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Avulsão da eminência tibial em uma fratura do platô tibial – Nossa abordagem: Um caso clínico

Resumo

Uma paciente de meia-idade com fratura do platô tibial e avulsão da eminência tibial foi tratada com uma combinação de fixação do platô com placa medial e sutura da eminência com fio não absorvível auxiliada por artroscopia.

Nossa técnica para fraturas com avulsão da eminência tibial não interfere nos materiais de osteossíntese do platô tibial e, mais uma vez, teve bons resultados no tratamento de lesões combinadas e complexas do joelho.

Palavras-chave
joelho; trauma; fraturas da tíbia; artroscopia; fixação interna de fraturas

Abstract

A middle-aged female patient with a tibial plateau fracture combined with an avulsion of the tibial eminence was treated with a combination of medial plate fixation for the plateau and an arthroscopic aided nonabsorbable suture of the eminence.

Our technique for tibial eminence avulsion fractures has no interference with tibial plateau osteosynthesis materials and has proven, once again, to have good results in the treatment of combined and complex injuries of the knee.

Keywords
knee; trauma; tibial fractures; arthroscopy; fracture fixation, internal

Introdução

A avulsão da eminência tibial é uma das lesões mais comuns nas fraturas do platô tibial.11 Huang TW, Lee CY, Chen SY, et al. Outcomes and second-look arthroscopic evaluation after combined arthroscopic treatment of tibial plateau and tibial eminence avulsion fractures: a 5-year minimal follow-up. BMC Musculoskelet Disord 2015;16:31144 Kendall NS, Hsu SY, Chan KM. Fracture of the tibial spine in adults and children. A review of 31 cases. J Bone Joint Surg Br 1992;74 (06):848–852 A literatura a respeito dessa associação é escassa.55 Konda SR, Driesman A, Manoli A III, Davidovitch RI, Egol KA. Tibial Eminence Involvement With Tibial Plateau Fracture Predicts Slower Recovery and Worse Postoperative Range of Knee Motion. J Orthop Trauma 2017;31(07):387–392 Essa combinação gera um padrão complexo de lesão que exige uma abordagem mais elaborada.11 Huang TW, Lee CY, Chen SY, et al. Outcomes and second-look arthroscopic evaluation after combined arthroscopic treatment of tibial plateau and tibial eminence avulsion fractures: a 5-year minimal follow-up. BMC Musculoskelet Disord 2015;16:311,22 Di Caprio F, Buda R, Ghermandi R, et al. Combined arthroscopic treatment of tibial plateau and intercondylar eminence avulsion fractures. J Bone Joint Surg Am 2010;92(Suppl 2):161–169

Em relação aos padrões de fratura, os tipos mais elevados de Schatzker (V e VI) são mais frequentes neste tipo de lesão.33 Lubowitz JH, Elson WS, Guttmann D. Part II: arthroscopic treatment of tibial plateau fractures: intercondylar eminence avulsion fractures. Arthroscopy 2005;21(01):86–92 Houve um grande aumento na realização de redução artroscópica e fixação interna (ARIF, na sigla em inglês) no tratamento das lesões com deslocamento persistente22 Di Caprio F, Buda R, Ghermandi R, et al. Combined arthroscopic treatment of tibial plateau and intercondylar eminence avulsion fractures. J Bone Joint Surg Am 2010;92(Suppl 2):161–169,33 Lubowitz JH, Elson WS, Guttmann D. Part II: arthroscopic treatment of tibial plateau fractures: intercondylar eminence avulsion fractures. Arthroscopy 2005;21(01):86–92 e a importância da artroscopia na abordagem das lesões intraarticulares está bem documentada.22 Di Caprio F, Buda R, Ghermandi R, et al. Combined arthroscopic treatment of tibial plateau and intercondylar eminence avulsion fractures. J Bone Joint Surg Am 2010;92(Suppl 2):161–169,66 Kogan MG, Marks P, Amendola A. Technique for arthroscopic suture fixation of displaced tibial intercondylar eminence fractures. Arthroscopy 1997;13(03):301–3061010 Hunter RE, Willis JA. Arthroscopic fixation of avulsion fractures of the tibial eminence: technique and outcome. Arthroscopy 2004; 20(02):113–121

Apresentamos um caso clínico com combinação de fratura do platô tibial medial e avulsão da eminência tibial, onde expomos a abordagem de nossa instituição para este tipo de lesões.

