RESUMO
OBJETIVO: Avaliar o grau funcional desses pacientes e identificar os tipos de complicações encontradas e que influenciaram na sobrevida das endopróteses e na função do membro operado.
MÉTODOS: Foram analisados 14 pós-operatórios de endopróteses em pacientes portadores de tumores ósseos malignos e benignos agressivos com cirurgia entre 2004 e 2014. O sistema de avaliação foi o proposto por Enneking, preconizado pela Musculoskeletal Tumor Society (MSTS), além da avaliação radiográfica.
RESULTADOS: As endopróteses são ótimas opções no tratamento de tumores ósseos com preservação do membro, em relação à dor, força e aceitação emocional do paciente. Outro fator para bons resultados é a capacidade de suporte de peso imediato, que gera uma independência maior.
CONCLUSÃO: Todos os pacientes classificaram a terapia como excelente/boa, indiferentemente do tipo de prótese, extensão da lesão, tipo de tumor e ressecção feita.
Palavras-chave: Neoplasias ósseas; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Prótese articular; Salvamento de membro
ABSTRACT
OBJECTIVES: Evaluate the functional grade of these patients and to identify the types of complications found that influenced the average life span of endoprostheses the functions of the operated limb.
METHODS: We analyzed 14 post-operative cases of endoprosthesis, patients with malignant bone tumors and aggressive benign bone tumors submitted to surgery between 2004 and 2014. The evaluation system used was proposed by Enneking, recommended by the Musculoskeletal Tumor Society (MSTS), in addition to the radiologic evaluation.
RESULTS: Endoprosthesis are excellent choices for the treatment of bone tumors with limb preservation in relation to pain, strength, and patient's emotional acceptance. Another factor for good results is the immediate weight-bearing capacity, generating a greater independence.
CONCLUSION: The authors conclude that all patients classified the therapy as excellent/good, regardless of the type of prosthesis used, extent of injury, and/or type of tumor resection performed.
Keywords: Bone neoplasms; Reconstructive surgical procedures; Joint prosthesis; Limb salvage
Introdução
Com os avanços nos protocolos e nas terapias de tratamento dos pacientes oncológicos e o consequente aumento da sobrevida, o número de pacientes portadores de metástases ósseas aumentou, assim como a incidência de complicações.1,2, 3-4 Uma das complicações frequentemente encontradas nesses pacientes são as fraturas patológicas, principalmente as dos membros inferiores, o que invariavelmente, acomete a região metaepifisária do osso, obrigando-nos a uma reconstrução articular. Com relação aos tumores ósseos primários, esses também têm tido melhores prognósticos com o emprego da poliquimioterapia, traduzem uma possibilidade de preservação de membros, o que na maioria das vezes só é obtido com grandes ressecções ósseas, levando-nos à necessidade de reconstrução desse segmento ósseo, que na grande maioria das vezes pode ser feita com endopróteses não convencionais.
A doença óssea metastática é a neoplasia maligna mais frequente no osso,1 acomete principalmente o esqueleto axial, a pelve e o fêmur.5and6 O acometimento metastático nos membros inferiores está associado a um maior número de fraturas patológicas e promove um aumento da morbi/mortalidade devido ao tempo prolongado de restrição ao leito, maior risco de pneumonia e eventos tromboembólicos.6 Nessas circunstâncias, a substituição do segmento ósseo pode ser realizado com as endopróteses, o que reabilita rapidamente esse paciente e o torna ambulatorial.1,7,8and9
Com relação aos tumores ósseos primários, o osteossarcoma e o tumor de Ewing, bem como os tumores de células gigantes ósseos (TGCs), também ocorrem com maior frequência nos membros inferiores, sendo o fêmur distal e a tíbia proximal são as localizações preferenciais, acometem a região articular e ao mesmo tempo levando a uma necessidade de substituição dessa. Já nos membros superiores, o acometimento do úmero proximal por esses tumores também acontece não com pouca frequência.2and7
Para os tumores primários malignos e benignos agressivos, a ressecção ampla para a obtenção da margem de segurança necessária resulta em grandes ressecções ósseas e consequentemente na necessidade de reconstrução local.8and10
Dentre as técnicas baseadas no princípio de salvamento de membro (limb salvage), aquela que tem sido preconizada para o tratamento das metástases ósseas nos membros inferiores e no úmero proximal, por apresentar melhor resposta e eficácia, é a ressecção da lesão e a substituição do segmento ressecado por endoprótese não convencional, 5,11and12 o método de escolha no nosso serviço.
