RESUMO
O impacto femoroacetabular (FAI) é condição de caracterização relativamente recente; decorre de relações anatômico-funcionais anormais entre a região proximal do fêmur e o acetábulo, associadas a movimentos de repetição, que acarretam lesões no labrum e na cartilagem acetabular. As alterações são representadas pela retroversão acetabular ou diminuição da altura entre a borda lateral da cabeça e o colo femoral. Além disso, o impacto femoroacetabular pode ser secundário a fraturas do colo do fêmur com consolidação viciosa ou decorrer de osteotomias pélvicas que provocam o retrodirecionamento do acetábulo. Essas anomalias levam ao contato femoroacetabular patológico que origina forças de impacto e cisalhamento durante os movimentos do quadril. Em consequência, há lesão labral e artrose precoce. O diagnóstico é feito pela sintomatologia típica, sinais radiográficos e ressonância magnética. O tratamento fundamenta-se na correção das anomalias anatômicas, reparo do labrum e remoção da cartilagem lesada. Entretanto, há necessidade de conhecer melhor a evolução natural da afecção, principalmente nos indivíduos assintomáticos, bem como resultados do tratamento em longo prazo.
Palavras-chave:
Quadril; Anatomia; Impacto femoroacetabular; Artroscopia; Osteotomia
ABSTRACT
The femoroacetabular impingement (FAI) is as condition recently characterized that results from the abnormal anatomic and functional relation between the proximal femur and the acetabular border, associated with repetitive movements, which lead labrum and acetabular cartilage injuries. Such alterations result from anatomical variations such as acetabular retroversion or decrease of the femoroacetabular offset. In addition, FAI may result from acquired conditions as malunited femoral neck fractures, or retroverted acetabulum after pelvic osteotomies. These anomalies lead to pathological femoroacetabular contact, which in turn create impact and shear forces during hip movements. As a result, there is early labrum injury and acetabulum cartilage degeneration. The diagnosis is based on the typical clinical findings and images. Treatment is based on the correction of the anatomic anomalies, labrum debridement or repair, and degenerate articular cartilage removal. However, the natural evolution of the condition, as well as the outcome from long-term treatment, demand a better understanding, mainly in the asymptomatic individuals.
Keywords:
Hip; Anatomy; Femoroacetabular impingement; Arthroscopy; Osteotomy
Introdução
Em passado recente, havia um grupo de pessoas jovens, com antecedentes ou não de afecção prévia do quadril, que se queixava de dor na região inguinal, durante ou após atividades físicas ou depois de longos períodos sentadas. Paradoxalmente, o exame físico era pobre e as radiografias interpretadas como de aspecto normal ou, eventualmente, apresentavam alterações compatíveis com sequelas de doença prévia, como Legg-Perthes ou epifisiólise, mas que não explicavam a sintomatologia à luz do conhecimento da época. Como consequência, não havia diagnóstico e terapêutica específica e a recomendação era tratamento sintomático, com restrição de atividades físicas. Entretanto, em alguns casos, em longo prazo, havia evolução para degeneração articular11. Ganz R, Parvizi J, Beck M, Leunig M, Nötzli H, Siebenrock KA. Femoroacetabular impingement: a cause for osteoarthritis of the hip. Clin Orthop Relat Res. 2003;(417):112-20.and22. Beck M, Kalhor M, Leunig M, Ganz R. Hip morphology influences the pattern of damage to the acetabular cartilage: femoroacetabular impingement as a cause of early osteoarthritis of the hip. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(7):1012-8. e o diagnóstico era de osteoartrose primária (ou idiopática). Hoje, sabe-se que muitas dessas pessoas apresentavam a afecção atualmente denominada impacto femoroacetabular (femoroacetabular impingement [FAI]). No início, apenas descrita com base no exame clínico, radiografias simples e achados cirúrgicos, passou a ter mais subsídios com os achados de ressonância magnética e artroscopia. 33. Bittersohl B, Hosalkar HS, Hesper T, Tiderius CJ, Zilkens C, Krauspe R. Advanced imaging in femoroacetabular impingement: current state and future prospects. Front Surg. 2015;2:34.,44. Contreras MEK, Brincas SM, Paes Júnior AJ, Oliveira Filho GR, Rosa FJB. A ressonância magnética e a artrorressonância magnética na lesão labral e condral do quadril: comparação com achados na artroscopia. Rev Bras Ortop. 2008;43(6):217-24.,55. Hong SJ, Shon WY, Lee CY, Myung JS, Kang CH, Kim BH. Imaging findings of femoroacetabular impingement syndrome: focusing on mixed-type impingement. Clin Imaging. 2010;34(2):116-20.and66. Bardakos NV, Vasconcelos JC, Villar RN. Early outcome of hip arthroscopy for femoroacetabular impingement: the role of femoral osteoplasty in symptomatic improvement. J Bone Joint Surg Br. 2008;90(12):1570-5.
O conceito atual é que o impacto femoroacetabular é uma condição que resulta do contato anormal entre a cabeça do fêmur e a borda acetabular, que leva a um conflito mecânico causador de microtraumatismos aplicados no labrum e cartilagem acetabular que provocam lesões nessas estruturas. 77. Sankar WN, Matheney TH, Zaltz I. Femoroacetabular impingement. Orthop Clin North Am. 2013;44(4):575-89. Geralmente o impacto decorre de alterações na transição colo-cabeça e/ou no acetábulo. Entretanto, pode ocorrer em quadris morfologicamente normais, mas que são submetidos a grandes demandas físicas associadas a repetidos movimentos de flexão. 88. Polesello GC, Hitoshi E, Cinagawa HT, Cruz PDSS, Jandrey C, Ricioloi Júnior W, et al. Tratamento cirúrgico para impacto femoroacetabular em um grupo que realiza agachamento. Rev Bras Ortop. 2012;47(4):488-92.and99. Beall DP, Sweet CF, Martin HD, Lastine CL, Grayson DE, Ly JQ, et al. Imaging findings of femoroacetabular impingement syndrome. Skeletal Radiol. 2005;34(11):691-701.
