Open-access Resultados do tratamento cirúrgico não artroplástico das fraturas da epífise proximal do úmero

RESUMO

OBJETIVO:  Avaliar os resultados dos pacientes com fraturas epifisárias tratados com redução e osteossíntese.

MÉTODO:  Entre outubro de 1996 e dezembro de 2009 foram operados 53 ombros (52 pacientes) com fraturas epifisárias. Foram excluídos os pacientes tratados com artroplastia primária e/ou que tinham seguimento inferior a dois anos. Foram reavaliados 34 ombros de 34 pacientes, 23 do sexo masculino, com média de 47 anos. A avaliação foi feita com a escala da UCLA.

RESULTADOS:  O tempo de seguimento pós-operatório médio foi de 50 meses. Doze pacientes evoluíram com resultados excelentes, sete bons, cinco regulares e dez maus (55,8% de resultados satisfatórios e 44,2% de insatisfatórios). O escore UCLA teve média de 26 pontos. As médias de mobilidade pós-operatória foram de 117° de elevação, 36° de RL e L1 de RM. No RX pós-operatório imediato, verificamos a redução anatômica em 17 pacientes (50%). A necrose foi constatada em 18 pacientes, seis grau II e 12 grau III. Sexo feminino e fraturas reduzidas anatomicamente foram estatisticamente melhores na escala da UCLA (p = 0,01 e p = 0,0001 respectivamente).

CONCLUSÕES:  O sexo feminino teve um valor médio do UCLA superior ao sexo masculino (p = 0,01). As fraturas reduzidas anatomicamente obtiveram UCLA superior (p = 0,0001) e um menor índice de necrose (p = 0,0001). A reconstrução das fraturas epifisárias levou a resultados satisfatórios em 55,8%, deve ser indicada para pacientes jovens e ativos.

Palavras-chave: Epifises/lesões; Fixação interna de fraturas; Fraturas do ombro/cirurgia; Ombro/cirurgia; Resultado do tratamento; Adulto

ABSTRACT

OBJECTIVE:  This study aimed to assess the outcomes of patients with humeral head fractures treated by reduction and osteosynthesis.

METHOD:  A total of 53 shoulders (52 patients) with humeral head fractures were operated between October 1996 and December 2009. Patients previously treated with primary arthroplasty and/or those who had less than two years follow-up were excluded. A total of 34 shoulders of 34 patients were therefore reassessed. In the sample studied, 23 patients were male and mean age was 47 years. Cases were assessed based on the UCLA score.

RESULTS:  Mean post-operative follow-up was 50 months. Twelve patients evolved with excellent outcome, seven good, five regular, and ten with poor outcome (55.8% satisfactory and 44.2% unsatisfactory outcomes). Mean UCLA score was 26 points. Mean post-operative range of motion measurements was 117° elevation, 36° LR and L1 MR. At the immediate post-operative radiography, anatomic reduction was evident in 17 patients (50%). Necrosis was detected in 18 patients, six Grade II and 12 Grade III cases. Female gender and anatomically reduced fractures were statistically better at UCLA scale (p = 0.01 and p = 0.0001 respectively).

CONCLUSIONS:  Female patients had a higher mean UCLA score than male patients (p = 0.01). Anatomically reduced fractures had higher UCLA scores (p = 0.0001) and lower necrosis rate (p = 0.0001). Reconstruction of humeral head fractures had a satisfactory outcome in 55.8% of cases and should be indicated in young and active patients.

Keywords: Epiphyses/injuries; Fracture fixation, internal; Shoulder fractures/surgery; Shoulder/surgery; Treatment outcome; Adult

Introdução

As fraturas epifisárias da extremidade proximal do úmero (FEEPU) são raras e seu tratamento sempre é um desafio para o ortopedista, devido à complexidade dos traços de fratura e aos altos índices de complicações.1,2,3and4

Neer3 considera-as como parte do grupo das fraturas-luxações, pois um fragmento da superfície articular encontra-se comprimido ou fragmentado contra a cavidade glenoidal e o restante incongruente com ela. As fraturas-luxações foram por ele subdivididas em dois tipos: por impacção e com traço epifisário.3and5 No primeiro, por impacção, ocorre afundamento da superfície articular devido à compressão da cabeça do úmero contra a borda da glenoide no momento da luxação, independentemente da sua direção: anterior (lesão de Hill-Sachs) ou posterior (lesão de MacLaughlin).3 O segundo tipo são as fraturas da cabeça do úmero com traço epifisário (fraturas epifisárias), causadas pelo impacto da cabeça do úmero contra a cavidade glenoidal, que fragmenta a superfície articular (fig. 1).3 Essas estão geralmente associadas às fraturas em três e quarto partes, são relacionadas a traumas de alta energia e ocorrem geralmente em pacientes jovens.2,3,6and7 Caracterizam-se pelo grande acometimento do suprimento sanguíneo da cabeça do úmero e de seus fragmentos e por isso evoluem com frequência para necrose.3

Figura 1
Caso 4 - Fratura epifisária do terço proximal do úmero direito em quatro partes: radiografia de frente (a) e tomografia computadorizada corte axial (b).

