RESUMO
Incompetência valvar com refluxo e síndrome pós-trombótica são os fatores mais comumente relacionados à doença varicosa. Outras raras etiologias podem ser levantadas quando essas duas principais causas são descartadas. Relatamos o caso de um homem jovem com dor crônica na tíbia esquerda, varizes em membros inferiores e erisipela de repetição. Durante investigação da etiologia das varizes foram solicitadas radiografias e ressonância da perna esquerda, que evidenciaram imagens sugestivas de uma lesão osteolítica na tíbia, mas que nos levaram ao diagnóstico de veia intraóssea com drenagem anômala, confirmado pelos exames vasculares de dopplerfluxometria venosa e flebografia. O reconhecimento dessa rara anomalia intraóssea é fundamental para o manejo adequado do paciente, não necessita de abordagem cirúrgica intraóssea.
Palavras-chave: Varizes; Drenagem; Infusões intraósseas/métodos
ABSTRACT
Valve failure with reflux and post-thrombotic syndrome are the factors most commonly correlated with varicose disease. Other rare etiologies can be put forward when these two main causes are ruled out. We report a case in which a young man presented chronic pain in the left tibia, varicose veins in the lower limbs and frequent occurrences of erysipelas. During investigation of the etiology of the varicose veins, radiographs and magnetic resonance imaging of the left leg were requested. These showed images suggestive of an osteolytic lesion in the tibia, but led us to the diagnosis of an intraosseous vein with anomalous drainage. This was confirmed through vascular examinations comprising Doppler venous flow measurement and phlebography. Recognition of this rare intraosseous anomaly is fundamental for proper patient management, but an intraosseous surgical approach is unnecessary.
Keywords: Varicose veins; Drainage; Intraosseous infusions/methods
Introdução
Varizes em membros inferiores estão presentes em 10-40% das pessoas de 30-70 anos. São associadas a condições que dificultam o retorno venoso, tais como gestação, sedentarismo e quadros de insuficiência venosa. Tem como principal substrato fisiopatológico o aumento da pressão no sistema venoso periférico. Anomalias congênitas do tecido endotelial venoso e células de músculo liso podem resultar na dilatação da parede venosa com insuficiência valvular secundária. No entanto, existe também evidência para apoiar a insuficiência valvular adquirida.1and2 Existem várias causas de varizes nos membros inferiores. Entre elas estão a insuficiência venosa da junção safenofemoral, safeno-poplítea ou veias perfurantes habituais. As varizes são classificadas de acordo com suas causas em usuais e não usuais. Dentre as causas não usuais estão descritas varicosidade vulvoperineal, perfurante intraóssea incompetente, varicosidade do ligamento redondo, veia ciática persistente incompetente, síndrome de Klippel-Trenaunay e vias colaterais portossistêmicas. Médicos devem estar familiarizados com a gama completa de causas primárias de varizes em membros inferiores e com suas manifestações radiológicas e devem reconhecer o papel complementar da venografia em sua avaliação.3and4
O reconhecimento dessa rara anomalia na drenagem venosa intraóssea é fundamental para o manejo adequado do paciente. O objetivo deste trabalho é relatar um caso raro de drenagem anômala intraóssea com varizes pré-tibiais que cursavam com dor crônica e edema de membros inferiores, de difícil diagnóstico, e cursavam com diminuição da qualidade de vida do paciente.
Relato do caso
Paciente masculino, 23 anos, obeso, morador de lixão em Goiânia (GO), atendido no pronto-socorro de Ortopedia do Hospital das Clínicas. Apresentava quadro de dor crônica em membros inferiores, mais intensa à esquerda, com dor à palpação da tíbia em terço médio, associado à erisipela de repetição, mas sem sinais flogísticos no momento, com edema crônico assimétrico à custa do membro inferior esquerdo (MIE), quadro sugestivo de insuficiência venosa crônica e varizes tronculares MIE (fig. 1). Havia passado em vários serviços sem elucidação diagnóstica ou tratamento específico, o que limitava sua qualidade de vida. Radiografias e TC de MIE evidenciaram lesão radiotransparente no terço médio da diáfise da tíbia com sinais de esclerose óssea adjacente, sugestiva de uma lesão osteolítica (fig. 1).
A, aspecto clínico de membro inferior esquerdo que mostra varizes calibrosas de trajeto tortuoso; B, aspecto radiográfico; C, corte tomográfico sagital que mostra imagem radiotransparente, osteolítica, com sinais de esclerose adjacente.
RM evidenciou aumento da vascularização intraóssea no terço médio da tíbia com drenagem anômala e varizes pré-tibiais (fig. 2). Dopplerfluxometria venosa evidenciou veias varicosas em todo o membro afetado. O paciente foi encaminhado ao serviço de cirurgia vascular, no qual foi indicado tratamento cirúrgico para correção da drenagem venosa, com ressecção das varizes e alívio da dor. Não foi necessária abordagem cirúrgica intraóssea.
