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Teses da Universidade de Brasília em História das Relações Internacionais

INFORMAÇÃO

ARTIGO DE RESENHA

Teses da Universidade de Brasília em História das Relações Internacionais

Heloisa Conceição Machado da Silva

As relações internacionais, enquanto objeto de estudo, vêm se desenvolvendo de maneira satisfatória nos últimos anos no Brasil. Parte desse avanço é devido ao surgimento de cursos de pós-graduação na área, que colocam o estudo das relações internacionais, de modo geral, e a inserção externa do Brasil, em particular, no centro das preocupações de pesquisa. O primeiro programa de pós-graduação em História das Relações Internacionais na América do Sul foi criado na Universidade de Brasília, em 1976. Em torno desse Programa formou-se uma tradição brasiliense de estudo de relações internacionais. Ao longo de mais de vinte anos de atuação, o Programa produziu cerca de sessenta dissertações de mestrado e, com a implantação do doutorado em 1994, doze teses.

Uma particularidade das teses de doutorado do Programa é a diversidade temática. A ampliação dessa linha de pesquisa permitiu a modernização da História das Relações Internacionais. Assim, junto com os estudos que privilegiam as relações bilaterais do Brasil, inseriram-se novos temas e objetos de investigação. Com efeito, há estudos que aprofundam a análise das parcerias estratégicas, a opinião pública, a imagem, a segurança internacional, o pensamento político, as relações internacionais do Brasil e as relações internacionais contemporâneas. Tais estudos evidenciam a diversificação de olhares sobre a inserção internacional do Brasil.

Na vertente de estudos que privilegiam as relações bilaterais do Brasil, insere-se a tese de Francisco Doratioto. Nela, o autor procede à uma análise das transformações das relações do Brasil com o Paraguai no período de 1889 a 1930 e reflete criticamente sobre os principais pontos das relações entre os dois países no período em exame. O autor destaca três momentos na política externa brasileira para o Paraguai entre 1889 e 1930. O primeiro deles, de inércia, foi marcado pela não intervenção nos assuntos internos paraguaios e a aceitação fatalista da hegemonia argentina sobre o país guarani, de modo a não perturbar as boas relações entre Brasil e Argentina e o equilíbrio no Prata. Os dois últimos momentos evidenciaram a retomada de interesse do Itamaraty pelo Paraguai, a partir de 1917. Segundo o autor, essa nova orientação do Itamaraty refletia a necessidade do Brasil de criar novos vínculos econômicos e políticos com a Bolívia, o Paraguai, o Peru e o Uruguai. Entretanto, não significava que o Itamaraty estivesse disposto a ações ostensivas, já que uma postura dessa natureza conduziria à erosão das relações entre o Brasil e a Argentina. Por esse motivo, o eixo central da política brasileira em relação ao Paraguai, até 1930, foi recuperar discreta e cautelosamente a influência nesse país, oferecendo-lhe saída para o mar por porto brasileiro e reduzindo sua dependência da Argentina sem, contudo, afrontá-la.

Ainda na tentativa de promover um avanço no estudo das relações bilaterais, destaca-se a tese de Antônio Carlos Lessa. Esse trabalho propõe a compreensão das relações entre o Brasil e a França durante o período de 1945 a 2000, procurando identificar e avaliar as causas que moveram os países em suas permanentes interações. O objetivo central da tese é a inversão do ponto de vista dos estudos tradicionais sobre as relações franco-brasileiras, que privilegiam a ótica cultural nesse relacionamento. Assim, o autor tem como proposta determinar o peso dos aportes que a França trouxe para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, buscando enquadrar as relações bilaterais nas funcionalidades características das relações internacionais do país. Para Lessa, a política exterior brasileira apresentou, principalmente a partir da primeira metade do século passado, um peso preponderante para a realização do desenvolvimento nacional. Dessa forma, buscava o Brasil o estabelecimento de relações com países que propiciassem o acesso aos insumos que lhe faltavam para dinamizar o desenvolvimento. Por esse motivo, assumiram preponderância histórica para o Brasil as suas relações com determinados países, que prestaram recursos necessários para o desenvolvimento nacional. Os aportes que esses relacionamentos trouxeram foram tão importantes para o Brasil contemporâneo que devem ser qualificados, de acordo com Lessa, como frutos de parcerias.

