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Tratamento conservador da camptodactilia com órteses: Coorte retrospectiva

Resumo

Objetivo

Avaliar os resultados do tratamento conservador com o uso de órteses estáticas confeccionadas pelo Setor de Terapia Ocupacional da nossa instituição em participantes com camptodactilia dos tipos I, II e III, em suas formas rígida ou flexível, descrever os dados demográficos e clínicos, e avaliar o número de abandonos no período do tratamento.

Métodos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, com número de protocolo CAAE 20300419.3.0000.5273. Todos os prontuários utilizados na pesquisa foram disponibilizados pela nossa instituição. Não foi feito o uso de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para este estudo retrospectivo devido à impossibilidade de contactar o elevado número de participantes. Foram incluídos os prontuários de 38 participantes atendidos no Ambulatório de Terapia Ocupacional de 2013 a 2019.

Resultados

Dos 54 dedos tratados com órteses, 38 foram totalmente corrigidos. As taxas de correção foram as seguintes: tipo I na forma rígida –100%; tipo I na forma flexível –81,2%; tipo II na forma rígida – 0%; tipo II na forma flexível – 100%; tipo III na forma rígida –47,6%; e tipo III na forma flexível –100%. Do total de 93 dedos incluídos, 42% abandonaram o tratamento.

Conclusão

O uso de órteses estáticas é uma alternativa segura ao procedimento cirúrgico e de baixa complexidade de execução para o tratamento da camptodactilia.

Palavras-chave
articulações dos dedos; deformidades congênitas da mão; órteses; reabilitação; terapia ocupacional

Abstract

Objective

To evaluate the outcomes of conservative treatment using static orthoses manufactured by the Occupational Therapy Sector of our institution in participants with camptodactyly types I, II, and III in their rigid or flexible forms, to describe the demographic and clinical data, and to analyze the number of dropouts during the treatment period.

Methods

The Ethics in Human Research Committee approved the project under protocol number CAAE 20300419.3.0000.5273. All medical records used in the research were made available by our institution. In the present retrospective study, we did not use the informed consent form due to the impossibility of contacting the high number of participants. The study included medical records of 38 participants treated at the Occupational Therapy Outpatient Clinic from 2013 to 2019.

Results

Of the 54 fingers treated with orthoses, 38 were completely corrected. The rates of correction were as follows: type I in its rigid form - 100% type I in its flexible form - 81.2%; type II in its rigid form - 0%; type II in its flexible form - 100%; type III in its rigid form - 47.6%; and type III in its flexible form - 100%. Of the 93 fingers included in this study, 42% abandoned the treatment.

Conclusion

Static orthoses are a safe alternative to surgical procedures, with low execution complexity for camptodactyly treatment.

Keywords
finger joint; hand deformities, congenital; occupational therapy; orthosis; rehabilitation

Introdução

A camptodactilia se caracteriza por uma deformidade em flexão permanente da articulação interfalangeana proximal (IFP) de um ou vários dedos, exceto o polegar, de causa não traumática.11 Salazard B, Quilici V, Samson P. Les camptodactylies. [Camptodactyly] Chir Main 2008;27(Suppl 1):S157–S164 O quinto dedo é geralmente o mais acometido, e pode haver a presença de hiperextensão da articulação metacarpofalangeana (MCF).22 McFarlane RM, Classen DA, Porte AM, Botz JS. The anatomy and treatment of camptodactyly of the small finger. J Hand Surg Am 1992;17(01):35–44 33 Glicenstein J, Haddad R, Guero S. Traitement chirurgical des camptodactylies. [Surgical treatment of camptodactyly] Ann Chir Main Memb Super 1995;14(06):264–271 Segundo Monteiro e Almeida,44 Monteiro AV, Almeida SF. Deformidades congênitas do membro superior. In: Pardini A, Freitas A. Cirurgia da mão: Lesões não traumáticas. 2a. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2008:167–241 a camptodactilia é uma deformidade em flexão no plano anteroposterior (Fig. 1).

Fig. 1
Apresentação clínica de paciente com camptodactlia. Flexão da articulação interfalangeana proximal (IFP) do quinto dedo.