Ressonância magnética: A, corte frontal em T1 que mostra imagem de vaso proeminente com hipossinal na topografia do terço médio da tíbia; B, veia perfurante que entra na tíbia com hiperssinal em T2, em corte sagital; C, varizes em grande quantidade nas partes moles adjacentes, com hiperssinal em T2.
Discussão
Boutin et al.1 relataram o primeiro caso de varizes intraósseas em 1997 e desde então foram relatados 13 casos. Todos apresentavam as mesmas características, com pacientes entre 23 e 75 anos e alterações unilaterais com sinais de insuficiência venosa. O paciente relatado enquadra-se nessa faixa etária, porém passou por vários serviços sem conclusão diagnóstica definitiva. Isso se deve à baixa prevalência dessa lesão, o que dificulta seu diagnóstico.
Todos os pacientes relatados eram adultos entre 23 e 75 anos e a maioria apresentou dor na parte inferior da perna. Apenas um paciente descrito apresentava drenagem venosa anômala intraóssea fibular.3 Todos os outros pacientes relatados apresentavam drenagem venosa anômala intraóssea tibial.1,2,3,4,5,6and7
Do ponto de vista radiológico, o aspecto mais importante para determinar a causa primária da insuficiência venosa seria demonstrar veias com incompetência valvular e analisar as características gerais das varizes. Dopplerfluxometria venosa é o exame com a capacidade de demonstrar dilatação venosa e incompetência valvular. Em varizes com morfologia complexa e/ou manifestações incomuns, ressonância magnética (RM), tomografia computadorizada (TC) ou venografia podem ser usadas para avaliação mais aprofundada. Venografia por TC, assim como venografia convencional, pode ser usada para demonstrar a característica da veia intraóssea dilatada, a qual está ligada às varizes.3and4
No entanto, a RM pode ser o método preferido para confirmar essa anomalia da drenagem venosa intraóssea, porque não usa radiação ionizante, é menos invasiva e oferece contraste superior de tecidos moles. Além disso, a ressonância magnética também pode ser usada para descartar outras anomalias vasculares que poderiam ser diagnósticos diferenciais, como malformação arteriovenosa (MAV), malformações venosas e hemangiomas.2and3 Notavelmente, diferenciar varizes e anomalia de drenagem venosa intraóssea é possível por aspectos clínicos, pois a malformação venosa tipicamente ocorre na infância ou no início de idade adulta e cresce proporcionalmente com a criança sem regressão.2
A causa e a importância clínica de varizes com anomalia de drenagem intraóssea ainda não são totalmente compreendidas. Foi levantada a hipótese de que uma drenagem auxiliar, pela via intraóssea, pode ser favorecida no cenário da insuficiencia venosa (por exemplo, em casos de trombose venosa profunda).5 Kwee et al.4 relataram o caso de um paciente com quadro de varizes de membro inferior unilateral proveniente de uma comunicação venosa entre o sistema venoso periférico do membro e uma veia intraóssea que causava dor crônica do membro acometido associado a varizes e sinais de insuficiência venosa crônica.
O diagnóstico dessa lesão pode ser feito com a soma de clínica e exames de imagem. A radiografia pode mostrar sinais de esclerose medular e defeitos na cortical impressos pelo trajeto do vaso comunicante. A tomografia evidencia essa comunicação, entretanto a ressonância magnética é o método mais sensível e preferível e nos permite diagnóstico com maior precisão do local de comunicação e suas repercussões. A venografia é um método auxiliar que permite um estudo detalhado do sistema venoso. O ultrassom seria o método padrão para avaliação vascular, porém as ondas são refletidas pela alta densidade do osso, o que restringe seu estudo ao doppler velocimétrico do membro, mostram-nos os sinais de insuficiência venosa que essa condição pode causar.3and4
A drenagem venosa intraóssea leva a um aumento da pressão no sistema venoso periférico que de modo consequente culmina com insuficiência das válvulas venosas e sinais de insuficiência. Como consequência, os pacientes apresentam volumosas varizes e um risco aumentado para fenômenos tromboembólicos. Por isso o tratamento cirúrgico das varizes deve ser instituído pela equipe da angiologia, sem necessidade de abordagem intraóssea da lesão.6and7
Referências bibliográficas
- 1 Boutin RD, Sartoris DJ, Rose SC, Plecha EJ, Bundens WP, Haghighi P, et al. Intraosseous venous drainage anomaly in patients with pretibial varices: imaging findings. Radiology. 1997;202(3):751-7.
- 2 Flors L, Leiva-Salinas C, Maged IM, Norton PT, Matsumoto AH, Angle JF, et al. MR imaging of soft-tissue vascular malformations: diagnosis, classification, and therapy follow- up. Radiographics. 2011;31(5):1321-40.
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- 7 Muller R. Ambulatory phlebectomy. Ther Umsch. 1992;49(7):447-50.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2016
Histórico
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Recebido
12 Out 2015 -
Aceito
13 Out 2015