Para os tumores ósseos primários malignos (osteossarcoma, tumor de Ewing, condrossarcoma) e os tumores ósseos benignos agressivos (B3 de Enneking), a obtenção de margem ampla ou radical invariavelmente resulta em grandes perdas ósseas meta-epifisárias, onde são necessárias as reconstruções biológica ou protética.13
Outra necessidade de endopróteses são as grandes ressecções ósseas que se apresentam nas cirurgias de revisões de artoplastias convencionais.
Nesses casos, as reconstruções biológicas podem ser feitas com enxerto ósseo autólogo, livre ou vascularizado, enxerto ósseo homólogo (banco de tecidos) ou outros métodos de autoenxerto. A reconstrução biológica, embora mais natural, apresenta grandes limitações na maioria dos casos.13
As reconstruções protéticas são realizadas com as endopróteses não convencionais, as quais substituem os ossos e as articulações. São de fácil obtenção, reconstroem o membro de maneira anatômica, funcional e rápida, com recuperação da deambulação de maneira precoce. No entanto, também apresentam inúmeras complicações em curto e em longo prazo. As complicações observadas nos pós-operatório das ressecções de tumores ósseos e substituição do segmento ressecado por endopróteses são: infecção, soltura asséptica, fratura periprotética, fratura do implante e recidiva tumoral.1,7and14
Essas complicações podem ser responsáveis pelo comprometimento funcional do membro acometido, pela perda do implante e até mesmo pela amputação do membro envolvido.
A finalidade deste estudo é identificar quais foram os tipos de complicações encontradas e que influenciaram na sobrevida das endopróteses e na função do membro operado dos nossos pacientes, segundo a análise funcional da MSTS. Esses dados poderão ser usados para aperfeiçoar a fabricação de implantes e melhorar as técnicas cirúrgicas, pois o aperfeiçoamento dos implantes ortopédicos e das técnicas usadas na substituição de defeitos ósseos pós-ressecção de lesões neoplásicas é determinante para se obter uma durabilidade maior com menos complicações e maior funcionalidade do membro operado.5,12,13,14and15
Material e métodos
Trata-se de um estudo retrospectivo, com 14 pacientes portadores de tumores malignos e benignos agressivos (B3 de Enneking) que necessitaram de cirurgia reconstrutiva com endopróteses não convencionais. Foram excluídos pacientes sem dados completos no prontuário que permitissem a avaliação e os que foram a óbito ou transferidos para outro serviço antes de completar um ano de seguimento. Foram excluídos também pacientes que não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A média de idade dos pacientes foi de 56 anos, o mais novo com 19 e o mais idoso com 66. Cinco pacientes pertenciam ao sexo masculino e nove ao feminino. Quanto à localização, um (7%) no ombro, dois (14%) no quadril e 11 (78%) no joelho (fig. 1). Em relação ao tumor, um (7%) era portador de mieloma múltiplo, um (7%) de tumor de Ewing, três (21%) de metástases ósseas e seis (42%) de condrossarcoma. As cirurgias foram feitas entre 2004 e 2014 (fig. 2). Três pacientes foram submetidos à amputação devido a complicações tardias da cirurgia de endoprótese. Os dados estão ilustrados na tabela 1.
Radiografias pré-operatórias de um dos pacientes do estudo, diagnosticadocom TGC no fêmur distal esquerdo.
Imagem do intraoperatório e radiografias pós-operatórias do mesmo paciente, o qual foi submetido à endoprótese não convencional modular de fêmur distal com joelho articulado.
A avaliação funcional dos pacientes foi de acordo com a classificação preconizada por Enneking, adotada pela Musculoskeletal Tumor Society (MSTS), cujos parâmetros são mobilidade, dor, função, aceitação emocional, necessidade de auxílio, capacidade de deambulação, marcha, arco de movimento (ADM) e força. Cada parâmetro de avaliação funcional foi avaliado com seis níveis de pontuação, a maior nota foi cinco e a menor, zero. A radiografia também foi avaliada quanto à estabilidade da endoprótese, conforme tabela 2.
Por meio do programa R e do programa Excel, fez-se a análise exploratória dos dados, com 11 pacientes submetidos (três foram excluídos da análise de dados, devido a amputação) ao tratamento de endoprótese. Neste trabalho o objetivo é avaliar se a endoprótese é um tratamento eficaz.