Entretanto, a noção de impacto no quadril não é nova. Uma das antigas referências a essa condição é atribuída a Smith-Petersen,1010. Smith- Petersen MN. Treatment of malum coxae senilis, old slipped upper femoral epiphysis, intrapelvic protrusion of the acetabulum, and coxa plana by means of acetabuloplasty. J Bone Joint Surg. 1936;18(4):869-80. em 1936, que a descreveu como resultante do choque do colo femoral contra o acetábulo e identificou as causas como provenientes de alterações femorais ou acetabulares. São lúcidas suas observações que identificam que a causa da dor dos pacientes era o conflito mecânico entre o colo femoral e a margem do acetábulo, que resultava em artrite traumática. Esse mesmo autor cunhou o termo impingement para explicar o mecanismo etiopatogênico e apresentou proposta de tratamento cujos fundamentos são aplicados ainda hoje. 1010. Smith- Petersen MN. Treatment of malum coxae senilis, old slipped upper femoral epiphysis, intrapelvic protrusion of the acetabulum, and coxa plana by means of acetabuloplasty. J Bone Joint Surg. 1936;18(4):869-80. Murray,1111. Murray RO. The aetiology of primary osteoarthritis of the hip. Br J Radiol. 1965;38(455):810-24. em 1965, identificou casos de osteoartrite primária associados à relação anormal entre cabeça e colo femorais a que ele chamou tilt deformity. Depois, a condição foi descrita com maior ênfase por Harris. 1212. Harris WH. Etiology of osteoarthritis of the hip. Clin Orthop Relat Res. 1986;(213):20-33.
Contudo, o interesse pela afecção foi renovado em 1991 por Ganz et al., 1313. Ganz R, Bamert P, Hausner P, Isler B, Vrec F. Zervikoazetabuläres Impingement nach Schenkelhaslsfraktur. Unfallchirurg. 1991;94(4):172-5. como causa de dor e disfunção do quadril. Esses autores apresentaram casos em que havia associação de dor e limitação de movimentos, após fratura do colo do fêmur viciosamente consolidada. As radiografias motravam, nas adjacências do colo femoral, saliência óssea que era golpeada contra a porção anterior do acetábulo (dois casos) ou posterior (quatro casos) aos movimentos do quadril. Mais tarde, Strehl e Ganz1414. Strehl A, Ganz R. Ventrales femoroacetabuläres Impingement nach geheilter Schenkelhalsfraktur. Unfallchirurg. 2005;108(4):263-73. acrescentaram 11 casos com impacto anterior, também decorrentes de fratura. Depois, foi observado que a condição poderia ocorrer em casos sem história de traumatismo, em pessoas com uso exagerado do movimento de flexão do quadril, no esporte ou no trabalho.99. Beall DP, Sweet CF, Martin HD, Lastine CL, Grayson DE, Ly JQ, et al. Imaging findings of femoroacetabular impingement syndrome. Skeletal Radiol. 2005;34(11):691-701.
Atualmente, o conceito de impacto femoroacetabular está bem estabelecido e seu tratamento evoluiu significativamente.11. Ganz R, Parvizi J, Beck M, Leunig M, Nötzli H, Siebenrock KA. Femoroacetabular impingement: a cause for osteoarthritis of the hip. Clin Orthop Relat Res. 2003;(417):112-20.,22. Beck M, Kalhor M, Leunig M, Ganz R. Hip morphology influences the pattern of damage to the acetabular cartilage: femoroacetabular impingement as a cause of early osteoarthritis of the hip. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(7):1012-8.,1515. Leunig M, Beaulé PE, Ganz R. The concept of femoroacetabular impingement: current status and future perspectives. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):616-22.,1616. Tannast M, Goricki D, Beck M, Murphy SB, Siebenrock KA. Hip damage occurs at the zone of femoroacetabular impingement. Clin Orthop Relat Res. 2008;466(2): 273-80.and1717. Ganz R, Leunig M, Leunig-Ganz K, Harris WH. The etiology of osteoarthritis of the hip. Clin Orthop Relat Res. 2008;466(2):264-72. Desde então, o número de artigos sobre o assunto tem crescido exponencialmente.1515. Leunig M, Beaulé PE, Ganz R. The concept of femoroacetabular impingement: current status and future perspectives. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):616-22.and1818. Bernstein J. The myths of femoroacetabular impingement. Clin Orthop Relat Res. 2014;472(12):3623-8. Nos últimos anos o tema foi abordado várias vezes na Revista Brasileira de Ortopedia.44. Contreras MEK, Brincas SM, Paes Júnior AJ, Oliveira Filho GR, Rosa FJB. A ressonância magnética e a artrorressonância magnética na lesão labral e condral do quadril: comparação com achados na artroscopia. Rev Bras Ortop. 2008;43(6):217-24.,88. Polesello GC, Hitoshi E, Cinagawa HT, Cruz PDSS, Jandrey C, Ricioloi Júnior W, et al. Tratamento cirúrgico para impacto femoroacetabular em um grupo que realiza agachamento. Rev Bras Ortop. 2012;47(4):488-92.,1919. Roos BD, Roos MV, Camisa Júnior A, Lima EMU, Gyboski DP, Martins LS. Abordagem extracapsular para tratamento artroscópico de impacto femoroacetabular: resultados clínicos, radiográficos e complicações. Rev Bras Ortop. 2015;50(4):430-7.,2020. Polesello GC, Nakao TS, Queiroz MC, Daniachi D, Ricioli W, Guimarães RP, et al. Proposta de padronização do estudo radiográfico do quadril e da pelve. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):634-42.,2121. Krüger FP, Britto PSG, Machado Neto L, Schwartsmann CR. Avaliação da apresentação de sinais e sintomas de impacto femoroacetabular após epifisiólise do fêmur proximal. Rev Bras Ortop. 2011;46(2):176-82.,2222. Labronici PJ, Alves SD, Silva AF, Giuberti GR, Hoffmann R, Azevedo Neto JN, et al. Estudo anatômico do terço proximal do fêmur: impacto femoroacetabular e o efeito cam. Rev Bras Ortop. 2009;44(2):120-4.and2323. Crestani MV, Telöken MA, Gusmão PDF. Impacto femoroacetabular: uma das condições precursoras da osteoartrose do quadril. Rev Bras Ortop. 2006;41(8):285-93.