Segundo a classificação de Benson et al.,55 Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton J III. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1994;14(06):814–819 a camptodactilia se divide em: tipo I – camptodactilia infantil, que é forma mais comum, e geralmente acomete o dedo mínimo de forma isolada (Fig. 2A); tipo II – camptodactilia da adolescência, que é predominante no sexo feminino, e clinicamente se apresenta como a de tipo I (Fig. 2B); tipo III – presente desde o nascimento, acomete vários dedos, e é geralmente bilateral e associada a síndromes e outras malformações, com formas rígidas e acentuadas (Fig. 2C).

Fig. 2
Tipos de camptodactilia segundo a classificação de Benson et al.55 Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton J III. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1994;14(06):814–819 (A) Tipo I: flexão da articulação IFP dos dedos médio e mínimo. (B) Tipo II: flexão da articulação IFP do dedo mínimo. (C) Tipo III: flexão da articulação IFP dos dedos médio, anelar e mínimo.

A camptodactilia é indolor, e afeta aproximadamente 1% da população.66 Engber WD, Flatt AE. Camptodactyly: an analysis of sixty-six patients and twenty-four operations. J Hand Surg Am 1977;2 (03):216–224 Há famílias em que há um traço autossômico dominante com penetrância variável.77 Deng H, Deng S, Xu H, et al. Exome sequencing of a pedigree reveals S339L mutation in the TLN2 gene as a cause of fifth finger camptodactyly. PLoS One 2016;11(05):e0155180 Em outros casos, a deformidade aparece de forma casual. Aproximadamente 75% dos casos são bilaterais e com progressão durante o estirão de crescimento esquelético, principalmente nas faixas etárias entre 1 e 4 e entre 10 e 14 anos.44 Monteiro AV, Almeida SF. Deformidades congênitas do membro superior. In: Pardini A, Freitas A. Cirurgia da mão: Lesões não traumáticas. 2a. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2008:167–241

Na camptodactilia, diversas estruturas se apresentam de forma anômala no dedo afetado. Várias delas foram implicadas como causa primária, mas não há consenso.88 Wang AMQ, Kim M, Ho ES, Davidge KM. Surgery and conservative management of camptodactyly in pediatric patients: A systematic review. Hand (N Y) 2020;15(06):761–770 Ela pode se manifestar devido a alterações em várias estruturas responsáveis pelo equilíbrio articular.

Podem ser encontrados encurtamento do tendão flexor superficial do dedo, da pele, da cápsula articular da articulação IFP, da aponeurose, anomalias na inserção do músculo lumbrical, ou insuficiência na musculatura intrínseca. Todas essas estruturas foram relacionadas como causas da camptodactilia, mas nenhuma delas foi comprovada como fator etiológico11 Salazard B, Quilici V, Samson P. Les camptodactylies. [Camptodactyly] Chir Main 2008;27(Suppl 1):S157–S164,22 McFarlane RM, Classen DA, Porte AM, Botz JS. The anatomy and treatment of camptodactyly of the small finger. J Hand Surg Am 1992;17(01):35–44,88 Wang AMQ, Kim M, Ho ES, Davidge KM. Surgery and conservative management of camptodactyly in pediatric patients: A systematic review. Hand (N Y) 2020;15(06):761–770

9 Miura T, Nakamura R, Tamura Y. Long-standing extended dynamic splintage and release of an abnormal restraining structure in camptodactyly. J Hand Surg [Br] 1992;17(06):665–672

10 Matsumoto MH, Faloppa F, Albertoni WM, Schmidt B, Ohara GH, Oliveira ASB. Camptodactilia: estudo histoquímico do músculo lumbrical e dos fatores etiopatogênicos. Rev Bras Ortop 1994;29 (04):199–204

11 Goldfarb CA. Congenital hand differences. J Hand Surg Am 2009; 34(07):1351–1356

12 Comer GC, Ladd AL. Management of complications of congenital hand disorders. Hand Clin 2015;31(02):361–375

13 Wijerathne BT, Meier RJ, Agampodi SB. The status of dermatoglyphics as a biomarker of Tel Hashomer camptodactyly syndrome: a review of the literature. J Med Case Rep 2016;10(01): 258
-1414 Kamnerdnakta S, Brown M, Chung KC. Camptodactyly Correction. Operative Techniques in Hand and Wrist Surgery 3rd. Philadelphia: Elsevier; 2018

