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Francisco A. S. Cafalli (1929-2014)

Francisco A. S. Cafalli, Dr. Cafalli, ou simplesmente Cafalli, como gostava de ser chamado por seus amigos, nasceu em São Paulo, filho de italianos, e sempre se destacou por sua educação, tenacidade e inteligência ímpar.

Completou os estudos ginasial e secundário com menção de honra no Instituto Médio Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri, depois denominado Colégio Dante Alighieri. Foi admitido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo por meio de exame vestibular, então chamado de Concurso de Habilitação, em 1948, aprovado em terceiro lugar. Ali, durante o curso médico, conviveu com nobres professores da Faculdade de Medicina e iniciou sua carreira científica com prêmios e publicacões.

Graduou-se médico em dezembro de 1953 e optou pela ortopedia como especialidade, atraído pelo destaque do recém-inaugurado prédio do Instituto de Ortopedia e Traumatologia, então Clínica Ortopédica e Traumatológica, que compreendia um edifício de 10 andares e um anexo de três, com área de cerca de 20.000 m2. Completou seu internato e sua residência médica na Clínica Ortopédica e Traumatológica (29a Cadeira) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP entre 1954 e 1956, sob a direção do professor F.E. Godoy Moreira. Foi admitido como auxiliar de ensino e médico auxiliar.

Em 1959 obteve bolsa de estudos financiada pelo Ministère des Affaires Etrangères do Governo da França e pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para estágio nos serviços dos professores R. Judet, Paris; M. D'Aubigné, Paris; M. Guilleminet, Lyon, França; J.J. Herbet, Aix-les-Bains, França; R. Zanoli, Bolonha, Itália; O. Scaglietti, Florenca, Itália; R.G. Pulvenartaft, Derby, Inglaterra; W. Som- merville, Oxford, Inglaterra. Ao retornar para o Brasil, em 1963, inicia, por convite do Dr. Plínio Cândido de Souza Dias, suas atividades no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira, recém-inaugurado e que contava com recursos extremamente avançados para a época, como, por exemplo, aparelhos de radioscopia tipo «arco cirúrgico". Ali, já em 1963, participa da criação da residência médica, um dos primeiros Serviços a serem credenciados pela Sbot (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia).

Em novembro de 1970 fica fascinado com a visita do professor G.K. McKee F.R.C.S ao Hospital do Servidor, onde, em conjunto, fazem artroplastias totais cimentadas metal/metal com inédita transmissão por TV para a plateia da IX Jornada de Ortopedia e Traumatologia.

Em sua inquietude científica e em busca de avanços na especialidade viaja novamente ao exterior em 1971 para estagiar com os professores G.K. McKee F.R.C.S, em Norwich, Inglaterra; Sir J. Charley F.R.C.S, em Wigan, Inglaterra; R.S. Garden F.R.C.S, em Preston, Inglaterra; e R. Meary e M. Postel, em Paris. Para aperfeiçoar-se ainda mais, participa ativamente de cirurgias com os professores H. Seddon F.R.C.S, em Londres; M. Freeman F.R.C.S, também em Londres; H. Frost, em Detroit, Estados Unidos; e R.B. Salter, em Toronto, no Canadá.

Seu grande interesse nessa época voltava-se para os procedimentos minimamente invasivos e em conjunto com o Dr. Milton Iacovone, colega de turma na Faculdade de Medicina e na residência médica, recebe o prêmio Godoy Moreira de 1972 pelo trabalho «Fixação percutânea intramedular nas fra- turas da extremidade distal do rádio". Aplicava as técnicas de tenotomias percutâneas aprendidas com H. Frost e insistia para que seus residentes observassem obsessivamente o primeiro princípio do tratamento médico – primum non nocere (primeiramente, não prejudicar).

