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Espondilólise e espondilolistese em atletas

Resumo

Este artigo é uma atualização do tema espondilólise e espondilolistese em atletas, do diagnóstico ao tratamento, baseando-se na experiência dos nossos serviços juntamente com uma revisão da literatura.

Palavras-chave
atletas; espondilólise; espondilolistese; dor crônica; dor lombar; esporte

Abstract

This article is an update on spondylolysis and spondylolisthesis in athletes, from diagnosis to treatment, based on our service experience and a literature review.

Keywords
athletes; chronic pain; low back pain; spondylolysis; spondylolisthesis; sports

Introdução

A espondilólise é uma lesão lítica no arco posterior vertebral, que na maioria dos casos acomete a pars interarticularis de L5, podendo se apresentar de forma uni ou bilateral (►Fig. 1).11 Berger RG, Doyle SM. Spondylolysis 2019 update. Curr Opin Pediatr 2019;31(01):61–68 Como está relacionada com mecanismos de repetição do gesto esportivo, em especial nos movimentos de flexo-extensão e rotação do tronco. Ela tambem é considerada uma fratura por estresse,22 Chung CC, Shimer AL. Lumbosacral Spondylolysis and Spondylolisthesis. Clin Sports Med 2021;40(03):471–490 e, portanto,o atleta com lombalgia deve ter esse diagnóstico como a principal hipótese inicial.33 Wiltse LL, Widell EH Jr, Jackson DW. Fatigue fracture: the basic lesion is inthmic spondylolisthesis. J Bone Joint Surg Am 1975;57 (01):17–22 Além dissohá umpercentual desconhecido, mas relevante de atletas assintomáticos com esse tipo de lesão.44 Gagnet P, Kern K, Andrews K, Elgafy H, Ebraheim N. Spondylolysis and spondylolisthesis: A review of the literature. J Orthop 2018; 15(02):404–407 A espondilolistese caracteriza-se por um escorregamento anterior da vértebra em relação ao segmento distal, e de acordo com a classificação etiológica de Wiltse modificada quando há lise da pars (espondilólise) associada se encaixa no tipo 2a.55 Wiltse LL, Newman PH, Macnab I. Classification of spondylolisis and spondylolisthesis. Clin Orthop Relat Res 1976;(117): 23–29 A alta incidência de lombalgia em atletas pode chegar a 86%, de acordo com a literatura, e a associação deste quadro com espondilólise de até 60% demonstram a necessidade do exato entendimento da história natural da patologia.66 De Lima MV, Duarte Júnior A, Jorge PB, Bryk FF, Meves R, Avanzi O. Frequency of spondylolysis and chronic low back pain in young soccer players. Coluna/Columna 2014;13(02):120–123

Fig. 1
Exemplos de espondilólise. (a) corte sagital de tomografia, (b) corte axial de tomografia tipo pórtico reverso, (c) radiografia simples de perfil colimado e (d) radiografia oblíqua tipo “Scotty Dog”

Epidemiologia

Cerca de 93% dos casos de espondilólise estão associados à pratica esportiva.77 Sakai T, Goda Y, Tezuka F, et al. Characteristics of lumbar spondylolysis in elementary school age children. Eur Spine J 2016;25(02):602–606 A sua incidência na população geral é de 6% e cerca de 75% dos casos evoluirão para algum grau de escorregamento anterior, ou seja, para uma espondilolis-tese.88 Fredrickson BE, Baker D, McHolick WJ, Yuan HA, Lubicky JP. The natural history of spondylolysis and spondylolisthesis. J Bone Joint Surg Am 1984;66(05):699–707 Considerandocadamodalidadeseparadamente, observamos que os esportes de impacto mais praticados em países desenvolvidos apresentam as seguintes incidências: até 44% em jogadores de Hockey,99 Rossi F, Dragoni S. The prevalence of spondylolysis and spondylolisthesis in symptomatic elite athletes: radiographic findings. Radiography 2001;7(01):37–42 sendo que 15,9% com listese associada,1010 Sakai T, Sairyo K, Suzue N, Kosaka H, Yasui N. Incidence and etiology of lumbar spondylolysis: review of the literature. J Orthop Sci 2010;15(03):281–288 40% emjogadores de tênis,1111 McAnany S, Patterson D,Hecht AC.Spineinjuries intennisplayers. In: Colvin AC, Gladstone JN, eds. The young tennis player: Injury prevention and treatment. Cham: Springer International Publishing; 2016:121–134 até 40% em mergulhadores de salto ornamental,99 Rossi F, Dragoni S. The prevalence of spondylolysis and spondylolisthesis in symptomatic elite athletes: radiographic findings. Radiography 2001;7(01):37–42 20,69% em jogadores de vôlei1212 Külling FA, Florianz H, Reepschläger B, Gasser J, Jost B, Lajtai G. High prevalence of disc degeneration and spondylolysis in the lumbar spine of professional beach volleyball players. Orthop J Sports Med 2014;2(04):2325967114528862 e até cerca de 50% em jogadores de Cricket, Rugby e futebol americano.1313 Crewe H, Elliott B, Couanis G, Campbell A, Alderson J. The lumbar spine of the young cricket fast bowler: an MRI study. J Sci Med Sport 2012;15(03):190–194,1414 Engstrom CM, Walker DG. Pars interarticularis stress lesions in the lumbar spine of cricket fast bowlers. Med Sci Sports Exerc 2007;39(01):28–33,1515 Semon RL, Spengler D. Significance of lumbar spondylolysis in college football players. Spine 1981;6(02):172–174,1616 Iwamoto J, Abe H, Tsukimura Y, Wakano K. Relationship between radiographic abnormalities of lumbar spine and incidence of low back pain in high school rugby players: a prospective study. Scand J Med Sci Sports 2005;15(03):163–168

