Resumos
Objetivo:
Analisar a relação entre a variação hematimétrica e a presença de sintomas clínicos de hipoperfusão para a indicação de transfusão sanguínea em pacientes submetidos a artroplastia total do joelho.
Métodos:
Fez-se uma análise retrospectiva dos dados coletados nos prontuários de 55 pacientes com diagnóstico de gonartrose submetidos a artroplastia unilateral total do joelho feita pelo serviço de ortopedia e traumatologia de um hospital de fevereiro de 2011 a dezembro de 2012. Os pacientes estudados apresentaram degeneração articular unilateral e se enquadraram na indicação para o tratamento cirúrgico. Todos foram submetidos a avaliação pré-operatória cardiológica e manteve-se um padrão correspondente a ASA-I até III, ausência de discrasia sanguínea e mensuração de hemoglobina pré-operatória. Porém, não foi estabelecido valor hematimétrico mínimo para o tratamento cirúrgico, apenas critérios clínicos de perfusão sanguínea.
Resultados:
Dos 55 pacientes, 35 do sexo feminino e 20 do masculino, com média de 68 anos, apenas seis foram submetidos a transfusão sanguínea homóloga, decorrente do quadro clínico de hipoperfusão tecidual, hipotensão persistente, perda da consciência, sudorese e vômitos coercíveis e apresentaram hemoglobina pós-operatória entre 7,5 e 8,8 g/dL.
Conclusão:
Pacientes com queda acima de 20% na contagem de hemoglobina e valores abaixo de 9 g/dL após a cirurgia sugerem uma possível necessidade de transfusão sanguínea, que só deve ser indicada quando acompanhada de sintomas maiores de hipoperfusão tecidual.
Hemoglobina; Perda sanguínea cirúrgica; Articulações; Artroplastia; Hipovolemia
Objective:
To analyze the relationship between hematimetric variation and the presence of clinical symptoms of hypoperfusion for indicating blood transfusion in patients undergoing total knee arthroplasty.
Methods:
A retrospective analysis was conducted on data gathered from the medical files of 55 patients with a diagnosis of gonarthrosis, who underwent total knee arthroplasty at a hospital orthopedics and traumatology service between February 2011 and December 2012. The patients studied presented unilateral joint degeneration and fitted into the indications for surgical treatment. All the patients underwent a preoperative cardiological evaluation, presenting a pattern of ASA I–III and absence of blood dyscrasia, and preoperative hemoglobin measurements were made. However, no minimum hematimetric value was established for the surgical treatment; there were only clinical criteria for blood perfusion.
Results:
Among the 55 patients, 35 were female and 20 were male, and the mean age was 68 years. Six patients underwent homologous blood transfusion, because of their clinical condition of tissue hypoperfusion, persistent hypotension, loss of consciousness, sweating and coercible vomiting. They presented postoperative hemoglobin of 7.5–8.8 g/dL.
Conclusion:
For patients with falls in hemoglobin counts greater than 20% and values lower than 9 g/dL after the surgery, there is a possible need for blood transfusion, which should only be indicated when accompanied by major symptoms of tissue hypoperfusion.
