braquial/etiologia; Neuropatias do plexo braquial/cirurgia; Transferência de nervo; Reabilitação

ABSTRACT

OBJECTIVE:

Gain in elbow flexion in patients with brachial plexus injury is extremely important. The transfer of a fascicle from the ulnar nerve to the motor branch of the musculocutaneous nerve (Oberlin surgery) is a treatment option. However, in some patients, gain in elbow flexion is associated with wrist and finger flexion. This study aimed to assess the frequency of this association and the functional behavior of the limb.

METHODS:

Case-control study of 18 patients who underwent the Oberlin surgery. Group 1 included patients without disassociation of range of elbow flexion and that of the fingers and wrist; Group 2 included patients in whom this disassociation was present. In the functional evaluation, the Sollerman and DASH tests were used.

RESULTS:

It was observed that 38.89% of the patients did not present disassociation of elbow flexion with flexion of the wrist and fingers. Despite the existence of a favorable difference in the group with disassociation of the movement, when the Sollerman protocol was applied to the comparison between both groups, this difference was not statistically significant. With the DASH test, however, there was a statistically significant difference in favor of the group of patients who managed to disassociate the movement.

CONCLUSION:

The association of elbow flexion with flexion of the wrist and fingers, in the group studied, was shown to be a frequent event, which influenced the functional result of the affected limb.

Keywords:
Brachial plexus/injuries; Brachial plexus/surgery; Brachial plexus neuropathies/etiology; Brachial plexus neuropathies/surgery; Nerve transfer; Rehabilitation

Introdução

A lesão do plexo braquial tem merecido atenção especial nas últimas décadas, por acometer principalmente pacientes jovens. São lesões cujo tratamento representa um grande desafio.11 Orts LF. Anatomía humana. 6th ed. Barcelona: Científico-Médica; 1986.,22 Hovelacque A. Anatomie des nerfs craniens et rachidiens et du système grand sympathique chez al'homme. Paris: Doin; 1927. Atualmente, a principal causa de lesão do plexo braquial é decorrente de trauma de alta energia nos acidentes de trânsito e as principais vítimas são motociclistas.33 Songcharoen P. Brachial plexus injury in Thailand: a report of 520 cases. Microsurgery. 1995;16(1):35-9.,44 Midha R. Epidemiology of brachial plexus injuries in a multitrauma population. Neurosurgery. 1997;40(6): 1182-8. A lesão ocorre por um mecanismo de tração aplicada na região do ombro e cervical, leva a perdas temporárias ou permanentes dos movimentos e da sensibilidade do membro superior.

Como preconizado por Hentz e Doi,55 Hentz VR, Dói K. Traumatic brachial plexus injury. In: Green D, Hotchkiss R, Pederson W, editors. Greens' operative hand surgery. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2005. p. 1319-71. restabelecer a flexão ativa do cotovelo nas lesões do plexo braquial é uma prioridade, independentemente do tipo de lesão. Para atingir tal objetivo são descritas várias abordagens cirúrgicas.

Num primeiro momento devemos priorizar os procedimentos neurológicos, por meio da reconstrução nervosa com ou sem enxertos e transferências nervosas (neurotizações).55 Hentz VR, Dói K. Traumatic brachial plexus injury. In: Green D, Hotchkiss R, Pederson W, editors. Greens' operative hand surgery. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2005. p. 1319-71.,66 Giuffre JL, Kakar S, Bishop AT, Spinner RJ, Shin AY. Current concepts of the treatment of adult brachial plexus injuries. J Hand Surg Am. 2010;35(4):678-88. O primeiro relato de neurotização com o uso de um fascículo motor do nervo ulnar foi publicado em 1994 por Oberlin et al.,77 Oberlin C, Béal D, Leechavengvongs S, Salon A, Dauge MC, Sarcy JJ. Nerve transfer to biceps muscle using a part of ulnar nerve for C5-C6 avulsion of the brachial plexus: anatomical study and report of four cases. J Hand Surg Am. 1994;19(2):232-7. para ganho de flexão do cotovelo. Esse procedimento consiste em transferir um fascículo motor do nervo ulnar para o ramo motor do bíceps. Em geral, opta-se por selecionar um fascículo relacionado ao flexor ulnar do carpo e flexor dos dedos, para evitar denervação dos músculos intrínsecos da mão. O procedimento de Oberlin ganhou notoriedade devido à obtenção de excelentes resultados na flexão do cotovelo, foi testado e comprovado por vários autores. Atualmente, é rotineiramente usado nas lesões parciais altas do plexo braquial, ou seja, lesões que não acometem as raízes de c8 e t1, que representam cerca de 40% das lesões.88 Narakas AO, Hentz VR. Neurotization in brachial plexus injuries. Indication and results. Clin Orthop Relat Res. 1988;237:43-56.,99 Rezende MR, Rabelo NT, Silveira CC, Petersen PA, Paula EJL, Mattar R. Results of ulnar nerve neurotization to bíceps brachii muscle in brachial plexus injury. Acta Ortop Bras. 2012;20(6):317-23.