Relato de Caso

Uma mulher de 52 anos com histórico de dislipidemia caiu de uma cadeira e sofreu um traumatismo no joelho. No pronto-socorro, apresentava derrame sinovial e dor significativos no joelho, sem deformidade importante ou déficit neurovascular. As radiografias (Fig. 1) e a tomografia computadorizada (TC) (Figs. 2 e 3) mostraram uma fratura de separação do platô medial através da eminência tibial, que apresentava deslocamento e fragmentação. A TC também revelou uma pequena fratura da margem posterior do platô externo. A paciente foi imobilizada com tala posterior e preparada para a cirurgia.

Fig. 1
Radiografia anteroposterior e de perfil no pronto-socorro.
Fig. 2
Cortes coronais da tomografia computadorizada do joelho.
Fig. 3
Cortes axiais e sagitais da tomografia computadorizada do joelho.

Primeiramente, abordamos o platô tibial medial. Por uma incisão posteromedial, reduzimos a fratura de separação com auxílio de fluoroscopia e colocamos uma placa medial temporária com fios de Kirschner. Em seguida, realizamos um procedimento artroscópico de dois portais, com remoção de debris e irrigação. Então, procedemos à exploração da fratura do platô tibial em busca de lesões intra-articulares associadas. Satisfeitos com a redução do platô medial, fizemos a fixação permanente da placa. A seguir, passamos para a eminência tibial: como o desbridamento já havia sido feito e não existia encarceramento do menisco, colocamos a guia da broca Director ACUFEX (Smith and Nephew, Watford, Inglaterra, Reino Unido) do instrumental dos ligamentos cruzados na face anterior do leito da fratura da eminência e criamos um único túnel através da borda anterior da tíbia proximal. Depois, colocamos uma sutura ULTRATAPE (Smith and Nephew, Watford, Inglaterra, Reino Unido) pelos portais artroscópicos para transfixação das fibras do ligamento cruzado anterior o mais perto possível dos fragmentos ósseos inferiores (Fig. 4); então, a sutura foi passada pelo túnel tibial para reduzir a fratura da eminência e fixada com um endobutton com o joelho em extensão total (Fig. 5).

Fig. 4
Vista artroscópica da fita de transfixação do ligamento cruzado anterior e tração para baixo da fratura da eminência.
Fig. 5
Vistas fluoroscópicas anteroposterior e lateral intraoperatórias.

Após a cirurgia, a paciente usou uma órtese De Puy (imobilizante genérico 0° do joelho) sem carga por 15 dias. O programa de reabilitação começou imediatamente após o procedimento, em ambiente ambulatorial, com estimulação elétrica neuromuscular do quadríceps e dos isquiotibiais com o joelho em extensão completa. A etapa seguinte do programa de reabilitação compreendeu o fortalecimento isométrico dos adutores e abdutores do quadril, retirada gradativa da órtese e mobilização passiva do joelho com graus progressivos de flexão, tendo como objetivo principal a melhora da amplitude de movimento. Um mês após a cirurgia, a sustentação de peso sem dor foi permitida e o foco foi o fortalecimento muscular do quadríceps, dos isquiotibiais e do gastrocnêmio, começando com exercícios isométricos e progredindo por 6 semanas depois do procedimento para exercícios dinâmicos e pliométricos com flexão resistida em toda a amplitude de movimento e extensão resistida entre 30 e 90° de flexão. A extensão resistida entre 0 e 30° foi permitida 3 meses após a cirurgia. Exercícios proprioceptivos de cadeia cinética aberta foram iniciados às 6 semanas e progrediram a exercícios de cadeia cinética fechada.

Aos 3 meses, a paciente não referia dor, não usava muletas e apresentava bom alinhamento radiográfico (Fig. 6), sustentação total de peso e amplitude de movimento do joelho de 0 a 90° (Figs. 7 e 8).

Fig. 6
Radiografia anteroposterior e lateral no terceiro mês de acompanhamento.
Fig. 7
Flexão no terceiro mês pós-operatório.
Fig. 8
Extensão no terceiro mês pós-operatório.

Em 1 ano de acompanhamento, a paciente não relatou limitação em suas atividades de vida diária, com escore International Knee Documentation Committee (IKDC, na sigla em inglês) de 74,7, resultados negativos aos testes de Lachman e gaveta anterior e nenhum impedimento para atividades cotidianas.

