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Tumor de células gigantes do colo do fêmur: relato de caso Trabalho desenvolvido no Serviço de Cirurgia do Quadril, Hospital Geral de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil.

RESUMO

Os autores apresentam um caso de uma paciente portadora de tumor de células gigantes do colo do fêmur esquerdo com invasão progressiva de tecido ósseo adjacente. Foi tratado inicialmente com esvaziamento por meio de curetagem local e enxertia autóloga com tabiques da fíbula, eletrofulguração e preenchimento com metilmetacrilato. A paciente evoluiu com recidiva da lesão tumoral local após um ano, foi necessária uma nova intervenção cirúrgica, com ressecção em bloco da parte proximal do fêmur e fixação de endoprótese não convencional. São discutidos os aspectos clínicos e a abordagem terapêutica. O relato tem por função demonstrar a necessidade de abordar o tumor de células gigantes do colo do fêmur, em obediência aos princípios oncológicos de ressecção óssea, com prioridade para a total exérese do tumor e sua extensão local, preservação da integridade do membro e demonstração da total falha de tentativas preservadoras no caso de acometimento do colo femoral.

Palavras-chave:
Quadril; Ossos; Fraturas do colo femoral; Tumores de células gigantes

ABSTRACT

The authors present the case of a patient with a giant cell tumor of the left femoral neck, with adjacent progressive invasion of bone tissue. Initial treatment was done with local curettage and autologous bone graft from fibula, electrocauterization and filling with methyl methacrylate. A local tumoral relapse was present after one year; therefore a new surgical procedure was necessary, with proximal femoral wide resection and unconventional endoprosthesis fixation. The article discusses the clinical aspects and surgical treatment. This report aimed to demonstrate the necessity to perform wide resection for giant cell tumor of the femoral neck, prioritizing total resection of the tumor and its local extension, preserving limb integrity and demonstrating the complete failure of preserving surgery in cases of femoral neck involvement.

Keywords:
Hip; Bones; Femoral neck fractures; Giant cell tumors

Introdução

O tumor de células gigantes é definido como neoplasia óssea benigna agressiva de comportamento biológico incerto, caracterizado histologicamente por tecido ricamente vascularizado, constituído por células ovoides e fusiformes e pela presença de numerosas células gigantes do tipo osteoclástico, uniformemente distribuídas por todo o tecido tumoral.11. Schajowicz F. Tumores y lesiones pseudotumorales de huesos y articulaciones. Buenos Aires: Panamericana; 1982.and22. Camargo OP, Croci AT, Oliveira CRG, Baptista AM, Caiero MT, Giannotti MA. Tumor de células gigantes - evolução histórica do seu diagnóstico e tratamento junto ao Instituto de Ortopedia e Traumatologia da FMUSP. Acta Ortop Bras. 2001;9(4):46-52.

O TCG acomete preferencialmente os adultos jovens na faixa dos 20 aos 35 anos, com localização mais frequente no fêmur distal e na tíbia proximal. É mais comum no sexo feminino e constitui 8% dos tumores ósseos primários.33. Catalan J, Fonte AC, Lusa JRB, Melo ES, Justino Júnior RO, Min TT, et al. Tumor de células gigantes ósseo: aspectos clínicos e radiográficos de 115 casos. Radiol Bras. 2006;39(2):119-22.

Este relato apresenta como finalidade principal demonstrar a importância da ressecção inserida nos princípios oncológicos para as lesões desse tipo, que envolvem o colo do fêmur e são fundamentalmente de tratamento cirúrgico, com substituição radical desse seguimento, e que, face às falhas de outras técnicas, como a curetagem e enxertia óssea autóloga ou homóloga, a substituição protética (endoprótese não convencional) se impõe.

Relato do caso

Paciente feminino, 33 anos, com relato de dor no quadril esquerdo e na região lombar havia seis meses, sem história de trauma ou esforço físico, evoluiu com pioria progressiva da dor. Ao exame físico apresentava dor à palpação na região anterior e à movimentação do quadril esquerdo, com amplitude de movimentos normais.

No estudo radiológico inicial (radiografia de bacia), evidenciou-se a presença de lesão osteolítica extensa, que acometeu o colo femoral e o grande trocanter no seu terço proximal (fig. 1).

