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As incertezas do futuro

EDITORIAL

As incertezas do futuro

"Quando tudo mais estiver perdido ainda restará o futuro"

(Bovee)

Sentimos hoje, talvez, a mais alta incerteza quanto ao futuro dos médicos e da medicina brasileira. Os últimos anos foram marcados por alterações profundas em todos setores ligados com a área de saúde.

A começar pelo ensino médico, que envolve até o momento 156 escolas. As últimas cinqüenta e cinco foram criadas apenas neste começo de século, sem passar por uma análise criteriosa da necessidade social dos cursos, mas tão somente para atender a interesses políticos e regionais. O Brasil ocupa hoje, o topo do ranking mundial de escolas médicas deixando para trás a China com 150, a Índia com 140 e os EUA com 125.

Num país que, em 1960 tinha 29 escolas médicas, esse "festival" de novos cursos é simplesmente trágico. Assim, a expectativa de formação anual de profissionais médicos fica em torno de 13 mil. Chegaremos ao ano 2.010 com 60.000 novos médicos. Ainda mais, cerca de 2.500 brasileiros estudam medicina na Bolívia, 500 em Cuba e outro tanto na Argentina. Caso não consigam transferência durante o curso, depois de formados voltarão ao Brasil em busca da revalidação de seus diplomas para aqui exercerem a profissão. Enquanto isso, os EUA voltam a se preocupar com o número excessivo de escolas médicas e a quantidade de profissionais especialistas, pois há sinais de desemprego em curto prazo.

Os serviços públicos de saúde, há anos capengando, sofrem a triste e permanente falta de verbas. A incompetência gerencial e o manuseio irregular das verbas destinadas à saúde estão levando o sistema à falência total, com perda e desvios de milhões de reais. Por sua vez, os hospitais públicos e os mantidos pelas universidades estão à míngua, sucatados e sem recursos lutando para subsistirem. Ao terem, como única opção, atender pacientes do SUS, lastreada por uma tabela de honorários ridícula e aviltante que não cobre sequer os custos, leva-os ao desespero e à pré-insolvência. A população carente, então, fica jogada à própria sorte, humilhada, descrente do seu "direito de cidadania". Os prestadores de serviços amargam ter de brincar com o governo de "fingirem que atendem e eles fingindo que pagam."

Dentro desse caos sem precedentes cresceram todos os tipos de planos e seguros de saúde, apostando cada vez mais na falência dos serviços públicos de saúde. A regulamentação dos planos e sistema de saúde, apesar dos esforços das entidades médicas e dos órgãos de defesa do consumidor, acabou por atender exclusivamente aos interesses das grandes seguradoras e empresas de medicina de grupo.

Se este quadro não se modificar, o futuro poderá nos trazer uma triste realidade: os médicos, pela excessiva quantidade, caminhando para a banalização e a medicina brasileira transformada numa prática lucrativa, um negócio como qualquer outro. A ética, o idealismo, o espírito sacerdotal e relacionamento médico-paciente simplesmente serão jogados... "no lixo"

Dr. Antonio Celso Nunes Nassif é médico. Professor livre-docente da UFPR. Foi presidente da associação médica brasileira.

acnnassif@netpar.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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