Acessibilidade / Reportar erro

Displasia fibrosa monostótica em metacarpo - Relato de caso Trabalho desenvolvido no Hospital Sarah, Brasília, DF, Brasil.

RESUMO

A displasia fibrosa é uma doença óssea que se caracteriza pela diferenciação anormal de tecido fibroso nos ossos e é muitas vezes assintomática. Pode acometer um osso (monostótica) ou vários ossos (poliostótica). A forma monostótica acomete principalmente as costelas, mas raramente acomete a mão. O diagnóstico diferencial com tumores ósseos malignos é importante. O artigo descreve o tratamento e evolução de um caso raro de paciente admitido com história de crescimento tumoral na mão direita, na qual foi diagnosticada displasia fibrosa do segundo metacarpo direito. Paciente do sexo masculino, 14 anos, admitido no Hospital Sarah com lesão no dorso da mão direita, sem queixa álgica, antecedente traumático ou alteração flogística local. No exame físico, apresentava aumento de volume no dorso do II metacarpo, indolor, mobilidade e sensibilidade inalteradas. Foram feitos exames de radiografia, tomografia e ressonância magnética, evidenciou-se o comprometimento de toda a extensão do segundo metacarpo; apenas a epífise distal estava preservada, com áreas de lise óssea. Fez-se tratamento cirúrgico após a biópsia de confirmação, com o uso de enxerto longo cortical para reconstrução do metacarpo. Durante o tempo de seguimento de cinco anos não foram verificados sinais de recidiva; adequado crescimento digital e funcionalidade da mão operada foram observados.

Palavras-chave:
Doença; Metacarpo; Osteíte fibrosa cística; Displasia fibrosa óssea

ABSTRACT

Fibrous dysplasia is a bone disease characterized by abnormal differentiation of fibrous tissue in the bones; it is often asymptomatic. It may affect one bone (monostotic) or several bones (polyostotic). The monostotic form primarily affects the ribs, but hardly ever affects the hand. It is important to make the differential diagnosis with malignant bone tumors. This article describes the treatment and outcome of a rare case of a patient admitted with a history of tumor growth in the right hand, diagnosed as fibrous dysplasia of the right second metacarpal. Male patient, 14 years of age, admitted to the Sarah Hospital with lesion on the dorsum of the right hand without pain complaints, previous history of trauma, nor local signs of inflammation. Physical examination revealed swelling on the dorsum of the second metacarpal, painless, with unaltered mobility and sensitivity. Radiography, computed tomography, and magnetic resonance imaging indicated the involvement of the entire length of the second metacarpal: only the distal epiphysis was preserved, with areas of bone lysis. After biopsy confirmation, the patient underwent surgery, using a long cortical graft for reconstructing the metacarpal. During the follow-up period of five years there were no signs of recurrence, and proper digital growth and functionality of the operated hand were observed.

Keywords:
Disease; Metacarpus; Cystic fibrous osteitis; Fibrous dysplasia of bone