Figura 1
Radiografia em anteroposterior (A) e em perfil de Lowenstein (B) da bacia que evidencia lesão osteolítica no colo do fêmur esquerdo.

A ressonância nuclear magnética (RNM) revelou uma lesão expansiva, destrutiva, insuflativa, óssea, na região epífise-metafisária do fêmur proximal esquerdo, de contornos regulares e bem definidos, acometeu o colo femoral e estendeu-se para o aspecto anterossuperior da cabeça femoral. A lesão apresentava matriz sólida homogênea, com hipossinal em T1 e sinal intermediário em T2, com intensa captação do meio de contraste endovenoso. Havia edema medular ósseo próximo à lesão, sem sinais de expansão para tecidos moles adjacentes (fig. 2).

Figura 2
Ressonância magnética da bacia, corte coronal em T2 (A) e axial com contraste em T2 (B) que evidencia lesão no colo femoral esquerdo.

Na presença de tais definições, foi aventada a possibilidade de TCG e proposta a biópsia óssea, a qual foi feita de imediato, corroborada com a hipótese diagnóstica primária. Definiu-se pela ressecção intralesional, com curetagem local e tratamento adjuvante com eletrofulguração, mais preenchimento da cavidade com enxerto ósseo autólogo da fíbula e cimento ósseo (metilmetacrilato) (fig. 3).

Figura 3
Radiografia em anteroposterior (A) e em perfil de Lowenstein (B) da bacia que evidencia pós-operatório do TCG no colo do fêmur esquerdo.

A paciente evoluiu sem alterações clínicas significativas, foi liberada a descarga total de peso em 120 dias. Com um ano de pós-operatório, foi feita uma RNM para controle e, apesar de a paciente estar totalmente assintomática, foi observada a presença de lesão nodular de contornos regulares e bem definidos, com isossinal em T1 e T2 que captou homogeneamente o meio de contraste endovenoso na região intertrocantérica, na porção inferior da cavidade cirúrgica. Havia ainda edema medular ósseo adjacente à lesão e ao enxerto ósseo/cimento, assim como periostite reacional, compatível com recidiva tumoral (fig. 4).

Figura 4
Ressonância magnética do quadril esquerdo em corte sagital em T2, que evidencia recidiva do TCG após um ano da primeira cirurgia.

Em virtude de tal fato, foi proposta uma nova intervenção cirúrgica, foi feita ressecção em bloco do terço proximal do fêmur, com substituição com endoprótese não convencional modular de titânio e protetização acetabular não cimentada (Figura 5 and Figura 6).

Figura 5
Imagens do intraoperatório com endroprótese.

Figura 6
Radiografias em anteroposterior do quadril esquerdo, da peça com margem de segurança (A), e com a endoprótese para fêmur proximal (B e C).

Discussão

O tratamento do TCG é essencialmente cirúrgico. Existem evidências contrárias à curetagem, entretanto há uma correlação com a cirurgia e o método, o tipo histológico, o tamanho do tumor, a localização, a idade do paciente, são fatores que influenciam diretamente no prognóstico, assim como a caracterização do estadiamento da lesão.44. Filho RJG, Korukian M, Ishirara HI, Miceno Filho NM, Figueiredo MTB, Seixas MT. É a curetagem um método eficiente no tratamento dos tumores ósseos? Rev Bras Ortop. 1993;28(11/12):813-6.

Em 1983, Enneking propôs o estadiamento radiográfico em três graus: grau I - tumor com bordas bem delimitadas e corticais íntegras; grau II - cortical expandida com bordas bem delimitadas; grau III - bordas não delimitadas com invasão de partes moles. O grau I é tratado com curetagem e tratamento adjuvante (eletrofulguração, metilmetacrilato, nitrogênio líquido e fenol). O grau II pode ainda ser tratado por esse método, porém apresenta pior resultado funcional quando é tratado semelhantemente ao grau III (ressecção ampla da lesão e substituição).44. Filho RJG, Korukian M, Ishirara HI, Miceno Filho NM, Figueiredo MTB, Seixas MT. É a curetagem um método eficiente no tratamento dos tumores ósseos? Rev Bras Ortop. 1993;28(11/12):813-6.,55. Camargo OPO. Estado da arte no diagnóstico e tratamento do tumor de células gigantes. Rev Bras Ortop. 2002;37(10):424-9.and66. Oda Y, Miura H, Tsuneyoshi M, Iwamoto Y. Giant cell tumor of bone: oncological and functional results of long-term follow- up. Jpn J Clin Oncol. 1998;28(5):323-8.

