O papel da telessaúde nos serviços de saúde sexual e reprodutiva em resposta à COVID-19

Resumo

Este artigo de opinião traz algumas considerações sobre vantagens e desafios do uso da telessaúde em serviços de saúde sexual e reprodutiva focado no planejamento familiar diante do novo cenário da pandemia da COVID-19.

Palavras-chave
Telessaúde; Serviços de saúde reprodutiva; COVID-19

Abstract

This opinion article brings considerations about advantages and challenges with the use of telehealth in sexual and reproductive health services aiming family planning in the face of COVID-19 pandemic new scenario.

Key words
Telehealth; reproductive health services; COVID-19

Introdução

Desde Março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS), declarou a COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus (SARS- CoV-2), como uma pandemia, a população mundial teve que se adaptar a essa nova condição e passou a adotar muitas mudanças no estilo de vida. Sobrecarga nos serviços de saúde bem como readequações socioeconómicas e comportamentais passaram a ser os novos desafios que a sociedade contemporânea precisou enfrentar.^1,2

Entre diversas medidas preventivas utilizadas para mitigar a propagação da COVID-19, incluindo quarentena compulsória, lockdown e restrição ao atendimento nos serviços de saúde, o uso da tele-saúde apresenta-se como uma alternativa de cuidado, visto que, não requer contato pessoal, o que pode reduzir o impacto da pandemia. Embora o uso da telessaúde já estivesse aumentado globalmente nos últimos anos, o momento atual da pandemia veio torná-la uma realidade para muitos países em desenvolvimento e muitos serviços têm conseguido constatar a sua efetividade.^1-3

Organizações mundialmente respeitadas como Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG) reforçaram o uso ampliado do sistema de telessaúde nesse contexto de pandemia.^4,5 Muitos estudos já vem demonstrando várias vantagens do emprego da telesaúde pela possibilidade de sua utilização por profissionais de saúde pertencentes aos grupos de risco, bem como, por eliminação de barreiras geográficas e redução do tempo de espera para acessar os serviços de saúde.^2,6,7 A telesaúde também funciona como importante ferramenta para troca de informação e melhor colaboração inter-profissional, gerando formas de aprendizado contínuo e melhoria das habilidades profissionais.⁵ Entre os vários benefícios trazidos pelo uso da tele-saúde, um estudo de revisão encontrou altos índices de satisfação dos usuários, diminuição da ansiedade dos pacientes com visitas virtuais e menor número de consultas perdidas.⁸

Embora os pacientes aceitem essa forma de cuidado com a saúde, os gestores dos serviços de saúde devem ficar alerta para alguns obstáculos que possam surgir durante a implantação dessa nova ferramenta tecnológica. Entre estes obstáculos, tem-se observado, que mesmo em um cenário emergencial, as pessoas tendem a utilizar os serviços de tele-saúde da forma como faziam antes da pandemia, e buscam ser atendidos pelo profissional que já conhecem, não aceitando atendimento por um novo profissional, o que pode limitar o teleatendimento. O desconhecimento em relação ao uso da tecnologia bem como o acesso a mesma também são fatores que podem dificultar o processo de implantação da tele-saúde.²

Outro aspecto importante que deve ser considerado durante a adoção da telesaúde diz respeito ao momento em que os serviços de telessaúde são prestados, podendo ser realizados nas formas síncrona e assíncrona. A primeira é em tempo real, ao vivo, com comunicação em duas vias, na qual provedores de saúde e pacientes veem e ouvem uns aos outros. A modalidade assíncrona se baseia em um sistema de armazenamento e encaminhamento das informações do paciente (usuário do sistema) e posterior visualização e revisão pelos profissionais do serviço de saúde (provedor).^3-5

Devido a crescente utilização dos serviços de telesaúde, alguns estudos têm demonstrado as consequências não desejadas de diferentes projetos de telessaúde.^9-13

Essas consequências não desejadas, ou Unwanted Consequences (UCs) seriam os resultados que não são esperados pelos gestores que planejaram a inovação.⁹ Exemplos de algumas consequências negativas ou efeitos colaterais tem sido documentadas, a exemplo do aumento do estresse e ansiedade com o uso da nova tecnologia, demandas de treinamento pelos profissionais de saúde, mudanças nos fluxos de trabalho, além do aumento da dependência da própria tecnologia.^9-13

A iniciativa de telessaúde aplicada aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, que são serviços considerados essenciais, ocorreu de forma bastante sensata e encorajada por governos, autoridades de saúde e organizações não governamentais, desde que não poderiam ser interrompidos durante esse momento de emergência na saúde pública.^2,4,14

Entendemos que qualquer serviço relacionado à saúde reprodutiva que se utilize da tecnologia eletrônica de comunicação para fornecer serviços de contracepção ou aconselhamento contraceptivo, constituem uma opção segura e custo efetiva positiva.^4,14,15