Para o autor, como no caso das relações com os Estados Unidos, com a Alemanha e a Itália, não faltaram às relações do Brasil com a França oportunidades para a construção de uma parceria profícua aos dois países. Entretanto, tal parceria encontrou grandes dificuldades. Apesar de serem economias complementares, não houve nas relações entre França e Brasil simpatias que criassem vínculos diretos entre as sociedades e que prestassem serviço ao desenvolvimento espontâneo dos negócios. Do ponto de vista do autor, "...as relações bilaterais foram antes uma criação dos diplomatas, que deram origem às crises, do que dos militares, empresários, jornalistas entre outros, que do seu desenvolvimento não participaram. Distantes dos atores sociais, em vários momentos substituídos pelas diplomacias, os contatos bilaterais permaneceram encapsulados na agenda que os Estados se dispunham a encaminhar. Olharam os Estados e as sociedades para direções opostas, e por isso jamais se encontraram..."(p.11). Assim – prossegue o raciocínio de Lessa – estiveram bloqueadas, na maior parte do período em exame, as condições para o desenvolvimento da parceria franco-brasileira.

Outra contribuição na tentativa de elucidar as relações bilaterais foi dada na tese de Adriano Sandri. Esse trabalho analisa as dimensões culturais de ações empreendidas entre as duas centrais sindicais brasileiras, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical (FS), e três centrais sindicais italianas, a Confederação Geral Italiana de Trabalhadores (CGIL), a Confederação Italiana de Trabalhadores Livres (CISL) e a União Italiana de Trabalhadores (UIL), no contexto sócio-político do período de 1968-1995. A hipótese central da tese é demonstrar que as relações internacionais sindicais são prioritariamente relações culturais e que outras dimensões e perspectivas não se sustentam. Para o autor, uma análise cultural é um desafio acadêmico, já que os parâmetros culturais são sempre sujeitos a interpretações e a cientificidade é sempre questionada. Outro desafio, destacado pelo autor, seria o fato de proceder a um estudo das relações internacionais privilegiando entidades não-governamentais. Tais entidades constituem, do ponto de vista de Sandri, a sociedade civil e hoje, normalmente chamadas de Organizações não-governamentais (ONGs), incluem uma imensa variedade de instituições que atuam nos mais diferentes campos culturais. Para o autor, não há, na historiografia das relações internacionais, uma metodologia solidificada para analisar as relações internacionais praticadas por entidades não-governamentais.

Com base nessas propostas, a tese de Adriano Sandri reconstruiu a trajetória cultural dos movimentos sindicais em ambos os países com base em quatro parâmetros: dimensões ideológicas, institucionais, políticas, e ação sindical. Seguindo essa metodologia, a tese reconstituiu os itinerários culturais do sindicalismo italiano e brasileiro em uma fase histórica marcada por períodos culturais comparáveis dentro das diferenças políticas e econômicas de cada país. Assim, tanto o sindicalismo italiano como o brasileiro construíram, primeiramente, uma identidade político-social e, posteriormente, entraram novamente em uma fase de transformação frente à nova situação trazida pelo processo de globalização.

Ainda no campo de análise das relações bilaterais, destaca-se a tese de Pio Penna. O objetivo desse trabalho é analisar as relações entre o Brasil e a África do Sul. O ponto de partida da tese é o ano de 1918, em que foi criado um Consulado de Carreira na Cidade do Cabo, dando início às relações diretas entre ambos os países. Para o autor, uma vez iniciadas as relações entre Brasil e África do Sul, estas atravessaram três fases. No primeiro momento, 1918-1947, prevaleceu o comércio como fator da aproximação, constituindo-se tal período em momento de encontros e descobertas mútuas. A segunda fase, correspondente aos anos de 1947 a 1991, foi marcada pelo estabelecimento de relações diplomáticas e pelo gradual distanciamento entre os dois países. O agravamento do quadro social sul-africano, com a tensão permanente e crescente oriunda da política de discriminação racial que marginalizava de maneira cruel e anacrônica a maioria da população, seguindo critérios estritamente raciais, foi certamente o elemento mais perturbador das relações entre o Brasil e a África do Sul.

Entretanto, ressalta Pio, outros fatores também colaboraram para criar um clima de frieza nas relações bilaterais. Associado ao fenômeno do apatheid, a questão da ocupação ilegal do Sudoeste Africano, por parte da África do Sul, foi outro elemento que provocou grave atrito nas relações entre os dois países. Tais fatores induziram a retração das relações do Brasil com a África do Sul.