Na literatura a avaliação do ganho da flexão do cotovelo após reconstrução nervosa tem sido feita em sua grande maioria por meio da escala BRMC (British Medical Research Council). Esse tipo de avaliação, apesar de muito usado, fornece pouca ou nenhuma informação sobre a qualidade da recuperação muscular em termos de funcionalidade na vida profissional.77 Oberlin C, Béal D, Leechavengvongs S, Salon A, Dauge MC, Sarcy JJ. Nerve transfer to biceps muscle using a part of ulnar nerve for C5-C6 avulsion of the brachial plexus: anatomical study and report of four cases. J Hand Surg Am. 1994;19(2):232-7.,1010 Loy S, Bhatia A, Asfazadourian H, Oberlin C. Ulnar nerve fascicle transfer onto to the biceps muscle nerve in C5-C6 or C5-C6-C7 avulsions of the brachial plexus. Eighteen cases. Ann Chir Main Memb Super. 1997;16(4):275-84.,1111 Leechavengvongs S, Witoonchart K, Uerpairojkit C, Thuvasethakul P, Ketmalasiri W. Nerve transfer to biceps muscle using a part of the ulnar nerve in brachial plexus injury (upper arm type): a report of 32 cases. J Hand Surg Am. 1998;23(4):711-6.

Na avaliação dos nossos pacientes, que apresentaram recuperação da flexão do cotovelo com força maior ou igual a M3 após cirurgia de Oberlin, observamos que alguns desses pacientes apresentavam flexão do cotovelo associada à flexão do punho e dos dedos. Esse fenômeno de cocontração, apesar da eficácia da flexão do cotovelo, leva a uma atitude em flexo dos dedos e punho, o que vem a prejudicar a funcionalidade do membro, em especial para a execução do movimento de preensão e pinça.

Portanto, nosso objetivo foi o de estudar a frequência com que esse evento de cocontração da flexão do cotovelo/flexão de punho e dos dedos ocorre e sua repercussão funcional.

Material e métodos

Foram analisados os prontuários dos pacientes que apresentaram lesões altas de plexo braquial e que foram submetidos a neurotização distal pela técnica de Oberlin, associado ou não à lesão da raiz de C7. Foram incluídos neste trabalho apenas aqueles pacientes que obtiveram flexão de cotovelo com grau de força motora maior ou igual a 3 pela escala BMRC. O tempo mínimo de seguimento foi de pelo menos 12 meses, pós-cirurgia de Oberlin.

Foram excluídos do estudo os pacientes que apresentaram:

  • -Lesão de plexo braquial bilateral

  • -Fratura de úmero associada

  • -Não obtiveram força de flexão de cotovelo maior ou igual a 3 pela escala BMRC.

Os pacientes foram divididos em dois grupos:

  • -Grupo 1: os que não dissociavam o movimento de flexão do cotovelo com os movimentos de flexão do punho e dos dedos;

  • -Grupo 2: os que conseguiam dissociar os movimentos de flexão do cotovelo com os movimentos de flexão do punho e dos dedos.