Hemoglobin; Surgical blood loss; Joints; Arthroplasty; Hypovolemia
Introdução
A artroplastia total do joelho (ATJ) é um dos procedimentos cirúrgicos mais indicados para o tratamento da osteoartrose,11. Cintra FF, Yepéz AK, Rasga MGS, Abagge M, Alencar PGC. Componente tibial na revisão da artroplastia do joelho: comparação entre fixação cimentada e híbrida. Rev Bras Ortop. 2011;46(5):585–90. doença de caráter inflamatório e degenerativo, que provoca a destruição da cartilagem articular do joelho e leva a uma deformidade da articulação.22. Camanho GL. Tratamento da osteoartrose do joelho. Rev Bras Ortop. 2001;36(5):135–40. A ATJ é um procedimento cada vez mais frequente,33. Iamaguchi MM, Helito CP, Gobbi RG, Demange MK, Tirico LEP, Pecora JR, et al. Valor da avaliação radiográfica pré-operatória dos defeitos ósseos no joelho nas revisões de artroplastia. Rev Bras Ortop. 2012;47(6):714–8.–66. Pugely AJ, Martin CT, Gao Y, Mendoza-Lattes S, Callaghan JJ. Differences in short-term complications between spinal and general anesthesia for primary total knee arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(3):193–9. porém está associada a uma grande perda de sangue pós-operatório que pode chegar a valores iguais ou superiores a 1,5 litro, casos em que a transfusão se torna inevitável.77. Lotke PA, Faralli VJ, Orenstein EM, Ecker ML. Blood loss after total knee replacement. Effects of tourniquet release and continuous passive motion. J Bone Joint Surg Am. 1991;73(7):1037–40.,88. Singh VK, Singh PK, Javed S, Kumar K, Tomar J. Autologous transfusion of drain contents in elective primary knee arthroplasty: its value and relevance. Blood Transfus. 2011;9(3):281–5. O sangramento ocorre principalmente após a retirada do garrote.99. Andrade MAP, Campos TVO, Silva BFA, Assis ME, Boechat LC, Biondi LF, et al. Avaliação prospectiva dos pacientes submetidos a artroplastia total do joelho com e sem colocação de dreno de sucção. Rev Bras Ortop. 2010;45(6):549–53.,1010. Burke DW, O'Flynn H. Primary total knee arthroplasty. In: Chapman MW, editor. Chapman's orthopedic surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p. 2870–95.
Entende-se que nos traumas e nas grandes cirurgias, como a ATJ, em que há perda sanguínea aguda, a oxigenação é o principal indicador acerca da reposição volêmica. Esse é um momento decisivo, em que a reposição deve ser feita com sangue ou seus hemocomponentes em detrimento de soluções acelulares, isoladamente. Assim, as transfusões podem ser feitas com sangue homólogo, cujo doador é estranho ao receptor, ou com sangue autólogo, quando o doador e o receptor são a mesma pessoa. Na maioria dos casos, a transfusão com sangue homólogo é a mais usada.1111. Vane LA, Ganem EM. Doação homóloga versus autóloga e substitutos da hemoglobina. In: Cavalcanti IL, Cantinho FAF, Assad AR, editors. Medicina perioperatória. Rio de Janeiro: Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2006. p. 291–306.
No entanto, ao se analisarem as indicações para transfusões, não se encontra consenso quanto o que seria um valor mínimo aceitável para o nível de hemoglobina, suficiente para manter a adequada perfusão tecidual. Valores discrepantes são relatados e variam de níveis tão baixos como 1,8 g/dL até níveis normais, como 12 g/dL.1212. Hajjar LA, Auler JOC Jr, Santos L, Galas F. Blood transfusion in critically ill patients: state of the art. Clinics. 2007;62(4):507–24.
Este estudo tem como objetivo analisar a relação entre a variação hematimétrica e a presença de sintomas clínicos de hipoperfusão, para a indicação de transfusão sanguínea em pacientes submetidos à ATJ.
Material e métodos
Fez-se uma análise retrospectiva dos dados coletados nos prontuários de 55 pacientes submetidos a artroplastia unilateral total do joelho feita pelo serviço de ortopedia e traumatologia de um hospital de fevereiro de 2011 a dezembro de 2012. Desses, 35 (63,63%) eram do sexo feminino e 20 (36,36%) do masculino e a idade média foi de 68,3 anos (45 a 86), conforme pode ser observado na figura 1.
Todos os procedimentos foram feitos por uma equipe de cirurgiões experientes com a técnica cirúrgica da artroplastia unilateral total do joelho.
Como critérios de inclusão, os pacientes deveriam apresentar gonartrose primária com indicação de ATJ, submeter-se à avaliação pré-operatória cardiológica, manter-se no padrão da American Society of Anesthesiology (ASA) de I a III, ter ausência de discrasia sanguínea e mensuração da hemoglobina pré-operatória. Não foi estabelecido qualquer valor hematimétrico mínimo para a cirurgia, apenas critérios clínicos de perfusão sanguínea. Pacientes em uso regular de medicação com potencial para alterar a coagulação foram orientados a suspendê-la dez dias antes da intervenção cirúrgica e todos apresentavam coagulograma normal no dia do procedimento. Qualquer complicação intra ou pós-operatória foi considerada critério de exclusão.