Gerber et al.8 incluíram as fraturas epifisárias no conjunto das fraturas complexas e as definiram como fraturas em que o segmento cefálico sofre grande desvio e comprometimento da vascularização, tem maior risco de osteonecrose e colapso da cabeça do úmero. Estão inclusas nesse grupo, além das epifisárias, as fraturas em duas partes do colo anatômico e as fraturas-luxações em três ou quatro partes.7

Há alguns relatos na literatura de casos isolados nos quais os autores comentam sobre a raridade da lesão.6and9 Chesser et al.2 descrevem oito pacientes com fratura epifisária, três foram submetidos a redução aberta e fixação interna (RAFI). Gerber et al.7 trataram 32 fraturas complexas por meio da RAFI, apenas duas classificadas como epifisárias, que tiveram boa evolução.

Alguns autores indicam a hemiartroplastia como tratamento de escolha para as fraturas epifisárias, devido às dificuldades técnicas encontradas para alcançar a reconstrução anatômica do osso e para mantê-la por meio da osteossíntese. Além disso, a RAFI desse tipo de fratura evolui com altas taxas de complicações, que incluem consolidação viciosa, pseudoartrose e osteonecrose.1,3,5,10,11,12,13and14 A hemiartroplastia resulta em satisfação para o paciente quanto à melhoria da dor, mas geralmente ocorre perda da força de elevação e diminuição da amplitude de movimento, isto é, observa-se que o resultado funcional das artroplastias para tratamento das fraturas é, em geral, pouco satisfatório.10and15

Este trabalho tem como objetivo avaliar os resultados dos pacientes com FEEPU tratados com RAFI.

Metodologia

Entre outubro de 1996 e dezembro de 2009, o Grupo de Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Pavilhão Fernandinho Simonsen, hospital terciário de referência para casos graves, operou 53 ombros de 52 pacientes com fraturas epifisárias. Foram critério de inclusão todos os pacientes adultos submetidos ao tratamento cirúrgico não artroplástico das fraturas do terço proximal do úmero classificadas como epifisárias, que tiveram seguimento mínimo de dois anos no período pós-operatório. Foram excluídos os pacientes com fraturas epifisárias tratados com artroplastia primária e/ou que tinham seguimento inferior ao estabelecido. Foi indicada a artroplastia primária naqueles pacientes que foram considerados pouco ativos e naqueles casos em que não se conseguiu a reconstrução da fratura no intraoperatório, o que impossibilitou sua fixação. Portanto, foram reavaliados 34 ombros de 34 pacientes.

Dos pacientes, 23 eram do sexo masculino (67,6%) e 11 do feminino (32,4%), com média de 47 anos, variação de 24 a 77 (tabela 1), e 35,3% dos pacientes tinham menos de 40 anos. O membro dominante foi acometido em 15 casos (44,1%).

Tabela 1
Dados epidemiológicos dos pacientes com fratura da cabeça do úmero com traço epifisário

Os mecanismos de trauma foram: queda ao solo em 14 (41,3%), acidente automobilístico em sete (20,6%), acidente motociclístico em seis (17,6%), queda de altura em quatro (11,7%) e atropelamento em três (8,8%) (tabela 1).

Dois pacientes (casos 8 e 15) tiveram, além da fratura, lesão neurológica do membro acometido.

Em todos os pacientes foram feitas as radiografias da "série de trauma" (frente corrigida, perfil axilar e perfil da escápula) para a classificação da fratura.4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15and16 A tomografia axial computadorizada foi feita nos casos em que havia dúvida quanto à classificação da fratura (27 pacientes). Todas as fraturas acometiam a superfície articular da cabeça do úmero: em quatro casos (11,8%) a fratura com traço epifisário era associada à fratura do colo anatômico em duas partes, 12 casos (35,2%) em três partes e 18 (53%) em quatro partes, de acordo com a classificação de Neer3 (tabela 1).

A média de tempo entre a data do trauma e a cirurgia foi de sete dias, variação de zero a 15 dias (tabela 2), e 55,8% dos pacientes tiveram um intervalo de tempo entre o trauma e a cirurgia inferior a uma semana.

