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A busca por novos biomarcadores na esclerose sistêmica

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença reumática autoimune crônica com curso heterogêneo, cujo seguimento e tratamento permanecem desafiadores. Nesse sentido, a identificação de biomarcadores para avaliação de atividade de doença, do risco de acometimento de órgãos internos e do seu prognóstico é de extrema importância.

Nos últimos anos, diversos avanços foram feitos em relação à identificação de biomarcadores séricos e de determinados fenótipos associados a maior risco de desenvolvimento de determinadas manifestações, como pneumopatia intersticial, hipertensão arterial pulmonar e crise renal esclerodérmica.11 Hasegawa M. Biomarkers in systemic sclerosis: their potential to predict clinical courses. J Dermatol. 2016;43(1):29-38. Assim, a presença de anticorpos anti-Scl70 está associada à forma clínica cutânea difusa e a um pior prognóstico. Níveis séricos de KL-6, proteína D do surfactante, lisil oxidase (LOX), tenascina-C, CXCL4 e CCL18 parecem ser biomarcadores promissores para avaliação da gravidade da fibrose nas pneumopatias intersticiais associadas à ES.22 Hant FN, Ludwicka-Bradley A, Wang HJ, Li N, Elashoff R, Tashkin DP, et al. Surfactant protein D and KL-6 as serum biomarkers of interstitial lung disease in patients with scleroderma. J Rheumatol. 2009;36(4):773-80.,33 Fan MH, Feghali-Bostwick CA, Silver RM. Update on scleroderma-associated interstitial lung disease. Curr Opin Rheumatol. 2014;26(6):630-6. Já os níveis dos peptídeos natriuréticos BNP e NT-pró-BNP vêm sendo usados como biomarcadores de hipertensão arterial pulmonar.11 Hasegawa M. Biomarkers in systemic sclerosis: their potential to predict clinical courses. J Dermatol. 2016;43(1):29-38. Um estudo recente mostrou níveis séricos significativamente mais elevados do fator de crescimento placentário e do receptor solúvel 1 do VEGF em pacientes com hipertensão pulmonar em comparação com pacientes com ES sem hipertensão pulmonar, o que indicando o seu potencial como biomarcadores para hipertensão pulmonar.44 McMahan Z, Schoenhoff F, Van Eyk JE, Wigley FM, Hummers LK. Biomarkers of pulmonary hypertension in patients with scleroderma: a case–control study. Arthritis Res Ther. 2015;17:201. Apesar dos avanços, novos estudos fazem-se necessários para identificação e validação de biomarcadores em pacientes com ES.

Nesta edição, temos quatro publicações que avaliam diferentes aspectos clínicos e laboratoriais de pacientes com ES.

Olewicz-Gawlik et al. avaliaram os níveis séricos das proteínas de células de Clara (CC16) em pacientes com ES.55 Olewicz-Gawlik A, Trzybulska D, Kuznar-Kaminska B, Katulska K, Danczak-Pazdrowska A, Batura-Gabryel H, et al. Níveis séricos de proteína de células de Clara de 16 kDa (CC16) e comprometimento pulmonar em pacientes com esclerose sistêmica. Rev Bras Reumatol. 2016;56:309-13. CC-16 é uma proteína expressa no trato respiratório, secretada por células localizadas no epitélio brônquico, que tem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes. Apesar de não ter sido encontrada diferença nos níveis séricos de CC16 entre pacientes com ES e controles, observou-se associação entre os níveis de CC16 e acometimento pulmonar mais grave. Os resultados corroboram achados de estudo anterior que encontrou associação entre os níveis de CC16 e atividade pulmonar em pacientes esclerodérmicos66 Hasegawa M, Fujimoto M, Hamaguchi Y, Matsushita T, Inoue K, Sato S, et al. Use of serum clara cell 16-kDa (CC16) levels as a potential indicator of active pulmonary fibrosis in systemic sclerosis. J Rheumatol. 2011;38(5):877-84. e sugerem que o CC16 possa ser um biomarcador sérico potencial para avaliação de pneumopatia intersticial.

