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Uma síndrome psicótica não afetiva após o início da terapia antiretroviral

CARTA AOS EDITORES

Uma síndrome psicótica não afetiva após o início da terapia antiretroviral

R Navinés, MD, PhDI,II; J Blanch, MD, PhDI,II; A Rousaud, PhychI; J Moreno-España, MDI; R Martín-Santos, MD, PhDI,II,III

IClinical Institute of Neurosciences, Hospital Clínic, IDIBAPS, Barcelona, Spain

IICIBERSAM, Hospital Clínic, Barcelona, Spain

IIIDepartment of Psychiatry and Psychobiology, Universitat de Barcelona

Prezados Editores,

É de amplo conhecimento que diversas drogas antirretrovirais podem induzir transtornos neuropsiquiátricos.1,2 Os sintomas mais frequentes incluem insônia, sonhos perturbadores, nervosismo e depressão. Outras drogas antivirais, como interferon-α3 ou zidovudine,4 podem precipitar efeitos neuropsiquiátricos semelhantes. Também já foram descritas reações neuropsiquiátricas, associadas principalmente a estados afetivos maníacos.5 O caso observado foi de uma síndrome psicótica não afetiva associada a um regime antirretroviral contendo tenofovir mais emcitrabina, que não havia sido descrita anteriormente para qualquer dessas drogas. A supressão dessas drogas antirretrovirais, mas não o tratamento antipsicótico, levou à remissão dos sintomas.

Relato de caso

A Srta. A., uma mulher de 24 anos com infecção por HIV assintomática que nunca havia feito uso de drogas antirretrovirais, com carga viral de 87.082 cópias/mL e contagem de linfócitos CD4+ de 490 x 106 células/L, começou a receber tratamento antirretroviral com emcitrabina 200 mg mais tenofovir disoproxil 245 mg a cada 24 h e lopinavir 400 mg a cada 12 h mais ritonavir 100 mg a cada 12 h. A Srta. A. fora diagnosticada como HIV-positiva há dois anos. Ela não tinha história de doenças oportunistas nem de outros transtornos relacionados à infecção por HIV. Ela teve história de três anos de dependência de opiáceos, com terapia de substituição por metadona, 90 mg/dia. Além disso, ela havia relatado um transtorno de déficit de atenção e hiperatividade quando criança e um pai com dependência ao álcool.

Aproximadamente um mês após o início do regime antirretroviral a Srta. A. começou a se sentir observada e seguida por alguém. Ele começou a ouvir vozes e passou a acreditar em algum complô contra ela. Ela preservou parcialmente o insight quanto a essas crenças e não manifestou intenções de causar dano a si própria ou a outras pessoas nessa época. Os resultados do exame neurológico e do exame físico geral, assim como os de testes laboratoriais de rotina, não revelaram alterações significativas. A RM do cérebro não demonstrou alterações significativas. Como ela se queixou também de diarreia, seu tratamento com lopinavir foi trocado para danuravir, 600 mg a cada 12 h. Ao ser encaminhada ao nosso departamento de psiquiatria a Srta. A. já era tratada com amisulpiride 800 mg/dia e ziprasidona 60 mg/dia, prescritos um mês antes pelo médico do Programa de Manutenção com Metadona. Aumentamos o amisulpiride para 1.200 mg/dia e marcamos nova consulta para ela em quatro semanas.

A seguir a Srta. A. referiu tomar essa dose durante três semanas, com melhora de seu nível de ansiedade, porém sem resolução dos sintomas psicóticos. Nessa ocasião ela estava reconhecidamente grávida e o tratamento antirretroviral foi trocado para combivir (zidovudine 300 mg e lamivudine [3TC] 150 mg) a cada 12 h, ritonavir 100 mg a cada 12 h e saquinavir 1.000 mg a cada 12 h. Além disso, ela decidiu suspender o tratamento antipsicótico porque seus sintomas psicóticos não melhoraram. Na consulta seguinte a paciente e sua família explicaram que duas semanas depois dela iniciar o novo regime antirretroviral e suspender a terapia antipsicótica o estado mental dela começou a melhorar. E os sintomas psicóticos anteriormente referidos desapareceram. A avaliação psicopatológica demonstrou que ela estava em remissão clínica. Dois meses depois, em acompanhamento, ela continuava em remissão e com o mesmo tratamento antirretroviral.

Em nossa opinião a ocorrência da síndrome psicótica implica claramente a terapia antirretroviral. Nós descartamos interações medicamentosas metadona-drogas antirretrovirais, pois a paciente não mencionou a síndrome de abstinência a opioides durante esse período. Ritonavir permaneceu constante durante todo o período de tratamento. Os sintomas psiquiátricos persistiram após a suspensão de lopinavir e danuravir foi introduzido posteriormente. Portanto, essas drogas não foram a causa e a psicose poderia ser consequente a uma interação não explicada entre tenofovir e emcitrabina ou um raro efeito colateral relacionado a essas duas drogas. A incidência desses efeitos colaterais precisa ser avaliada em estudos de grandes amostras populacionais ou em estudos farmacocinéticos.

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Agradecimentos

Esse trabalho foi apoiado pelo grant: Generalitat de Catalunya SGR2009/1435.

Referências

  • 1. Arendt G, de Nocker D, von Giesen HJ, Nolting T. Neuropsychiatric side effects of efavirenz therapy. Expert Opin Drug Saf. 2007;6:147-54.
  • 2. Allavena C, Le Moal G, Chistophe M, Chiffoleau A, Raffi F. Neuropsychiatric adverse events after switching from an antiretroviral regimen containing efavirenz without tenofovir to an efavirenz regimen containing tenofovir : a report of nine cases. Antiviral Therapy. 2006;11:263-5.
  • 3. Navinés R, Castellví P, Solà R, Martín-Santos R. Peginterferon and ribavirin-induced bipolar episode successfully treated with lamotrigine witout discontinuation of antiviral therapy. Gen Hosp Psychiatry. 2008;30:387-9.
  • 4. Maxwell S, Scheffer WA, Kessler HA, Busch K. Manic syndrome associated with zidovudine treatment. JAMA. 1988;259:406-7.
  • 5. Blanch J, Corbella B, García F, Parellada E, Gatell JM. Manic syndrome associated with efavirenz overdose. Clin Infect Dis. 2001;15:270-1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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