Tabela 2
Dados do tratamento dos pacientes com fratura da cabeça do úmero com traço epifisário

O método de tratamento cirúrgico escolhido foi a RAFI, por via deltopeitoral, com técnica cirúrgica a mais atraumática possível. Os métodos de fixação variaram de acordo com o tipo de fratura e o material disponível na época do procedimento, conforme especificado na tabela 2. Foram usados placa PFS-80(r),5 fixador externo, placa em trevo, fios de Kirschner, placa Philos(r), amarrilho com fio inabsorvível (Ethibond(r)) e parafusos esponjosos. Em alguns procedimentos mais de um método de fixação foi usado. A placa Philos(r) foi usada em 14 pacientes (43,1%) (tabela 2).

Usamos enxerto autólogo de osso esponjoso conforme julgamos necessário, de acordo com a cominuição presente, retirado da crista ilíaca, em oito pacientes, o que corresponde a 23,5% dos nossos casos (tabela 2).

A mobilidade do ombro foi mensurada por meio de goniometria. Usaram-se os parâmetros da American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS).17 Os resultados foram avaliados pelo sistema de pontos definidos pela University of California at Los Angeles (UCLA), proposto por Ellman e Kay.18 Usou-se também a classificação de Ficat e Enneking, modificada por Neer, para a avaliação da osteonecrose da cabeça do úmero, quando presente.19

Usamos o programa Minitab(r) versão 16.0, aplicamos o teste não paramétrico de Mann-Whitney para avaliar as seguintes variáveis: sexo, idade (≤ 40 anos ou > 40 anos), dominância, intervalo de tempo entre a data do trauma e a cirurgia (Δt), tipo de fratura, método de osteossíntese, uso de enxerto, radiografia pós-operatória imediata e a presença ou não de osteonecrose da cabeça do úmero na radiografia final, em relação ao resultado final do tratamento com p ≤ 0,05.

O presente estudo foi submetido previamente à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do hospital e foi aprovado.

Resultados

O tempo de seguimento pós-operatório mínimo foi de 24 meses e o máximo de 156 meses, com média de 50. Doze pacientes evoluíram com resultados excelentes, sete bons, cinco regulares e dez maus. Portanto, verificamos 55,8% de resultados satisfatórios (excelentes e bons) e 44,2% de insatisfatórios (regulares e maus). O índice UCLA teve uma média de 26 pontos, o menor valor foi igual a nove e o maior valor igual a 35 (tabela 3).

Tabela 3
Dados dos resultados dos pacientes tratados de fratura epifisária do úmero proximal

As médias de mobilidade pós-operatória foram de 117° de elevação (50° a 160°), 36° de rotação lateral (-20° a 70°) e vértebra lombar (L1) de rotação medial (T5 a região trocantérica) (tabela 3).

Na radiografia pós-operatória imediata, verificamos se a redução da fratura ficou anatômica ou se houve incongruência articular. A redução anatômica ocorreu em 17 pacientes (50%). Na radiografia final, verificamos se houve necrose da cabeça umeral, foi constatada em 18 pacientes (52,9%), seis classificados como grau II e 12 como grau III (tabela 3).

Tivemos cinco casos de complicação: dois pacientes ficaram com o material de síntese intra-articular (caso 5 e 10), foram submetidos à retirada desse material; um paciente teve lesão neurológica, o caso 8 foi uma neurotmese iatrogênica do nervo axilar; dois pacientes evoluíram com infecção (caso 13 e 17).

Quando avaliada a variável UCLA em relação à idade (≤ 40 anos ou > 40 anos), não observamos diferença estatisticamente significante (p = 0,94). Isso demonstra que a idade não influenciou no resultado funcional do ombro desses pacientes. Assim como o membro dominante (p = 0,30), o número de partes da fratura (p = 0,37), o tipo de fixação (uso ou não da placa bloqueada do tipo Philos(r)) (p = 0,87) e o uso de enxerto ósseo autólogo (p = 0,56).

Em relação ao gênero, encontramos que o sexo feminino teve um valor médio do UCLA superior ao sexo masculino, estatisticamente significante (p = 0,01). Assim como os pacientes que tiveram sua fratura reduzida anatomicamente observados na radiografia pós-operatória imediata obtiveram um UCLA superior (p = 0,0001) e os casos que evoluíram sem necrose (p = 0,0001).

