Open-access Contribuição das moléculas de antígeno de histocompatibilidade leucocitária (HLA) para a contratura de Dupuytren em uma população do Sudeste do Brasil

Resumos

Objetivo:  O objetivo deste estudo foi investigar o fenótipo do HLA em pacientes com contratura de Dupuytren (CD) para verificar a correlação desses alelos com os fatores de risco para o desenvolvimento da CD na população brasileira.

Métodos:  Este foi um estudo de caso-controle de 25 pacientes com CD e 443 indivíduos saudáveis sem histórico de doenças associadas ao HLA. As tipagens classe I e classe II do HLA foram feitas utilizando o método iniciador de sequências específicas da reação em cadeia da polimerase.

Resultados:  O fenótipo HLA-B*18 foi observado em 32% dos pacientes e 10,5% do grupo controle. Contudo, os valores de p não permaneceram significativos após correção.

Discussão:   Apesar de termos observado um aumento na tendência de os pacientes com CD terem o alelo HLA-B*18, os resultados não foram estatisticamente significativos após correção. Esse alelo foi maior em pacientes de etnia italiana e/ou espanhola, locais com frequências superiores a 18% e 14%, respectivamente. São necessárias investigações adicionais com uma coorte maior de pacientes com CD para confirmar o possível papel do HLA nessa doença.

Contratura de Dupuytren HLA; Complexo principal de histocompatibilidade; Associação da doença; Imunogenética


Purpose:   The aim of the present study was to investigate the HLA phenotype in Dupuytren's contracture (DC) patients in order to verify the correlation of these alleles with risk factors for development of DC in the Brazilian population.

Methods:   This was a case-controlled study of 25 DC patients and 443 healthy individuals with no history of HLA-associated diseases. HLA class I and class II typing was performed using the polymerase chain reaction sequence-specific primer method.

Results:  The HLAB*18 phenotype was observed in 32% of the patients and 10.5% of controls. However, P values did not remain significant after correction.

Discussion:   Although we observed an increased tendency of DC patients to possess the HLA-B*18 allele, the results were not statistically significant after correction. This allele was higher in patients of Italian and/or Spanish ethnicity, localities with frequencies higher than 18.0% and 14.0% respectively. Further investigation with a larger cohort of DC patients is required to confirm the potential role of HLA in this disease.

Dupuytren's contracture; HLA; Major histocompatibility complex; Disease association; Immunogenetics


Introdução

A contratura de Dupuytren (CD) é uma doença do tecido conjuntivo que apresenta proliferação fibroblástica anormal da fáscia palmar. Ela é caracterizada pela formação de nódulos e cordões fibrosos, causando contratura digital longitudinal. Isso leva a deformidades que determinam as características anatômicas específicas da doença e, em um estágio avançado, pode causar perda da função motora da mão.12 Apesar de haver uma elevada taxa de recidiva das lesões, o tratamento mais efetivo é excisão cirúrgica.3 Vários fatores de risco têm sido associados a CD, como fumo, álcool, trauma local, epilepsia e diabetes mellitus.4-7 A incidência da CD é mais elevada em caucasianos da região europeia, predominantemente afetando homens acima de 50 anos de idade.5 Um componente autoimune da CD foi apresentado em 1972, e estudos confirmaram a presença de anticorpo anticolágeno, porém, até o momento, a etiologia exata da CD continua desconhecida.8-10

A susceptibilidade genética à CD é justificada pelas observações epidemiológicas, pois sua prevalência é bastante elevada em pessoas de origem do Norte da Europa e raramente vista em populações africanas e asiáticas. Observações de estudos com gêmeos e famílias, examinando a diátese da contratura de Dupuytren em especial, também sustentaram a base genética.1112 Vários estudos foram feitos para identificar os genes candidatos à susceptibilidade à CD, incluindo a citocina transformando o fator de crescimento β (TGF-β)13-15; os fatores de transcrição Zf916, Mafb17 e Zic118; a metaloproteinase da matriz (MMPs)19 e os genes do domínio de oligomerização de nucleotídeos/domínio de recrutamento de caspase (NOD/CARD).20 Apesar de haver comprovação de predisposição genética para o desenvolvimento da CD, nenhum gene de susceptibilidade foi reconhecido como fator de risco para a doença. É incerto se a CD é uma simples doença monogênica mendeliana ou uma condição oligogênica complexa.10 Devido ao início tardio dos sintomas, é difícil observar o histórico familiar positivo em muitos pacientes, o que sugere que o papel da genética na CD pode ser superior ao observado.1621