Fisiopatologia
A articulação do quadril é do tipo bola e soquete e seus movimentos requerem rolamento da cabeça femoral no acetábulo. O impacto surge quando essa harmonia de movimentos é alterada, o que resulta em bloqueio mecânico dos últimos graus de movimentos da cabeça femoral, o que faz com que golpeie a borda lateral do acetábulo e cause microtraumatismos regionais. As estruturas mais afetadas são o labrum e a região anterolateral da cartilagem articular do acetábulo e as forças lesivas traduzem-se por compressão e cisalhamento.
No quadril normal, além da cobertura adequada da cabeça do fêmur pelo acetábulo, é importante existir a concavidade ou recuo (offset) cervicocefálico, isto é, a diferença de altura entre o colo do fêmur e a borda esférica da cabeça femoral ( fig. 1A). Esse desnível é importante porque assegura que haja acomodação do colo em relação à periferia do acetábulo para propiciar os últimos graus de movimento (fig. 1B). A diminuição do offset provocada pela perda da esfericidade da cabeça femoral é causada por extensão anômala da epífise proximal do fêmur principalmente na região anterossuperior 1515. Leunig M, Beaulé PE, Ganz R. The concept of femoroacetabular impingement: current status and future perspectives. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):616-22. (coxa recta). Essa extensão pode ser um resquício filogenético 2424. Serrat MA, Reno PL, McCollum MA, Meindi RS, Lovejoy CO. Variation in mammalian proximal femoral development: comparative analysis of two distinct ossification patterns. J Anat. 2007;210(3):249-58. ou surgir como resposta à prática excessiva de esportes durante a maturação esquelética.2525. Siebenrock KA, Ferner F, Noble PC, Santore RF, Werlen S, Mamisch TC. The cam-type deformity of the proximal femur arises in childhood in response to vigorous sporting activity. Clin Orthop Relat Res. 2011;469(11):3229-40. Em outros casos, a etiologia do FAI pode ser evidente, como em sequelas de fraturas do colo do fêmur,1414. Strehl A, Ganz R. Ventrales femoroacetabuläres Impingement nach geheilter Schenkelhalsfraktur. Unfallchirurg. 2005;108(4):263-73. doença de Perthes,2626. Maranho DAC, Nogueira-Barbosa MH, Zamarioli A, Volpon JB. MRI abnormalities of the acetabular labrum and articular cartilage are common in healed Legg-Calvé-Perthes disease with residual deformities of the hip. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(3):256-65. epifisiólise,2727. Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim YJ. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):704-16. coxa vara99. Beall DP, Sweet CF, Martin HD, Lastine CL, Grayson DE, Ly JQ, et al. Imaging findings of femoroacetabular impingement syndrome. Skeletal Radiol. 2005;34(11):691-701. etc.
Ilustração das particularidades anatomofuncionais da junção cervicocefálica do quadril. A - o desnível ou recuo (offset) do colo do fêmur em relação à borda livre da cabeça femoral (d). B - os movimentos normais da cabeça no acetábulo ocorrem quando a junta é concêntrica, isto é, há coincidência entre os centros geométricos do acetábulo e cabeça femoral. Isso permite o rolamento harmônico da cabeça femoral dentro do acetábulo. O desnível cervicocefálico (d) permite ampliar os últimos graus de movimento. (Desenho adaptado de Emary 28).
O impacto pode surgir quando o recuo está diminuído, ou mesmo invertido, pela presença de saliência no colo do fêmur, que irá golpear a margem do acetábulo à flexão e rotação interna do quadril (fig. 2A). Esse tipo de efeito chama-se cam e a deformidade que lhe dá origem é em cabo de pistola (pistol grip). 99. Beall DP, Sweet CF, Martin HD, Lastine CL, Grayson DE, Ly JQ, et al. Imaging findings of femoroacetabular impingement syndrome. Skeletal Radiol. 2005;34(11):691-701.and2222. Labronici PJ, Alves SD, Silva AF, Giuberti GR, Hoffmann R, Azevedo Neto JN, et al. Estudo anatômico do terço proximal do fêmur: impacto femoroacetabular e o efeito cam. Rev Bras Ortop. 2009;44(2):120-4. Em casos de pequenas protrusões, o dano inicial é primariamente na cartilagem acetabular e causa abrasão ou laminação, pois a parte protrusa penetra no acetábulo, cisalha a cartilagem articular e, pelo mesmo mecanismo, lesa o labrum. 2828. Emary P. Femoroacetabular impingement syndrome: a narrative review for the chiropractor. J Can Chiropr Assoc. 2010;54(3):164-76. Assim, a maioria das lesões condrais do acetábulo ou labrais no impacto tipo cam são localizados anterossuperiormente. 11. Ganz R, Parvizi J, Beck M, Leunig M, Nötzli H, Siebenrock KA. Femoroacetabular impingement: a cause for osteoarthritis of the hip. Clin Orthop Relat Res. 2003;(417):112-20.and22. Beck M, Kalhor M, Leunig M, Ganz R. Hip morphology influences the pattern of damage to the acetabular cartilage: femoroacetabular impingement as a cause of early osteoarthritis of the hip. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(7):1012-8.