Para a variável intervalo de tempo entre o trauma e o procedimento cirúrgico, encontrou-se um nível descritivo (p) igual a 0,11. Conclui-se que no nível de significância de 5% não houve diferença nos valores médios dos índices UCLA encontrados. No entanto, o nível descritivo está bem próximo do nível de significância, é sugerido que cálculos feitos com uma amostra maior podem mudar tal conclusão.

Ao se testar a correlação linear significativa entre as variáveis UCLA e o intervalo de tempo entre o trauma e o procedimento cirúrgico (Δt), obteve-se um coeficiente de correlação linear de Pearson igual a 0,340 (p = 0,049). Isso indicando haver uma relação linear decrescente entre tais variáveis, isto é, quanto maior o intervalo de tempo decorrido, menor o índice UCLA.

Tal correlação significante motivou a construção de um modelo de regressão múltipla, com a variável índice UCLA como variável dependente, e o uso como variáveis independentes das variáveis gênero (1 quando o paciente for do gênero masculino e zero quando for do feminino), intervalo de tempo decorrido (em dias) e existência de necrose (1 quando ocorreu e zero caso contrário).

UCLA=39,5-3.72 XGê nero - 0.592 XΔt - 11,6 XNecrose

Vale ressaltar ainda que o modelo indica que há uma diminuição no índice UCLA de 3,72 quando o paciente for do gênero masculino, de 0,592 a cada dia que decorre e de 11,6 quando há necrose.

Discussão

A FEEPU é uma lesão incomum.1,2,3and4 No entanto, Palvanen et al.20 sugerem que a incidência das fraturas da extremidade proximal do úmero triplique nos próximos 30 anos. Há poucos trabalhos publicados que comparam os resultados da RAFI nas FEEPU. Nosso estudo analisa 34 pacientes, a maior casuística encontrada nos trabalhos publicados dos últimos anos (tabela 4).

Tabela 4
Trabalhos científicos publicados

A prevalência de pacientes considerados jovens, média de 47 anos, 35,3% tinham menos de 40, encontrada em nosso estudo está de acordo com o verificado na literatura, assim como a prevalência do gênero masculino (67,6%)6,7and9 (tabela 1). As mulheres apresentaram um valor médio do UCLA superior, entretanto não há trabalhos publicados que comparem esse nosso achado. Provavelmente, os resultados encontrados estão relacionados ao mecanismo de trauma de menor energia nesse grupo, uma vez que 72,7% sofreram queda ao solo, enquanto os mecanismos de trauma do gênero masculino foram de maior energia.

Observamos que quanto menor o tempo entre o trauma e o procedimento cirúrgico, tivemos melhores resultados. Apesar de não provarmos estatisticamente, a análise sugere que uma amostra maior possa comprovar tal fato.

Com base na dificuldade da reconstrução da anatomia (fig. 2) e no alto risco de osteonecrose, a hemiartroplastia é uma opção de tratamento para a FEEPU, mas não devemos esquecer que se trata de fraturas extremamente graves que acometem pacientes jovens, nos quais a artroplastia parcial provavelmente levará a resultados piores.

Figura 2
Caso 23 - Fratura epifisária do terço proximal do úmero direito em três partes: imagem do intraoperatório, observam-se redução cruenta da cabeça do úmero (a) e osteossíntese com parafusos canulados e Placa Philos(r). No entanto, mesmo com redução aberta não foi conseguida redução anatômica, observa-se incongruência articular (b) (seta).

Com seguimento médio de 63 meses, Gerber et al.7 descreveram no trabalho sobre fraturas complexas um caso de fratura epifisária cuja redução não foi considerada anatômica e desenvolveu osteonecrose parcial com resultado regular.

Schai et al.,14 num estudo multicêntrico sobre fraturas graves do colo do úmero, concluem que a idade do paciente é fator importante na escolha do tratamento e que há maior probabilidade para revascularização da cabeça umeral, através dos vasos intramedulares e de suas anastomoses, quando uma osteossíntese estável é usada. Gerber et al.8 e Chesser et al.2 defendem o tratamento com redução e osteossíntese, pois, mesmo nos casos de evolução desfavorável, a substituição em segundo tempo seria tecnicamente mais fácil do que a hemiartroplastia primária, caso a reconstrução anatômica tenha sido obtida.

Usamos uma ampla variedade de métodos de fixação (tabela 2); a escolha era feita de acordo com o tipo de fratura e o material disponível na época, prevaleceu a placa Philos(r), usada em 14 casos, e o parafuso esponjoso, usado em 18 pacientes. Collopy e Skirving9 usaram dois parafusos esponjosos como método de fixação, assim como Bailie e McAlinden.6 Warner et al.4 relatam a preferência pelo uso de parafusos, sejam canulados ou não, para esse tipo de fratura.