Diagnóstico Clínico

A espondilólise deve ser considerada como principal hipótese diagnóstica em jovem atleta com lombalgia até que se prove o contrário,1717 Watkins RG. Lumbar spondylolysis and spondylolisthesis in athletes. Semin Spine Surg 2010;22(04):210–217 qualquer queixa com duração maior do que duas semanas deve ser investigada. Uma história detalhada, afastando macrotrauma, lesões prévias, antecedentes pessoais e familiares é fundamental, sendo que a informação mais relevante é a mudança do padrão de treinamento (migração para novamodalidadeesportiva,mudançadequantidade/qualidade do exercício, aumento da carga para ganho de desempenho etc).1818 Kaeding CC, Miller T. The comprehensive description of stress fractures: a new classification system. J Bone Joint Surg Am 2013; 95(13):1214–1220 O examefísico detalhado deve seropasso seguinte. Com o paciente usando sunga (e de preferência com a presença de acompanhante ou enfermagem), realizam-se as inspeções: a) estática, através da observação em todos os ângulos (frente, costas e laterais), identificando possíveis deformidades (cifose ou lordoses acentuadas ou diminuídas, escoliose), assimetrias, inclinações dos ombros ou bacia, e b) dinâmica, com observação da marcha e mobilidade dos segmentos da coluna através de movimentos suaves de flexão, extensão e rotações, completando a avaliação postural, sendo que a flexão e a extensão do tronco podemvariarde +-45 graus1919 Hebert SK, Barros Filho TEP, Xavier R, Pardini Júnior AG. Ortopedia e traumatologia: Principios e Prática. Porto Alegre1: Artmed; 2016 e também dos quadris. Inicia-se então apalpação, com o paciente deitado em decúbito ventral em uma maca, identificando se há dor, hipertonia muscular e os pontos anatômicos como processos espinhosos, asas dos ilíacos e início das articulações sacro-ilíacas (caso dor na região, temos o teste de Finger positivo).2020 Murakami E, Aizawa T, Noguchi K, Kanno H, Okuno H, Uozumi H. Diagram specific to sacroiliac joint pain site indicated by one-finger test. J Orthop Sci 2008;13(06):492–497 Segue-se com a avaliação neurológica, pouco afetada pela espondilólise, mas que deve sempre ser realizada, com a observação do quadro sensório-motor das raízes lombares baixas, a saber a) L4: dermátomo medial da perna e do pé e músculo tibial anterior, b) L5: dermátomo lateral da perna e dorsal do pé e extensor longo do hálux c) S1: dermátomo lateral do pé e músculos fibulares longo e curto, sendo a força motora na escala de 0 (sem força) a 5 (força normal). Ainda devem ser testados os reflexos dos tendões patelar (L4) e calcâneo (S1).2121 Stanley H. Exame clinico musculoesqueletico. São Paulo: Manole; 2016 As manobras especiais devem incluir pesquisa de irritação radicular, como as da perna estendida e de Lasègue, e quadris/sacro- ilíacas, como os sinais de Patrick-Fabere, Gaeslen e Finger, mas em especial a hiperextensão do tronco com apoio unipodal, descrito por Jackson como patognomônico de espondilólise, que embora contestado em artigos mais recentes, ainda é aceito como o único específico para esta lesão.2222 Jackson DW, Wiltse LL, Dingeman RD, Hayes M. Stress reactions involving the pars interarticularis in young athletes. Am J Sports Med 1981;9(05):304–312,2323 Masci L, Pike J, Malara F, Phillips B, Bennell K, Brukner P. Use of the one-legged hyperextension test and magnetic resonance imaging in the diagnosis of active spondylolysis. Br J Sports Med 2006;40 (11):940–946, discussion 946