Ilustração dos tipos de bloqueio de movimento nos casos de impacto femoroacetabular. A - na ausência do recuo cefalocervical, ou sua inversão, a cabeça femoral golpeia a borda lateral do acetábulo nos últimos graus de movimento de flexão associada à rotação interna e/ou adução (efeito cam). B - quando o acetábulo é profundo ou retrovertido o colo é golpeado contra a borda acetabular e causa lesão do labrum (efeito tipo pincer). Em sequência, por contragolpe, a cabeça femoral é forçada contra borda posterior do acetábulo, o que leva à lesão labral adicional. (Desenho adaptado de Emary 28).
Quando as anomalias são predominantemente acetabulares o efeito é do tipo pincer1616. Tannast M, Goricki D, Beck M, Murphy SB, Siebenrock KA. Hip damage occurs at the zone of femoroacetabular impingement. Clin Orthop Relat Res. 2008;466(2): 273-80.,2828. Emary P. Femoroacetabular impingement syndrome: a narrative review for the chiropractor. J Can Chiropr Assoc. 2010;54(3):164-76.and2929. Clohisy JC, McClure JT. Treatment of anterior femoroacetabular impingement with combined hip arthroscopy and limited anterior decompression. Iowa Orthop J. 2005;25:164-71. (fig. 2B). Essas alterações decorrem de casos com coxa profunda ou protrusa, em que a cabeça femoral está excessivamente contida pelo acetábulo, por retroversão acetabular, que pode ser constitucional,3030. Reynolds D, Lucas JKK. Retroversion of the acetabulum: a cause of hip pain. J Bone Joint Surg Br. 1999;81(2):281-8. ou de osteotomias pélvicas, como a de Salter ou tríplice.3131. Dora C, Mascard E, Mladenov K, Seringe R. Retroversion of the acetabular dome after Salter and triple pelvic osteotomy for congenital dislocation of the hip. J Pediatr Orthop B. 2012;11(1):33-40. Existe, ainda, a possibilidade, menos frequente, de excesso de anteversão acetabular.
Finalmente, alterações acetabulares e do fêmur podem coexistir (impacto misto).55. Hong SJ, Shon WY, Lee CY, Myung JS, Kang CH, Kim BH. Imaging findings of femoroacetabular impingement syndrome: focusing on mixed-type impingement. Clin Imaging. 2010;34(2):116-20.
Exame físico - Diagnóstico
O impacto femoroacetabular causado por alteração da transição cefalocervical é mais comum entre os homens entre 20-30 anos.1616. Tannast M, Goricki D, Beck M, Murphy SB, Siebenrock KA. Hip damage occurs at the zone of femoroacetabular impingement. Clin Orthop Relat Res. 2008;466(2): 273-80. Por outro lado, o impacto causado por alterações acetabulares ocorre mais na mulher de meia-idade.3232. Tannast M, Siebenrock KA, Anderson SE. Femoroacetabular impingement: radiographic diagnosis - what the radiologist should know. Am J Roentgenol. 2007;188(6):1540-52.
Sintomatologia
A dor na região do quadril, quer seja anterior ou posterior, pode ser manifestação de várias afecções regionais, são importantes para o diagnóstico correto o histórico detalhado e testes semiológicos, além de imagens. O diagnóstico precoce do FAI pode ser um desafio, pois que muitas pessoas apresentam sintomas insidiosos, radiografias com aspecto aparentemente normal, ou com leves alterações, e a sintomatologia pode coexistir com afecções de estruturas próximas.3333. Clohisy JC, Carlisle JC, Trousdale R, Kim YJ, Beaule PE, Morgan P, et al. Radiographic evaluation of the hip has limited reliability. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):666-75.
O indivíduo com FAI anterior queixa-se principalmente de dor crônica incomodativa na região da virilha, de início insidioso, longa duração e pioria progressiva. Agudizações podem ocorrer quando há excessos físicos. O paciente típico é adulto jovem,1616. Tannast M, Goricki D, Beck M, Murphy SB, Siebenrock KA. Hip damage occurs at the zone of femoroacetabular impingement. Clin Orthop Relat Res. 2008;466(2): 273-80. muitos deles praticantes de esportes que envolvem flexão do quadril.88. Polesello GC, Hitoshi E, Cinagawa HT, Cruz PDSS, Jandrey C, Ricioloi Júnior W, et al. Tratamento cirúrgico para impacto femoroacetabular em um grupo que realiza agachamento. Rev Bras Ortop. 2012;47(4):488-92.and3434. Kapron AL, Anderson AE, Aoki SK, Phillips LG, Petron DJ, Toth R, et al. Radiographic prevalence of femoroacetabular impingement in collegiate football players. J Bone Joint Surg Am. 2011;93(19):e111 (1-10). A dor pode ser constante, intermitente, em repouso, e interferir com o sono, seja ao impedi-lo ou provocar o acordar.
Além da sintomatologia clássica na virilha, pode associar-se dor na face anterior da coxa, região trocantérica, e mesmo na face interna do joelho, desencadeada ou piorada por atividades físicas que envolvem flexão do quadril ou sentar-se por períodos prolongados.3333. Clohisy JC, Carlisle JC, Trousdale R, Kim YJ, Beaule PE, Morgan P, et al. Radiographic evaluation of the hip has limited reliability. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):666-75.
O impacto posterior manifesta-se por dor na região glútea, lombossacral ou face posterior da coxa,3333. Clohisy JC, Carlisle JC, Trousdale R, Kim YJ, Beaule PE, Morgan P, et al. Radiographic evaluation of the hip has limited reliability. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):666-75. associada a movimentos ou posições em extensão e abdução do quadril. Entretanto, quando já há artrose secundária, tanto no impacto anterior como posterior, a dor se torna mais grave, mais típica de degeneração articular e, geralmente, leva ao abandono de atividades físicas.
No exame físico pode existir atrofia da coxa e discreta claudicação. Os últimos graus de movimentos do quadril são limitados, o teste de Trendelenburg pode ser positivo e os testes de impacto são positivos em 88,8% dos casos.3333. Clohisy JC, Carlisle JC, Trousdale R, Kim YJ, Beaule PE, Morgan P, et al. Radiographic evaluation of the hip has limited reliability. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):666-75.