Usou-se o antibiótico cefazolina em dose única de 1g endovenosa na indução anestésica. A prevenção de tromboembolismo venoso (TEV) seguiu orientações da Comissão de Prevenção do TEV, com uso de 40 mg de enoxaparina subcutânea diária, iniciada seis horas após o bloqueio anestésico e mantida por dez dias. Em todos os pacientes, a anestesia foi do tipo bloqueio locorregional e o critério de reposição volumétrica trans e pósoperatória imediata foi do tipo restritivo, com uso de 10mL/kg/h de infusão cristaloide. Fez-se a assepsia e antissepsia, com aplicação de soluções tópicas específicas e colocação de campos cirúrgicos apropriados.
No procedimento cirúrgico foi usado garrote pneumático com pressão de 375 mm/hg, posicionado na raiz da coxa, a qual foi protegida com algodão ortopédico e atadura de crepom. Seguiu-se a técnica convencional para a artroplastia total do joelho feita através de via de acesso mediana e artrotomia parapatelar medial, eversão da patela, distúrbio do mecanismo extensor do joelho, luxação da articulação, além de violação extensa das partes moles ao redor da articulação.1313. Motta Filho GR, Cavanellas N. Artroplastia minimamente invasiva do joelho. Rev Bras Ortop. 2007;42(9):269–77.–1515. Malkani AL, Rand JA, Bryan RS, Wallrichs SL. Total knee arthroplasty with the kinematic condylar prosthesis: a ten-year follow-up study. J Bone Joint Surg Am. 1995;77(3):423–31. Todos os pacientes receberam prótese cimentada, as quais são mais usadas por razões técnicas e económicas.1616. Cobra HAAB, Palma IM. Artroplastia total do joelho. SEMCAD/PROATO/SBOT - Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2008.
Após a liberação do garrote pneumático, fez-se a hemostasia e colocou-se um dreno de sucção a vácuo intra-articular de via única com saída na região distal e lateral do fêmur. Fez-se a sutura através de planos, com movimentos completos de flexoextensão após cada plano fechado. Foi feito curativo inguinopodálico com camadas sucessivas de bandagens compressivas e algodão ortopédico seguido de tala gessada inguinomaleolar.
A reposição volêmica com cristaloides na enfermaria obedeceu à relação de 3:1 para as perdas sanguíneas coletadas no dreno a vácuo e estimadas em curativos expressivos diários. O controle de hemoglobina foi feito após 24 horas do término do procedimento cirúrgico, uma vez que esse é o momento ideal, pois corresponde ao período de maior volume drenado no sistema coletor do dreno. Após esse período o volume não é significativo.1717. Lopes AIS, Cobra HAAB, Cavanellas NT. Avaliação da perda sanguínea em artroplastia total primária do joelho com drenagem de sucção: estudo prospectivo. Orto & Trauma: Discussões e Complicações. 2009;(6):4–6.
O tempo médio de internação foi de três dias, com exercícios isométricos e isotônicos em todo o membro inferior iniciados no primeiro pós-operatório e mantidos até a alta hospitalar, com os objetivos de flexão ativa de pelo menos 90°, extensão completa e deambulação com carga parcial e auxílio de andador.
Resultados
Na avaliação da hemoglobina após 24 horas, observouse a perda média de 3,33 g/dL (24,78%), com variação de 0,5 a 6,3 g/dL. A dosagem de hemoglobina pós-operatória variou entre 7,5 e 12,7 g/dL e a maior parte dos pacientes (67,27%) ficou entre os níveis 9 e 12 g/dL (tabela 1).
Para melhor visualização dos dados apresentados na tabela 1, foi construído um histograma de frequência do número de pacientes segundo o valor pós-operatório da dosagem de hemoglobina (fig. 2).
O nível percentual de redução da hemoglobina variou de 5,55% a 40,91%. A maior parte dos pacientes (36) teve queda, que variou de 15% a 30%. Todos os pacientes transfundidos apresentaram percentuais acima de 20%. Porém, 39 pacientes apresentaram percentuais de perda acima de 20% e apenas seis (15,38%) foram transfundidos, conforme apresentado na tabela 2.