Coletaram-se os dados epidemiológicos dos pacientes, data do acidente, data da cirurgia, mecanismo de trauma, idade na época da lesão, sexo, procedimentos cirúrgicos, tipo de lesão e lado lesionado.

Os pacientes foram convocados para avaliar a força de preensão e aplicação dos protocolos Dash,1212 Orfale AG, Araújo PM, Ferraz MB, Natour J. Translation into Brazilian Portuguese, cultural adaptation and evaluation of the reliability of the Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand Questionnaire. Braz J Med Biol Res. 2005;38(2):293-302.,1313 Atroshi I, Gummesson C, Andersson B, Dahlgren E, Johansson A. The disabilities of the arm, shoulder and hand (DASH) outcome questionnaire: reliability and validity of the Swedish version evaluated in 176 patients. Acta Orthop Scand. 2000;71(6):613-8. que tem como objetivo medir sintomas e função em indivíduos com patologias musculoesqueléticas nos membros superiores, com foco na função física, salientam-se aspectos subjetivos; e o teste de Sollerman et al.,1414 Sollerman C, Ejeskär A. Sollerman hand function test. A standardised method and its use in tetraplegic patients. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 1995;29(2): 167-76. usado para medir movimentos de pinças necessárias para certas AVDs, apresenta um caráter mais objetivo.

O teste Dash contém 30 itens que informam sobre o estado de saúde do indivíduo, salientam dificuldades para fazer atividades físicas, gravidade de sintomas e impacto nas condições sociais. Cada item do Dash tem cinco opções de respostas, variam de 0, para nenhuma dificuldade ou sintoma, até 5, para incapacidade para desempenhar a tarefa ou extrema gravidade de sintoma. O escore total do Dash varia de 0 a 100, é calculado pela soma da pontuação assinalada em cada item, diminui-se o valor 30 e divide-se o resultado por 1,2.

A pontuação do teste de Sollerman leva em conta o tempo necessário, o nível de dificuldade apresentada e a qualidade do desempenho com o uso do aperto correto ou da posição de pinça adequada. Os pacientes são pontuados em uma escala de 5: de 0 (tarefa não pode ser feita) a 4 (tarefa é concluída sem qualquer dificuldade dentro de 20 segundos e com a pega de qualidade normal). A pontuação total (0-80) é criada pela soma das pontuações de diferentes subtestes.

Os dados foram armazenados em uma planilha de Excel e importados para o software SPSS 23 for MAC. Os dados contínuos foram descritos pela média e seu respectivo desvio padrão e testados quanto a sua normalidade de distribuição pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados categóricos foram descritos pelo seu número absoluto e pela sua respectiva proporção. Para os dados paramétricos foi usado o teste I de Student e para os dados não paramétricos o de Mann-Whiyney. Para associações entre dados categóricos foi usado o teste de qui-quadrado. Foi aceito como diferença estatisticamente um alfa menor ou igual a 0,05.

O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética com número 47713615.2.0000.0068

Resultados

Foram levantados 25 prontuários de pacientes que aceitaram participar do estudo após o procedimento de Oberlin. Desses, sete foram excluídos por não se enquadrar no estudo por falta de força de flexão. Os 18 pacientes restantes foram submetidos aos testes Dash e Sollerman.

A idade média dos pacientes foi de 28,9 ± 8,3 anos, 17 do sexo masculino e um do sexo. Dez (55,6%) apresentaram lesões das raízes de C5-C7 e oito (44,4%) lesão das raízes de C5-C6.

O principal mecanismo de trauma foi acidente de moto, 94,4% dos pacientes, e apenas um (5,6%) teve mecanismo de trauma diferente, queda de bicicleta. A lesão do plexo braquial aconteceu principalmente do lado esquerdo (77,8%).

Na avaliação comparativa dos diferentes tipos de pinça entre o lado acometido e o normal, observamos diferenças significativas conforme a tabela 1.

Tabela 1
Resultado em kgf das pinças

Após a aplicação do protocolo de Sollerman, observamos que os pacientes demoraram 6,63 ± 3,63 minutos no lado acometido e 3,63 ± 1,8 minutos no lado não acometido. O resultado final do protocolo foi em média de 74,83 [IC95% 70,4 a 79,2] pontos do lado não acometido, com desvio padrão de 8,87 pontos. O lado acometido apresentou média de 62,55 [IC95% 54 a 71] pontos, com desvio padrão de 17,17 pontos.

