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Luxação traumática isolada da articulação trapéziometacárpica - Relato de dois casos clínicos* * Work developed at the Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV), Santa Maria da Feira, Portugal.

Resumo

A luxação traumática isolada da articulação trapézio-metacárpica é uma lesão rara que faz parte de menos de 1% de todas as lesões de mãos.

Os autores apresentam dois casos de luxação traumática isolada da articulação trapézio-metacárpica. Um dos casos foi tratado com redução fechada e imobilização com gesso, e o outro foi tratado com redução fechada, fixação com fios Kirschner, e imobilização com gesso.

O primeiro paciente teve um bom resultado funcional e não mostrou sinais de instabilidade trapeziometacarpal. O paciente tratado com fios Kirschner apresentou sinais de instabilidade clínica e subluxação radiológica. A luxação isolada da articulação trapeziometacarpal é uma lesão rara que pode causar instabilidade articular que interfere com a funcionalidade normal da mão e pode resultar em mudanças articulares degenerativas.

O melhor manejo dessa lesão ainda é controverso, já que ainda faltam evidências na literatura que mostrem a superioridade de um tratamento em relação ao outro.

Palavras-chave:
luxação articular; polegar; mão

Abstract

Isolated thumb carpometacarpal joint dislocation is a rare lesion that accounts for less than 1% of all hand lesions. The authors present two cases of traumatic isolated thumb carpometacarpal joint dislocation. One of them was treated with closed reduction and cast immobilization, and the other was treated with closed reduction, Kirschner-wires pinning, and cast immobilization. The first patient had a good functional outcome and showed no signs of thumb carpometacarpal instability. The patient treated with Kirschner wires presented signs of clinical instability and radiological subluxation. Isolated thumb carpometacarpal dislocation is a rare lesion that can cause joint instability, which interferes with the normal function of the hand and can lead to articular degenerative changes. The best management of this lesion is still controversial, since there is lack of evidence in the literature showing superiority of one treatment over the other.

Keywords:
joint dislocations; thumb; hand

Introdução

A luxação traumática isolada da articulação trapézio-metacárpica é uma lesão rara que representa menos de 1% de todas as lesões de mãos.11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–44144 Jeong C, Kim HM, Lee SU, Park IJ. Bilateral carpometacarpal joint dislocations of the thumb. Clin Orthop Surg 2012;4(03):246–248 O mecanismo de lesão mais comum envolve uma força axial aplicada em um polegar parcialmente flexionado.11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–44133 Annappa R, Kotian P, P JA, Mudiganty S. Ligamentous Reconstruction of Traumatic Dislocation of Thumb Carpometacarpal Joint: Case Report and Review of Literature. J Orthop Case Rep 2015;5 (04):79–81,55 Lahiji F, Zandi R, Maleki A. First Carpometacarpal Joint Dislocation and Review of Literatures. Arch Bone Jt Surg 2015;3(04):300–303,66 Fotiadis E, Svarnas T, Lyrtzis C, Papadopoulos A, Akritopoulos P, Chalidis B. Isolated thumb carpometacarpal joint dislocation: a case report and review of the literature. J Orthop Surg Res 2010;5:16

O tratamento padrão-ouro ainda não está claro. Escolhas de tratamento variam desde a redução fechada e imobilização com gesso e redução fechada e fixação com fios Kirschner até a redução aberta com reparo capsular e reconstrução do ligamento.11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–4411010 Iyengar K, Gandham S, Nadkarni J, Loh W. Modified Eaton-Littler’s Reconstruction for Traumatic Dislocation of the Carpometacarpal Joint of the Thumb-A Case Report and Review of Literature. J Hand Microsurg 2013;5(01):36–42

A primeira articulação carpometacarpal é uma articulação em forma de sela, que é responsável pela mobilidade extraordinária e função importante do polegar.11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–441 Se essa luxação não é diagnosticada ou tratada corretamente, pode resultar em instabilidade mecânica crônica, deficiência na mão, e mudanças articulares degenerativas.44 Jeong C, Kim HM, Lee SU, Park IJ. Bilateral carpometacarpal joint dislocations of the thumb. Clin Orthop Surg 2012;4(03):246–248,99 Ansari MT, Kotwal PP, Morey VM. Primary repair of capsuloligamentous structures of trapeziometacarpal joint: A preliminary study. J Clin Orthop Trauma 2014;5(04):185–192

Os autores apresentam dois casos de luxação traumática isolada da articulação trapézio-metacárpica. Um desses casos foi tratado com redução fechada e imobilização com gesso, e o outro foi tratado com redução fechada, fixação com fios Kirschner, e imobilização com gesso.