Número de pacientes totais e transfundidos segundo o percentual de queda do valor da hemoglobina pós-operatória
A incidência de pacientes totais e transfundidos segundo o percentual de queda do valor da hemoglobina pós-operatória pode ser observada na figura 3.
Número de pacientes totais e transfundidos segundo o percentual de queda do valor da hemoglobina pós-operatória.
Seis pacientes (10,9%) foram submetidos a transfusão sanguínea homóloga exclusivamente por apresentar sintomatologia de hipoperfusão tecidual, como hipotensão persistente, perda de consciência, sudorese fria, vómitos coercíveis e confusão mental. Critérios de variação hematimétrica não foram determinantes para as transfusões. Entretanto, quando analisados os valores, observamos que todos os pacientes transfundidos apresentavam contagem de hemoglobina pós-operatória que variava de 7,5 a 8,8 g/dL (tabela 3). Vale ressaltar que outros pacientes com contagem de hemoglobina pós-operatória abaixo de 8,8 g/dL não tiveram necessidade de transfusão, uma vez que não apresentaram sintomas clínicos de hipoperfusão (tabela 1).
Níveis de hemoglobina pré e pós-operatórias e percentuais de redução em pacientes submetidos a transfusão sanguínea
Os pacientes submetidos a transfusões tiveram suas altas atrasadas em um dia. Porém, nenhuma outra complicação foi observada.
O comportamento dos pacientes submetidos a transfusão sanguínea, quanto aos níveis de hemoglobina pré e pós-operatórios, e os percentuais de redução podem ser mais bem visualizados na figura 4.
Níveis de hemoglobina pré e pós-operatórias e percentuais de redução em pacientes submetidos a transfusão sanguínea.
Discussão
A perda sanguínea nas ATJs poderá levar o paciente a se submeter a uma transfusão. No entanto, na literatura pertinente não se encontra um consenso sobre a indicação de transfusão de acordo com níveis de hemoglobina.
Torna-se oportuno registrar a observação feita por Vuille-Lessard et al.1818. Vuille-Lessard E, Boudreault D, Girard F, Ruel M, Chagnon M, Hardy JF. Red blood cell transfusion practice in elective orthopedic surgery: a multicenter cohort study. Transfusion (Paris). 2010;50(10):2117–24. de que os médicos não têm indicações definitivas ou diretrizes de apoio à necessidade de transfusão sanguínea após cirurgia ortopédica, o que resulta, em última instância, no uso de níveis diversos para a prática transfusional.
Bierbaum et al.,1919. Bierbaum BE, Callaghan JJ, Galante JO, Rubash HE, Tooms RE, Welch RB. An analysis of blood management in patients having a total hip or knee arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 1999;81(1):2–10. ao analisar o gerenciamento de sangue em pacientes submetidos a artroplastia total do quadril ou do joelho, afirmam ser esse estudo o primeiro a avaliar prospectivamente o papel da hemoglobina de acordo com seus níveis ou suas categorias específicas. Os autores avaliaram a necessidade de transfusão autóloga ou homóloga baseada no nível de hemoglobina inicial. Os pacientes que tinham um nível de hemoglobina pré-operatória de 13 g/dL ou menos precisavam de uma transfusão de sangue homólogo, principalmente aqueles que tinham um nível de hemoglobina inicial de 10 a 13 g/dL. Posteriormente, Billote, em Billote et al.,2020. Billote DB, Bierbaum BE, Callaghan JJ, Galante JO, Rubash HE, Tooms RE, et al. Analysis of blood management. J Bone Joint Surg Am. 2000;82(6):900–1. fez uma revisão completa do manuscrito de Bierbaum et al.,1919. Bierbaum BE, Callaghan JJ, Galante JO, Rubash HE, Tooms RE, Welch RB. An analysis of blood management in patients having a total hip or knee arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 1999;81(1):2–10. discordou desse resultado e justificou que a categoria de doentes com níveis iniciais de hemoglobina de 10 a 13 g/dL apresentada no estudo é muito ampla, na medida em que se misturam idosos anêmicos e não anêmicos e outros doadores elegíveis. Bierbaum et al., em Billote et al.,2020. Billote DB, Bierbaum BE, Callaghan JJ, Galante JO, Rubash HE, Tooms RE, et al. Analysis of blood management. J Bone Joint Surg Am. 2000;82(6):900–1. responderam e afirmaram que do ponto de vista da concepção de estudo o intervalo de 10 a 13 g/dL foi baseado na Organização Mundial de Saúde (OMS). Os autores1919. Bierbaum BE, Callaghan JJ, Galante JO, Rubash HE, Tooms RE, Welch RB. An analysis of blood management in patients having a total hip or knee arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 1999;81(1):2–10. concordam com Billote et al.2020. Billote DB, Bierbaum BE, Callaghan JJ, Galante JO, Rubash HE, Tooms RE, et al. Analysis of blood management. J Bone Joint Surg Am. 2000;82(6):900–1. ao afirmar que é necessário mais investigações adicionais de estratégias de gerenciamento de sangue nessas cirurgias.