Já Sampaio-Barros et al. encontraram correlação significativa entre os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D (25OHD) e qualidade de vida em pacientes com ES forma difusa.77 Sampaio-Barros MM, Takayama L, Sampaio-Barros PD, Bonfá E, Pereira RM. Baixos níveis séricos de vitamina D na esclerose sistêmica difusa: correlação com pior qualidade de vida e alterações capilaroscópicas graves. Rev Bras Reumatol. 2016;56:337-44. Adicionalmente encontraram uma correlação negativa entre maior grau de desvascularização na capilaroscopia periungueal e os níveis de vitamina D, além de níveis reduzidos de vitamina D em pacientes com anticorpo anti-Scl70 positivo. Tais resultados sugerem que os níveis séricos de vitamina D possam ser usados com biomarcadores de pior qualidade de vida. No entanto, não se pode concluir se a redução dos níveis de vitamina D estaria diretamente relacionada à pior qualidade de vida desses pacientes ou se tal correlação está relacionada à doença mais grave, já que foram avaliados apenas pacientes com a forma difusa da doença. Por outro lado, os achados são consistentes com diversos estudos que descrevem elevada frequência de deficiência de 25OHD em pacientes com ES. Adicionalmente, estudos in vitro sugerem que múltiplas formas endógenas de vitamina D3 têm propriedades antifibróticas e podem ser um futuro alvo terapêutico na ES.88 Pattanaik D, Brown M, Postlethwaite BC, Postlethwaite AE. Pathogenesis of systemic sclerosis. Front Immunol. 2015;6:272.

Finalmente, dois estudos de um mesmo grupo avaliaram dois aspectos que demonstram a heterogeneidade clínica da ES.99 Horimoto AM, Silveira AFC, Costa IP. Autoimunidade familial e poliautoimunidade em 60 pacientes portadores de esclerose sistêmica da região Centro-Oeste do Brasil. Rev Bras Reumatol. 2016;56:314-22.,1010 Horimoto AM, Costa IP. Sobreposição de esclerose sistêmica e artrite reumatóide: uma entidade clínica distinta? Rev Bras Reumatol. 2016;56:287-98. No primeiro estudo, observou-se uma frequência elevada de poliautoimunidade e de autoimunidade familiar em um grupo de 60 pacientes com ES.99 Horimoto AM, Silveira AFC, Costa IP. Autoimunidade familial e poliautoimunidade em 60 pacientes portadores de esclerose sistêmica da região Centro-Oeste do Brasil. Rev Bras Reumatol. 2016;56:314-22. O segundo estudo propôs-se a analisar as características de pacientes com e sem artrite ou com síndrome de superposição com artrite reumatoide.1010 Horimoto AM, Costa IP. Sobreposição de esclerose sistêmica e artrite reumatóide: uma entidade clínica distinta? Rev Bras Reumatol. 2016;56:287-98. A frequência de artrite foi de 26% e de superposição com artrite reumatoide de 6,6%, números semelhantes aos de estudos prévios. De modo interessante, os pacientes com artrite e com síndrome de superposição apresentaram uma tendência a pior qualidade de vida em comparação com pacientes sem artrite. Observou-se também uma elevada frequência de alterações radiográficas caracterizadas por redução do espaço articular e/ou erosões subcondrais, sugeriu-se que a artrite desses pacientes pode evoluir de forma mais agressiva.

Em resumo, os estudos publicados mostram as múltiplas facetas da ES e reforçam a necessidade da busca por biomarcadores reprodutíveis e facilmente aplicáveis na prática clínica, para a identificação de pacientes com risco de desenvolvimento de manifestações mais graves e, por fim, o tratamento precoce.

References

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    Fan MH, Feghali-Bostwick CA, Silver RM. Update on scleroderma-associated interstitial lung disease. Curr Opin Rheumatol. 2014;26(6):630-6.
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    McMahan Z, Schoenhoff F, Van Eyk JE, Wigley FM, Hummers LK. Biomarkers of pulmonary hypertension in patients with scleroderma: a case–control study. Arthritis Res Ther. 2015;17:201.
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    Hasegawa M, Fujimoto M, Hamaguchi Y, Matsushita T, Inoue K, Sato S, et al. Use of serum clara cell 16-kDa (CC16) levels as a potential indicator of active pulmonary fibrosis in systemic sclerosis. J Rheumatol. 2011;38(5):877-84.
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    Sampaio-Barros MM, Takayama L, Sampaio-Barros PD, Bonfá E, Pereira RM. Baixos níveis séricos de vitamina D na esclerose sistêmica difusa: correlação com pior qualidade de vida e alterações capilaroscópicas graves. Rev Bras Reumatol. 2016;56:337-44.
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    Horimoto AM, Silveira AFC, Costa IP. Autoimunidade familial e poliautoimunidade em 60 pacientes portadores de esclerose sistêmica da região Centro-Oeste do Brasil. Rev Bras Reumatol. 2016;56:314-22.
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    Horimoto AM, Costa IP. Sobreposição de esclerose sistêmica e artrite reumatóide: uma entidade clínica distinta? Rev Bras Reumatol. 2016;56:287-98.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016
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