Introdução

O termo displasia fibrosa foi introduzido por Lichtenstain em 1938 para descrever a substituição anômala de osso medular por tecido fibroso. É uma lesão benigna que pode envolver um (monostótica) ou mais ossos (poliostótica) ou vir acompanhada de outras alterações corporais e desordens endocrinológicas, como na síndrome de McCune-Albright.11. DiCaprio MR, Enneking WF. Fibrous dysplasia. Pathophysiology, evaluation, and treatment. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(8):1848-64.and22. Resnick D, Kyriakos M, Greenway GD. Tumors and tumor like lesions of bone: imaging and pathology of specific lesions. In: Resnick D, Kransdorf MJ, editors. Diagnosis of bone disorders. Philadelphia: WB Saunders Company; 2002. A etiologia tem sido descrita como uma mutação do gene que codifica a subunidade a da proteína Gs localizada no cromossomo 20q13.213.33. Fitzpatrick KA, Taljanovic MS, Speer DP, Graham AR, Jacobson JA, Barnes GR, et al. Imaging findings of fibrous dysplasia with histopathologic and intraoperative correlation. Am J Roentgenol. 2004;182(6):1389-98. A história natural da lesão depende da forma na qual se apresenta, muitas lesões são assintomáticas, outras podem ocasionar dor, deformidade óssea, fraturas, alterações funcionais, estéticas e degeneração maligna. A forma monostótica ocorre com maior predileção nos ossos longos, nas costelas, no rádio, poucos casos estão descritos na mão.11. DiCaprio MR, Enneking WF. Fibrous dysplasia. Pathophysiology, evaluation, and treatment. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(8):1848-64.,22. Resnick D, Kyriakos M, Greenway GD. Tumors and tumor like lesions of bone: imaging and pathology of specific lesions. In: Resnick D, Kransdorf MJ, editors. Diagnosis of bone disorders. Philadelphia: WB Saunders Company; 2002.,33. Fitzpatrick KA, Taljanovic MS, Speer DP, Graham AR, Jacobson JA, Barnes GR, et al. Imaging findings of fibrous dysplasia with histopathologic and intraoperative correlation. Am J Roentgenol. 2004;182(6):1389-98.and44. Snieders MN, van Kemenade FJ, van Royen BJ. Monostotic fibrous dysplasia of a lumbar vertebral body with secondary aneurysmal bone cyst formation: a case report. J Med Case Rep. 2009;3:7227. Os autores descrevem o resultado do tratamento e a evolução de um caso raro de displasia fibrosa monostótica localizada no segundo metacarpo da mão direita.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 14 anos, admitido no Hospital Sarah, apresentava lesão no dorso da mão direita de crescimento lento havia dois anos, sem queixa álgica, antecedente traumático ou alteração flogística local. No exame físico apresentava aumento de volume no dorso do II metacarpo, indolor, mobilidade e sensibilidade inalteradas. Foram feitos exames de radiografia, tomografia e ressonância magnética, evidenciou-se o comprometimento de toda a extensão do segundo metacarpo, preservou-se apenas a epífise distal, com áreas de lise óssea (fig. 1). A dosagem de C3 199,0, C4 38,5, de fosfatase alcalina e o RX de tórax foram normais. Submeteu-se a biópsia incisional, cujo laudo evidenciou displasia fibrosa. Submeteu-se a anestesia geral, bloqueio de plexo, garroteamento do membro superior com faixa de Esmarch com pressão de 200 mmHg e remoção de lesão do II metacarpiano direito e reconstrução com 5 cm de enxerto ósseo retirado da fíbula direita; manutenção da articulação MF do II dedo com margem local de um mm; fixação proximal do enxerto da fíbula com dois parafusos transcorticais de titânio e fixação distal com dois fios de Kirschner de 1 mm cruzados (fig. 2). O procedimento transcorreu sem sangramento. O material foi enviado para estudo anatomopatológico, cultura e antibiograma. Fez-se antibiótico profilático por 48 horas. Radiografia de controle pós-operatório (fig. 3). Imobilização com gesso circular antebraquiopalmar por seis semanas. Os fios de Kirschner foram removidos após seis semanas, após a consolidação do enxerto, e foi iniciado programa de fisioterapia. Os parafusos transcorticais foram removidos após cinco anos devido a queixas de dor local. O resultado do histopatológico evidenciou displasia fibrosa com o cariótipo 46,XY,add(6)(q27),t(14:21)(q22;p1?11.2)[4]/46,XY[12] (fig. 4). O tempo de seguimento foi de cinco anos sem recidiva tumoral e apresentou funcionalidade normal da mão operada.

Figura 1
Exame físico e radiológico que evidencia o tumor no II metacarpiano.

Figura 2
Transoperatório da exérese tumoral e reconstrução com enxerto de fíbula.

Figura 3
Controle radiológico da mão no pós-operatório.

Figura 4
Resultado do estudo anatomopatológico (HE, x200) que apresenta tecido fibroso em permeio a traves fibrosas.

Discussão

A displasia fibrosa ocorre em 7% dos tumores ósseos benignos, tem sua etiologia exata desconhecida. A forma monostótica é mais comum e os achados radiográficos não são específicos.55. Shah ZK, Peh WC, Koh WL, Shek TW. Magnetic resonance imaging appearances of fibrous dysplasia. Br J Radiol. 2005;78(936):1104-15.,66. Traibi A, El Oueriachi F, El Hammoumi M, Al Bouzidi A, Kabiri el H. Monostotic fibrous dysplasia of the ribs. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2012;14(1):41-3.and77. Hughes EK, James SL, Butt S, Davies AM, Saifuddin A. Benign primary tumours of the ribs. Clin Radiol. 2006;61(4): 314-22.