Relato de caso 1

Um homem de 25 anos de idade caiu de bicicleta e lesionou a mão esquerda.

Ele se apresentou no departamento de emergência reclamando de dor, deformidade, e edema no polegar esquerdo.

Os raios-x oblíquo e anteroposterior da mão revelaram luxação isolada da articulação trapézio-metacárpica (►Fig. 1).

A redução fechada foi feita facilmente, e a articulação foi imobilizada com gesso e tala por 4 semanas.

Na consulta de seguimento de 3 meses, o paciente estava assintomático, sem sinais de instabilidade, e apresentou amplitude de movimento completa e força de aperto normal.

O raio-x deseguimentoapós6 meses nãomostrouqualquer sinal de subluxação ou mudanças degenerativas articulares (►Fig. 2).

Relato de caso 2

Um homem de 56 anos de idade foi admitido no departamento de emergência após cair e lesionar a mão esquerda durante um jogo de futebol.

Ele reclamou de dor e deformidade do polegar esquerdo. As radiografias anteroposterior, lateral, e oblíqua da mão evidenciaram luxação trapeziometacarpal sem sinais de fratura (►Fig. 3).

Foram feitas redução fechada, fixação com fios Kirshner, e imobilização com gesso sob anestesia geral (►Fig. 4). A imobilização foi desfeita após 5 semanas, e o paciente começou a reabilitação funcional.

O raio-x de seguimento após 1 ano mostrou subluxação trapeziometacarpal, e instabilidade dorsal-volar foi evidenciada no exame clínico (►Fig. 5). Indicou-se redução aberta com reconstrução capsular-ligamentar, mas o paciente recusou tratamento cirúrgico.

Fig. 1
Luxação carpometacarpal isolada do polegar.
Fig. 2
Consulta de seguimento após 6 meses.
Fig. 3
Luxação trapeziometacarpal isolada.

Discussão

A primeira articulação carpometacarpal apresenta uma configuração única que permite uma ampla gama de movimentos estáveis, incluindo flexão/extensão, abdução/adução, e oposição/retropulsão.11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–441,55 Lahiji F, Zandi R, Maleki A. First Carpometacarpal Joint Dislocation and Review of Literatures. Arch Bone Jt Surg 2015;3(04):300–303 Um mecanismo de torque “screwhome” (rotação metacarpal interna, tensionamento dos ligamentos dorsorradiais e trava do bico volar do metacarpo no trapézio) é responsável pela força dinâmica que transforma uma articulação estática flácida em um articulação estável congruente em oposição, o que permite movimentos de aperto e pegada fortes.11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–441 A estabilidade da articulação depende da congruência articular, da integridade capsular, e do funcionamento dos ligamentos volar/dorsal.44 Jeong C, Kim HM, Lee SU, Park IJ. Bilateral carpometacarpal joint dislocations of the thumb. Clin Orthop Surg 2012;4(03):246–248

Há muita controvérsia na literatura sobre quais dos 16 ligamentos existentes é um estabilizador mais importante para a articulação trapeziometacarpal. Inicialmente, o ligamento anterior oblíquo foi considerado o estabilizador primário, mas, posteriormente, Harvey e Bye1111 Harvey FJ, Bye WD. Bennett’s fracture. Hand 1976;8(01):48–53 e Pagalidis et al.1212 Pagalidis T, Kuczynski K, Lamb DW. Ligamentous stability of the base of the thumb. Hand 1981;13(01):29–36 defenderam que o ligamento mais importante era o posterior oblíquo. O maior estudo cadavérico realizado por Strauch et al.1313 Strauch RJ, Behrman MJ, Rosenwasser MP. Acute dislocation of the carpometacarpal joint of the thumb: an anatomic and cadaver study. J Hand Surg Am 1994;19(01):93–98 mostrou queocomplexodeligamentodorsorradialéomaiorresponsável pela estabilidade articular, confirmando o que Shah e Patel1414 Shah J, Patel M. Dislocation of the carpometacarpal joint of the thumb. A report of four cases. Clin Orthop Relat Res 1983;(175):166–169 disseram em 1983. Os dois pacientes apresentaram luxação dorsal, mas os autores não puderam especificar que ligamento foirompidoporqueelesusaramtécnicasdetratamentofechado.