O exame físico objetivo deve ser direcionado para o acometimento das várias estruturas da região. Quando a dor for anterior devem ser consideradas: hérnia inguinal, bursite do psoas, pubalgia, bursite trocantérica, degeneração ou rotura da porção tendínea do glúteo médio e FAI. Há associação positiva entre hérnia inguinal e FAI e as duas condições podem coexistir, principalmente no atleta.3535. Munegato D. Sports hernia and femoroacetabular impingement in athletes: a systematic review. World J Clin Cases. 2015;3(9):823-30.
Para pesquisa do impacto anterior deverá ser feito o teste que o reproduz: o indivíduo é colocado em decúbito dorsal e o quadril afetado é flexionado 90°, aduzido em torno de 20°, e, nessa posição, é feita a rotação interna. Esse teste, para ser positivo, deve reproduzir a dor normalmente experimentada pelo paciente2323. Crestani MV, Telöken MA, Gusmão PDF. Impacto femoroacetabular: uma das condições precursoras da osteoartrose do quadril. Rev Bras Ortop. 2006;41(8):285-93.and2828. Emary P. Femoroacetabular impingement syndrome: a narrative review for the chiropractor. J Can Chiropr Assoc. 2010;54(3):164-76. (fig. 3A). A movimentação global do quadril geralmente está preservada, exceto nos últimos graus de rotação e flexão. Em casos de grande impacto há maior limitação da flexão que, às vezes, é possível apenas se for associada à rotação externa (sinal de Drehmann). Quando ocorre artrose ou protrusão acetabular, vários movimentos podem estar significativamente afetados.
Testes clínicos de impacto. A - para o impacto anterior o quadril é flexionado 90° aduzido e rodado internamente. B - para o impacto posterior o membro inferior a ser avaliado é colocado fora da mesa de exame, estendido, abduzido e rodado externamente. Ambas manobras devem desencadear a dor habitual da pessoa.
Os impactos posteriores causam dor na região glútea e o diagnóstico diferencial inclui as condições mais frequentes nessa localização, como artrite sacroilíaca, fratura por estresse do sacro, lesão dos músculos isquiotibiais, síndrome do trocanter maior, síndrome do piriforme, bursite isquiática, impacto isquiofemoral e disfunção crônica do assoalho pélvico.3636. Falótico GG, Torquato DF, Roim TC, Takata ET, Pochini AC, Ejnisman B. Dor glútea em atletas - Como investigar e tratar? Rev Bras Ortop. 2015;(4):462-8.
O teste para impacto posterior deve ser feito com o quadril em extensão, discreta abdução e rotação externa.2828. Emary P. Femoroacetabular impingement syndrome: a narrative review for the chiropractor. J Can Chiropr Assoc. 2010;54(3):164-76. Para facilitar essas manobras, o membro inferior a ser testado deve ficar sem apoio, fora da mesa de exame (fig. 3B).
Imagens
Alterações morfológicas da região proximal do fêmur
Embora as radiografias simples não mostrem todos os casos de perda da esfericidade da cabeça femoral, se forem feitas várias incidências essa possibilidade fica diminuída.
O aspecto mais marcante das alterações femorais é a deformidade em cabo de pistola, sinônimo da perda da esfericidade da cabeça femoral (coxa recta) e diminuição do recuo cefalocervical. Essas anomalias já podem ser vistas na radiografia anteroposterior da bacia ( fig. 4A), com o cuidado de manter o quadril em rotação interna de 15°, para evitar falso positivos.2828. Emary P. Femoroacetabular impingement syndrome: a narrative review for the chiropractor. J Can Chiropr Assoc. 2010;54(3):164-76.
Radiografias de bacia com alterações em casos de impacto femoroacetabular. A - Na região proximal do fêmur esquerdo há deformidade típica em cabo de pistola, com retificação da esfericidade da porção anterossuperior da cabeça femoral (seta escura). Nesta radiografia há proeminência maior da espinha isquiática que sugere retroversão acetabular associada (cabeça de seta branca). B - radiografia do mesmo paciente na posição de Lauenstein mostra que há diminuição do recuo cabeça-colo em ambos os lados, com alterações predisponentes ao impacto (setas pretas).
Entretanto, o perfil do colo é a posição mais adequada para visualizar a junção colo-cabeça (fig. 4B). Isso pode ser obtido pela clássica incidência de Lauenstein (posição de rã) ou pelo perfil alongado do colo (Dunn) em 45° ou 90° de flexão (são equivalentes).3737. Meyer M, Dominik C, Beck M, Ellis T, Ganz R, Leunig M. Comparison of six radiographic projections to assess femoral head/neck aspherificity. Clin Orthop Relat Res. 2006;(445):181-5. O perfil alongado de Dunn pode ser substituído pelo perfil cross table.3838. Eijer H, Leunig MMM. Cross- table lateral radiographs for screening of anterior femoral head- neck offset in patients with femoro- acetabular impingement. Hip Int. 2001;11: 37-41. Geralmente, há necessidade de todas essas incidências, com opção entre a cross table e o perfil alongado.
O recuo cervicocefálico pode ser avaliado pela medida do ângulo alfa de Nötzli,3939. Nötzli HP, Wyss TF, Stoeckin CH, Treiber K, Holder J. The contour of the femoral head- neck junction as a predictor for the risk of anterior impingement. J Bone Joint Surg Br. 2002;84(4):556-60. originalmente descrito para imagens de ressonância magnética, mas que foi adaptado para radiografias em perfil alongado. Esse ângulo pode variar com idade e gênero, incidência, mas, grosso modo, é considerado normal até 50 graus. 3737. Meyer M, Dominik C, Beck M, Ellis T, Ganz R, Leunig M. Comparison of six radiographic projections to assess femoral head/neck aspherificity. Clin Orthop Relat Res. 2006;(445):181-5. A Figura 5 mostra o traçado desse ângulo. De maneira semelhante, pode ser traçado o ângulo posterior, nomeado beta.4040. Jamali AA, Mladenov K, Meyer DC, Martinez A, Beck M, Ganz R, et al. Anteroposterior pelvic radiographs to assess acetabular retroversion: high validity of the cross- over- sign. J Orthop Res. 2007;25(6):758-65.