Goffin et al.1515 Goffin D, Lenoble E, Marin-Braun F, Foucher G. [Camptodactyly: classification and therapeutic results. Apropos of a series of 50 cases]. Ann Chir Main Memb Super 1994;13(01):20–25 relataram que, nos pacientes que apresentam até 30° de flexão, a função da mão não é afetada, mas a partir de 60°, ela fica comprometida. O tratamento cirúrgico para correção da camptodactilia tem como complicação mais comum a perda da flexão total do dedo, e, de acordo com Almeida et al.,1616 Almeida SF, Monteiro AV, Lanes RC. Evaluation of treatment for camptodactyly: retrospective analysis on 40 fingers. Rev Bras Ortop 2014;49(02):134–139 é mais desejável uma extensão incompleta do que a flexão deficiente. Além disso, mesmo em dedos tratados cirurgicamente, o uso de órteses é indicado.1717 Wall LB, Ezaki M, Goldfarb CA. Camptodactyly Treatment for the Lesser Digits. J Hand Surg Am 2018;43(09):874.e1–874.e4

18 Netscher DT, Staines KG, Hamilton KL. Severe camptodactyly: A systematic surgeon and therapist collaboration. J Hand Ther 2015;28(02):167–174, quiz 175
-1919 Smith PJ, Grobbelaar AO. Camptodactyly: a unifying theory and approach to surgical treatment. J Hand Surg Am 1998;23(01): 14–19 O uso de órteses (Figs. 3A-D, 4A-C e 5A-D) para o tratamento da camptodactilia se dá pelo princípio da remodelação dos tecidos moles, um conceito fundamental para a teoria e técnica de imobilização conhecidas empiricamente desde os tempos antigos. Lento, leve e prolongado, o estresse faz com que os tecidos moles se remodelem ou cresçam.2020 Fess EE. A history of splinting: to understand the present, view the past. J Hand Ther 2002;15(02):97–132

Fig. 3
Modelos de órteses estáticas com apoio dorsal utilizadas para a camptodactilia do tipo I. (A) Órtese estática para camptodactilia flexível em dedo mínimo; (B) órtese estática para camptodactilia flexível em dedo médio; (C) órtese estática para camptodactilia rígida em dedo minimo com a articulação metacarpofalangeana (MCF) fletida, vista volar; e (D) órtese estática para camptodactilia rígida em dedo mínimo com a articulação MCF fletida, vista lateral.
Fig. 4
Modelos de órteses estáticas com apoio dorsal para a camptodactilia do tipo II rígida. (A) Camptodactilia do tipo II rígida bilateral: flexão da articulação IFP do dedo mínimo; (B) órtese estática para camptodactilia rígida em dedo minimo com a articulação MCF fletida, vista dorsal; e (C) órteses estáticas curtas para uso diurno.
Fig. 5
Modelos de órteses estáticas com apoio dorsal utilizadas para a camptodactilia do tipo III rígida. (A) Órtese estática para camptodactilia rígida em dedo minimo e anelar, vista lateral; (B) órteses estáticas para camptodactilia rígida em dedos mínimo e anelar da mão direita, e dedos mínimo, anelar e médio da mão esquerda; (C) órtese estática para camptodactilia englobando todos os dedos e com a articulação MCF fletida; e (D) órtese estática para camptodactilia englobando todos os dedos e com a articulação MCF fletida.

A razão primordial que direciona a escolha pelo uso de órteses é o princípio biológico de que os tecidos conjuntivos podem ser remodelados. A remodelação é uma resposta ao tempo e ao estresse que esse tecido recebe; é um rearranjo físico da matriz extracelular do tecido. Não é um processo rápido: está diretamente associado à frequência de uso e ao tempo total de uso diário.2121 McClure PW, Blackburn LG, Dusold C. The use of splints in the treatment of joint stiffness: biologic rationale and an algorithm for making clinical decisions. Phys Ther 1994;74(12): 1101–1107 Para alcançar a correção de contraturas articulares, força constante e de baixa carga deve ser aplicada por período suficiente para causar o estiramento e a criação de novo tecido. Também se fazem necessários ajustes para acomodar as alterações alcançadas e manter o alinhamento da força mecânica. Apesar das controvérsias acerca do mecanismo de ação sobre o tecido mole, o resultado é que ele se adapta à presença ou à ausência de força, e aumenta ou diminui de tamanho, se remodelando para acomodar o estresse recebido.2222 Fess EE, McCollum M. The influence of splinting on healing tissues. J Hand Ther 1998;11(02):157–161 Tecidos vivos têm mecanossensores para detectar pressão e mudanças no direcionamento de forças; eles detectam o toque, a pressão e o alongamento. A chave é estabelecer a quantidade de estímulo necessário para promover a modificação e a remodelação do tecido celular. As primeiras observações da influência das forças sobre a forma e a função dos tecidos têm em torno de 150 anos. Mas ainda há muito a ser descoberto.2323 Wall M, Butler D, El Haj A, Bodle JC, Loboa EG, Banes AJ. Key developments that impacted the field of mechanobiology and mechanotransduction. J Orthop Res 2018;36(02):605–619

