Resumos
Este artigo visa conceituar e descrever o conceito de gerenciamento de caso clínico inicial aplicado ao tratamento de dependentes do álcool e suas principais etapas, bem como ressaltar as funções do gerente de caso, a importância do primeiro contato, averiguar a motivação para tratamento e algumas sugestões de metas e atividades para incentivar a aderência ao tratamento.
Bebidas alcoólicas; Terapia; Reabilitação; Aconselhamento; Gerenciamento clínico
This article aims is to conceptualize and describe the main steps in case management applied to the treatment of alcohol dependence. It is important to note the case manager functions, the importance of the first appointment, check the motivation to the treatment, some goals and activities suggestions for adherence reinforcement.
Alcoholic beverages; Treatment; Therapy; Counseling; Disease management
Gerenciamento de caso aplicado ao tratamento da dependência do álcool
Neliana Buzi FiglieI; Ronaldo LaranjeiraII
IAmbulatório de Dependência do Álcool da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) Departamento de Psiquiatria UNIFESP
IIUnidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) Departamento de Psiquiatria UNIFESP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Neliana Buzi Figlie Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD), UNIFESP/EPM Depto. de Psiquiatria Rua Borges Lagoa, 564 conj 44 Vila Clementino, 04038-001 São Paulo, SP, Brasil Tel./Fax.: (11) 5579-0640 E-mail: neliana@psiquiatria.epm.br
RESUMO
Este artigo visa conceituar e descrever o conceito de gerenciamento de caso clínico inicial aplicado ao tratamento de dependentes do álcool e suas principais etapas, bem como ressaltar as funções do gerente de caso, a importância do primeiro contato, averiguar a motivação para tratamento e algumas sugestões de metas e atividades para incentivar a aderência ao tratamento.
Descritores: Bebidas alcoólicas. Terapia. Reabilitação. Aconselhamento. Gerenciamento clínico.
Introdução
Evidências sugerem que o gerenciamento de caso ou, no inglês, "case management", tem sido uma poderosa intervenção para assistir pessoas que possuem problemas psicossociais, incluindo doenças mentais crônicas, idade avançada e distúrbios emocionais infantis.1,2,3 Mais recentemente, este tipo de abordagem tem sido adaptado ao trabalho com dependência química.4,5
Em linhas gerais, o gerenciamento de caso pode ser definido como um conjunto de intervenções que visam facilitar o desfecho no tratamento. Algumas das funções relevantes dentro deste contexto são: 1) Identificar as necessidades específicas, determinando os pontos fortes e fracos, bem como as necessidades do cliente; 2) Planejar, desenvolvendo uma proposta específica para cada cliente; 3) Estabelecer uma conexão com outros serviços, seja na rede formal ou informal de serviços de saúde; 4) Monitorar e avaliar o caso, visualizando os progressos obtidos; 5) Facilitar o amparo legal em caso de necessidade.6,7,8 Embora estas funções tenham sido largamente aceitas em serviços de saúde, não existe um consenso operacional das definições destas funções.9 Estas descrevem o que os gerentes de caso fazem, mas não como eles fazem, uma vez que não podemos descartar a influência de variáveis como objetivos do serviço, tipo de serviço, população-alvo, características sócio-demográficas, entre outras que dificultariam a normatização de um consenso sobre o "como fazer".
O gerenciamento de caso popularizou-se sem um protocolo específico, uma vez que ele depende da diversidade de adaptações às circunstâncias locais e culturais. No entanto, este artigo se propõe a discutir os desafios práticos da implementação do gerenciamento de caso aplicado ao tratamento de dependentes de álcool.
