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Práticas psicoterápicas na infância e na adolescência

LIVRO

Práticas psicoterápicas na infância e na adolescência

Organizadores:

Francisco B. Assumpção Jr.; Diva Reale

São Paulo: Manole Editora Ltda, 2002, 309 páginas.

ISBN: 85-204-1396-X

Maria Cecília Fernandes Silva

Serviço de Psicologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Estudos com relação ao desenvolvimento infantil são bastante recentes na história da humanidade. Até uma época próxima ao século XX, as crianças eram tratadas como pequenos adultos. Recebiam cuidados especiais apenas em idade muito precoce e a partir dos três ou quatro anos participavam das mesmas atividades que os adultos. No início do século XX, a partir das revelações de Freud sobre a importância dos primeiros anos de vida na estruturação do psiquismo do indivíduo adulto, o reconhecimento do tratamento de crianças começou a adquirir bases mais sólidas. Além de derrubar o mito do homem racional, através da descoberta dos processos inconscientes, Freud introduziu todo universo da sexualidade infantil.

Ao considerar-se a recente atenção dirigida às práticas em psiquiatria infantil, o leitor encontrará nessa nova publicação mais uma importante contribuição para esse campo de conhecimento e atuação tão fundamental e controverso pela própria complexidade que o tema envolve. Dividido em três partes, o livro pretende: fundamentar a prática da psicoterapia (parte I); descrever e discutir possíveis modalidades de intervenção (parte II) e; apresentar modelos assistenciais específicos para alguns transtornos do desenvolvimento infantil com a preocupação de descrever diferentes abordagens diante de diferentes quadros clínicos (parte III).

Após a "Apresentação" de Assumpção, na qual o autor enfatiza a importância de se valorizar a intersecção de diversas formas de pensamento na Psiquiatria Infantil, inicia-se a primeira parte do livro, "A Prática Fundamentada", dividida em quatro capítulos. Nesse momento observa-se uma preocupação dos autores quanto à definição do conceito de psicoterapia, assim como suas bases epistemológicas no campo da filosofia. Uma discussão sobre os preceitos éticos envolvidos no atendimento de crianças e adolescentes e as vicissitudes desse trabalho dentro da Instituição também são temas pertencentes a esse primeiro bloco. Parece importante referendar a importância que é dada à comunicação terapêutica como um instrumento de transformação e adaptação do indivíduo. Sem essa premissa não há possibilidade de se estabelecer uma relação e viabilizar qualquer trabalho terapêutico. A discussão sobre a necessidade de um trabalho ético, como contraponto ao utilitarismo, também oferece ao leitor a oportunidade de questionar-se sobre sua prática e considerar a importância do paciente e suas idiossincrasias em qualquer tipo de assistência que se pretenda oferecer.

A segunda parte do livro, "Das Práticas Psicoterápicas", vai abordar, num âmbito mais amplo, a psicoterapia dirigida à criança e ao adolescente, a terapia familiar e a psicoterapia de grupo. Encontra-se nesse segmento interessante diferenciação entre psiquiatria, psicanálise e psicoterapia em relação à perspectiva de cura. Questiona-se o conceito de psicoterapia e destaca-se a importância de se reconhecer o processo terapêutico como a expansão do conhecimento de si mesmo e o desenvolvimento de melhores condições emocionais e mentais do indivíduo. Outra importante contribuição é o momento onde se define de forma precisa o conceito de adolescer e expõe-se, através de exemplos clínicos e boa articulação teórica, as vicissitudes do diagnóstico e tratamento dos adolescentes, originalmente considerando a importância do estado mental do analista assim como sua necessidade de supervisões para um bom acompanhamento desses pacientes. Ainda nessa parte, observa-se a indicação da psicoterapia dinâmica breve para os adolescentes, desde que se preserve os requisitos básicos para tal intervenção, como por exemplo a necessidade de uma indicação muito precisa, a possibilidade da eleição de um foco e a tolerância à incompletude do trabalho. A terapia familiar e o processo terapêutico em grupo oferecem ao leitor a oportunidade de uma reflexão sobre o alcance dessas práticas e das dificuldades encontradas.

Na terceira e última parte do livro, "A Especificidade das Práticas", tem-se a impressão de que há uma grande necessidade de se abordar "a doença" em questão, principalmente na indicação praticamente incontestável da terapia cognitiva comportamental no atendimento dos quadros de fobia e de transtorno obsessivo-compulsivo. Parece que "o sujeito" que está por trás de sua sintomatologia não é devidamente abordado em sua completude. Sabe-se da direta relação entre cognição e comportamento, contudo a existência dos aspectos afetivos e emocionais insere uma complexidade maior na compreensão do paciente, principalmente em relação às questões estruturais do indivíduo, fatores essenciais na formação desses pensamentos e comportamentos. Parece haver uma certa ingenuidade ao considerar-se que "o problema" está resolvido com a remissão desse ou daquele comportamento/pensamento. O que levou o paciente a chegar a essa dinâmica de funcionamento envolve processos mais complexos que mereceriam outro tipo de discussão e abordagem. Sobre a psicoterapia da drogadição e do abuso na infância e adolescência, o leitor encontrará textos bem articulados que abordam essas questões sob vários aspectos, bem como considerações sobre as possíveis causas desses comportamentos, assim como a indicação ou não da psicoterapia, as metas a serem atingidas e a relevância de um forte vínculo de confiança na figura do terapeuta.

Não há dúvidas sobre a importante contribuição dessa publicação a todos os profissionais que, de alguma forma, pretendem atender com ética, seriedade e comprometimento, crianças e adolescentes nas condições mais adversas que a vida lhes impõe. O texto oferece uma contribuição importante no manejo das dificuldades encontradas diante de diagnósticos tão graves e de difícil abordagem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Mar 2003
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