Com esse enfoque, após a leitura do artigo «The role of arthoscopy in the management of disorders of the knee", publicado por R.W. Jackson e Isao Abe no JBJS 1972;54:310-322, decide visitar o professor Jackson em Toronto. Após intensa correspondência e com a aquisição de um artroscópio Wata- nabe 21 para o Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor, consegue a visita do Dr. Robert W. Jackson em 1973, para o primeiro curso teórico-prático de artrosco- pia no Brasil. Procedimento esse que, após esse curso, toma vulto e culmina com a vinda do professor Watanabe ao Brasil em 1975 e a ida de vários ortopedistas para treinamento no exterior.

A seu convite, vários professores de renome internacional, como Eduardo A. Salvati, John Insall, Robert Salter, H. Frost e D. Evans, ministraram cursos, palestras e cirurgias no Hospital do Servidor Público Estadual, sempre aperfeiçoando e inovando a ortopedia ali praticada.

Em 1981, quando a ortopedia brasileira orgulhava-se por sediar o XV Sicot Triennial World Congress, sob a presidência do saudoso professor Dagmar Chaves, acontecia no Hotel Intercontinetal no Rio de Janeiro o IV Congresso da International Arthroscopy Association. Em 28 de agosto daquele ano, em reunião com vários colegas de destaque na ortopedia brasileira e com os Drs. Robert W. Jackson e Masaki Watanabe, fundou a Sociedade Brasileira de Artroscopia e assumiu a Presidência da primeira gestão.

Também na programação científica do XV Sicot Triennial World Congress lá estava o Dr. Cafalli, ativo, discutindo em mesa redonda no auditório principal com figuras ímpares da ortopedia mundial, como, por exemplo, o Dr. W. Harris, da Universidade de Harvard, a importância da prevenção da trombose venosa profunda no período pós- -operatório de cirurgias ortopédicas com o uso da heparina, na época pouco praticada.

Em 1982 ausenta-se do Hospital do Servidor para assumir a Coordenação da Ortopedia, como cirurgião-chefe, no Sarah – Hospital das Doencas do Aparelho Locomotor, em Brasília, recém-inaugurado, com grandes recursos, mas que carecia de uma base técnica e científica em ortopedia.

Depois de ali lançar suas sementes, retorna a São Paulo para assumir a diretoria do Serviço de Ortopedia do Hospital do Servidor, após a aposentadoria do Dr. Plínio Cândido de Souza Dias.

Cria em 1985 o Centro de Estudos Ortopédicos do Hospital do Servidor Público Estadual, voltado para a educação médica continuada dos médicos residentes e assistentes do Serviço.

Em 1989 assume a Presidência do Departamento de Ortopedia da Associação Paulista de Medicina/Regional São Paulo da Sbot e organiza as Primeiras Jornadas de Campos do Jordão, origem do atual Congresso de Ortopedia e Traumatologia do Estado de São Paulo (Cotesp).

Permaneceu como diretor do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual até 1998. Foi membro ativo de várias sociedades internacionais, como a British Orthopaedic Association (Fellow Overseas), American Academy of Orthopaedic Association (Reciprocal Member), International Arthroscopy Association (Director at Large). Participou de várias comissões governamentais, publicou vários artigos científicos e capítulos de livros e recebeu prêmios e homenagens ao longo de toda a sua carreira.

Muitas foram suas contribuiçães técnicas e científicas para a ortopedia brasileira e internacional, porém o que sempre marcou o perfil desse insubstituível médico foi seu caráter, simples mas altivo, educado e atencioso com seus colegas e pacientes, mas absolutamente intransigente com os «malfeitos».

Fiel a fortes princípios de honestidade, humanista e sensível, esteve sempre focado em sua missão de minimizar o sofrimento humano e dizia-se «apolítico».

Criou seu dois filhos com muita atenção e cuidados, transmitiu valores ímpares e teve ainda a oportunidade de desfrutar do carinho e do convívio com seus netos.

Dividiu merecidos anos de amor e felicidade com sua tão amada e querida esposa Nancy L. Cafalli, que ao seu lado permaneceu até seus últimos momentos.

Muitas saudades ficam desse grande homem que foi o Dr. Cafalli, sepultado em Salvador, em 7 de maio, coberto pela bandeira da Sociedade Esportiva Palmeiras, seu time de coração.


Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014
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