Diagnóstico Por Imagem

A radiografia apontará uma lesão por radiotransparência na pars interarticularis do nível investigado e observado nas incidências de perfil colimado e oblíquas (o tradicional “Scotty Dog”) com uma acurácia de 97% para casos de espondilólise crônica (pós-edema, quando a fratura está estabelecida (►Fig. 1c e 1d).2424 Amato M, Totty WG, Gilula LA. Spondylolysis of the lumbar spine: demonstration of defects and laminal fragmentation. Radiology 1984;153(03):627–629 Nas lesões em resolução ainda podemos observar uma esclerose típica de calo ósseo na incidência ântero-posterior.2525 Araki T, Harata S, Nakano K, Satoh T. Reactive sclerosis of the pedicle associated with contralateral spondylolysis. Spine 1992; 17(11):1424–1426 Radiografias em perfil com extensão e flexão máximas podem indicar instabilidades através de aumento do escorregamento no sentido anterior (espondilolistese) maior de 4mm ou inclinação maior de 10 graus entre os platôs adjacentes.2626 Boden SD, Wiesel SW. Lumbosacral segmental motion in normal individuals. Have we been measuring instability properly? Spine 1990;15(06):571–576[published correction appears in Spine 1991;16(7):855]

Para o estudo das lesões completas ou incompletas com solução de continuidade óssea a tomografia computadorizada (TC) ainda é o melhor exame para uma visualização anatômica precisa, sendo, portanto, mais utilizada para planejamento pré-operatório dos casos refratários ao tratamento conservador (►Fig. 1a). A técnica em ângulo de pórtico reverso (►Fig. 1b) entrega uma imagem fiel da lesão e ainda diferencia da faceta articular (sinal da dupla faceta).2727 Hession PR, Butt WP. Imaging of spondylolysis and spondylolisthesis. Eur Radiol 1996;6(03):284–290 Pequenas reações escleróticas e hipertróficas relacionadas à evolução da lesão e diagnósticos diferenciais como osteoma osteóide também são facilmente identificados através da TC, mas talvez a sua maior utilidade seja a avaliação da consolidação no pósoperatório.2828 Campbell RS, Grainger AJ, Hide IG, Papastefanou S, Greenough CG. Juvenile spondylolysis: a comparative analysis of CT, SPECT and MRI. Skeletal Radiol 2005;34(02):63–73

A grande vantagem da ressonância magnética (RM) em relação à TC é a de detectar de forma precoce a lesão, ou seja, identificar um edema medular sem ainda estar presente a perda de continuidade óssea da pars. No passado acreditava-se que a sua acurácia não era suficiente para um diagnóstico seguro de um caso de espondilólise, fato que foi sendo desacreditado ao longo da evolução das técnicas de aquisição de imagem e que culminou em uma classificação especifica.2929 Hollenberg GM, Beattie PF, Meyers SP, Weinberg EP, Adams MJ. Stress reactions of the lumbar pars interarticularis: the development of a new MRI classification system. Spine 2002;27(02): 181–186 Outra vantagem evidente é não necessitar de radiação para a sua realização, ao contrário da TC, evitando, portanto, seus possíveis efeitos indesejáveis. A RM também é a mais efetiva para apontar estenoses foraminais, discopatias, alterações anatômicas radiculares e até detectar a presença de tumores neurais (►Fig. 4a).3030 Major NM, Helms CA, Richardson WJ. MR imaging of fibrocartilaginous masses arising on the margins of spondylolysis defects. AJR Am J Roentgenol 1999;173(03):673–676

Apesar de não fazer parte da nossa rotina, a cintilografia óssea tem a capacidade de diferenciar a lesão aguda da crônica,3131 Papanicolaou N, Wilkinson RH, Emans JB, Treves S, Micheli LJ. Bone scintigraphy and radiography in young athletes with low back pain. AJR Am J Roentgenol 1985;145(05): 1039–1044 tal como na RM.

