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Reparo de ruptura bilateral simultânea do bíceps distal: relato de caso Trabalho desenvolvido no Serviço de Cirurgia de Ombro e Cotovelo, Hospital Ortopédico e Medicina Especializada (Home), Brasília, DF, Brasil

RESUMO

A ruptura bilateral simultânea dos tendões distais do bíceps é uma entidade rara, pouco relatada na literatura e com definição terapêutica pouco clara. Relatamos o caso de um homem branco de 39 anos que sofreu ruptura bilateral simultânea durante treino de academia em que ao pegar peso com os cotovelos em flexão de 90° sentiu dor súbita na face anterior dos braços e compareceu para avaliação após dois dias. Apresentava abaulamento do contorno do ventre muscular do bíceps braquial e equimose na região da fossa antecubital que se estendia distalmente para a face medial do antebraço, além de grande diminuição da força de supinação e dor à flexão ativa do cotovelo. Ressonância nuclear magnética (RNM) confirmou a ruptura com retração do bíceps distal, bilateralmente. Optou-se pelo reparo das lesões simultaneamente com a técnica de dupla incisão e fixação do tendão à tuberosidade bicipital com âncoras. O paciente evoluiu de forma bastante satisfatória, com retorno completo às atividades laborais e esportivas, está bastante satisfeito com o resultado após dois anos da cirurgia. Na pesquisa da literatura, foram achados muito poucos casos descritos de ruptura bilateral simultânea do bíceps distal. Desses, somente um foi tratado na fase aguda da lesão. Portanto, os autores consideram o procedimento descrito como uma boa opção para a resolução dessa complexa condição.

Palavras-chave:
Rotura/diagnóstico; Rotura/etiologia; Rotura/cirurgia; Traumatismos dos tendões

ABSTRACT

Simultaneous bilateral rupture of the distal biceps tendon is a rare clinical entity, seldom reported in the literature and with unclear therapeutic setting. The authors report the case of a 39-year-old white man who suffered a simultaneous bilateral rupture while working out. When weightlifting with elbows at 90° of flexion, he suddenly felt pain on the anterior aspect of the arms, coming for evaluation after two days. He presented bulging contour of the biceps muscle belly and ecchymosis in the antecubital fossa, extending distally to the medial aspect of the forearm, as well as a marked decrease of supination strength and pain in active elbow flexion. MRI confirmed the rupture with retraction of the distal biceps bilaterally. The authors opted for performing the tendon repairs simultaneously through the double incision technique and fixation to the bicipital tuberosity with anchors. The patient progressed quite well, with full return to labor and sports activities, being satisfied with the result after two years of surgery. In the literature search, few reports of simultaneous bilateral rupture of the distal biceps were retrieved, with only one treated in the acute phase of injury. Therefore, the authors consider this procedure to be a good option to solve this complex condition.

Keywords:
Rupture/diagnosis; Rupture/etiology; Rupture/surgery; Tendon injuries

Introdução

A ruptura bilateral simultânea dos tendões do bíceps distal é uma entidade extremamente rara, com poucos relatos na literatura e que pode levar a efeitos funcionais devastadores para o paciente.

A ruptura do bíceps distal unilateral apresenta várias opções de tratamento cirúrgico descritos na literatura, com variações na via de acesso, no tipo de sutura e no método de fixação. Com relação às rupturas bilaterais, não existe consenso quanto à técnica cirúrgica, ao momento da cirurgia ou ao protocolo de reabilitação.

Em nossa revisão da literatura, observamos pouquíssimos casos relatados de ruptura bilateral simultânea do bíceps distal. Destes, somente em um foi feito o tratamento cirúrgico ainda na fase aguda, porém fez-se a fixação com intervalo de seis semanas entre os procedimentos.11. Dacambra MP, Walker RE, Hildebrand KA. Simultaneous bilateral distal biceps tendon ruptures repaired using an endobutton technique: a case report. J Med Case Rep. 2013;23(7):213.

Descrevemos o caso de um paciente que apresentou ruptura dos tendões do bíceps distal dos dois membros simultaneamente ao fazer força de flexão do cotovelo contra resistência e foi tratado cirurgicamente para reparo das lesões num único procedimento.

Relato do caso

Paciente de 39 anos, sexo masculino, branco, destro, nos procurou com a história havia dois dias de dor súbita e deformidade na face anterior dos dois braços ao tentar pegar um peso na academia com os cotovelos flexionados em aproximadamente 90°.

Não apresentava antecedentes patológicos significativos nem histórico de dor prévia nos cotovelos. Fazia musculação apenas para prática esportiva e manutenção da saúde, não buscava grande hipertrofia muscular. Fazia tratamento com endocrinologista para reposição hormonal havia seis meses.

Ao exame físico observava-se deformidade óbvia na face anterior do braço com abaulamento do contorno do ventre muscular do bíceps braquial e equimose na região da fossa antecubital que se estendia distalmente para a face medial do antebraço. Apresentava dor à palpação e ausência do tendão do bíceps na face anterior dos dois cotovelos. Apresentava ainda grande diminuição da força de supinação e dor à flexão dos cotovelos. As funções neurológica e vascular estavam preservadas bilateralmente.