Não observamos diferença significativa entre o material de síntese usado e o resultado final. Gerber et al.7 e Moonot et al.21 defendem a tese de que um bom resultado pode ser obtido quando há uma reconstrução anatômica da fratura. Em nosso estudo, as fraturas em que obtivemos redução anatômica evoluíram com bons e excelentes resultados (p = 0,0001).

Vários autores relataram a importância de preencher com enxerto ósseo o espaço entre a cabeça do úmero e a região metafisária que se cria durante a redução da fratura devido à perda do osso trabecular pela compressão da superfície articular no momento do trauma. Com isso tenta-se promover maior sustentação óssea e ajudar a revascularização local.22and23 O enxerto ósseo autólogo da crista ilíaca foi usado por nós em oito pacientes e cinco evoluíram com algum grau de osteonecrose. Assim como Gerber et al.,7 não encontramos relação entre o uso de enxerto ósseo e o desenvolvimento de osteonecrose. Entretanto, há um viés no trabalho, uma vez que usamos o enxerto ósseo nas fraturas mais cominutivas.

A osteonecrose da cabeça do úmero é uma complicação comum das fraturas complexas do ombro, com incidência de 9% a 75%.3,8,23,24and25 A sua presença não está associada a mau resultado funcional, principalmente em pacientes com necrose até o grau II. Podem evoluir com resultados clínicos satisfatórios, principalmente nos casos em que durante a cirurgia foi restabelecida a anatomia do terço proximal do úmero8and26 (fig. 3).

Figura 3
Caso 12 - Fratura do terço proximal do úmero esquerdo em quatro partes impactada em valgo com traço epifisário: imagem radiográfica do ombro esquerdo de frente (a) mostra a fratura aguda e após a fixação (Poi) com fios rosqueados e amarrilho do tubérculo maior (b). A fratura consolidada no pós-operatório de dois anos e seis meses, mas com sinais de necrose e colapso do osso subcondral na radiografia de frente (c) e no corte axial da ressonância nuclear magnética ponderada em T2 (d). Imagem clínica da paciente com arco de movimento de 125° de elevação, (e) L1 de rotação medial (f) e 10° de rotação lateral (g). Resultado final bom (UCLA = 29 pontos).

Dos nossos 34 casos, 18 pacientes (52,9%) evoluíram com osteonecrose da cabeça do úmero, seis classificados como grau II e 12 como grau III. (tabela 3) O fato de haver necrose também levou à rejeição da hipótese de igualdade entre os valores médios do UCLA, superiores nos pacientes sem necrose (p = 0,0001).

Tivemos dois pacientes (casos 8 e 15) que sofreram lesão neurológica no membro traumatizado e mantiveram algum tipo de sequela durante o seguimento. Ambos evoluíram com resultado insatisfatório e osteonecrose grau III; talvez esse fato seja um viés do trabalho quando se analisam os resultados relacionados à osteonecrose. Com certeza a lesão nervosa contribuiu, em maior ou menor grau, para a diminuição da função do ombro (fig. 4).

Figura 4
Caso 15 - Fratura complexa do úmero proximal esquerdo com lesão traumática do plexo braquial: imagem radiográfica do ombro de frente (a) e imagem axial na tomografia computadorizada (b) mostram a fratura epifisária. Imagem radiográfica pós-operatória imediato visualiza o sinal da dupla linha (c) e no perfil axilar verifica a incongruência articular (d) e imagem radiográfica pós-operatória de 18 meses visualiza necrose grau II (e). Esse paciente evoluiu com resultado insatisfatório (UCLA = 18).

Tivemos dois casos de osteomielite do terço proximal do úmero. O caso 13, após 21 meses de seguimento, foi submetido a ressecção artroplástica, enquanto o caso 17, paciente portador de tromboangeíte obliterante (doença de Berger), foi submetido à retirada do material de síntese. Apesar do mau resultado, não apresentava condições clínicas para um novo procedimento.

Conclusão

Podemos afirmar que a RAFI das FEEPU levou a resultados bons e excelentes em 55,8% dos casos, deve ser indicada quando acometerem pacientes jovens e adultos ativos.

Observamos que o gênero feminino, o menor intervalo de tempo entre a data do trauma e o procedimento cirúrgico, a redução anatômica da fratura visualizada na radiografia pós-operatória imediata e a ausência de osteonecrose no acompanhamento pós-operatório são fatores que influenciam nos melhores resultados.

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  • Trabalho desenvolvido no Grupo de Ombro e Cotovelo, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2015
  • Aceito
    03 Dez 2015
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