A relevância deste estudo se dá pela multiplicidade de tipos de apresentação da camptodactilia, pela multiplicidade de estruturas potencialmente envolvidas, e pela consideração de que a alternativa do tratamento cirúrgico geralmente acarreta a perda da flexão completa no dedo tratado.

O objetivo deste trabalho é avaliar o tratamento conservador com o uso de órteses estáticas em todos os tipos de camptodactilia nos pacientes atendidos no nosso serviço.

Materiais e Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos sob o número CAAE: 20300419.3.0000.5273. Todos os prontuários utilizados foram disponibilizados pela nossa instituição. Não foi feito o uso de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) neste estudo retrospectivo devido à impossibilidade de contactar o elevado número de participantes.

Desenho do Estudo

Trata-se de estudo observacional do tipo coorte retrospectivo. Foram definidas seis coortes, uma para cada tipo de camptodactilia (I, II ou III), com cada apresentação rígida ou flexível de acordo com a classificação de Benson et al..55 Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton J III. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1994;14(06):814–819 Para cada uma das seis coortes, foi avaliada a proporção de correção dos pacientes que aderiram ao tratamento e calculado o tempo médio para a correção do tipo e forma de camptodactilia. Foi verificada a frequência dos dedos acometidos. Também foi avaliada a proporção de abandono do tratamento conservador. Consideramos a correção da camptodactilia a extensão completa do dedo, sem perda da flexão.

Composição da Amostra

Foram incluídos neste estudo os prontuários de pacientes diagnosticados pelo Centro de Atenção Especializada (CAE) da Mão com camptodactilia dos tipos I, II e III em suas formas rígida ou flexível. Foram excluídos todos os prontuários de pacientes submetidos a cirurgia por outras deformidades associadas e pacientes portadores de outro tipo de deformidade congênita não relacionada com a camptodactilia.

Coleta de Dados

Foi utilizado o programa Epi Info (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA, Estados Unidos), versão 7.2.3.1, e foi desenvolvido um instrumento do tipo formulário especificamente para esta pesquisa. Os dados foram coletados seguindo o protocolo criado para este estudo. Foram coletados os dados demográficos dos 38 pacientes, os dados referentes à ocorrência de camptodactilia (dedo acometido, tipo e forma de camptodactilia), além de dados sobre a correção ou o abandono, e o tempo de tratamento (data de nascimento, data de início e do final do acompanhamento, data do registro da correção da camptodactilia e data do abandono, caso houvesse).

Desfecho

Foi considerada como correção de deformidade a extensão completa do dedo, sem a perda da flexão. A proporção de correção foi calculada com os dedos dos participantes que aderiram ao tratamento e que atingiram a correção de seu tipo e forma de camptodactilia. A proporção de abandono foi calculada apenas para os dedos dos participantes que não aderiram ao tratamento pelo tempo estabelecido nesta coorte.

Análise Estatística

A análise descritiva foi feita com proporções para variáveis categóricas e para variáveis quantitativas, e foram utilizados valores de média e desvio padrão, mediana, mínimo, máximo e quartis. Devido ao baixo número amostral deste estudo, todas as análises comparativas foram feitas por meio de testes não paramétricos, como o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney, e foram apresentadas a mediana e intervalo interquartil das seis coortes. Variáveis categóricas foram correlacionadas em tabelas de contingência e avaliadas pelo teste exato de Fisher.

