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Envelhecimento populacional na América Latina: demência e transtornos relacionados

EDITORIAL

Envelhecimento populacional na América Latina: demência e transtornos relacionados

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial, que está ocorrendo em ritmos diferentes nas diversas partes do mundo. Entre 1997 e 2007, a população brasileira total aumentou em 21,6%, sendo que o número de pessoas com 65 anos ou mais aumentou em 49,2% e o número de pessoas acima dos 85 anos aumentou em 65% (fonte: IBGE). Estima-se que o Brasil terá aproximadamente 30 milhões de pessoas acima dos 65 anos em 2030. A incidência de doenças crônicas, como câncer e doenças cardiovasculares, que estão ligadas ao envelhecimento está aumentando, e o reconhecimento desse dado está começando a torná-las prioridade na saúde pública. A demência é uma das principais causas de incapacidade durante o envelhecimento, mas sua importância segue sendo subestimada. É importante compreender a contribuição da demência em comparação com outras doenças crônicas. De acordo com os números da Carga Global de Doenças (Global Burden of Disease - GBD) no relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde) de 2003, estima-se que a demência contribuiu com 11,2% de todos os anos vividos com incapacidade por pessoas com 60 anos de idade ou mais. Essa porcentagem é maior que a de infarto (9,5%), outras doenças cardiovasculares (5,0%), distúrbios músculo-esqueléticos (8,9%) e todas as formas de câncer. Além disso, a demência tem um impacto devastador para os indivíduos, as famílias e a sociedade.

Existem mais de 24 milhões de pessoas vivendo com demência no mundo e aproximadamente 1 milhão no Brasil. A previsão é que esses números dobrem a cada 20 anos.1 O custo econômico da demência é enorme, e boa parte desse custo deve-se ao cuidado fornecido por cuidadores informais de idosos e familiares, que muitas vezes se veem obrigados a reduzir as horas de trabalho remunerado para poderem realizar as tarefas relacionadas ao cuidado. Em um estudo original, realizado no Rio de Janeiro, Truzzi e colegas2 analisaram diversos aspectos relacionados às dificuldades nos cuidados de uma pessoa com demência. Nessa pesquisa, eles constataram uma alta proporção de mulheres - geralmente esposas ou filhas - realizando tais trabalhos. Os autores enfatizaram então a importância de abordar os sintomas comportamentais e psicológicos de pessoas com demência assim como a depressão dos cuidadores - por serem estes fatores fonte importante de esgotamento emocional destes últimos. Compreender os diversos aspectos envolvidos nos cuidados de uma pessoa com demência é o primeiro passo para reduzir o estresse dos cuidadores, que por sua vez tem consequências importantes para o paciente e seus familiares. O estresse associado ao trabalho de cuidar de pessoas com demência não só afeta a saúde do cuidador, incluindo o risco aumentado de mortalidade, como também tem efeitos indiretos relevantes na vida do paciente. Reduzir o estresse dos cuidadores pode melhorar a qualidade dos cuidados prestados e diminuir o número de admissões hospitalares dos pacientes, entre outras consequências.

Apesar do seu impacto, a demência ainda é uma condição negligenciada. Muitos casos de demência não são identificados na comunidade e, portanto, permanecem sem tratamento. Não existe cura para a demência, mas muito pode ser feito pelos pacientes e por seus cuidadores. Esforços consideráveis têm sido feitos em relação às intervenções não farmacológicas, que podem beneficiar tanto os pacientes quanto os cuidadores, e algumas dessas intervenções têm resultados promissores. O uso de 'terapia de reminiscência' (TR) para as pessoas com demência, por exemplo, tem um histórico longo e tem sido recomendada por diretrizes como as do NICE (National Institute for Health and Clinical Excellence - http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/10998/30318/30318.pdf) para a depressão entre as pessoas com demência. Entretanto, as evidências nem sempre tem sido consistentes. O Dr. Serrani Azcura3 conduziu ensaio clínico controlado e randomizado de uma intervenção de reminiscência para pessoas com demência, usando uma abordagem de história de vida. Essa pesquisa mostrou resultados promissores em relação à qualidade de vida e o envolvimento social das pessoas com demência. Contudo, ainda existe uma necessidade de outros ensaios clínicos bem desenhados utilizando protocolos padronizados, para que os resultados possam ser comparados e agrupados, permitindo conclusões mais sólidas em benefício dos pacientes e suas famílias.

Embora a maioria dos idosos viva em países de renda baixa e média, a maior parte das pesquisas sobre envelhecimento e doenças crônicas como a demência foram realizadas em países de alta renda.1 Esta realidade está mudando, com países como o Brasil e outros países latino-americanos fazendo contribuições substanciais neste campo. Três estudos nesta edição da RBP são exemplos dos trabalhos relevantes realizados nesta região: os estudos citados acima e o estudo de Bambuí,4 que é uma análise secundária de um estudo de coorte de base populacional envolvendo pessoas com 60 anos ou acima, com mais de 10 anos de acompanhamento. Este estudo de coorte tem contribuído para diversas áreas, desde doenças cardiovasculares e desigualdades na saúde até genética e saúde mental no final da vida entre idosos brasileiros. Nesta análise, Quintino-Santos et al.4 mostraram que a homozigose para o alelo E4 da APOE está associada ao pior desempenho cognitivo. Apesar de algumas limitações, como o uso de um único indicador de desempenho cognitivo (a versão brasileira do mini exame do estado mental [MEEM]), este estudo contribui para a evidência de um efeito genético dose-dependente do alelo E4 da APOE no desempenho cognitivo. Uma análise mais aprofundada deste extenso banco de dados, usando informações de medida transversal bem como informações dos diversos anos de acompanhamento sobre o declínio cognitivo ao longo do tempo, será um desdobramento bem-vindo. Também é importante a realização de outros estudos sobre envelhecimento e saúde mental, que possam contribuir para aumentar a conscientização, ajudar na elaboração de políticas de saúde e incentivar a criação de serviços eficazes, que atendam às necessidades desse setor da população.

Cleusa P. Ferri

Professora Afiliada,

Universidade Federal de São Paulo

Referências

  • 1. Ferri CP, Prince M, Brayne C, Brodaty H, Fratiglioni L et al. Global prevalence of dementia: a Delphi consensus study. Lancet. 2005;366:2112-7.
  • 2. Truzzi A, Valente L, Ulstein I, Engelhardt E, Laks J et al. Burnout in familial caregivers of patients with dementia. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34:405-12.
  • 3. Azcurra DS. A reminiscence program intervention to improve quality of life of long term care residents with Alzheimer's disease. A randomized controlled trial. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34:422-33.
  • 4. Quintino-Santos S, Lima-Costa M, Uchoa E, Araujo Firmo J, Costa E. Homozygosity for the APOE E4 allele is solely associated with lower cognitive performance in Brazilian community-dwelling older adults - The Bambuí Study. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34:440-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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