Mesmo indivíduo da figura anterior. Radiografia em perfil do colo com medida do ângulo alfa. É determinado o centro da cabeça femoral. A partir desse ponto é traçada uma reta até o limite da porção esférica da cabeça femoral e outra ao longo do centro do colo. O ângulo entre as duas retas é denominado alfa (normal até 50°).
A complementação da série radiográfica do quadril é feita pelo falso perfil de Lequesne e Sèze,4141. Lequesne M, Sèze S. Le faux profil du bassin. Nouvelle incidence radiographique pour l'étude de la hanche. Son utilité dans les dysplasies et les différentes coxopathies. Rev Rhum Mal Osteoartic. 1961;28:643-52. que serve para visualizar a região anterossuperior do quadril, local frequente de degeneração articular inicial. Alguns sinais menores podem estar presentes, como ossificação da borda do acetábulo e pequenas lesões císticas no colo (casos de efeito pincer).
Alterações acetabulares
A avaliação do acetábulo é feita com a radiografia anteroposterior da bacia. Uma radiografia pélvica bem posicionada implica, além das simetrias da asa do ilíaco e forames obturados, distanciamento de 2-3 cm da projeção do cóccix à sínfise púbica.4242. Amanatullah DF, Antkowiak T, Pillay K, Patel J, Refaat M, Toupadakis CA. Femoroacetabular impingement: current concepts in diagnosis and treatment. Orthopedics. 2015;38(3):185-243. São identificadas as bordas anterior e posterior do acetábulo, que devem ser divergentes em direção caudal. Em casos de retroversão, essas linhas aproximam-se e mesmo se cruzam (cross over sign) 3030. Reynolds D, Lucas JKK. Retroversion of the acetabulum: a cause of hip pain. J Bone Joint Surg Br. 1999;81(2):281-8.and4040. Jamali AA, Mladenov K, Meyer DC, Martinez A, Beck M, Ganz R, et al. Anteroposterior pelvic radiographs to assess acetabular retroversion: high validity of the cross- over- sign. J Orthop Res. 2007;25(6):758-65. (fig. 6). Entretanto, o diagnóstico pode ser falseado pela inclinação pélvica.4343. Siebenrock KA, Kalbermatten DF, Ganz R. Effect of pelvic tilt on acetabular retroversion: a study of pelves from cadavers. Clin Orthop Relat Res. 2003;407:241-8. Pode-se observar, também, proeminência exagerada da espinha isquiática4444. Kalberer F, Sierra RJ, Madan SS, Ganz R, Leunig M. Ischial spine projection into the pelvis. Clin Orthop Relat Res. 2008;466(3):677-83. e assimetria do forame obturado.
Radiografia de um modelo de bacia com reparos metálicos na borda acetabular. No lado direito foi simulada a osteotomia de Salter, com uma cunha de 20°. A osteotomia causa retroversão do acetábulo, que pode ser observada pelo cruzamento das bordas anterior e posterior do acetábulo (cross over sign) (seta), proeminência da espinha isquiática (cabeça de seta) e assimetria dos forames obturados.
As coxae protrusa e profunda podem ser quantificadas na radiografia anteroposterior da bacia, com a medida do ângulo centrolateral de Wiberg. Quando esse ângulo está acima de 40° considera-se que o quadril esteja em risco de impacto em flexão 77. Sankar WN, Matheney TH, Zaltz I. Femoroacetabular impingement. Orthop Clin North Am. 2013;44(4):575-89. (fig. 7A e B). O excesso de cobertura pode ser visto na incidência de Lequesne e Sèze, que permite boa visualização na região anterossuperior da cabeça femoral, local onde surgem as primeiras degenerações articulares.
Radiografias em casos de coxa profunda (A) e coxa protrusa (B). Nesse último caso a gravidade do encarceramento cefálico é maior e há abaulamento na linha iliopúbica.
Embora a tomografia computadorizada possa avaliar a transição cabeça-colo, ela não mostra as partes moles e cartilaginosas, além de implicar grande dose de radiação. Mesmo para alterações ósseas sutis na transição femoroacetabular ela apresenta limitações intrínsecas.4545. Abel MF, Sutherland DH, Wenger DRMS. Evaluation of CT scans and 3-D reformatted images for quantitative assessment of the hip. J Pediatr Orthop. 1994;14(1):48-53. Assim, não deve ser usada como rotina para o diagnóstico do FAI. Entretanto, é útil quando for importante a quantificação da versão acetabular.4646. Peters CL, Erickson J. The etiology and treatment of hip pain in the young adult. J Bone Joint Surg Am. 2006;88 Suppl. 4:20-6.
A ressonância magnética com sequências radiais tornou-se de grande valia, pois mostra com detalhes a porção óssea e o labrum, além de permitir, com precisão, o traçado do ângulo alfa. 3939. Nötzli HP, Wyss TF, Stoeckin CH, Treiber K, Holder J. The contour of the femoral head- neck junction as a predictor for the risk of anterior impingement. J Bone Joint Surg Br. 2002;84(4):556-60. Avalia, também, a esfericidade da cabeça femoral e a cartilagem articular.
O protocolo estabelece imagens ao longo do eixo cabeça-colo, obtidas a cada intervalo de 10° a 30°. O labrum normal tem aspecto triangular, margens definidas e baixo sinal em T1 e T2, é contínuo, com a inserção na borda óssea do acetábulo, exceto por um pequeno hiato na região anteroinferior do acetábulo. Um labrum degenerado apresenta sinal aumentado em T2. A rotura expressa-se como uma banda linear de alto sinal no labrum ou na cartilagem acetabular. Em casos de impacto crônico tipo pincer, podem aparecer ossificações locais. As alterações de cartilagem aparecem em regiões adjacentes ao labrum porque há continuidade entre as duas estruturas. 4747. Ito K, Minka IIMA, Leunig M, Werlen S, Ganz R. Femoroacetabular impingement and the cam-effect. A MRI-based quantitative anatomical study of the femoral head- neck offset. J Bone Joint Surg Br. 2001;83(2):171-6.