Gerenciamento de caso no tratamento da dependência química
Marshman10 descreveu as funções do gerenciamento de caso especificamente no contexto da dependência química:
1) Fornecer suporte individualizado aos clientes e seus familiares;
2) Auxiliar o cliente na solução de problemas;
3) Auxiliar no suporte da família e empregabilidade do cliente;
4) Facilitar o acesso entre o cliente e o tratamento;
5) Facilitar o acesso do cliente a interconsultas para tratamentos específicos em caso de necessidade;
6) Manter-se alerta às mudanças nas necessidades e problemas do cliente durante o curso do tratamento;
7) Garantir ao cliente que ele poderá ser contatado e encorajado a retornar ao tratamento em caso de abandono;
8) Reforçar e dar continuidade ao processo de tratamento, em modo menos intensivo, dando seguimento ao tratamento no sentido de fornecer suporte na reabilitação do cliente na comunidade, identificando precocemente futuras dificuldades.
No planejamento do gerenciamento de caso é importante levar em conta a duração, intensidade, avaliação e tipo de serviço, tendo em mente:
1) Público-alvo: As características da população-alvo podem ser determinantes no tipo de programa de gerenciamento de caso. Características como idade, sexo, raça, severidade e cronicidade dos problemas são considerações importantes na definição do programa. Por exemplo: quando uma alta proporção de clientes faz parte de uma minoria ética, uma importante consideração no planejamento do gerenciamento de caso é o que o programa pode realizar em termos éticos e culturais, no sentido de viabilizar a reabilitação do cliente.
2) Objetivos: Os objetivos do programa são importantes para a evitar desentendimentos na implementação. Dependem da população-alvo e da definição do problema. Por exemplo: distinguir um consumo alcoólico nocivo de uma dependência de álcool é fundamental para definir os objetivos no tratamento pertinentes ao cliente; a definição de sucesso no tratamento é diferente para um morador de rua quando comparado a um cliente de classe média.
Existem determinadas áreas que sofrem impacto direto das conseqüências do consumo de álcool. Dentre elas, destacam-se: padrão de consumo alcoólico, trabalho, saúde física e emocional, problemas legais, estabilidade na moradia e a satisfação do cliente. Ao identificar qual destas áreas é a mais problemática para o cliente, o profissional estabelece como foco a solução de problemas na área específica, visando à obtenção de sucesso no tratamento, aliada à questão do consumo alcoólico.
3) Ambiente: O ambiente, ou setting, pode ser determinante no desfecho do tratamento. Estudos têm demonstrado11 que a efetividade do gerenciamento de caso tem mais a oferecer com o envolvimento do serviço no ambiente em que ele se encontra do que o gerenciamento de caso per se. Quanto maiores forem as conexões do profissional com outros serviços sejam estas formais ou informais , maior será a qualidade do tratamento.
4) Modelo administrativo: é consenso de uma equipe interativa e multidisciplinar que traz vantagens para o gerenciamento de caso, uma vez que possibilita a troca de diferentes pontos de vista para gerenciar problemas, aumentando a criatividade e energia, evitando, desta forma, atuações isoladas.
5) Gerente de caso: O perfil de um gerente de caso inclui formação acadêmica, identidade profissional, compromisso com a filosofia do local de tratamento, conhecimento e experiência sobre dependência química, prontidão para pesquisar as diferentes áreas de vida do cliente, conhecimento das características da população, bem como do sistema de serviço.
Dependência do álcool
Embora a área de tratamento para a síndrome da dependência alcoólica tenha se desenvolvido nos últimos anos, é inegável que existe uma parcela da sociedade que não responde ao tratamento. Esta ausência de resposta, combinada com o gerenciamento do caso voltado para o bem estar social e programas médicos, tem levantado questões sobre como pode ser apropriado tratar ou facilitar o tratamento para esta demanda. Dentre as características dos clientes com dependência de álcool e outras drogas que não respondem ao tratamento, destacam-se:9
1) Formas mais severas de dependência química;
2) Coexistência de condições médicas e psiquiátricas;
3) Incapacidade severa em várias áreas da vida;
4) Desvantagem socioeconômica;
5) Carência de educação formal;
6) Desemprego e pobreza;
7) Estigmatização social;
8) Extensiva utilização do serviço público;
9) Problemas presentes por longos períodos (cronicidade).