Após a descoberta e descrição das funções do complexo principal de histocompatibilidade (MHC), dos antígenos de histocompatibilidade leucocitária (HLA) em humanos, várias associações com diferentes doenças têm sido descritas, que estão atreladas a características específicas desse complexo. O MHC é o sistema genético mais polimórfico no genoma humano que participa da apresentação de antígenos aos linfócitos T. As células T são ativadas por peptídeos específicos apresentados pelas moléculas de HLA, resultando em uma resposta imune específica. As variações das respostas aos antígenos têm implicado o MHC como fator na susceptibilidade da doença.1022 A diversidade do MHC não muda com o passar do tempo em um indivíduo, porém os alelos podem diferir significativamente entre os indivíduos, tornando o complexo MHC um alvo biomarcador promissor.20 A esse respeito, estudos associaram autoanticorpos com variação nos genes envolvidos na apresentação de antígenos. Pereira et al. relataram que os autoanticorpos para colágeno tipo II desnaturado foram mais prevalentes em pacientes com CD positivos para HLA-DR4 que na população controle.23 Em contrapartida, Neumüller et al. descobriram a associação do HLA-DR3 e dos autoanticorpos no tecido conjuntivo de pacientes com CD.24 Contudo, Spencer et al. observaram uma maior incidência (não estatisticamente significativa) do HLA-DR4 em indivíduos com CD que nos sem ela. Eles também descobriram que os pacientes com CD com positivos para HLA-DR3 quase sempre possuem alelos do HLA-A1 e HLA-B18, indicando que o haplótipo A1-B8-DR3 do HLA, que também foi associado a outras doenças autoimunes, pode ser importante na CD.25 Esses resultados forneceram uma comprovação de um componente imunogênico, apesar de nenhum alelo específico do HLA ter sido associado à doença.

O estudo recente de Brown et al. revelou uma associação significativa da frequência de HLA-DRB1*15 com a patogênese da CD em pacientes caucasianos de origem europeia.10

Apesar de os resultados acima serem controversos, a literatura sugere que essa doença é de origem multifatorial, com traços familiares. Não existem estudos genéticos da CD na população brasileira, que é caracterizada por grande miscigenação, segundo Parra et al.26 Assim, a finalidade deste estudo foi identificar a frequência das classes I (loci A* e B*) e classe II (loci DRB1* e DQB1*) do HLA em pacientes com CD na população brasileira em um estudo de caso-controle e investigar o alelo do HLA como um fator de risco para o desenvolvimento da doença.

Materiais e métodos

Pacientes e controles

Participaram deste estudo 24 pacientes não aparentados diagnosticados com CD (17 homens e oito mulheres), com idade média de 54,24 anos (faixa: 40-70 anos de idade), das cidades de Bauru e Jaú do Estado de São Paulo, Sudeste do Brasil. A classificação de linhagem teve como base o fenótipo por meio de entrevistas na abordagem aos pacientes. O cálculo do tamanho da amostra não foi aplicado devido à raridade dessa doença na população estudada, assim, todos os pacientes com CD e que concordaram em participar foram incluídos no estudo. Todos os pacientes foram diagnosticados por médicos especialistas em cirurgia de mão, no Instituto de Pesquisa Lauro de Souza Lima (ILSL), Bauru-SP. O grupo de controle foi composto de 443 indivíduos saudáveis sem histórico de doenças associadas a HLA (200 homens e 243 mulheres), com idade média de 37,65 anos (faixa: 20-68 anos de idade). Eles foram pareados por origem étnica e outros padrões demográficos. Todas as amostras foram tipadas no Laboratório de Imunogenética do ILSL, após os participantes terem assinado os formulários de consentimento informado, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do ILSL para pesquisa envolvendo seres humanos.