O teste Dash foi aplicado somente no membro lesionado e apresentou média de 51,28 ± 18,3 pontos.

Dos 18 pacientes que foram submetidos a avaliação funcional, sete (38,89%) não dissociavam o movimento de flexão do cotovelo dos movimentos de flexão do punho e dos dedos (Grupo 1) e 11 (61,11%) conseguiram dissociar os movimentos (Grupo 2).1515 Rezende MR, Massa BS, Furlan FC, Mattar Junior R, Paula EJ, Santos SS, et al. Avaliação do ganho functional do cotovelo com a cirurgia de Steindler na lesão do plexo braquial. Acta Ortop Bras. 2011;19(3):154-8. Cinco do Grupo 1 e cinco do Grupo 2 apresentavam lesão de C5, C6 e C7.

O tempo médio entre a lesão e o procedimento cirúrgico foi de 6,8 ± 2,0 meses para os pacientes do Grupo 2 e de 7,6 ± 2,6 meses para os do Grupo 1, que não foi estatisticamente diferente.

Na avaliação dos diferentes tipos de pinça entre o Grupo 1 e Grupo 2, obtivemos os resultados conforme a tabela 2.

Tabela 2
Resultado em kgf das pinças com dissociação ou não dos movimentos

No teste de Sollerman os pacientes do grupo 1 apresentaram uma média de 54,42 [IC95% entre 32,18 e 76,66] pontos com desvio padrão de 24 pontos, enquanto os pacientes do grupo dois apresentaram média de 67,72 [IC95% entre 61 e 73] pontos, com desvio padrão de 8,87 pontos, mas a diferença encontrada não foi estatisticamente significativa, p = 0,173 (tabela 3).

Tabela 3
Resultado em pontos

O teste de Dash apresentou resultado médio de 65,3 [IC95% entre 55 e 74] pontos para o Grupo 1, com desvio padrão de 10,3 pontos, enquanto o Grupo 2 apresentou média de 43, 25 [IC95% entre 31,6 e 54,9] pontos com desvio padrão de 17,3 pontos, p = 0,008. Em relação a esses dados houve diferença estatisticamente significante (tabela 3).

Na tabela 3 temos os resultados dos scores com o teste de Sollerman e Dash, nos quais observamos que somente no último tivemos uma diferença significativa entre os grupos.

Discussão

O aumento do número de acidentes com motocicleta tem sido observado nas estatísticas recentes associado a uma mudança de hábito de nossa sociedade, na qual o uso da motocicleta alia um baixo custo de compra e manutenção à perspectiva de mobilidade mais ágil no trânsito das grandes cidades.

De acordo com os dados da literatura,33 Songcharoen P. Brachial plexus injury in Thailand: a report of 520 cases. Microsurgery. 1995;16(1):35-9.,44 Midha R. Epidemiology of brachial plexus injuries in a multitrauma population. Neurosurgery. 1997;40(6): 1182-8.,1313 Atroshi I, Gummesson C, Andersson B, Dahlgren E, Johansson A. The disabilities of the arm, shoulder and hand (DASH) outcome questionnaire: reliability and validity of the Swedish version evaluated in 176 patients. Acta Orthop Scand. 2000;71(6):613-8. nossa população de estudo apresentava um perfil de pacientes jovens (média de 29 anos) e predominância do sexo masculino. O acidente de motocicleta mostrou-se o grande fator causal (94%) para as lesões do plexo braquial, em consonância com o aumento do uso desse meio de transporte.

Frente a um paciente com lesão do plexo braquial, é necessário estabelecerem-se prioridades na ordem de reconstrução, considerando que muitas vezes temos poucas opções de tratamento, que devem ser usadas conforme o julgamento de importância funcional. Na literatura, observamos uma tendência de se priorizar a reconstrução do ombro e do cotovelo, e principalmente a flexão do cotovelo, que tem um função primordial principalmente nas lesões altas do plexo braquial (C5/C6/C7), em que temos uma mão funcional que para ser útil necessita do movimento de flexão do cotovelo para que possa alcançar os objetos.55 Hentz VR, Dói K. Traumatic brachial plexus injury. In: Green D, Hotchkiss R, Pederson W, editors. Greens' operative hand surgery. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2005. p. 1319-71.