Infelizmente, os tratamentos tradicionais nem sempre são concebidos para lidar com estes problemas. Este tipo de cliente necessita suporte profissional e tratamento contínuo e intermitente por meses e/ou anos, sendo que a maioria dos tratamentos convencionais oferece intervenções episódicas. O recente modelo e a implementação de programas de tratamento especializado para problemas relacionados ao consumo de substâncias específicos para subpopulações têm, atualmente, melhorado a fragmentação dos cuidados. Programas estruturados impõem barreiras para o tratamento, como critérios de admissão e procedimentos, modelo distinto de tratamento e uma falta de integração com outros serviços. O gerenciamento de caso surge como uma alternativa para contornar estas dificuldades e a fragmentação dos serviços de saúde.11 O gerenciamento de caso é direcionado para problemas de acessibilidade, eficácia, continuidade do tratamento, seu formato e implementação. Por tal, se faz necessário ter uma concepção clara do que será realizado no gerenciamento de caso, por quem, com quem e quais serão os benefícios almejados. Abaixo estão descritas as principais metas do gerenciamento de caso em um ambiente particular:6
1) Aumentar a continuidade do tratamento (fundamental) estudos de corte transversal (pesquisar evidências individuais e compreensivas do tratamento em um determinado tempo) e estudos longitudinais (com a continuação da intervenção, coletar evidências sobre a resposta da intervenção oferecida).
2) Aumentar a acessibilidade superar barreiras administrativas;
3) Aumentar a avaliação designar um ponto de efeito para o desfecho no tratamento quando múltiplos serviços estão envolvidos para atender as necessidades do cliente;
4) Aumentar a efetividade aumentar a probabilidade dos clientes receberem os serviços adequados as suas necessidades, diminuindo a duplicação de serviços. Pode ou não ser realizada a análise de custos.
Em suma, o profissional serve como um agente responsável pela coordenação do caso no sentido de viabilizar as necessidades individuais do cliente, sendo que este pode continuar a receber vários outros tipos de intervenções em variados serviços. Neste contexto, o profissional ou gerente de caso não é encarado como o provedor de cuidados, mas sim como alguém que visualiza, de forma compreensiva, as necessidades do cliente e atua como um facilitador no sentido de suprir estas necessidades.
O que é necessário em tratamentos de dependência de álcool: dicas práticas
1. Funções do gerente de caso
Os profissionais que são denominados gerentes de caso podem se engajar em funções adicionais e alternativas que almejam o sucesso no tratamento. Este é um aspecto fundamental para a aplicabilidade do gerenciamento de caso com dependentes de álcool, porque, muito do trabalho, como estabelecer conexões com outros serviços ou coordenar alguma situação de vida específica do cliente, pode exigir do profissional em questão toda uma adaptação em sua prática profissional.
Se a proposta de tratamento é desenvolvida em equipe, é importante verificar qual profissional será o gerente de caso. A idéia é que este profissional exerça uma posição de referência para o cliente no serviço, sendo fundamental que este profissional esteja muito integrado à equipe, uma vez que atuará como um interlocutor entre a proposta de tratamento e as necessidades do cliente, de modo a viabilizá-las. Não necessariamente o gerente de caso necessita ter uma formação acadêmica superior. Muitas vezes, um agente comunitário, desde que tenha o treinamento adequado, pode ser o gerente de caso. O mais importante é que este profissional possua uma postura de disponibilidade e sensibilidade para com o cliente e esteja em contato contínuo com o mesmo.
2. O primeiro contato: a história clínica
Na obtenção de informações para a obtenção de uma historia clínica, vale ressaltar a importância de não apenas analisar situações de uso, risco de uso, conseqüências sociais, psicológicas e de saúde decorrentes da dependência química, mas também*: 1) criar a aliança terapêutica e favorecer o engajamento do cliente no tratamento; 2) buscar compreender o contexto dentro do qual a dependência se desenvolveu; 3) identificar os fatores que favoreceram a instalação da dependência; 4) identificar os fatores que mantêm a dependência; 5) identificar os fatores que favorecem a abstinência; 6) reunir condições para estabelecer a hipótese diagnóstica.