A última e, segundo Pio Penna, grande fase das relações entre ambos os países vem sendo marcada pela reaproximação entre Brasília e Pretória, uma vez que foi removido o principal empecilho para a concretização de relações prósperas entre os países, ou seja, o fim da política de apartheid. Durante essa última fase, iniciada com o processo de democratização da África do Sul no alvorecer da década de 1990, há o renascimento das relações, em um contexto onde se vislumbra a possibilidade do estabelecimento de uma parceria estratégica, que interessa diretamente aos dois países.

No que diz respeito às teses que se situam no quadro das relações exteriores brasileiras, destaca-se o trabalho de Eugênio Garcia sobre a política externa brasileira nos anos 1920. Essa tese realizou um trabalho de mapeamento dos principais assuntos durante o período em exame, bem como esboçou uma síntese interpretativa sobre o período. O período selecionado compreende o final do Governo Delfim Moreira (1919) e os mandatos presidenciais de Epitácio Pessoa (1919-1922), Artur Bernardes (1922-1926) e Washington Luís (1926-1930). Considerando que o foco de atuação do Brasil girava em torno do triângulo do Atlântico formado por Estados Unidos, Europa e América do Sul, o comportamento da política externa é analisado levando em conta um contexto interno de crise política e institucional, prevalência do modelo agroexportador, dificuldades econômicas, dependência do capital estrangeiro e limitada capacidade estratégico-militar.

Para Eugênio, a formulação e execução da política externa estavam dominadas por um pequeno círculo de elite, basicamente atores ligados ao Ministério das Relações Exteriores e os setores do Governo Federal. Paradoxalmente, porém, não havia ainda uma carreira diplomática organizada, o que acabava limitando o papel institucional do Itamaraty. Esse fato, prossegue o raciocínio de Eugênio, fazia com que a natureza do processo decisório em política externa ficasse fortemente centrada na figura do Presidente da República.

Entretanto, em função do acentuado federalismo adotado pela Constituição de 1891, havia grande descentralização política, e os Estados detinham autonomia em várias áreas de governo. Paralelamente, na ausência de uma sociedade civil organizada, predominava o mandonismo local, personificado na figura dos "coronéis". Nesse contexto, Eugênio questiona se a política externa era capaz de refletir aspirações genuinamente nacionais. Para o autor, o resultado dessa diretriz era uma atuação externa débil do Estado, ainda que autônoma, porque lhe faltava o atributo essencial da legitimidade. Esse fato tornou-se nítido na década de 1920 à medida que a insatisfação interna com o regime oligárquico crescia e as novas forças sociais encontravam fechado o acesso ao sistema político e à representação dos interesses.

Outra tese também identificada com as relações exteriores do Brasil é o trabalho de Luiz Fernando Ligiéro. Esse estudo examina e compara dois momentos em que o Brasil buscou desenvolver políticas externas mais autônomas, a saber, o da Política Externa Independente (PEI), correspondente aos governos de Quadros e Goulart (1961-1964), e o do Pragmatismo Responsável, correspondente ao governo de Geisel (1974-1979). Para o autor, não há acordo entre os estudiosos acerca do significado da Política Externa Independente. Entretanto, ressalta Ligiéro, grande parte dos autores vê nela uma razoável transformação na política externa brasileira do pós-guerra. Com relação ao Pragmatismo Responsável, há menos divergências.

Para o autor, tanto a PEI quanto o Pragmatismo Responsável foram adotados para responder a crises, as quais, embora diferentes, tornaram necessária a busca de caminhos mais autônomos para manter o desenvolvimento econômico. Externamente, ambas as políticas foram adotadas em momentos de grande efervescência, em que muitos países também buscaram maior autonomia com relação às potências dominantes. Além dos aspectos comuns da conjuntura interna e externa, bem como da inserção internacional do Brasil nos dois momentos, a tese de Ligiéro buscou outras razões que justificassem as semelhanças entre as duas políticas externas. No entanto, o autor encontrou semelhanças e divergências tanto em seus antecedentes quanto nas forças profundas que moviam a sociedade brasileira nos dois períodos em exame. Assim, a tese ressalta as diferentes atitudes com relação à Guerra Fria e à cooperação com os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Além disso, ressalta o autor, os objetivos das duas políticas externas nem sempre eram os mesmos e certos instrumentos utilizados para a sua implementação divergiam significativamente.