Nos casos de lesão alta do plexo braquial, temos a possibilidade de uso de fascículo do nervo ulnar para neurotização no nervo musculocutaneo, conforme descrito por Oberlin, e que tem os seus ótimos resultados atestados por inúmeros trabalhos, com taxa de sucesso de 85 a 93%, com retorno de força maior ou igual a M3.66 Giuffre JL, Kakar S, Bishop AT, Spinner RJ, Shin AY. Current concepts of the treatment of adult brachial plexus injuries. J Hand Surg Am. 2010;35(4):678-88.,1111 Leechavengvongs S, Witoonchart K, Uerpairojkit C, Thuvasethakul P, Ketmalasiri W. Nerve transfer to biceps muscle using a part of the ulnar nerve in brachial plexus injury (upper arm type): a report of 32 cases. J Hand Surg Am. 1998;23(4):711-6.

Considerando a avaliação dos diferentes tipos de pinça entre o lado acometido e o lado normal, ficou evidente uma pioria da força no primeiro (40 a 50%). Na aplicação do teste de Sollerman,1414 Sollerman C, Ejeskär A. Sollerman hand function test. A standardised method and its use in tetraplegic patients. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 1995;29(2): 167-76. pareado, entre os dois lados do mesmo paciente observamos uma diferença significante em relação ao tempo para execução do movimento de pinça (6,63 ± 3,63 minutos no lado acometido e 3,63 ± 1,8 minutos no lado não acometido), bem como o escore final favorável ao lado não acometido. Uma possível explicação para esse fato é que, mesmo considerando lesão alta do plexo, podemos ter algum grau de comprometimento da inervação do nervo mediano e até mesmo do nervo ulnar, devido à contribuição de diferentes níveis de raízes na formação desses nervos. Portanto, a força da mão do lado acometido deve ser considerada como, a princípio, inferior em relação ao lado normal.

Já o teste de Dash caracteriza a função como um todo de cada paciente, está diminuído em relação à população normal, com média de 51 pontos (variação de 18), fato esperado devido ao evidente comprometimento funcional do lado acometido.

Em relação ao objetivo primário de nosso estudo, observamos que praticamente 39% dos pacientes que recuperaram a flexão do cotovelo por meio da cirurgia de Oberlin, apresentavam a associação desse movimento com a flexão do punho e dos dedos. O restante (61%) conseguia fazer a dissociação do movimento. Considerando o tempo mínimo de seguimento pós-cirurgia de Oberlin de um ano, julgamos que o evento da não dissociação de movimento entre o cotovelo e a mão/punho é bastante elevado em nossa amostra e portanto deve merecer atenção em relação às suas possíveis causas e a suas formas de tratamento e prevenção.

Um dos fatores que poderiam influenciar a ocorrência de não dissociação de movimento (cotovelo/mão) seria o tempo entre a lesão e a cirurgia de Oberlin, bem como a distribuição homogênea de casos que incluam C7 ou não em ambos os grupos. Contudo, observamos um equilíbrio desses possíveis fatores confundidores nos grupos estudados.

No estudo comparativo funcional dos dois grupos, observamos que pelo teste de Sollerman há uma tendência de melhor resultado nos casos que conseguem fazer a dissociação de movimento (Grupo 2), contudo essa diferença não foi estatisticamente significante. Devemos lembrar que nesse teste avaliamos basicamente os diferentes tipos de pinça da mão, e não a função do membro como um todo. Portanto, a não diferença nesse grupo de estudo talvez se deva à inadequação desse teste para responder a pergunta proposta por este trabalho.