A etiologia do tumor permanece incerta, mas parece estar ligada a uma única mutação de nucleótido no gene Gsa no braço longo do cromossoma 20 (20q13.2-em 3), que resulta em uma perturbação do processo de diferenciação dos tecidos.11. DiCaprio MR, Enneking WF. Fibrous dysplasia. Pathophysiology, evaluation, and treatment. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(8):1848-64.and88. Kumta SM, Leung PC, Griffith JF, Kew J, Chow LT. Vascularised bone grafting for fibrous dysplasia of the upper limb. J Bone Joint Surg Br. 2000;82(3):409-12. Essa mutação ocorre em células somáticas algum momento após a fecundação e, portanto, não é herdada. O cromossoma 12 também tem sido implicado na patogênese da displasia fibrosa, mas, até agora, não houve alterações cromossômicas consistentemente demonstradas. As lesões nos ossos longos geralmente aparecem na metáfise como uma expansão intramedular e afinamento do córtex com aparência "esmerilada", mas, a depender da extensão do tecido fibroso e das alterações displásicas no osso, no grau de calcificação, os achados podem variar desde a forma esclerótica à radiolucente.33. Fitzpatrick KA, Taljanovic MS, Speer DP, Graham AR, Jacobson JA, Barnes GR, et al. Imaging findings of fibrous dysplasia with histopathologic and intraoperative correlation. Am J Roentgenol. 2004;182(6):1389-98.and77. Hughes EK, James SL, Butt S, Davies AM, Saifuddin A. Benign primary tumours of the ribs. Clin Radiol. 2006;61(4): 314-22. Clinicamente caracteriza-se pelo aumento de volume, ou é assintomático, o diagnóstico diferencial deve ser feito, como em vários tumores, inclusive sarcomas.

Radiograficamente, o diagnóstico diferencial pode incluir a doença de Paget, cistos ósseos solitários, cisto ósseo anuerismático, encondroma, adamantinoma, osteosarcoma intramedular de baixo grau, osteofibrodisplasia e tumor de células gigantes.33. Fitzpatrick KA, Taljanovic MS, Speer DP, Graham AR, Jacobson JA, Barnes GR, et al. Imaging findings of fibrous dysplasia with histopathologic and intraoperative correlation. Am J Roentgenol. 2004;182(6):1389-98. As alterações radiológicas que sugerem malignidade incluem regiões líticas em zonas anteriormente mineralizadas, calcificação intralesional, reação periosteal, rompimento da cortical e crescimento de massa tumoral em partes moles. Alguns aspectos dessas alterações foram vistos no pré-operatório do caso acima descrito. Ademais, vale ressaltar a necessidade de biópsia pré-operatória para o diagnóstico de tumores ósseos.

A transformação maligna ocorre com rápida expansão óssea, em cerca de 0,5% dos pacientes com displasia fibrosa monostótica e 4% em pessoas portadoras da síndrome de McCune Albrigth,11. DiCaprio MR, Enneking WF. Fibrous dysplasia. Pathophysiology, evaluation, and treatment. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(8):1848-64.and22. Resnick D, Kyriakos M, Greenway GD. Tumors and tumor like lesions of bone: imaging and pathology of specific lesions. In: Resnick D, Kransdorf MJ, editors. Diagnosis of bone disorders. Philadelphia: WB Saunders Company; 2002. é mais comum o osteosarcoma. Outros tumores, como o fibrossarcoma, condrossarcoma ou histiocitoma fibroso maligno, também podem ser encontrados. Histologicamente, o osteossarcoma de baixo grau é mais celular, é mais atípico e com mais mitoses, com maior atividade do que a displasia fibrosa. Além disso, as espículas regularmente espaçadas de tecido ósseo visto na displasia fibrosa não estão presentes no osteossarcoma.22. Resnick D, Kyriakos M, Greenway GD. Tumors and tumor like lesions of bone: imaging and pathology of specific lesions. In: Resnick D, Kransdorf MJ, editors. Diagnosis of bone disorders. Philadelphia: WB Saunders Company; 2002.