Na área de estudos que ressaltam o papel da opinião pública sobre a política exterior brasileira, situa-se a tese de Tânia Manzur. Esse trabalho focaliza a conexão íntima entre opinião pública e política exterior nos governos Jânio Quadros e João Goulart. Assim, a autora procede a um balanço da movimentação das correntes de opinião, enfatizando o processo que levou à queda de Jânio Quadros, bem como a paulatina radicalização das tendências que influenciaram, decisivamente, a queda de João Goulart.

A percepção da mútua interferência entre opinião pública e política exterior é um dos pilares de sustentação do argumento da tese. Tânia parte do princípio de que essa relação é cada vez mais nítida a partir do Segundo Governo Vargas, quando duas correntes principais, "entreguistas e nacionalistas", faziam valer seu ponto de vista e influenciavam diretamente as decisões do Executivo acerca da política internacional. Com o passar do tempo, essa inter-relação intensificou-se, tendo como apogeu os governos de Quadros e Goulart. Os grandes responsáveis por esse processo foram, de início, o Governo Quadros, que instaurou, e, posteriormente, o Governo Goulart, que desenvolveu a Política Externa Independente. Os principais mentores dessa política, entre os quais se destaca San Tiago Dantas, tiveram uma constante preocupação em vinculá-la ao apoio da opinião pública, bem como em informar e formar essa mesma opinião para estabelecer um consenso nacional em torno da elaboração e controle da política exterior.

Na mesma linha de análise de Tânia, encontra-se o trabalho de Antônio José Barbosa. Nessa tese, o autor avalia a forma pela qual se deu a discussão sobre política externa brasileira no interior do Parlamento durante os governos de Quadros, Goulart e Castello Branco. Com esse propósito, Barbosa parte da hipótese de que "...a Política Externa Independente, esboçada no governo de Jânio Quadros e consolidada no Governo de João Goulart, prestou-se aos embates que, num contexto de enfrentamento, preparavam o terreno para o colapso do regime inaugurado em 1946."(p. 17). Dessa forma, a elaboração da tese foi conduzida de modo a levantar o papel que o debate parlamentar teve nas questões internacionais e na condução da política externa brasileira. Assim, trata-se de uma investigação científica que envolve um período da história republicana brasileira repleto de contradições, marcado por tomada de decisões em clima de forte emoção e emoldurado por uma conjuntura externa de graves tensões.

Para Barbosa, uma das grandes dificuldades desse período da história foi o fato de que, além de estar o Brasil sob o parlamentarismo, o que ampliava o campo de atuação e interferência do Congresso Nacional, respirava-se um clima de confronto. Segundo o autor, a polarização ideológica daqueles anos dava-se em torno de dois projetos antagônicos. De um lado, o difuso projeto reformista, centrado no modelo Nacional-desenvolvimentista, defendido por forças díspares e que nem sempre compartilhavam os mesmos métodos de ação política. De outro lado, a crescente coesão dos setores de centro e de direita, conduzindo um projeto orgânico e sistematizado, comprometido, a termo, com o sacrifício da democracia. Nesse embate, a Política Externa Independente foi edificada como instrumento de afirmação do desenvolvimento nacional e da soberania do país. Ela era vista como uma ação do Estado que provavelmente poderia ser de grande valia na luta para vencer as históricas estruturas sociais, econômicas e políticas responsáveis pelo atraso no desenvolvimento brasileiro. Já no primeiro governo do regime militar, são inventariados os debates parlamentares relativos à política externa. Entretanto, afirma o autor, a maior parte dos pronunciamentos dava-se no sentido de apoiar o realinhamento com os Estados Unidos e de combater o comunismo internacional. Apesar das cassações de mandatos, o Congresso permaneceu politizado, embora, compreensivamente, em dimensão inferior ao período anterior ao golpe de 1964.

Na área de estudos que privilegiam a imagem na história das relações internacionais, destaca-se a tese de Carmen Lícia Palazzo de Almeida. Esse trabalho consiste na investigação crítica acerca dos múltiplos olhares que os franceses lançaram sobre o Brasil, registrados em diversos relatos de viagens, mas também em obras de pensadores que escreveram sobre as novas terras. O enfoque teórico do trabalho de Carmen fundamentou-se na vertente historiográfica da chamada história dos Annales. Assim, a tese lida com a elaboração da Visão do Outro, tema que, segundo a autora, vem sendo desenvolvido em diversas linhas de pesquisa, entre elas a da história cultural e também a dos historiadores das relações internacionais.