Já com o teste de Dash conseguimos demonstrar uma diferença estatisticamente significante, favorável ao grupo 2, a despeito de nosso número de pacientes reduzido. Ou seja, nesse teste a dissociação de movimento (cotovelo/mão) mostrou ser um fator importante para o ganho funcional do membro acometido como um todo. Nos parece intuitivo esse achado, pois na maioria dos movimentos com a mão, como, por exemplo, ao abordarmos uma fechadura para abrir uma porta, devemos fazer o movimento associado da flexão do cotovelo e num primeiro momento a extensão do punho e dos dedos (armar a mão), para então fazer o movimento de pinça ou preensão.

Em nossa avaliação nos pacientes do grupo 1, a captura de um objeto só era possível quando o antebraço era apoiado e o cotovelo relaxado, o que permitia, assim, o movimento de pinça ou preensão da mão. Independentemente dos testes funcionais usados, observamos uma diferença fundamental entre os dois grupos, caracterizada pela necessidade de apoio do cotovelo para os movimentos de pinça e preensão no grupo 1, o que não foi observado no grupo 2. Se analisarmos isoladamente a função do cotovelo e da mão podemos achar funções similares entre os dois grupos. Contudo se considerarmos a função do membro como um todo teremos uma diferença significativa entre os dois grupos, evidenciado pelo teste de Dash.

Em relação à diferença observada entre os dois testes usados na avaliação funcional do membro acometido devemos salientar que o teste de Sollerman tem como foco a avaliação específica das diferentes pinças digitais, diferentemente do teste de Dash, em que a pontuação leva em conta o aspecto funcional como um todo do membro, além de ter demonstrado diferença significante entre os dois grupos avaliados. Acreditamos que por nosso estudo avaliar o sincronismo de dois movimentos distintos topograficamente, o teste de Dash tem uma maior acurácia para refletir a qualidade da função do membro acometido.

Se por um lado o resultado com a cirurgia de Oberlin é bastante satisfatório em termos do ganho da flexão do cotovelo, pudemos demonstrar em nosso estudo que um número significativo de pacientes (39%) não conseguia fazer essa dissociação. Esse dado deverá ser considerado quando da avaliação da cirurgia de Oberlin, pois compromete a função do membro acometido como um todo.

Acreditamos que possíveis fatores podem influenciar a presença ou não da dissociação de movimento cotovelo/mão, após cirurgia de Oberlin, como o grau de instrução do paciente e sua adesão ao processo de reabilitação. Lembramos que em nossa casuística os pacientes foram submetidos a um processo protocolar padrão de reabilitação do ganho da flexão do cotovelo, ou seja, na teoria deveriam responder de forma semelhante ao processo de dissociação de movimento.

A maioria dos trabalhos que relatam resultados da cirurgia de Oberlin descreve apenas o resultado de ganho da flexão do cotovelo. Contudo, baseado em nosso estudo, o ganho funcional do membro acometido deve ser feito de uma forma global e incluir, assim, a presença ou não de dissociação de movimento, que como demonstramos irá ter influência direta no resultado final funcional do paciente. Acreditamos que novos estudos deverão ser feitos para a identificação dos possíveis fatores causais para o evento da associação de movimento (cotovelo/mão), pois dessa forma poderemos fazer um trabalho profilático para evitar esse efeito adverso.

Como limitação de nosso trabalho podemos apontar o número reduzido de nossa amostra. Contudo, essa observação de associação do movimento de flexão do cotovelo com a flexão do punho e dos dedos tem sido um achado constante em nossa prática diária, que suscitou a necessidade de um estudo que apontasse a frequência desse evento, pois somente a partir disso poderemos atuar de forma efetiva na sua solução.

O tratamento dos pacientes com lesão do plexo braquial requer decisões terapêuticas específicas, que muitas vezes, devido à escassez de opções, devem ser usadas com critério, o que implica se ter uma correta avaliação dos seus resultados, para maior eficácia no tratamento. A cirurgia de Oberlin é sem dúvida excelente para ganho da flexão do cotovelo e será ainda melhor se conseguirmos no futuro evitar a indesejável associação da flexão do cotovelo com a flexão do punho e dos dedos.

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  • Trabalho desenvolvido na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Grupo Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstrutiva, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2016
  • Aceito
    20 Jul 2016
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