Já o Single Photon Emission Computed Tomography acoplado à Tomografia Computadorizada) SPECT-TC, tem acurácia superior aos outros exames,3232 Standaert CJ. Low back pain in the adolescent athlete. Phys Med Rehabil Clin N Am 2008;19(02):287–304, ix tanto para o diagnóstico quanto para a sua localização anatômica, por possibilitar a diferenciação de lesões crônicas (“frias”) de agudas (“quentes”), porém devido ao seu alto custo e necessidade de radiação reservamos apenas para os casos nos quais a RM não tenha esclarecido a hipótese (►Fig. 2a).

Fig. 2
Caso de fixação percutânea com navegação. (a) SPECT-CT evidenciando “lesão quente” em L3

Classificações

A classificação para espondilólise mais aceita é baseada na RM. Os achados no exame podem ser divididos em cinco grupos, sendo o tipo 0 sem alterações, tipo 1 com edema sem ruptura da cortical, tipo 2 com irregularidade óssea demonstrando lesão incompleta dapars, tipo 3 representando a lesão aguda e tipo 4 a lesão crônica.2929 Hollenberg GM, Beattie PF, Meyers SP, Weinberg EP, Adams MJ. Stress reactions of the lumbar pars interarticularis: the development of a new MRI classification system. Spine 2002;27(02): 181–186

A principio tratada como uma alteração local, a espondilólise com espondilolistese passou a ser avaliada em conjunto com obalanço pélvico, em seguida com toda a coluna e por fim como uma alteração global. Desta forma é possível observar flexão compensatória dos joelhos até em casos mais leves.3333 Zhao J,XiaoY, Zhai X, Chen Z, Li M. Difference ofsagittal alignment between adolescents with symptomatic lumbar isthmic spondylolisthesis and the general population. Sci Rep 2018;8(01):10956

As classificações tradicionais para espondilolistese são a de Wiltse modificada55 Wiltse LL, Newman PH, Macnab I. Classification of spondylolisis and spondylolisthesis. Clin Orthop Relat Res 1976;(117): 23–29 que é etiológica, sendo que o tipo II trata da listese espondilolítica, podendo ainda ser dividida nos subtipos A (lise da pars, a mais comum em atletas), B (pars alongada) e C (traumática), e a de Meyerding3434 Meyerding H. Spondylolisthesis. Surg Gynecol Obstet 1932; 54:371–378 que leva em conta a porcentagem de escorregamento (sem escorregamento, até 25%, de 25 a 50%,de 50 a 75%, de 75 a 100% e espondilopitose, o escorregamento total).

Também há a classificação do Spinal Deformity Study Group (SDSG) para espondilolistese L5-S1 (nível mais frequente) que leva em conta a orientação sacro-pélvica.

Na radiografia em perfil avalia-se o balanço sagital global através de 3 parâmetros: grau de escorregamento, incidência pélvica e alinhamento espino- pélvico. Foram identificados 6 tipos com gravidade progressiva sendo os 3 primeiros, de baixo grau, mais comuns em atletas. Esta classificação permite a orientação do tipo de abordagem cirúrgica de acordo com a necessidade de restauração dos parâmetros sagitais.3535 Labelle H, Mac-Thiong JM, Roussouly P. Spino-pelvic sagittal balance of spondylolisthesis: a review and classification. Eur Spine J 2011;20 Suppl 5(Suppl 5):641–646 Um algoritmo ainda foi desenvolvido para diferenciar espondilólise de lombalgia inespecífica aguda. Os autores descrevem a dificuldade de achar sinais clínicos específicos para a lesão e como diferenciá-lade uma lombalgia inespecífica, levando em conta exames de imagem como a radiografia, que também não tem acurácia aceitável para o diagnóstico, restando apenas exames mais complexos e caros como a TC e a RM.