A originalidade da contribuição pretendida pela tese consiste, pois, tanto em demonstrar que os relatos dos séculos XVI e XVII ainda não se inserem em um contexto mental moderno quanto em explicar as permanências e as mudanças nos olhares franceses sobre o Brasil no longo prazo, até o final do século XVIII. Dessa forma, Carmen optou pela análise da visão francesa a partir de uma leitura na qual é dada ênfase ao imaginário, ao contexto mental de cada época estudada e às novas possibilidades de interpretação abertas por contribuições da história cultural, para desvendar as permanências e mudanças. Buscou-se, também, contextualizar as visões francesas do Brasil em um quadro amplo de realidades políticas e sócio-econômicas da própria França no decorrer dos séculos XVI ao XVIII, procurando situar historicamente os discursos dos viajantes e pensadores.

Na vertente de estudos que privilegiam o pensamento político, situa-se a tese de Dinair Andrade da Silva. Esse trabalho aborda o pensamento e os relatos de viagem produzidos por Martí (cubano) e Sarmiento (argentino). O objetivo central da tese é propor uma análise histórica que contribua para a construção de uma teoria da América Latina. Segundo Dinair, essa teoria evidenciaria as reivindicações da participação latino-americana nas conquistas materiais e espirituais do século XIX. A construção da tese fez-se por meio do estudo de elaborações intelectuais preponderantes naquele período, tendo como parâmetro um quadro das relações culturais internacionais. O propósito do trabalho foi compreender duas correntes de pensamento, a saber, José Martí e Domingo Sarmiento, que tentaram racionalizar, cada uma a seu modo, um projeto de inserção da Hispano-América nos benefícios que a cultura do século XIX colocava à disposição da humanidade.

Para o autor, a busca da identidade continental hispano-americana, durante o século XIX, perpassou duas tendências distintas. A primeira, denominada via ocidental da Hispano-América, que indicava para a esta o referencial de progresso e da civilização vividos na Europa, e a segunda, rotulada de via de autonomia hispano-americana, defendia a necessidade de se descobrir e de se valer da cultura própria à Hispano-América. Essas duas tendências apresentam, do ponto de vista de Dinair, pontos convergentes e pontos divergentes. Tais tendências ou situações decorrem de processos distintos, porém complementares, e estão localizados no mesmo quadro geral, o das relações entre a Hispano-América de um lado e a Europa e os Estados Unidos do outro. Posteriormente, o autor acrescenta a essas reflexões apontamentos para a construção do conceito de ocidentalismo e autonomismo. Dinair afirma que a construção do conceito de autonomismo deve englobar o conjunto das criações materiais e espirituais, principalmente do homem não-europeu e suas múltiplas relações no tempo e no espaço. Da mesma forma, o conceito de ocidentalismo deve incluir o conjunto das criações materiais e espirituais, principalmente, do homem europeu e suas múltiplas relações no espaço e no tempo.

Dessa forma, demonstra o autor estar convencido de que tanto o intelectual cubano quanto o argentino representam, de maneira contundente, cada uma das correntes mencionadas. A base de sustentação dessa hipótese encontra-se na leitura e fichamentos efetuados da obra completa de cada um daqueles autores. Para Dinair, a análise efetuada nos textos de Martí e Sarmiento revelou posturas notadamente críticas na identificação do problema. Não obstante, deparou com propostas de solução de alcance muito reduzidas. A considerar as realizações que interagiam no universo latino-americano à época, Martí e Sarmiento, ajuizados por suas intelecções e atividades políticas, idealizaram uma América Hispânica que a consciência histórica lhes permitiu.

A tese de Cristina Sivolella insere-se na vertente de estudos que ressalta as relações internacionais contemporâneas. Esse trabalho esclarece os aspectos mais controvertidos do conflito árabe-israelita no período de 1947-1995, cujas raízes remontam ao final do século XIX, quando iniciaram os primeiros aliyahs na Palestina, inspirados na ideologia sionista. Nesse contexto, a variedade de acontecimentos que se sucederam durante um século de disputas é analisada levando-se em conta a permanente incidência dos fatores internacionais sobre a política regional e sua permanente variação nas diversas épocas.