Concomitantemente ao incentivo da utilização da telesaúde nos serviços de planejamento reprodutivo, algumas associações médicas passaram a adotar novas recomendações baseadas em evidências científicas em resposta às ameaças trazidas pela pandemia à saúde sexual e reprodutiva das mulheres e bem-estar de suas famílias. O adiamento da esterilização cirúrgica, o uso estendido off-label dos métodos contraceptivos reversíveis de longa duração (LARC), como os Dispositivos Intra Uterinos (DIU) e implantes, são algumas diretrizes que vem norteando de forma bastante prudente alguns serviços de saúde sexual e reprodutiva.^7,16-18 Apoiamos a expansão dos serviços de planejamento familiar pós-parto recomendada pela FIGO (Federação Internacional de Obstetras e Ginecologistas) através de seu Comitê de Planejamento Familiar, dando ênfase ao fornecimento de métodos LARC.^16-18

Inovações em muitas práticas contraceptivas foram implementadas em diferentes situações. A Faculdade de Saúde Sexual e Reprodutiva do Reino Unido e a Sociedade de Obstetras e Ginecologistas do Canadá apoiam a prescrição remota das pílulas de progesterona isolada ou combinadas ao estrogênio, durante a pandemia, por até um ano,^15-17 além de recomendarem que mulheres que desejam contracepção injetável possam procurar vídeos tutoriais de autoinjeção de DMPA (Medroxiprogesterona de Depósito).¹⁹ Na Califórnia, EUA, serviços de drive-through para contraceptivos injetáveis, bem como o fornecimento de autoinjetáveis direto nas farmácias, tem sido alguns dos serviços ofertados que merecem destaque.¹⁵ Inúmeras visitas de aconselhamento e acompanhamento do uso de métodos contraceptivos têm sido mundialmente realizadas por meio de telesuporte, onde os provedores de saúde que trabalham em regiões com insumos escassos como em muitas cidades do Brasil, realizam uma abordagem centrada nas necessidades individuais de cada usuária tentando usar de forma eficiente os recursos tecnológicos disponíveis.

Mesmo em serviços onde a infraestrutura de tecnologia para telessaúde é possível, poderá haver situações onde o atendimento presencial é necessário e nestes casos, deve-se observar a garantia de todos os procedimentos de segurança sanitária. Recomenda-se assim ainda o agendamento das consultas, a organização da sala de espera seguindo todas as medidas de distanciamento social e o uso de equipamentos de proteção individual adequados.¹⁵

Nessa perspectiva, acreditamos no acesso a serviços de planejamento reprodutivo de alta qualidade que utilizem a telesaúde e ofereçam uma ampla variedade de métodos contraceptivos respeitando sempre os princípios de autonomia, dignidade e confidencialidade da usuária, os quais, independem do contexto da pandemia.^7,15 Usuárias dos serviços de telesaúde capazes de planejar seu futuro reprodutivo, que possam ter a opção de prevenir uma gestação indesejada de forma segura, decidindo sobre quando e quantos filhos querem ter, escolhendo o espaçamento entre as gestações, bem como o momento de limitar a sua família de maneira segura e saudável, são usuárias confiantes e inclusas socialmente.

Durante o projeto de implantação e adoção de serviços de telesaúde na atenção ao planejamento reprodutivo, além de respeitar os preceitos de autonomia e dignidade das usuárias, o serviço de saúde precisa planejar questões relativas ao financiamento, logística e recursos humanos. Soma-se ao engajamento e a satisfação do usuário, que também são importantes ferramentas no processo de implantação. Um detalhado entendimento sobre mudanças legais e regulatórias que regem os serviços de tele-saúde, coexistência de serviços predatóriose sustentabilidade desses serviços implantados são desafios que ainda persistem.^1,5,9

Por fim, destacamos a relevância e a necessidade de estudos futuros de pesquisa e avaliação dos serviços de telesaúde, considerando as circunstâncias e ambientes onde o serviço é implementado, a complexidade do seu processo de implantação, a forma como o serviço é percebido pela comunidade e seu potencial para engajar usuários e prestadores no processo.^9,20

Dessa forma, acreditamos que o desenvolvimento, implantação e uso de serviços de telessaúde não deve limitar-se a um processo meramente técnico, onde são avaliados apenas os efeitos e benefícios esperados da tecnologia. Ressaltamos a importância de futuros estudos que analisem de forma contínua a incorporação e gestão dos serviços de telesaúde na atenção a saúde sexual e reprodutiva. Contínuas avaliações que considerem a interdependência dos fatores humanos, tecnológicos, econômicos, éticos e socioculturais que possam influenciar a implantação e uso dos serviços de tele-saúde são relevantes e devem ser pensados para além da pandemia da COVID-19.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Fev 2021
• Data do Fascículo
  Fev 2021

Histórico

• Recebido
  23 Set 2020
• Aceito
  30 Out 2020