Tipagem dos alelos do HLA

O DNA genômico foi extraído utilizando o método de relargagem.27 Os alelos do HLA, classe I locus A* (A*01-74) e B* (B*0781), classe II DRB1* locus (DRB1*01-18) e DQB1* (DQB1*02-09) foram tipados utilizando o iniciador de sequências específicas da reação em cadeia da polimerase (One-Lambda, Canoga Park, CA, EUA).

Análise estatística

Os alelos classe I e classe II do HLA foram contados para determinar as frequências alélicas. A distribuição dessas frequências foi avaliada para o desequilíbrio Hardy-Weinberg, utilizando o software Arlequin, versão 3.1.28

A análise das associações do HLA com CD foi feita utilizando o teste Qui-quadrado com correção de Yates ou teste exato de Fisher. Os valores de p ≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. A razão de chance (RC) foi calculada com um intervalo de confiança de 95% (IC de 95%). Os valores de p foram corrigidos (Pc) multiplicando o valor do mesmo pelo número de antígenos testados (teste de Bonferroni), com nível de significância de 5%, utilizando o programa estatístico SISA (http://home.clara.net/sisa/). O alcance do estudo foi calculado através do software OpenEpi, versão 3, com intervalo de confiança bilateral de 95% (http://www.openpi.com/v37/Power/PowerCC.htm).

Resultados

Este estudo comparou as frequências dos alelos do HLA de pacientes com CD com controles saudáveis em uma região do Sudeste do Brasil.

A tabela 1 mostra que 68% (17%) dos pacientes eram homens e, desses, 76,5% (13) tinham 50 anos de idade ou mais. A manifestação da CD em homens ocorreu na idade média de 52 anos (faixa: 40-63 anos de idade), ao passo que o início da doença ocorreu mais tarde nas mulheres, com idade média de 57,9 anos (faixa: 46-74 anos de idade). A respeito das atividades manuais, 68% (17) dos pacientes relataram níveis elevados de atividades moderadas a pesadas. Do total de pacientes estudados, 44% (11) tiveram ambas as mãos afetadas pela doença, e, desses, 63,6% (sete) eram homens. Dos 25 pacientes, 24 eram de descendência europeia, e 70,8% de descendência italiana (17%).

Table 1
Characterization of patients with Dupuytren's contracture in the study.

A contagem direta forneceu a frequência dos alelos classe I e classe II, e sua distribuição foi confirmada pelo equilíbrio de Hardy-Weinberg utilizando o software Arlequin 3.1. As frequências dos alelos classe I e classe II do HLA no grupo CD e grupo controle são mostradas na tabela 2-5. A maioria das frequências dos alelos -A, -B, DR e DQ do HLA mostrou-se semelhante em ambos os grupos. Contudo, a frequência do alelo HLA-B*18 foi de 32% (8) dos 25 pacientes com CD, em comparação a 10,5% (46) dos pacientes não afetados do grupo controle (p = 0,003, RC: 4,02 e IC de 95%: 1,64-9,83), apesar de os valores de p não terem sido significativos após correção pelo teste de Bonferoni, multiplicando o valor de p pelo número de antígenos, conforme mostrado na tabela 3.

Table 2
HLA-A* allele frequency in patients with Dupuytren's contracture patients and control group.
Table 3
HLA-B* allele frequency in patients with Dupuytren's contracture and control group.
Table 4
HLA-DRB1* allele frequency in patients with Dupuytren's contracture and control group.
Table 5
HLA-DQB1* allele frequency in patients with Dupuytren's contracture and control group.

Discussão

Apesar de a CD ser descrita há séculos, sua etiologia e patologia continuam pouco entendidas.29 Até o momento, vários fatores de risco ambiental têm sido implicados em CD, incluindo fumo, consumo de álcool, diabetes, epilepsia e trauma. Muitos pacientes com CD acreditam que sua condição foi causada por trabalho pesado ou trauma. O próprio Dupuytren, em princípio, acreditava ser essa a causa da doença, pois vários pacientes que ele estudou eram operários.12 No presente estudo, foi predominante atividade moderada a pesada.