Por meio do gráfico Q-Q plot da média de escores, temos uma confirmação de suposição de normalidade dos escores, isto é, como os pontos estão próximos da reta, podemos usar o teste t de comparação de média nos dados, conforme a tabela 3 e figura 3.
Resultados
O valor do escore para cada paciente pode variar de oito até 48 e, em média, o obtido foi 32. Observamos que 50% dos pacientes que responderam o questionário têm o escore entre 30 e 36. O menor valor observado do escore foi 15 e o maior foi 42.
Na análise global da eficácia da endoprótese e no estabelecimento de que a média dos escores maior do que três seja considerada um bom resultado e com o uso do teste t de Student (comparação de médias) para verificar a média dos escores, obtivemos o resultado de p= 0,002, estatisticamente significativo.
Foram analisadas também todas variáveis separadamente por meio do mesmo método t de Student, considerou-se a resposta maior do que três um resultado satisfatório. Os resultados variaram o p entre 0,005 a 0,8. A dor, a aceitação emocional e a força foram consideradas estaticamente significativas e apresentaram o p abaixo de 0,05. Já a função, a necessidade de auxílio, a capacidade de deambulação, a marcha e a ADM apresentaram o p maior do que 0,05.
Em relação às radiografias, todas as próteses estavam estáveis, sem sinais aparentes de soltura ou infecção, com exceção dos pacientes que foram submetidos à amputação por complicações da cirurgia ou recidiva tumoral. Todas as radiografias foram feitas no mesmo serviço.
Discussão
A literatura atual está escassa em relação a resultados funcionais após cirurgias de salvamento de membro em pacientes com tumores ósseos benignos agressivos e malignos, muito provavelmente devido à raridade dos tumores ósseos primários. Nas últimas décadas, o tratamento de tumores ósseos sofreu mudanças, isso porque anteriormente o tratamento preconizado na maioria dos casos era a amputação. No início deste século, as cirurgias de salvamento do membro se tornaram dominantes entre os cirurgiões, fizeram com que a amputação se tornasse apenas uma opção, ou o tratamento das complicações das cirurgias preservadoras.15and16
Em um estudo feito no Centro Infantil Boldrini publicado em 2008, que comparou dois grupos de portadores de sarcomas ósseos da extremidade distal do fêmur, um com endroprótese total e outro parcial, não houve influência no resultado funcional global, apenas no quesito de estabilidade houve diferença estatisticamente significativa.17
De uma maneira geral, as endopróteses não convencionais são excelentes dispositivos na reconstrução de grandes ressecções ósseas, porém com suas limitações mecânicas, que devemos ponderar antes de indicá-la.
O trabalho corroborou a literatura atual e obteve os mesmos resultados, mostrando que a endoprótese é uma ótima opção no tratamento de tumores ósseos com preservação do membro, principalmente em relação à dor, à força e à aceitação emocional do paciente, conforme resultados mostrados na tabela 4. Todos os pacientes durante a entrevista enfatizaram a melhora emocional após a cirurgia, principalmente devido à melhoria da dor. Outro fator que colabora para os bons resultados comprovados neste trabalho é a capacidade de suporte de peso imediato, que gera uma independência maior para o paciente.
Porém, sabe-se que o arco de movimento (ADM) apresenta limitação em relação ao contralateral, principalmente devido à perda da massa muscular, seja por conta da idade, do desuso ou da ressecção durante a cirurgia. Essa perda de massa muscular piora também a capacidade de deambulação, aumenta a necessidade de auxílio durante a marcha. Com essa deterioração do membro, sua função acaba limitada, o que comprova novamente os resultados mostrados no trabalho.
Conclusão
Todos os pacientes classificaram a terapia como excelente/boa, indiferentemente do tipo de prótese, extensão da lesão, tipo de tumor e ressecção feita.
Os pacientes portadores de tumores ósseos com indicação de salvamento de membro, em sua maioria, apresentam prognóstico de vida abaixo da população geral, portanto o retorno precoce às atividades de vida, a independência e a capacidade de deambulação são os objetivos a serem alcançados com o tratamento, tornando a endoprótese uma opção viável e eficaz para esses pacientes.
Apesar da amostra limitada do estudo, os resultados obtidos por meio do questionário comprovam a literatura atual. Tendo em vista a limitação de pacientes que se adequam a essa amostra e ser uma questão atual, acreditamos que a endoprótese é uma excelente opção nos dias de hoje.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Oct 2016
Histórico
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Recebido
20 Out 2015 -
Aceito
07 Jan 2016