Tratamento
Quando a sintomatologia é típica e o diagnóstico firmado pelo exame de imagens, é consenso que deva ser feita intervenção para prevenir o início ou impedir o avanço da osteoartrose.1515. Leunig M, Beaulé PE, Ganz R. The concept of femoroacetabular impingement: current status and future perspectives. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):616-22. Tratamentos com manipulação (quiropraxia) e fisioterapia podem piorar a sintomatologia.2828. Emary P. Femoroacetabular impingement syndrome: a narrative review for the chiropractor. J Can Chiropr Assoc. 2010;54(3):164-76. Entretanto, fica difícil estabelecer o tratamento quando a artrose já está avançada. Nessa condição deve-se considerar a possibilidade de artroplastia, mas isso depende do perfil do paciente, do tipo de sintomatologia e do grau de incapacidade. Mesmo assim, um tratamento cirúrgico menos agressivo, geralmente artroscópico, com retirada dos bloqueios, desbridamento ou reparo do labrum e desbridamento articular, pode propiciar alívio, principalmente em pessoas mais jovens.
Não há consenso se devem ser tratadas pessoas assintomáticas apenas com base na imagem4848. Reichenbach S, Jüni P, Werlen S, Nüesche E, Pfirrman CW, Trelle S, et al. Prevalence of cam-type deformity on hip magnetic resonance imaging in young males: a cross-sectional study. Arthritis Care Res. 2010;62(9):1319-27. ou aquelas em que foi constatada lesão assintomática isolada do labrum. 4949. Beck M, Leunig M, Parvizi J, Boutier V, Wyss DGR. Anterior femoroacetabular impingement: part II. Midterm results of surgical treatment. Clin Orthop Relat Res. 2004;(418):67-73. A morfologia FAI corresponde a uma série de parâmetros diagnósticos com base em imagens estáticas, enquanto que o impacto femoroacetabular é um complexo dinâmico que resulta de alterações morfológicas associadas a atividades que implicam movimentações específicas do quadril.5050. Beaule PE, Zaragoza E, Motamedi K, Copelan N, Dorey FJ. Three-dimensional computed tomography of the hip in the assessment of femoroacetabular impingement. J Orthop Res. 2005;23(6):1286-92. Isso vale dizer que muitos indivíduos apresentam imagens sugestivas de FAI, mas sem qualquer sintomatologia clínica.5151. Frank JM, Harris JD, Erickson BJ, Slikker W 3rd, Bush- Joseph CA, Salata MJ, et al. Prevalence of femoroacetabular impingement imaging findings in asymptomatic volunteers: a systematic review. Arthroscopy. 2015;31(6):1199-204.
Tratamento cirúrgico
Os princípios do tratamento cirúrgico são corrigir as deformidades anatômicas, desbridar e/ou reinserir o labrum e remover a cartilagem degenerada. 2929. Clohisy JC, McClure JT. Treatment of anterior femoroacetabular impingement with combined hip arthroscopy and limited anterior decompression. Iowa Orthop J. 2005;25:164-71. Geralmente o tratamento cirúrgico dá bons resultados. 66. Bardakos NV, Vasconcelos JC, Villar RN. Early outcome of hip arthroscopy for femoroacetabular impingement: the role of femoral osteoplasty in symptomatic improvement. J Bone Joint Surg Br. 2008;90(12):1570-5.,88. Polesello GC, Hitoshi E, Cinagawa HT, Cruz PDSS, Jandrey C, Ricioloi Júnior W, et al. Tratamento cirúrgico para impacto femoroacetabular em um grupo que realiza agachamento. Rev Bras Ortop. 2012;47(4):488-92.,4949. Beck M, Leunig M, Parvizi J, Boutier V, Wyss DGR. Anterior femoroacetabular impingement: part II. Midterm results of surgical treatment. Clin Orthop Relat Res. 2004;(418):67-73.and5252. Matsuda DK, Carlisle JCAS, Wierk CH, Philippon MJM. Comparative systematic review of the open dislocation, mini-open, and arthroscopic surgeries for femoroacetabular impingement. Arthroscopy. 2011;27(2):252-69.
Impacto tipo cam
Quando a deformidade principal for coxa vara com impacto secundário, o tratamento tem por base corrigir o ângulo cervicodiafisário. Geralmente isso é suficiente para afastar o colo da região de impacto, mas é recomendável, pelo mesmo acesso cirúrgico, abordar a transição colo-cabeça e observar diretamente se persiste o impacto com a manobra de flexão-adução-rotação interna do quadril. Em caso positivo, deve-se remover a porção saliente.
Quando o impacto for provocado primariamente pela saliência na transição colo-cabeça (coxa recta), a parte saliente deverá ser ressecada e feita a escultura do recuo cefalocervical (condro-osteoplastia). Nessa mesma cirurgia são feitos reparos e/ou desbridamentos do labrum e da cartilagem articular. Esses procedimentos podem ser alcançados por três abordagens principais: acesso aberto com luxação do quadril, associação de artroscopia e miniartrotomia e pela artroscopia. Os três métodos são efetivos em melhorar a dor e função e são procedimentos seguros. 5252. Matsuda DK, Carlisle JCAS, Wierk CH, Philippon MJM. Comparative systematic review of the open dislocation, mini-open, and arthroscopic surgeries for femoroacetabular impingement. Arthroscopy. 2011;27(2):252-69.