Estudos epidemiológicos indicam uma alta prevalência de CD entre homens caucasianos, com 50 anos de idade ou mais, do norte da Europa, e isso é citado como a doença hereditária mais comum do tecido conjuntivo nessa população.2930 Estudos anteriores mostraram que os homens são mais comumente afetados que as mulheres, e a doença surge em idade precoce. Nosso estudo também revelou que a maioria dos pacientes era homens com idade acima de 50 anos; a idade média da manifestação da doença em mulheres foi mais tardia do que em homens, ainda que a doença bilateral tenha sido mais comum em homens, de acordo com a literatura.31

Apesar de haver comprovação de envolvimento genético no início da CD, não há um consenso com relação ao papel específico da genética na susceptibilidade à CD. Até o momento, nenhum gene específico foi descrito como um fator de risco para essa doença, apesar de alguns estudos terem sido conduzidos para elucidar o papel da genética na imunopatogênese da mesma.103233

Atualmente, sabe-se que os linfócitos T reconhecem os antígenos quando acompanhados por moléculas do HLA na superfície das células que apresentam antígenos sempre que uma resposta imune específica é iniciada, como a produção de interceulinas, proliferação, controle de moléculas efetoras e funções reguladoras de linfócitos.34

Atualmente, várias doenças estabeleceram ligações genéticas com o complexo do HLA, como narcolepsia e HLA-DR2, artrite reumatoide e HLA-DR4, 3536 hemocromatose e HLA-A3, psoríase e HLA-Cw6,37 esclerose múltipla e HLA-DR2 e doença celíaca e HLA-DR3.38 Os mecanismos das associações com os alelos específicos ainda não são totalmente entendidos. Acredita-se que para algumas dessas doenças haja uma falha na expressão da molécula do HLA, resultando em moléculas deficientes. Em outros casos, defeitos em outros genes podem influenciar na expressão das moléculas do HLA na superfície celular.3940

Segundo Ottenhoff et al.,41 os mesmos antígenos são reconhecidos em indivíduos que adoecem e em indivíduos saudáveis, porém há diferenças na capacidade dos indivíduos em responder a essas proteínas. Sabe-se que o HLA varia de acordo com a etnia e a localização geográfica dos pacientes. O Brasil mostra uma etnia extremamente misturada, distribuída em uma vasta região geográfica. Devido a essas peculiaridades, é extremamente importante estudar a correlação dos alelos HLA e da CD nessa população.42

Resultados discordantes ou não reproduzidos para a associação da HLA com a CD aparecem na literatura. Shih et al.29 sugeriram um possível papel do haplótipo ancestral HLA A1-B8-DR3 na CD. Estudos de Neumüller et al.24 e Brown et al.10 descrevem que o HLA-DR3 e o HLA-DRB1*15, respectivamente, são fatores de risco para CD; contudo, essa associação genética ainda não foi patofisiologicamente explicada.

Os resultados deste estudo não confirmam os achados descritos acima, uma vez que encontramos aumento do HLA-B*18 em pacientes com CD, em comparação à baixa incidência no grupo controle em uma população brasileira. Apesar de esses dados perderem relevância após a correção estatística, o aumento na frequência desse alelo em indivíduos com CD não deve ser negligenciado, considerando o pequeno número de pacientes estudados. Contudo, esses resultados não podem ser interpretados como ausência de efeito, pois o estudo teve um alcance de 100%.

O desacordo entre os resultados obtidos neste estudo e nos dados da literatura poderão resultar da base genética dos pacientes, bem como dos diferentes grupos étnicos, das regiões geográficas estudados e das técnicas utilizadas para determinar os detalhes do HLA.42

O alelo HLA-B*18 é encontrado nas populações italiana e espanhola com uma frequência superior a 18% e 14%, respectivamente; contudo, na população brasileira, esse alelo é observado apenas em 8%.43 É interessante observar que dos 25 pacientes estudados, 20 eram de descendência italiana e/ou espanhola, o que pode sugerir uma associação de etnicidade com uma maior incidência dessa doença, apesar de nossos resultados não terem mostrado uma forte associação desse alelo com CD.

Estudos futuros com uma coorte maior de pacientes com CD podem confirmar o possível papel do HLA nessa doença e ajudar a entender a imunopatogênese, bem como contribuir para o desenvolvimento de modelos de diagnóstico, prevenção e regimes de tratamento adequados para os pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2013
  • Aceito
    14 Maio 2013
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