Nesse sentido, Ng et al.,2121. Ng VY, Lustenberger D, Hoang K, Urchek R, Beal M, Calhoun JH, et al. Preoperative risk stratification and risk reduction for total joint reconstruction: AAOS exhibit selection. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(4):e191–215. ao se referir aos estudos de Salido et al.2222. Salido JA, Marín LA, Gómez LA, Zorrilla P, Martínez C. Preoperative hemoglobin levels and the need for transfusion after prosthetic hip and knee surgery: analysis of predictive factors. J Bone Joint Surg Am. 2002;84(2):216–20. e Hatzidakis et al.,2323. Hatzidakis AM, Mendlick RM, McKillip T, Reddy RL, Garvin KL. Preoperative autologous donation for total joint arthroplasty. An analysis of risk factors for allogenic transfusion. J Bone Joint Surg Am. 2000;82(1):89–100. afirmam apenas que pacientes com nível de hemoglobina pré-operatória menor do que 13 g/dL são de quatro a seis vezes mais propensos a uma transfusão do que pacientes com um nível de hemoglobina entre 13 e 15 g/dL e 15 vezes mais propensos do que os pacientes com um nível de 15 g/dL.
No presente estudo constatou-se que dos pacientes submetidos a transfusão sanguínea apenas um apresentou hemoglobina pré-operatória abaixo de 11 g/dL e os demais, em número de cinco, apresentaram níveis de hemoglobina pré-operatória entre 12,6 e 13,1 g/dL. Esse não foi o fator decisivo para a indicação da transfusão.
Quanto aos níveis de hemoglobina pós-operatória, ao estudar os efeitos do uso do garrote nas ATJs em dois grupos de pacientes – um com e outro sem –, os autores2424. Tai TW, Chang CW, Lai KA, Lin CJ, Yang CY. Effects of tourniquet use on blood loss and soft-tissue damage in total knee arthroplasty: a randomized controlled trial. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(24):2209–15. esclarecem que dois pacientes de cada grupo foram submetidos a transfusão de sangue pós-operatória. Um paciente foi submetido a transfusão ao apresentar um nível de hemoglobina de 8,3 g/dL, acompanhado de taquicardia e dispneia leve; os outros três apresentaram níveis baixos de hemoglobina (7,2; 7,6 e 7,7 g/dL). A diminuição média nos níveis de hemoglobina para esses quatro pacientes foi de 4,1 g/dL.
No presente estudo constatou-se que todos os pacientes transfundidos apresentavam contagem de hemoglobina pós-operatória entre 7,5 e 8,8 g/dL. Entretanto, outros pacientes com contagem de hemoglobina pós-operatória abaixo de 8,8 g/dL não tiveram necessidade de transfusão, uma vez que não apresentaram sintomas clínicos de hipoperfusão e critérios de variação hematimétrica não foram determinantes para as transfusões.