O cimento ósseo não tem capacidade biológica e os resultados em longo prazo são muito difíceis de ser previstos, especialmente nos casos de uso desse método no tratamento de TCG.77. Shih HN, Cheng CY, Chen YJ, Huang TJ, Hsu RW. Treatent of the femoral neck amd trochanteric benign lesions. Clin Orthop Relat Res. 1996;(328):220-6.and88. Camargo OP, Croci AT, Oliveira CRGMC, Baptista AM, Caiero MT. Avaliação radiográfica e funcional de 214 lesões ósseas benignas agressivas tratadas com curetagem, cauterização e cimentação: 24 anos de seguimento. Clinics. 2005;60(6):439-44, 60. Embora alguns autores apresentem excelentes resultados com esse método, baseado na abordagem clínica, não foram observados efeitos deletérios diretamente relacionados ao uso do metilmetacrilato e outros tratamentos adjuvantes que têm sido recomendados para a redução de recidiva do TCG.99. Prosser GH, Baloch KG, Tillman RM, Carter SR, Grimer RJ. Does curettage without adjuvant therapy provide low recurrence rates in giant-cell tumors of bone? Clin Orthop Relat Res. 2005;(435):211-8.

Vários tratamentos feitos com substituição, como a reconstrução do fêmur proximal com próteses femorais, o uso de endopróteses proximais para grande substituições das neoplasias femorais proximais, endopróteses moduladas de titânio e artroplastia total do quadril convencional, são técnicas usadas como métodos de tratamentos do TCG do quadril.1010. Menendez LR, Ahlmann ER, Kermani C, Gotha H. Endoprosthetic reconstruction for neoplasms of the proximal femur. Clin Orthop Relat Res. 2006;450:46-51.,1111. Croci AT, Camargo OP, Baptista AM, Caiero MT. The use of a modular titanium endoprosthesis in skeletal reconstructions after bone tumor resections: method presentation and analysis of 37 cases. Rev Hosp Clin Fac Med São Paulo. 2000;55(5):169-76.,1212. Donati D, Giacomini S, Gozzi E, Mercuri M. Proximal femur reconstruction by an allograft prosthesis composite. Clin Orthop Relat Res. 2002;(394):192-200.and1313. Kulkarni SS, Dogra AS, Bhosale PB. Total hip arthroplasty for giant cell tumour. J Postgrad Med. 1996;42(3):82-4.

Compreende-se por ressecção do terço proximal do fêmur a cirurgia em que se faz a retirada da região previamente definida de comprometimento ósseo, provocado pelo TCG e pelos tecidos locais macroscopicamente comprometidos, retira-se o bloco proximal por completo do fêmur e o preparo acetabular com prótese sem cimento para garantir uma durabilidade confiável do sistema.

A ressecção do terço proximal do fêmur é uma modalidade de tratamento cirúrgico adequada para casos de TCG do colo do fêmur, constitui uma opção cirúrgica viável à ressecção com curetagem e qualquer outro meio de preenchimento, os quais têm se mostrado ineficazes, como neste caso, quando comparados com a protetização local.

Conclusão

O TCG no colo do fêmur não é a região mais comum da presença dessa lesão. No caso em questão, os autores concluem que o TCG do colo do fêmur deve ser amplamente ressecado com todos os critérios e princípios da cirurgia oncológica e, de imediato, optar pela ressecção em bloco de toda a lesão, com margem segura para a retirada de toda a região comprometida, assim como o tecido subjacente com características macroscópicas contaminadas e substituição protética não convencional. Enfatizamos, portanto, a necessidade de ser ressecado de maneira segura para se evitar a recidiva da lesão.

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  • Trabalho desenvolvido no Serviço de Cirurgia do Quadril, Hospital Geral de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2015
  • Aceito
    08 Mar 2016
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