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Intervenção precoce para a prevenção de transtornos mentais - aprendendo lições do campo das psicoses

EDITORIAL

Taís S. Moriyama; Eurípedes C. Miguel; James Leckman

A prevenção sempre foi um foco central na medicina. Embora a prevenção nos níveis primário, secundário e terciário seja um conceito bem estabelecido em todas as especialidades médicas, foi só na década de 1970 que começaram a ser implementadas as primeiras iniciativas de prevenção em saúde mental1. Alguns dos primeiros esforços de prevenção na área tinham como foco indivíduos em risco para psicose. Como consequência, a literatura referente aos melhores métodos para se identificar e tratar indivíduos em risco para psicose é mais substancial do que para qualquer outro transtorno mental.

Neste volume da Revista Brasileira de Psiquiatria, os principais pesquisadores sobre o tema revisam dados relativos à identificação de pessoas em alto risco de desenvolver psicose e transtorno bipolar e sintetizam as evidências disponíveis sobre a eficácia da ampla gama de estratégias de prevenção testadas até o presente.

Um dos principais problemas associados à prevenção no campo da saúde mental consiste na identificação eficaz daqueles que desenvolverão transtornos mentais no futuro. A doença mental possui múltiplos determinantes e o comportamento humano é complexo demais para ser compreendido a partir de uma perspectiva dicotômica baseada na simples distinção entre a presença ou ausência de doença. Considerando-se o nível elevado de estigma associado às intervenções psiquiátricas, a precisão na seleção daqueles indivíduos que mais se beneficiarão de ações preventivas é crucial. O primeiro artigo sobre o tema, escrito por Gee e Cannon, faz uma crítica dos critérios utilizados atualmente para a identificação de indivíduos em risco ultra alto para psicose. Estimativas atuais indicam que apenas entre 30% e 40% das pessoas que preenchem tais critérios desenvolverão psicose dentro de dois ou três anos de acompanhamento. Certamente precisamos fazer melhor que isso, posto que uma taxa de falsos positivos entre 60% e 70% é motivo de grande preocupação. Existem, no entanto, razões para ficarmos otimistas, uma vez que resultados recentes indicam que sintomas positivos atenuados, funcionamento social prejudicado e risco genético para esquizofrenia parecem ser os preditores mais consistentes de conversão para psicose; além do fato de que algoritmos combinando estes fatores podem atingir um poder preditivo positivo igual ou acima de 80%.

Yung e Nelson revisam os prós e contras de se incluir uma categoria de "em risco para psicose" na próxima edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). Os autores afirmam que as evidências atuais para estratégias de prevenção específicas para esta população são, no máximo, moderadas, e que seria prematuro incluir esta categoria no DSM-V. Os autores discutem, ainda, uma série de estudos de intervenção para populações em risco, incluindo o uso de baixas doses de antipsicóticos, terapia cognitiva e ácidos graxos ômega-3. É importante destacar que foi na instituição destes autores, a Universidade de Melbourne, que foi criado o primeiro serviço para pessoas em alto risco de esquizofrenia buscando auxílio médico.

A revisão de McGuire e colaboradores teve como foco as intervenções para a prevenção de psicose. Os autores sugerem que esforços no nível da prevenção primária podem levar à melhor prevenção no nível secundário. De forma notável, pacientes acompanhados em um serviço de extensão e apoio na região sul de Londres (o programa OASIS) que posteriormente desenvolveram psicose tiveram uma duração de psicose não tratada de apenas 10 dias em média, comparada a uma média de 12 meses para pacientes da mesma região geográfica que não participavam do programa.

Galdos e colaboradores descrevem os dados de um estudo original que buscou determinar se prejuízos neurocognitivos específicos observados em pacientes com transtornos psicóticos poderiam ser responsáveis por sua representação inadequada do mundo social. Enquanto aguardamos os resultados de estudos futuros, a identificação de subcomponentes do fenótipo psicótico, tais como déficits no domínio da cognição social, podem ter um valor heurístico na detecção de alterações-chave logo no início de transtornos psicóticos, ou mesmo em indivíduos em risco. Este artigo é um lembrete elegante de que, se desejamos melhorar a nossa capacidade de predizer o desenvolvimento de transtornos mentais, devemos fazer uso de nosso conhecimento crescente sobre seus circuitos neurais subjacentes e características cognitivas. Na sequência, Taylor e colaboradores expandem os conceitos de risco e prevenção para além da psicose e revisam a literatura disponível sobre o quão próximos estamos de sermos capazes de predizer a conversão para o transtorno bipolar. A revisão final apresenta uma síntese sobre iniciativas em andamento para a prevenção de transtornos mentais na América Latina.

Transtornos mentais, comportamentais e do desenvolvimento constituem importantes problemas de saúde pública. Os transtornos mentais são altamente prevalentes, geralmente iniciam-se na infância, respondem apenas parcialmente aos tratamentos atualmente disponíveis, tendem a ter curso crônico e são frequentemente incapacitantes. Felizmente, iniciativas desenvolvidas para prevenir a psicose e outros transtornos mentais têm surgido ao redor do mundo nos últimos anos. Esta observação é consoante com uma mudança de paradigma na psiquiatria, a qual coloca maior ênfase nos processos do desenvolvimento subjacentes aos transtornos mentais. Este suplemento não é apenas uma oportunidade de familiarizar-se com as melhores evidências sobre como oferecer os melhores cuidados para aqueles em risco de desenvolver psicose e transtorno bipolar, mas também uma ocasião auspiciosa para refletir sobre o futuro de nossa área ao passo em que buscamos modos de prevenir a ocorrência de transtornos mentais2.

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Referências

  • 1. World Health Organization - WHO. Prevention and Promotion in Mental Health. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2002.
  • 2. Miguel EC, Mercadante MT, Grisi S, Rohde LA. The National Science and Technology Institute in Child and Adolescence Developmental Psychiatry: a new paradigm for Brazilian psychiatry focused on our children and their future. Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(2):85-8.
  • Intervenção precoce para a prevenção de transtornos mentais - aprendendo lições do campo das psicoses

    Early interventions to prevent mental disorders - learning lessons from the field of psychosis
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2011
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