Outros autores,2525. Sarkanovic ML, Gvozdenovic L, Savic D, Ilic MP, Jovanovic G. Autologous blood transfusion in total knee replacement surgery. Vojnosanit Pregl. 2013;70(3):274–8. que estudaram as transfusões de sangue autólogo e homólogo em cirurgia de ATJ, fizeram um comparativo e distribuíram os pacientes em dois grupos: os que receberam transfusão de sangue homólogo e aqueles que receberam transfusão de sangue autólogo. Enfatizaram que a indicação de transfusão para ambos os grupos foi quando o paciente apresentava nível de hemoglobina pós-operatória igual a 8,5 g/dL. Esclarecem, ainda, que esses estudos têm algumas limitações e justificam que apesar de as recomendações de estudos locais serem de 8,5 g/dL, não são sempre seguidas por alguns cirurgiões, que ainda estão relutantes na sua aplicação por considerar esse nível muito baixo.
Esses autores2525. Sarkanovic ML, Gvozdenovic L, Savic D, Ilic MP, Jovanovic G. Autologous blood transfusion in total knee replacement surgery. Vojnosanit Pregl. 2013;70(3):274–8. entendem ser essa a justificativa para níveis mais elevados de hemoglobina no grupo das transfusões homólogas, fato esse não ocorrido nas autólogas, uma vez que o protocolo dessas é controlado pelo técnico e a anestesia pelo anestesiologista.
No presente estudo, entende-se que ao contrário dos autores2525. Sarkanovic ML, Gvozdenovic L, Savic D, Ilic MP, Jovanovic G. Autologous blood transfusion in total knee replacement surgery. Vojnosanit Pregl. 2013;70(3):274–8. os pacientes submetidos a transfusão sanguínea homóloga o foram exclusivamente por apresentar sintomatologia de hipoperfusão tecidual. Os critérios de variação hematimétrica não foram determinantes para as transfusões.
Em um estudo comparativo sobre a prática de transfusão sanguínea em cirurgias ortopédicas eletivas em três hospitais da França, Vuille-Lessard et al.1818. Vuille-Lessard E, Boudreault D, Girard F, Ruel M, Chagnon M, Hardy JF. Red blood cell transfusion practice in elective orthopedic surgery: a multicenter cohort study. Transfusion (Paris). 2010;50(10):2117–24. concluíram que em geral os pacientes eram transfundidos quando apresentavam um nível de hemoglobina entre 7,5 e 8,0 g/dL. Houve diferenças significativas entre os hospitais, na distribuição dos procedimentos, dos níveis de hemoglobina e das perdas de sangue, bem como na queda de hemoglobina e na duração da estada. Afirmam que em 85% das transfusões foi previsto somente o nível de hemoglobina.
No presente estudo, a maior parte dos pacientes (67,27%) apresentou nível de hemoglobina pós-operatória entre 9 e 12 g/dL e nenhum desses necessitou de transfusão. Entretanto, dos 11 pacientes com níveis de hemoglobina pós-operatória abaixo de 9 g/dL, seis (54,54%) necessitaram de transfusão. Ou seja, paciente com hemoglobina abaixo de 9 g/dL no pós-cirúrgico de ATJ apresenta possibilidade aproximadamente duas vezes maior de transfusão sanguínea, além de esse valor de hemoglobina se mostrar como um limiar mínimo para uma possível transfusão, quando relacionado a sintomas clínicos.
No estudo em questão, a maioria dos pacientes (65,45%) apresentou queda percentual na hemoglobina, com variação entre 15% e 30%. Porém, quando isolados, apenas nos pacientes transfundidos a variação percentual mostrou uma elevação média para 33,84%, com variação de 24,77% a 40,47%.
No total, foram identificados 39 pacientes com variação acima de 20%, mas apenas 15,38% necessitaram de transfusão. Acredita-se, assim, que indicar a reposição sanguínea por meio do percentual de perda hematimétrica não seja um critério adequado para uso na prática clínica, por não se ter encontrado um padrão que possa justificar ou não a transfusão sanguínea.
Conclusão
Pacientes com queda acima de 20% na contagem de hemoglobina e valores abaixo de 9g/dL após a cirurgia sugerem uma possível necessidade de transfusão sanguínea, que só deve ser indicada quando acompanhada de sintomas maiores de hipoperfusão tecidual.
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Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital São Francisco, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
REFERENCES
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Oct 2014
Histórico
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Recebido
12 Ago 2013 -
Aceito
12 Set 2013