As imagens da ressonância nuclear magnética obtida na sequência mostravam sinais de ruptura completa dos tendões do bíceps distal com 5 cm de retração à direita e 4,6 cm à esquerda.

Após discussão do caso com o paciente e família, optou-se pelo tratamento cirúrgico de urgência e fez-se o reparo das lesões dos dois membros no mesmo procedimento.

A técnica usada para ambos os membros foi o de dupla incisão e fixação do tendão por meio de âncoras.

Técnica cirúrgica

O paciente foi posicionado na mesa cirúrgica na posição de decúbito dorsal horizontal, sem garrote. Iniciamos pelo membro superior direito. Fizemos incisão transversa de aproximadamente 3 cm na prega cubital anterior (fig. 1). O tendão do bíceps é facilmente capturado quando se afasta a pele para proximal e dos tecidos profundos. A porção degenerada mais distal do tendão foi ressecada e fizemos o reparo desse tendão com se ponto tipo Bunnell com fio não absorvível n° 5. Em seguida, palpamos a tuberosidade radial e passamos um pinça tipo Kelly curva através do túnel do tendão bicipital entre a ulna e o rádio e avançamos até sua ponta ser palpada no aspecto dorsal do antebraço proximal (fig. 2). Fizemos a segunda incisão sobre a pinça e expusemos a tuberosidade por meio de divulsão muscular com o antebraço em máxima pronação (fig. 3).

Figura 1 -
Marcação da incisão na prega cubital anterior.

Figura 2 -
Imagem intraoperatória que mostra proeminência da pinça tipo Kelly passada pelo túnel do bíceps.

Figura 3 -
Imagem intraoperatória que mostra exposição da tuberosidade radial.

Fizemos a escarificação da tuberosidade radial até essa mostrar-se sangrante. Foram posicionadas duas âncoras bioabsorvíveis de 2,9 mm duplamente carregadas e o tendão bicipital foi transportado através de seu túnel com o fio que o reparava. Os fios das âncoras foram passados pelo tendão para a sutura em U. Os pontos foram feitos com o antebraço pronado e o cotovelo em flexão de 90°. Após testada a estabilidade da fixação, foi feita a sutura da pele e o paciente foi imobilizado com tipoia nos dois membros.

A imobilização com tipoia foi mantida por uma semana e iniciou-se a partir daí o tratamento fisioterápico. Inicialmente foram feitos exercícios de flexão passiva e extensão ativa com o antebraço supinado, além de supinação passiva e pronação ativa até 50°. O paciente mantinha os membros na tipoia quando não fazia a fisioterapia. Essa fase se manteve até completar três semanas, quando se iniciou o ganho da flexão e supinação ativa sem carga e o paciente foi orientado a manter-se sem tipoia. Os exercícios de fortalecimento muscular foram iniciados após a sexta semana, com aumento progressivo da carga. Com três meses após a cirurgia, o paciente apresentava arco de movimento completo, sem dor, porém ainda com força muscular diminuída. Após o quarto mês, foi liberado para o retorno à academia para progressão do fortalecimento muscular. Aos cinco meses apresentava força muscular recuperada e completo retorno às atividades diárias.

Nossa última avaliação aconteceu dois anos após o procedimento. O paciente relatou ter recuperado 100% da função pré-lesão e completo retorno às atividades laborais e esportivas.

Discussão

A ruptura simultânea dos tendões do bíceps distal é um diagnóstico raro e o tratamento mais adequado para essa lesão depende de numerosos fatores. Bayat et al. 22. Bayat A, Neumann L, Wallace WA. Late repair of simultaneous bilateral distal biceps brachii tendon avulsion with fascia lata graft. Br J Sports Med. 1999;33(4):281-3. reportaram um caso de um alpinista de 50 anos vítima de ruptura bilateral simultânea enquanto escalava. Foi submetido a reconstrução com enxerto de fascia lata dois anos após a lesão, com seis meses de intervalo entre os dois membros. Bell et al. 33. Bell RH, Wiley WB, Noble JS, Kuczynski DJ. Repair of distal biceps brachii tendon ruptures. J Shoulder Elbow Surg. 2000;9(3):223-6. reportaram 26 casos de ruptura do bíceps distal, um dos quais de ruptura bilateral simultânea. Não foram relatados o tipo e o momento da cirurgia.

Rokito e Iofin44. Rokito AS, Lofin I. Simultaneous bilateral distal biceps tendon rupture during a preacher curl exercise: a case report. Bull NYU Hosp Jt Dis. 2008;66(1):68-71. relataram o caso de um halterofilista recreacional de 51 anos vítima de ruptura bilateral simultânea ao fazer exercício de rosca scott com 40 kg. Ele foi submetido ao reparo primário de um lado com sete semanas após a lesão, seguido da reconstrução com aloenxerto com 13 semanas pós-lesão no membro contralateral.