Fatores de Risco

São reconhecidas como associadas a um maior risco de espondilólise as seguintes variáveis intrínsecas: sexo masculino, presença de espinha bífida oculta,3636 Aoyagi M, Naito K, Sato Y, Kobayashi A, Sakamoto M, Tumilty S. Identifyingacute lumbar spondylolysis inyoung athletes with low back pain: Retrospective classification and regression tree analysis. Spine 2021;46(15):1026–1032,3737 Sakai T, Sairyo K, Takao S, Nishitani H, Yasui N. Incidence of lumbar spondylolysis in the general population in Japan based on multidetector computed tomography scans from two thousand subjects. Spine 2009;34(21):2346–2350 lordose e inclinação pélvica aumentadas,3838 Yin J, Peng BG, Li YC, Zhang NY, Yang L, Li DM. Differences of sagittal lumbosacral parameters between patients with lumbar spondylolysis and normal adults.Chin Med J(Engl) 2016;129(10): 1166–1170 encurtamento dos músculos isquiotibiais e desequilíbrio da musculatura anterior e posterior que estabiliza o tronco.3939 Lawrence KJ, Elser T, Stromberg R. Lumbar spondylolysis in the adolescent athlete. Phys Ther Sport 2016;20:56–60 Entendemos também que a quantidade e a qualidade do exercício são fatores extrínsecos determinantes para a ocorrência deste tipo de lesão.22 Chung CC, Shimer AL. Lumbosacral Spondylolysis and Spondylolisthesis. Clin Sports Med 2021;40(03):471–490,4040 Mohriak R, Silva PDV, Trandafilov M Junior, et al. Espondilólise e espondilolistese em ginastas jovens. Rev Bras Ortop 2010;45(01): 79–83

Tratamento

A imensa maioria dos casos é resolvida com o tratamento conservador, que basicamente consiste em um repouso relativo e reabilitação com fisioterapia.4141 Steiner ME, Micheli LJ. Treatment of symptomatic spondylolysis and spondylolisthesis with the modified Boston brace. Spine 1985;10(10):937–943 Não recomendamos em nossa rotinao uso de colete, pois além de causar uma atrofia muscular por desuso na musculatura paravertebral que estabiliza o tronco, o princípio da imobilização que consiste em bloquear amplitude de movimento em uma articulação proximal e uma distal não pode ser respeitado, pois, os quadris não são imobilizados com estes tipos de órteses.1717 Watkins RG. Lumbar spondylolysis and spondylolisthesis in athletes. Semin Spine Surg 2010;22(04):210–217 Durante muito tempo foi preconizado o uso da imobilização gessada de Risser-Cotrel,4242 Revista Brasileira de Ortopedia. Disponível em: https://sbot.org.br/revistas-historicas/wp-content/uploads/2017/10/04.-Revista-Brasileira-de-Ortopedia-Vol-03-N%C2%BA-01-Junho-1968.pdf
https://sbot.org.br/revistas-historicas/...
esta sim, proporciona o bloqueio dos quadris, porém em total desuso devido ao incômodo causado ao paciente. O tratamento cirúrgico fica reservado aos casos que não melhoram com no mínimo seis meses de tratamento conservador. Alguns autores recomendam uma infiltração na região do defeito da pars para confirmação da origem da dor.4343 Wu SS, Lee CH, Chen PQ. Operative repair of symptomatic spondylolysis following a positive response to diagnostic pars injection. J Spinal Disord 1999;12(01):10–16 O primeiro procedimento cirúrgico proposto para este tipo de lesão foi a artrodese in situ não instrumentada com colocação de enxerto pósterolateral.4444 Cheung EV, Herman MJ, Cavalier R, Pizzutillo PD. Spondylolysis and spondylolisthesis in children and adolescents: II. Surgical management. J Am Acad Orthop Surg 2006;14(08):488–498 Posteriormente as evidências científicas indicaram que a instrumentação associada aumentou significativamente a taxa de sucesso da fusão, maior ainda com a inclusão das três colunas, ou seja, a artrodese 360 graus, seja por via posterior apenas ou combinada com a via anterior. A artrodese não deve ser considerada como forma ideal de tratamento na nossa visão, levando em conta a perda de amplitude movimento e a degeneração adjacente em médio prazo que será ainda mais provável no atleta.4545 Johnson GV, Thompson AG. The Scott wiring technique for direct repair of lumbar spondylolysis. J Bone Joint Surg Br 1992;74(03): 426–430 Aqui, CA, existem duas técnicas de reparo direto da pars sem artrodese e colocação de enxerto autólogo na região da falha (►Fig. 3),4646 Buck JE. Direct repair of the defect in spondylolisthesis. Preliminary report. J Bone Joint Surg Br 1970;52(03):432–437,4747 Bradford DS, Iza J. Repair of the defect in spondylolysis or minimal degrees of spondylolisthesis by segmental wire fixation and bone grafting. Spine 1985;10(07):673–679,4848 Kakiuchi M. Repair of the defect in spondylolysis. Durable fixation with pedicle screws and laminar hooks. J Bone Joint Surg Am 1997;79(06):818–825,4949 Morscher E, Gerber B, Fasel J. Surgical treatment of spondylolisthesis by bone grafting and direct stabilizationofspondylolysisby means of a hook screw. Arch Orthop Trauma Surg (1978) 1984; 103(03):175–178,5050 Songer MN, Rovin R. Repair of the pars interarticularis defect with a cable-screw construct. A preliminary report. Spine 1998;23 (02):263–269 sendo esta a nossa técnica de escolha na maioria dos casos em especial se o disco do nível envolvido não estiver degenerado, o que é mais comum em atletas jovens com lesão recente. Os resultados deste procedimento são muito satisfatórios, cerca de 90% retorna ao mesmo nível esportivo de antes da lesão. Com a possibilidade do uso da TC intra-operatória associada a neuronavegação, que torna o procedimento percutâneo possível, acreditamos que, pela simplificação do procedimento, o protocolo será alterado, encurtando o tempo de tratamento conservador e consequentemente indicando com maior frequência a fixação cirúrgica (►Fig. 2).1717 Watkins RG. Lumbar spondylolysis and spondylolisthesis in athletes. Semin Spine Surg 2010;22(04):210–217