Fig. 4
Raio-x pós-operatório.
Fig. 5
Subluxação trapeziometacarpal na consulta de seguimento após 1 ano.
Tabela 1
Referências bibliográficas

Os raios-x de mão ou polegar normalmente são suficientes para diagnosticar luxação carpometacarpal, mas lesões associadas devem ser descartadas com cuidado. A tomografia computadorizada pode ser usada para excluir lesões ósseas associadas. Ultrassonografia e ressonância magnética são úteis para avaliar lesões ligamentares e para planejar cirurgia.99 Ansari MT, Kotwal PP, Morey VM. Primary repair of capsuloligamentous structures of trapeziometacarpal joint: A preliminary study. J Clin Orthop Trauma 2014;5(04):185–192

O tratamento de escolha para esse tipo de lesão ainda está sendo debatido (►Tabela 1).11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–441,44 Jeong C, Kim HM, Lee SU, Park IJ. Bilateral carpometacarpal joint dislocations of the thumb. Clin Orthop Surg 2012;4(03):246–2481010 Iyengar K, Gandham S, Nadkarni J, Loh W. Modified Eaton-Littler’s Reconstruction for Traumatic Dislocation of the Carpometacarpal Joint of the Thumb-A Case Report and Review of Literature. J Hand Microsurg 2013;5(01):36–42,1414 Shah J, Patel M. Dislocation of the carpometacarpal joint of the thumb. A report of four cases. Clin Orthop Relat Res 1983;(175):166–1692121 Slocum AMY, Lui TH. Isolated first carpometacarpal joint dislocation managed with closed reduction and splinting. BMJ Case Rep 2019;12(03):e228715 A redução fechada e a imobilização são defendidas por alguns autores, tais como Kahn et al.2020 Khan AM, Ryan MG, Teplitz GA. Bilateral carpometacarpal dislocations of the thumb. Am J Orthop 2003;32(01):38–41 e Bosmans et al.,11 Bosmans B, Verhofstad MH, Gosens T. Traumatic thumb carpometacarpal joint dislocations. J Hand Surg Am 2008;33(03): 438–441 que mostraram bom resultado funcional sem recorrência de instabilidade, como os autores descreveram no primeiro caso clínico. A redução fechada com fixação com fios Kirschner é uma técnica que apresenta resultados variáveis, com alguns casos de subluxação e instabilidade no seguimento, similares ao paciente referenciado no caso clínico 2. A redução aberta e o reparo ou reconstrução capsular e dos ligamentos são descritos por diversos autores com técnicas diferentes, mas são insuficientes como recomendação de tratamento cirúrgico primário.2222 Eaton RG, Littler JW. Ligament reconstruction for the painful thumb carpometacarpal joint. J Bone Joint Surg Am 1973;55(08): 1655–1666

Os autores acham que uma avaliação cuidadosa da instabilidade após a redução fechada é essencial para a escolha do tratamento. Khan et al.2020 Khan AM, Ryan MG, Teplitz GA. Bilateral carpometacarpal dislocations of the thumb. Am J Orthop 2003;32(01):38–41 defendem que a impossibilidade de manter a redução fechada, instabilidade aguda, inchaço significativo, ou apresentação tardia são indicações para tratamento cirúrgico.

Uma abordagem cirúrgica gradual pode ser uma escolha inteligente, escolhendo reconstrução ligamentar no caso de perda de redução após fixação com fio Kirschner.

Conclusão

A luxação isolada da articulação trapézio-metacárpica é uma lesão rara que pode causar instabilidade articular e interferir com a funcionalidade normal da mão, podendo resultar em mudanças articulares degenerativas.

A literatura atual é insuficiente para escolher uma opção de tratamento em relação a outra e, por isso, o melhor manejo dessa lesão é controverso. Os autores acreditam que o tratamento de escolha depende da restauração anatômica e do grau de instabilidade articular.

  • Suporte Financeiro
    Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2019
  • Aceito
    12 Dez 2019
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