DaCambra et al. 11. Dacambra MP, Walker RE, Hildebrand KA. Simultaneous bilateral distal biceps tendon ruptures repaired using an endobutton technique: a case report. J Med Case Rep. 2013;23(7):213. descreveram o único caso encontrado em nossa pesquisa da literatura em que a lesão foi reparada bilateralmente ainda na fase aguda, porém de forma estagiada. Mostraram o caso de um paciente de 43 anos submetido ao reparo agudo inicialmente do membro direito e, seis semanas após, no membro esquerdo, ambos com a técnica de via única anterior com fixação por endobutton.

A literatura atual define como aguda as lesões com menos de seis semanas e crônicas as com mais de seis. Essa definição de seis semanas como limite é arbitrária, mas cria uma diretriz. Após esse período os reparos tornam-se cada vez mais difíceis.

Nosso caso se tratava de uma ruptura aguda, com poucos dias de lesão. Para evitar o risco de que o tendão necessitasse de reconstrução com transferência tendínea, optou-se pela cirurgia nos dois membros no mesmo tempo cirúrgico. Nenhum dos poucos casos descritos na literatura foi tratado dessa maneira. A decisão de se fazer realizar o reparo de ambas as lesões no mesmo procedimento ou de maneira estagiada deve ser tomada após avaliação de variáveis características do paciente, como a condição social, o nível de entendimento, o membro dominante, a ocupação e a saúde geral.11. Dacambra MP, Walker RE, Hildebrand KA. Simultaneous bilateral distal biceps tendon ruptures repaired using an endobutton technique: a case report. J Med Case Rep. 2013;23(7):213.

Vários estudos55. Baker BE, Bierwagen D. Rupture of the distal tendon of the biceps brachii. Operative versus non- operative treatment. J Bone Joint Surg Am. 1985;67(3):414-7.and66. Agins HJ, Chess JL, Hoekstra DV, Teitge RA. Rupture of the distal insertion of the biceps brachii tendon. Clin Orthop Relat Res. 1988;(234):34-8. têm demonstrado resultados satisfatórios com a técnica de dupla incisão de Boyd e Anderson.77. Boyd MM, Anderson LD. A method for reinsertion of the distal biceps brachii tendon. J Bone Joint Surg Am . 1961;43:1041-3. Entretanto, ela depende de tendão de comprimento suficiente para permitir sua fixação à tuberosidade radial. Apresentação tardia, retração proximal, possíveis alterações degenerativas e fibrose cicatricial ao redor podem trazer dificuldades para sua feitura por essa via.11. Dacambra MP, Walker RE, Hildebrand KA. Simultaneous bilateral distal biceps tendon ruptures repaired using an endobutton technique: a case report. J Med Case Rep. 2013;23(7):213. Em nosso caso, optamos por esse acesso devido à familiaridade mesmo e ao fato de a lesão ter acontecido havia poucos dias.

Conclusões

Nosso paciente apresentou excelente resultado funcional num seguimento de dois anos, com completo retorno às atividades laborais e esportivas, e se sente 100% recuperado em relação à função pré-lesão. Descrevemos o que acreditamos ser o primeiro caso descrito na literatura de uma ruptura aguda bilateral simultânea do bíceps distal reparada com sucesso no mesmo tempo cirúrgico com técnica de dupla incisão e fixação com âncoras, o que representa uma opção válida para essa desafiadora condição.

References

  • 1
    Dacambra MP, Walker RE, Hildebrand KA. Simultaneous bilateral distal biceps tendon ruptures repaired using an endobutton technique: a case report. J Med Case Rep. 2013;23(7):213.
  • 2
    Bayat A, Neumann L, Wallace WA. Late repair of simultaneous bilateral distal biceps brachii tendon avulsion with fascia lata graft. Br J Sports Med. 1999;33(4):281-3.
  • 3
    Bell RH, Wiley WB, Noble JS, Kuczynski DJ. Repair of distal biceps brachii tendon ruptures. J Shoulder Elbow Surg. 2000;9(3):223-6.
  • 4
    Rokito AS, Lofin I. Simultaneous bilateral distal biceps tendon rupture during a preacher curl exercise: a case report. Bull NYU Hosp Jt Dis. 2008;66(1):68-71.
  • 5
    Baker BE, Bierwagen D. Rupture of the distal tendon of the biceps brachii. Operative versus non- operative treatment. J Bone Joint Surg Am. 1985;67(3):414-7.
  • 6
    Agins HJ, Chess JL, Hoekstra DV, Teitge RA. Rupture of the distal insertion of the biceps brachii tendon. Clin Orthop Relat Res. 1988;(234):34-8.
  • 7
    Boyd MM, Anderson LD. A method for reinsertion of the distal biceps brachii tendon. J Bone Joint Surg Am . 1961;43:1041-3.
  • Trabalho desenvolvido no Serviço de Cirurgia de Ombro e Cotovelo, Hospital Ortopédico e Medicina Especializada (Home), Brasília, DF, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2016
  • Aceito
    05 Fev 2016
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