Ao profissional, cabe a necessidade de sensibilidade para verificar até que ponto poderão ser pesquisadas todas as informações necessárias para a história clínica em uma ou mais sessões; se o cliente não se encontra intoxicado a ponto de comprometer a veracidade das respostas; se naquele momento não será mais produtivo garantir o vínculo e a aliança terapêutica de modo que o cliente compareça à próxima consulta; bem como a capacidade de realizar uma escuta empática e de poder estar na relação com o intuito da ajuda, sendo que o conceito de ajuda deve ser estabelecido pelo cliente e não apenas pelo profissional ou requisitante do tratamento, atribuindo a auto-eficácia ao cliente, de forma a evitar a argumentação e fluir com a resistência. Mas, mais do que coletar informações, faz-se necessário estar com o cliente, poder ouvi-lo, se colocar no lugar dele para poder compreender seus medos, desejos, angústias e atitudes, de modo a não julgar, mas sim compreendê-lo e recebê-lo sem emissão de juízos de valor, visando garantir a continuidade do tratamento no futuro.
3. Averiguar a motivação para tratamento
No âmbito de tratamento é essencial que uma avaliação cuidadosa identifique a natureza, os problemas e os objetivos apropriados e possíveis no tratamento. Da mesma forma, o processo de tratamento deve identificar os fatores específicos que vão auxiliar ou dificultar a conquista dos objetivos a serem atingidos. Neste contexto, a motivação é útil para identificar os diferentes fatores que podem ser apropriados aos diferentes estágios de motivação e servir de orientação importante para o gerente de caso. Por exemplo: clientes em estágio de pré-contemplação deveriam ser ajudados a reconhecer e desenvolver consciência de seus problemas em vez de serem diretamente guiados para a abstinência. Os clientes no estágio da contemplação mostram-se abertos às intervenções que aumentam a consciência (métodos educacionais e automonitoramento), mas são resistentes às orientações diretivas para ação. No estágio de ação, os clientes necessitam de ajuda prática com procedimentos de mudança comportamental.12 A Tabela 1 apresenta uma definição dos estágios de mudança, com sugestões de intervenções para o gerente de caso.13
Algumas escalas podem auxiliar na identificação da motivação do cliente. A University of Rhode Island Change Assessment Scale (URICA) investiga os estágios de mudança: contemplação, pré-contemplação, ação e manutenção.14 Esta escala foi traduzida e adaptada culturalmente para o idioma português.15 Outra escala utilizada para medir a prontidão para a modificação do comportamento de beber é a The Stages Readiness and Treatment Eagerness Scale (SOCRATES),16 que também se encontra validada e adaptada.**
4. Metas e atividades para incentivar a aderência
Considerando os objetivos, a população-alvo, o ambiente e o modelo administrativo da intervenção, a Tabela 217 mostra algumas metas específicas, atividades concernentes e métodos de verificação que visam aumentar a aderência e retenção no tratamento.
Considerações finais
Em suma, estudos sobre saúde mental e dependência de substâncias9 indicam que o gerenciamento de caso pode ser uma ferramenta valiosa especialmente no tratamento de clientes com múltiplos problemas, sendo que o estabelecimento de um ponto de responsabilidade para cada cliente é fundamental. O programa de gerenciamento de caso trabalha com metas realistas e possíveis, tanto para o cliente quanto para o tratamento, no sentido de evitar falsas promessas. A implementação do programa pode requerer meses até que toda a equipe seja integrada na proposta, a ponto de se familiarizar com o público-alvo e a comunidade em questão. Neste trâmite, muitos problemas podem acontecer e nem sempre é possível antecipá-los, mas é possível atuar auxiliando na solução de problemas e, para tal, o processo de comunicação entre o gerente de caso, o programa de tratamento e o cliente é essencial.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Jan 2005 -
Data do Fascículo
Maio 2004