Resultados

Neste estudo, foram analisados os dados dos prontuários de 38 participantes com um total de 93 dedos acometidos. As características sociodemográficas estão descritas na Tabela 1. Não houve associação entre a variável sexo e os tipos camptodactilia de acordo com o teste exato de Fisher (p = 0,124).

Tabela 1
Distribuição dos participantes por sexo e tipo de camptodactilia

A Tabela 2 mostra as distribuições de ocorrência de camptodactilia em cada uma das seis coortes. A forma rígida prevaleceu nesta amostra, e estava presente em 60 dos 93 dedos (p = 0.007). Considerando cada tipo de camptodactilia, as formas rígida e flexível também não foram observadas nas mesmas proporções (p = 0.003). O tipo III teve prevalências diferentes entre as formas rígida e flexível (p < 0,001), e a forma rígida estava presente em 85% dos dedos acometidos. Quando consideramos as ocorrências em cada dedo (Tabela 2), no tipo II há associação nas ocorrências entre a forma e o dedo acometido (p = 0.00 5). O dedo mínimo parece demonstrar maior prevalência da forma rígida em relação à flexível (p = 0.027).

Tabela 2
Prevalência dos tipos e formas de camptodactilia por dedo acometido

A Tabela 3 mostra que o dedo mínimo foi o mais acometido (p < 0,001), e representou 46% dos dedos com camptodactilia; dedos médios e anelares foram acometidos em 26% dos casos cada, e o dedo menos acometido foi o indicador, com 2% do total. Ao todo, 20 participantes tiveram acometimento unilateral: 6 participantes com múltiplos dedos acometidos e 14 com apenas 1 dedo com camptodactilia. E 18 participantes tiveram acometimento bilateral, sendo 10 com múltiplos dedos acometidos. Um participante apresentou as duas formas (rígida e flexível) concomitantemente.

Tabela 3
Ocorrência de camptodactilia nos dedos acometidos

A Tabela 4 mostra a frequência de abandono: dos 93 dedos dos participantes, 39 abandonaram o tratamento. O tipo II apresentou a maior frequência de abandono (78,6%), e o tipo III, a menor (23,5%). A proporção de abandono entre os participantes com a forma flexível foi de zero para o tipo III. Apesar disso, não houve associação entre a forma de camptodactilia e o abandono em nenhum tipo (tipo I: p = 0.075; tipo II: p > 0.99; e tipo III: p = 0.309).

Tabela 4
Distribuição de frequências dos dedos de participantes que abandonaram o tratamento antes de alcançar a correção

A Tabela 5 mostra a proporção de correção da camptodactilia com o uso de órteses estáticas: Do total de 54 dedos de participantes que aderiram ao tratamento, 38 (71,7%) foram totalmente corrigidos. A camptodactilia rígida foi corrigida em 59% dos dedos, e a flexível, em 86%. Não houve associação entre a forma da camptodactilia e a correção, mas houve uma tendência no tipo III flexível (p = 0.053).

Tabela 5
Distribuição de frequências de dedos dos participantes que aderiram ao tratamento e alcançaram a correção da camptodactilia

Na Tabela 6 estão os tempos necessários até a correção. A camptodactilia do tipo I foi a que levou O menor tempo mediano até a correção (dois meses). A camptodactilia do tipo III rígida teve o maior tempo mediano observado até a correção (24 meses). Não houve associação relativa ao tempo decorrido até a correção e as formas rígida e flexível no tipo I (p = 0,705), e no tipo II não foi possível calcular, porque não tivemos nenhuma correção na forma rígida, mas, no tipo III, houve associação entre o tempo decorrido até a correção e as formas rígida e flexível: a forma flexível foi corrigida em menor tempo (p = 0,006).