Fig. 3
Radiografias pós-operatórias. Caso 1, técnica de Buck modificada. Caso 2, técnica de Smile.

Ainda é possível o uso da técnica endoscopia para curetagem e colocação de enxerto na falha da pars nos casos de fixação percutânea, aumentando a taxa de consolidação da lesão e tornando o procedimento minimamente invasivo. Para os casos de espondilolistese acima de grau I (mais de 25% de escorregamento), discopatia avançada ou instabilidade importante associada consideramos a artrodese 360 graus com colocação de espaçador por via anterior (ALIF) ou via endoscópica posterior pela tecnica de Endoscopic Spinal Stabilization with EndoLIF® (►Fig. 4) e complementação com parafusos percutâneos por via posterior, mas as desvantagens da fusão já foram citadas anteriormente. Uma outra opção é a redução com parafusos pediculares provisória sem a realização de artrodese (sem colocação de enxerto póstero-lateral ou cruentização das facetas) e em um segundo tempo realizar-se a retirada do material de síntese (►Fig. 5). A vantagem desta técnica é evitar a artrodese, porém há um risco de quebra do material de síntese durante o período de consolidação da falha da pars interarticular.

Fig. 4
Caso de artrodese com parafusos percutâneos e ENDOLIF. (a) ressonância magnética.

Fig. 5
Caso com redução do escorregamento com fixação temporária e após a retirada do material de síntese observada melhora importante dos parâmetros sagitais.

Tabela 1 Classificação de Wiltse modificada55 Wiltse LL, Newman PH, Macnab I. Classification of spondylolisis and spondylolisthesis. Clin Orthop Relat Res 1976;(117): 23–29
TIPO ETIOLOGIA PATOGÊNESE
I Displásica Defeito congênito
II @ Defeito da Pars
IIa Ístmica Espondilólise (fratura de estresse)
IIb @ Alongamento da Pars
IIc Fratura aguda da Pars
III Degenerativa Subluxação facetária
IV Traumática Fratura da coluna posterior aguda
V Patológica Infecção, tumor etc
VI Pós-operatória Instabilidade pós-operatória
Tabela 2 Classificação de espondilólise de acordo com a ressonância magnética2929 Hollenberg GM, Beattie PF, Meyers SP, Weinberg EP, Adams MJ. Stress reactions of the lumbar pars interarticularis: the development of a new MRI classification system. Spine 2002;27(02): 181–186
GRAU DESCRIÇÃO IMAGEM NA RM
0 Pars normal Sinal normal
Cortical intacta
1 Reação de estresse Edema medular Cortical intacta
2 Fratura incomplete Edema medular Fratura da cortical incompleta
3 Fratura aguda complete Edema medular Fratura completa da Pars
4 Defeito crônico estabelecido Sem edema medular Fratura completa da Pars

Complicações

São relatadas complicações pós-operatórias imediatas como infecção local, dor na região doadora de enxerto ósseo quando realizado e quebra do material de síntese, todas em uma taxa extremamente baixa (p = 0,011).5151 Sutton JH, Guin PD, Theiss SM. Acute lumbar spondylolysis in intercollegiate athletes. J Spinal Disord Tech 2012;25(08): 422–425

  • Suporte Financeiro
    Os autores declaram que não receberam apoio financeiro para a pesquisa, autoria e/ou publicação deste artigo.
  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2024

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2023
  • Aceito
    29 Maio 2023
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