Para a autora, o surgimento, desenvolvimento e evolução do movimento palestino, após a nakba de 1948, apresentam um novo ator sócio-político, a partir da década de 1970, perfilado por meio da OLP. A partir de então, ressalta Cristina, os palestinos diferenciaram-se da "grande maré árabe", para passar gradualmente a interlocutores do Estado hebreu. A questão da Palestina, até então concebida como uma "questão árabe geral", adquire contornos próprios através de uma reavaliação de suas reivindicações políticas, centradas no direito à autodeterminação e na fundação de um Estado por diversas vezes prometido, porém nunca concretizado. Para Cristina, o chamado "processo de paz", iniciado na última década do século XX, apoia-se em inconsistências de princípios, que oferecem amplo campo para a crítica histórica, em geral, e para história das relações internacionais, em particular.

No âmbito de estudos que privilegiam a questão da segurança internacional insere-se o trabalho de César Torres del Rio. A perspectiva metodológica utilizada para a elaboração da tese consistiu em analisar tanto a evolução das políticas de segurança nacional na Colômbia quanto as medidas continentais sobre segurança coletiva da Organização dos Estados Americanos e sua mútua determinação.

Nessa linha, o trabalho de Torres del Rio analisou o desenvolvimento da instituição militar colombiana nos níveis de organização, de funcionamento tático e estratégico, de doutrina e de missão, entre outros. Também foi ressaltado o tipo de relação que se estabeleceu entre civis e militares durante e após os governos militares. Além disso, foram consideradas as determinações das Conferências de Exércitos Americanos, da Junta Interamericana de Defesa e da Comissão de Consulta da OEA. Especial importância foi dada ao processo paulatino de nacionalização da segurança, bem como ao "governo civil da segurança nacional", correspondente à administração presidencial de Júlio César Turbay Ayala (1978-1982).

O conjunto das teses acima consideradas ilustra a variedade e o crescente dinamismo dos estudos sobre a história das relações internacionais e a política exterior brasileira. Certamente, o maior atributo dessas teses é o de proporcionar uma visão ampla, porém crítica dos diversos aspectos que compõem as relações internacionais. Longe de caracterizarem trabalhos meramente descritivos, as teses constituem valiosa oportunidade de conhecer e avaliar a complexa tarefa de ordenar e sistematizar uma base empírica em torno de temas, de conceitos e de linhas de interpretação.

  • DORATIOTO, Francisco Monteoliva. As Relações entre o Brasil e o Paraguai (1889-1930): do afastamento pragmático à reaproximação cautelosa, 1997, 547p.
  • SILVA, Dinair Andrade. José Martí e Domingo Sarmento: duas idéias de construção da hispano-América,1997, 414p.
  • TORRES DEL RIO, César Miguel. Segurança Coletiva e Segurança Nacional: a Colômbia entre 1950-1982, 1998, 331p.
  • ALMEIDA, Carmen Lícia Palazzo de. Entre Mitos, Utopia e Razão: os olhares franceses sobre o Brasil (século XVI a XVIII, 1999, 362p.
  • LESSA, Antônio Carlos Moraes. A Parceria Bloqueada: as relações entre França e Brasil, 1945-2000, 2000, 264p.
  • LIGIÉRO, Luiz Fernando. Políticas Semelhantes em Momentos Diferentes: exame e comparação entre a Política Externa Independente (1961-1964) e o Pragmatismo Responsável (1974-1979), 2000, 430p.
  • SANDRI, Adriano. Dimensões Culturais nas Relações Sindicais entre o Brasil e a Itália (1968-1995), 2000, 242p.
  • MANZUR, Tânia Maria Pechir Gomes. Opinião Pública e Política Exterior nos governos Jânio Quadros e João Goulart (1961-1964), 2000, 353p.
  • BARBOSA, Antônio José. O Parlamento e a Política Externa Brasileira (1961-1967), 2000, 340p.
  • SIVOLELLA, Cristina Retta. Los Palestinos: historia de una guerra sin fin y de una paz ilusoria en el cercano oriente, 2001, 345p.
  • PENNA FILHO, Pio. Do Pragmatismo Consciente à Parceria Estratégica: as relações Brasil-África do Sul (1918-2000), 2001, 441p.
  • GARCIA, Eugênio Vargas. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920, 2001, 521p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2001
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