Tabela 6
Distribuição do tempo, em meses, decorrido até a correção da camptodactilia com o uso de órteses estáticas

Discussão

Assim como na literatura,1616 Almeida SF, Monteiro AV, Lanes RC. Evaluation of treatment for camptodactyly: retrospective analysis on 40 fingers. Rev Bras Ortop 2014;49(02):134–139,2424 Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camp-todactyly. J Hand Surg [Br] 1990;15(02):181–189,2525 Singh V, Haq A, Priyadarshini P, Kumar P. Camptodactyly: An unsolved area of plastic surgery. Arch Plast Surg 2018;45(04): 363–366 na amostra deste estudo, o dedo mínimo foi o mais afetado; mas, em relação à bilateralidade, que nos estudos consultados gira em torno de 75%,44 Monteiro AV, Almeida SF. Deformidades congênitas do membro superior. In: Pardini A, Freitas A. Cirurgia da mão: Lesões não traumáticas. 2a. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2008:167–241 na nossa amostra não chegou a 50% dos participantes. Na revisão sistemática feita por Wang et al.,88 Wang AMQ, Kim M, Ho ES, Davidge KM. Surgery and conservative management of camptodactyly in pediatric patients: A systematic review. Hand (N Y) 2020;15(06):761–770 não foi possível direcionar o melhor tratamento para a camptodactilia; entretanto, houve consenso entre os autores sobre a imprecisão do resultado cirúrgico e sobre a necessidade do uso de órteses como pré ou pós-intervenção.

O uso de órteses seria a forma de manter a correção alcançada ou até mesmo de iniciá-la. Em sua maioria, os artigos na literatura concordam que a abordagem conservadora com o uso de órteses deva ser a primeira escolha de tratamento, ficando a cirurgia restrita a casos muito graves que não tenham sido corrigidos com o uso das órteses.55 Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton J III. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1994;14(06):814–819,88 Wang AMQ, Kim M, Ho ES, Davidge KM. Surgery and conservative management of camptodactyly in pediatric patients: A systematic review. Hand (N Y) 2020;15(06):761–770,99 Miura T, Nakamura R, Tamura Y. Long-standing extended dynamic splintage and release of an abnormal restraining structure in camptodactyly. J Hand Surg [Br] 1992;17(06):665–672,1414 Kamnerdnakta S, Brown M, Chung KC. Camptodactyly Correction. Operative Techniques in Hand and Wrist Surgery 3rd. Philadelphia: Elsevier; 2018,1515 Goffin D, Lenoble E, Marin-Braun F, Foucher G. [Camptodactyly: classification and therapeutic results. Apropos of a series of 50 cases]. Ann Chir Main Memb Super 1994;13(01):20–25,1717 Wall LB, Ezaki M, Goldfarb CA. Camptodactyly Treatment for the Lesser Digits. J Hand Surg Am 2018;43(09):874.e1–874.e4,1818 Netscher DT, Staines KG, Hamilton KL. Severe camptodactyly: A systematic surgeon and therapist collaboration. J Hand Ther 2015;28(02):167–174, quiz 175,2424 Siegert JJ, Cooney WP, Dobyns JH. Management of simple camp-todactyly. J Hand Surg [Br] 1990;15(02):181–189,2626 Foucher G, Loréa P, Khouri RK, Medina J, Pivato G. Camptodactyly as a spectrum of congenital deficiencies: a treatment algorithm based on clinical examination. Plast Reconstr Surg 2006;117(06): 1897–1905

27 Hamilton KL, Netscher DT. Evaluation of a stepwise surgical approach to camptodactyly. Plast Reconstr Surg 2015;135(03): 568e–576e

28 Hori M, Nakamura R, Inoue G, et al. Nonoperative treatment of camptodactyly. J Hand Surg Am 1987;12(06):1061–1065

29 Seves M, Rossi P, Ramella M. Trattamento conservativo precoce nella camptodattilia. Rev Chir Mano 2004;41(01):61–64
-3030 Urban M, Rutowski R, Urban J, Mazurek P, Kuliński S, Gosk J. Treatment of camptodactyly using injection of botulinum neurotoxin. Adv Clin Exp Med 2014;23(03):399–402

As complicações mais comuns no pós-operatório relatadas por Almeida et al.1616 Almeida SF, Monteiro AV, Lanes RC. Evaluation of treatment for camptodactyly: retrospective analysis on 40 fingers. Rev Bras Ortop 2014;49(02):134–139 são: lesão de estruturas vasculares, tensão cicatricial e perda da flexão total do dedo tratado. Porém, funcionalmente, uma extensão incompleta é melhor do que a perda da flexão.1616 Almeida SF, Monteiro AV, Lanes RC. Evaluation of treatment for camptodactyly: retrospective analysis on 40 fingers. Rev Bras Ortop 2014;49(02):134–139

Os resultados deste estudo fornecem indícios de que a permanência do dedo em flexão por muitos anos pode levar a uma deformidade estruturada e possível anquilose da articulação IFP. Desta forma, a presença de anquilose se tornou uma contraindicação para o tratamento conservador no nosso serviço.