O tratamento da displasia fibrosa para lesões assintomáticas e estáveis é o seguimento regular. A cirurgia está indicada apenas para biópsia de confirmação, correção de deformidades que ocorram, falha de terapia não cirúrgica, na prevenção de alterações patológicas e/ou na erradicação de lesões sintomáticas.11. DiCaprio MR, Enneking WF. Fibrous dysplasia. Pathophysiology, evaluation, and treatment. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(8):1848-64.,99. Caso Martinez J, Agote Jemein JA, Arán Santamaría C, López Unzu A. Monostotic fibrous dysplasia in the hand. A case report. Ann Chir Main Memb Super. 1994;13(4): 282-4.,1010. Yanagawa T, Watanabe H, Shinozaki T, Takagishi K. Curettage of benign bone tumors without grafts gives sufficient bone strength. Acta Orthop. 2009;80(1):9-13.and1111. Remotti F, Feldman F. Nonneoplastic lesions that simulate primary tumors of bone. Arch Pathol Lab Med. 2012;136(7):772-88. Nos casos de fratura, o tratamento pode ser feito com a fixação fechada. Outras opções de tratamento são curetagem, curetagem e enxerto ósseo ou fixação interna.99. Caso Martinez J, Agote Jemein JA, Arán Santamaría C, López Unzu A. Monostotic fibrous dysplasia in the hand. A case report. Ann Chir Main Memb Super. 1994;13(4): 282-4.,1010. Yanagawa T, Watanabe H, Shinozaki T, Takagishi K. Curettage of benign bone tumors without grafts gives sufficient bone strength. Acta Orthop. 2009;80(1):9-13.and1111. Remotti F, Feldman F. Nonneoplastic lesions that simulate primary tumors of bone. Arch Pathol Lab Med. 2012;136(7):772-88. Os casos mais extensos podem necessitar de enxerto ósseo ou enxerto ósseo vascularizado.1212. Tang CH. Reconstruction of the bones and joints of the upper extremity by vascularized free fibular graft: report of 46 cases. J Reconstr Microsurg. 1992;8(4):285-92.

No relato de caso descrito, os autores ressaltam três aspectos importantes: o primeiro é a ocorrência no membro superior de displasia monostótica no segundo metacarpiano, área menos comum dessa ocorrência; segundo, a importância do diagnóstico diferencial com outras lesões, entre elas a degeneração maligna; e terceiro, o tratamento feito por meio de enxerto ósseo livre de cortical que permitiu o comprimento ósseo adequado do dígito e a funcionalidade normal da mão.

References

  • 1
    DiCaprio MR, Enneking WF. Fibrous dysplasia. Pathophysiology, evaluation, and treatment. J Bone Joint Surg Am. 2005;87(8):1848-64.
  • 2
    Resnick D, Kyriakos M, Greenway GD. Tumors and tumor like lesions of bone: imaging and pathology of specific lesions. In: Resnick D, Kransdorf MJ, editors. Diagnosis of bone disorders. Philadelphia: WB Saunders Company; 2002.
  • 3
    Fitzpatrick KA, Taljanovic MS, Speer DP, Graham AR, Jacobson JA, Barnes GR, et al. Imaging findings of fibrous dysplasia with histopathologic and intraoperative correlation. Am J Roentgenol. 2004;182(6):1389-98.
  • 4
    Snieders MN, van Kemenade FJ, van Royen BJ. Monostotic fibrous dysplasia of a lumbar vertebral body with secondary aneurysmal bone cyst formation: a case report. J Med Case Rep. 2009;3:7227.
  • 5
    Shah ZK, Peh WC, Koh WL, Shek TW. Magnetic resonance imaging appearances of fibrous dysplasia. Br J Radiol. 2005;78(936):1104-15.
  • 6
    Traibi A, El Oueriachi F, El Hammoumi M, Al Bouzidi A, Kabiri el H. Monostotic fibrous dysplasia of the ribs. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2012;14(1):41-3.
  • 7
    Hughes EK, James SL, Butt S, Davies AM, Saifuddin A. Benign primary tumours of the ribs. Clin Radiol. 2006;61(4): 314-22.
  • 8
    Kumta SM, Leung PC, Griffith JF, Kew J, Chow LT. Vascularised bone grafting for fibrous dysplasia of the upper limb. J Bone Joint Surg Br. 2000;82(3):409-12.
  • 9
    Caso Martinez J, Agote Jemein JA, Arán Santamaría C, López Unzu A. Monostotic fibrous dysplasia in the hand. A case report. Ann Chir Main Memb Super. 1994;13(4): 282-4.
  • 10
    Yanagawa T, Watanabe H, Shinozaki T, Takagishi K. Curettage of benign bone tumors without grafts gives sufficient bone strength. Acta Orthop. 2009;80(1):9-13.
  • 11
    Remotti F, Feldman F. Nonneoplastic lesions that simulate primary tumors of bone. Arch Pathol Lab Med. 2012;136(7):772-88.
  • 12
    Tang CH. Reconstruction of the bones and joints of the upper extremity by vascularized free fibular graft: report of 46 cases. J Reconstr Microsurg. 1992;8(4):285-92.
  • Trabalho desenvolvido no Hospital Sarah, Brasília, DF, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2015
  • Aceito
    08 Dez 2015
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br