Luxação cirúrgica do quadril
Essa técnica foi descrita por Ganz et al.1313. Ganz R, Bamert P, Hausner P, Isler B, Vrec F. Zervikoazetabuläres Impingement nach Schenkelhaslsfraktur. Unfallchirurg. 1991;94(4):172-5.and5353. Ganz R, Gill TJ, Gautier E, Ganz K, Krügel N, Berlemann U. Surgical dislocation of the adult hip a technique with full access to the femoral head and acetabulum without the risk of avascular necrosis. J Bone Joint Surg B. 2001;83(8):1119-24. e considerada o padrão ouro para o tratamento dos impactos tipo cam. Entretanto, apresenta maiores complicações relacionadas com a osteotomia do fêmur 5252. Matsuda DK, Carlisle JCAS, Wierk CH, Philippon MJM. Comparative systematic review of the open dislocation, mini-open, and arthroscopic surgeries for femoroacetabular impingement. Arthroscopy. 2011;27(2):252-69. e demanda treinamento e experiência. Permite a abordagem de todos os componentes patológicos presentes, com feitura de condro-osteoplastia adequada e desbridamento da cartilagem, que, entretanto, não deve ser exagerado, pois o limite para ressecção da espessura do colo é 30%. Mais do que isso pode ocorrer fratura.5454. Mardones RM, Gonzales C, Chen Q, Zobitz M, Kaufman KR, Trousdale RT. Surgical treatment of femoroacetabular impingement: evaluation of the effect of the size resection. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(2):273-9. O labrum deve ser desbridado e reinserido, é importante sua preservação, pois exerce efeito selante no quadril. Quando o labrum for irrecuperável ou inexistente, pode ser tentada a reconstituição com substitutos como fáscia lata, flexores do joelho ou ligamento redondo, 5555. Sierra RJ, Trousdale RT. Labral reconstruction using the ligamentum teres capitis: report of a new technique. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):753-9. mas essas técnicas são consideradas experimentais.
Artroscopia e artrotomia por miniacesso anterior
Em 2005, Clohisy e McLure2929. Clohisy JC, McClure JT. Treatment of anterior femoroacetabular impingement with combined hip arthroscopy and limited anterior decompression. Iowa Orthop J. 2005;25:164-71. descreveram a dupla abordagem para os casos de impacto tipo cam. Primeiramente, é feito o inventário artroscópico do quadril, seguido de desbridamento do labrum e da cartilagem articular, se necessário. Terminada a artroscopia, através de pequena incisão anterior, o espaço de Smith-Petersen é aprofundado, 1010. Smith- Petersen MN. Treatment of malum coxae senilis, old slipped upper femoral epiphysis, intrapelvic protrusion of the acetabulum, and coxa plana by means of acetabuloplasty. J Bone Joint Surg. 1936;18(4):869-80. a cápsula é aberta e feita a osteoplastia. Essa técnica dá resultados comparáveis a outras, mas apresenta incidência significativa de lesão do nervo cutâneo lateral da coxa.5252. Matsuda DK, Carlisle JCAS, Wierk CH, Philippon MJM. Comparative systematic review of the open dislocation, mini-open, and arthroscopic surgeries for femoroacetabular impingement. Arthroscopy. 2011;27(2):252-69. Além disso, à medida que há treinamento na técnica artroscópica, os autores tendem a abandonar o acesso aberto.
Tratamento artroscópico
Esse método é de uso crescente, com índices de sucesso que variam de 67% a 90%.77. Sankar WN, Matheney TH, Zaltz I. Femoroacetabular impingement. Orthop Clin North Am. 2013;44(4):575-89. A correta abordagem das alterações é feita unicamente pela via artroscópica, segue os passos padronizados para tal procedimento.66. Bardakos NV, Vasconcelos JC, Villar RN. Early outcome of hip arthroscopy for femoroacetabular impingement: the role of femoral osteoplasty in symptomatic improvement. J Bone Joint Surg Br. 2008;90(12):1570-5. Com prática e familiaridade é possível desbridar o labrum e a cartilagem articular, bem como remover o excesso de osso, de forma a recuperar o formato esférico da cabeça femoral (coxa rotunda). As complicações são aquelas comuns à artroscopia do quadril e incluem lesão do nervo cutâneo lateral da coxa e paresia do ciático.
Impacto tipo pincer
Quando o impacto for causado predominantemente pela má orientação do acetábulo, isso deve ser corrigido por osteotomia periacetabular, que é procedimento bastante efetivo,5656. Siebenrock KA. Periacetabular osteotomy is an effective way to reorient the acetabulum in young adults with symptomatic anterior femoro- acetabular impingement due to acetabular retroversion. J Bone Joint Surg Am. 2003;85(2):278-86. mas de difícil execução, e deve ser reservado para profissionais experientes. As publicações sobre os resultados com o uso da técnica são escassas, porque no impacto por retroversão acetabular a sintomatologia é mais tardia, de modo que quando há osteoartrose secundária o tratamento é pela artroplastia.
Considerações finais
O impacto femoracetabular é entidade clínica bem definida, em que há alterações morfológicas, constitucionais ou adquiridas que, associadas a movimentos de repetição do quadril, podem levar à lesão do labrum e da cartilagem acetabular, com artrose subsequente. A sintomatologia expressa-se por dor e limitação de movimentos, que pioram progressivamente, e o tratamento efetivo é pela correção cirúrgica das anomalias anatômicas. Entretanto, mais estudos são necessários para definir bem a população de risco, aqueles que devem ser tratados e qual a melhor abordagem, em temos de tratamento. 5252. Matsuda DK, Carlisle JCAS, Wierk CH, Philippon MJM. Comparative systematic review of the open dislocation, mini-open, and arthroscopic surgeries for femoroacetabular impingement. Arthroscopy. 2011;27(2):252-69. Assim, seguimentos maiores tornam-se necessários não somente para avaliar resultados, mas também para conhecer melhor a evolução natural da afecção.
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Trabalho desenvolvido no Departamento de Medicina, Biomecânica e Reabilitação do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2016
Histórico
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Recebido
18 Dez 2015 -
Aceito
07 Jan 2016