Houve um alto índice de abandono entre os participantes deste estudo; porém, na literatura consultada, não foi encontrado nenhum dado em relação ao abandono durante o tratamento conservador. Os participantes com camptodactilia do tipo II foram os que mais abandonaram (seguidos dos participantes do tipo I, com 44%). Alguns participantes com camptodactilia do tipo I compareceram para a confecção de uma primeira órtese e não retornaram. A proporção de abandono entre os participantes com camptodactilia do tipo III foi a menor de todas. Acreditamos que, devido à gravidade da camptodactilia do tipo III, que acomete diversos dedos simultaneamente e está ligada a síndromes,55 Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton J III. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1994;14(06):814–819 esses participantes tenham mais motivos para permanecer em tratamento e tenham maior comprometimento por parte de seus cuidadores e responsáveis. Já para o tipo II, que tem seu surgimento na adolescência,55 Benson LS, Waters PM, Kamil NI, Simmons BP, Upton J III. Camptodactyly: classification and results of nonoperative treatment. J Pediatr Orthop 1994;14(06):814–819 os participantes podem apresentar maiores proporções de abandono pelo fato de terem idade para opinar, aceitar a deformidade e decidir dar ou não seguimento ao tratamento. Outra hipótese para o elevado número de participantes que abandonaram o tratamento seria o fato de eles buscarem uma solução rápida, como uma cirurgia, e, ao encontrarem outro tipo de abordagem mais demorada, desistem. Esse dado não foi encontrado na literatura; é fruto da observação na clínica na área da reabilitação com essa população.

O desfecho principal, a correção da camptodactilia com o uso de órteses estáticas, foi calculado apenas com os dedos dos participantes que aderiram ao tratamento conservador. O tipo I da forma rígida foi totalmente corrigido, e a forma flexível foi corrigida em 81,2% dos casos. O tipo II foi corrigido em 33% dos casos, sendo a forma flexível totalmente corrigida, assim como descrito por Goffin et al.,1515 Goffin D, Lenoble E, Marin-Braun F, Foucher G. [Camptodactyly: classification and therapeutic results. Apropos of a series of 50 cases]. Ann Chir Main Memb Super 1994;13(01):20–25 que relatam que a camptodactilia do tipo II flexível é mais facilmente corrigível com uso de órteses. Para o tipo III, a forma flexível foi totalmente corrigida, e a rígida teve a proporção de 48% de correção. De forma global, a camptodactilia rígida foi corrigida em 59% dos dedos, e a flexível, em 86% dos dedos dentro do período de observação das coortes. É importante ressaltar que, na maioria da população deste estudo, foram utilizadas órteses com apoio dorsal, o que não está descrito em nenhum dos estudos consultados. Acreditamos que esse diferencial tenha sido um facilitador para o alcance da correção da deformidade, visto que o apoio dorsal permite um melhor posicionamento da articulação IFP na órtese.

Conclusão

O uso de órteses estáticas para o tratamento da camptodactilia, principalmente a dos tipos I e III, iniciado precocemente, se mostrou como uma solução segura, eficaz e de baixa complexidade de execução. Após a análise dos dados desta amostra, consideramos que o tratamento conservador pode e deve ser indicado como primeira alternativa para a correção da camptodactilia; porém, é necessário deixar claro ao paciente/responsável que a disciplina no uso das órteses é fator decisivo para o alcance da correção da deformidade.

  • Suporte Financeiro

    Os autores declaram que não receberamfinanciamento de agências dos setores público, privado ou sem fins lucrativos para a realização deste estudo.
  • Trabalho desenvolvido no Programa de Mestrado Profissional em Ciências Aplicadas ao Sistema Músculo Esquelético do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Hadad (INTO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Agradecimentos

Os autores gostariam e agradecer ao Dr. Anderson Vieira Monteiro e ao Dr. Saulo Fontes Almeida, médicos responsáveis pelo Centro de Atenção Especializada (CAE) da Mão do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (INTO).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2023
  • Aceito
    15 Jan 2024
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