Discussão

A relevância da fratura da eminência tibial no contexto de uma fratura do platô tibial é pouco discutida na literatura atual;55 Konda SR, Driesman A, Manoli A III, Davidovitch RI, Egol KA. Tibial Eminence Involvement With Tibial Plateau Fracture Predicts Slower Recovery and Worse Postoperative Range of Knee Motion. J Orthop Trauma 2017;31(07):387–392 sugere-se, porém, que 19,4% das fraturas do platô tibial estão associadas a uma fratura da eminência tibial, e que 84,3% das fraturas da coluna tibial em adultos coexistem com uma fratura do platô tibial.22 Di Caprio F, Buda R, Ghermandi R, et al. Combined arthroscopic treatment of tibial plateau and intercondylar eminence avulsion fractures. J Bone Joint Surg Am 2010;92(Suppl 2):161–169

A literatura traz alguns relatos sobre abordagens e resultados nesta combinação específica de lesões.

Di Caprio et al.22 Di Caprio F, Buda R, Ghermandi R, et al. Combined arthroscopic treatment of tibial plateau and intercondylar eminence avulsion fractures. J Bone Joint Surg Am 2010;92(Suppl 2):161–169 realizaram um estudo com 29 pacientes com fratura de platô e da eminência tibial e descreveram 2 técnicas artroscópicas, semelhantes à nossa, para abordagem dessas lesões, com bons resultados. Essas técnicas artroscópicas e de sutura pull-out têm como vantagens a simplicidade, o baixo índice de complicações intraoperatórias e tensão adequada do ligamento cruzado anterior. Uma particularidade deste estudo foi o tratamento de todas as fraturas do platô tibial com parafusos de fixação percutânea.

Huang et al.11 Huang TW, Lee CY, Chen SY, et al. Outcomes and second-look arthroscopic evaluation after combined arthroscopic treatment of tibial plateau and tibial eminence avulsion fractures: a 5-year minimal follow-up. BMC Musculoskelet Disord 2015;16:311 também estudaram esta lesão combinada em uma análise retrospectiva com acompanhamento mínimo de 5 anos, usando técnica idêntica de 2 túneis. Embora seus resultados tenham sido comparáveis aos obtidos por Di Caprio et al.,22 Di Caprio F, Buda R, Ghermandi R, et al. Combined arthroscopic treatment of tibial plateau and intercondylar eminence avulsion fractures. J Bone Joint Surg Am 2010;92(Suppl 2):161–169 os autores afirmaram que a técnica não interferiu na fixação da placa e do parafuso na fratura do platô tibial, assim como em nosso caso.

Lubowitz et al.33 Lubowitz JH, Elson WS, Guttmann D. Part II: arthroscopic treatment of tibial plateau fractures: intercondylar eminence avulsion fractures. Arthroscopy 2005;21(01):86–92 descreveram outra técnica equivalente para fixação da eminência tibial com suturas não absorvíveis, relatando como vantagens a eliminação do risco de cominuição do fragmento da fratura, da necessidade de retirada do material de síntese e do risco de lesão neurovascular posterior.

Em relação aos desfechos, Konda et al.55 Konda SR, Driesman A, Manoli A III, Davidovitch RI, Egol KA. Tibial Eminence Involvement With Tibial Plateau Fracture Predicts Slower Recovery and Worse Postoperative Range of Knee Motion. J Orthop Trauma 2017;31(07):387–392 compararam pacientes com esta lesão combinada àqueles com fraturas isoladas do platô tibial e observaram menor velocidade de recuperação no primeiro grupo, mas resultados funcionais comparáveis em 1 ano de acompanhamento. Sapre et al.1111 Sapre V, Bagaria V. Tibial Spine Avulsion Fractures: Current Concepts and Technical Note on Arthroscopic Techniques Used in Management of These Injuries. Regional Arthroscopy, Vaibhav Bagaria, IntechOpen; 2013 também encontraram bons resultados após a redução anatômica com várias técnicas artroscópicas.

No presente artigo, descrevemos mais uma técnica cirúrgica combinada envolvendo artroscopia, sutura não absorvível e fixação com placa desta lesão combinada, com bom resultado em 1 ano de acompanhamento. Um programa de reabilitação oportuno e personalizado também é crucial para o resultado clínico. Estes dados corroboram os estudos supracitados de que esta é uma excelente abordagem cirúrgica única para uma lesão complexa do joelho, sem incompatibilidade entre o material usado no platô tibial e o método de fixação da eminência e com bons tempos de recuperação e altos índices de satisfação.

  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM), Viana do Castelo, Portugal.
  • Declaração de Consentimento Livre e Esclarecido
    A paciente foi informada de que os dados relativos ao caso seriam submetidos para publicação e autorizou.
  • Suporte Financeiro
    Naão houve apoio financeiro de fontes puúblicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2020
  • Aceito
    01 Dez 2020
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