Resumos
OBJETIVOS: analisar a aplicação do protocolo do "Projeto Nascer Maternidades", estratégia do Ministério da Saúde para a adoção de medidas profiláticas e/ou terapêuticas no momento do parto, para gestantes com sorologias para sífilis/Aids desconhecidas, no primeiro ano de implantação em uma maternidade de referência em Feira de Santana, Bahia, Brasil. MÉTODOS: foram analisadas sorologias para HIV e sífilis solicitadas no pré-natal e na maternidade e a adoção de medidas profiláticas e/ou terapêuticas. Os dados foram coletados em uma amostra randomizada de 337 prontuários de gestantes admitidas para assistência obstétrica no período de julho de 2003 a julho de 2004. RESULTADOS: no pré-natal, 8,4% das gestantes realizaram sorologia para HIV e 8% para sífilis. Na maternidade, o teste rápido para HIV foi realizado para 17,7% das gestantes e o VDRL para 97,8%. A profilaxia das gestantes infectadas pelo HIV foi aplicada no momento do parto. Quanto à sífilis, não houve tratamento para 80% das mulheres com VDRL reagente. Os recém-nascidos foram tratados. CONCLUSÕES: as determinações do "Projeto Nascer-Maternidades" não foram seguidas no primeiro ano de implantação na maternidade estudada.
HIV; Sífilis; Gravidez; Transmissão vertical de doença
OBJECTIVES: to analyze the implementation of the Nascer Maternidades Project protocol, a guideline from the Brazilian Ministry of Health for prophylactic/therapeutic measures on delivery for pregnant women whose serological status vis-à-vis syphilis/HIV was unknown in the first year of implementation, at Maternity Hospital Referral Centre in Feira de Santana, Bahia, Brazil. METHODS: the women's serum was analyzed for HIV and syphilis, as requested during prenatal sessions or at the maternity hospital, and prophylactic and/or therapeutic measures were adopted. Data were obtained from 337 randomized medical records of pregnant women admitted to obstetric care between July 2003 and July 2004. RESULTS: during the prenatal follow-up, 8.4% and 8.0% of the pregnant women were tested for HIV and syphilis, respectively. On delivery, HIV rapid test was performed to 17.7% and VDRL to 97.8%. Prophylactic measures for HIV were taken on delivery in the case of HIV-infected women. Eighty percent of the VDRL positive women were not treated for syphilis, although all their newborns were treated. CONCLUSIONS: the "Nascer Maternidades Project" guidelines were ineffective during the first year of implementation at the maternity hospital under study.
HIV; Syphilis; Pregnancy; Disease transmission; vertical
ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES
Aplicação do protocolo do "Projeto Nascer Maternidades" em uma maternidade de referência em Feira de Santana, Bahia, Brasil
Implementation of the "Projeto Nascer Maternidades" in a reference maternity of the city of Feira de Santana, State of Bahia, Brazil
Normeide Pedreira dos Santos; Bernardo Galvão Castro; Maria Fernanda Rios-Grassi
Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Campus II. Av. Dom João VI, 275. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40.290-000 E-mail: grassi@bahia.fiocruz.br
RESUMO
OBJETIVOS: analisar a aplicação do protocolo do "Projeto Nascer Maternidades", estratégia do Ministério da Saúde para a adoção de medidas profiláticas e/ou terapêuticas no momento do parto, para gestantes com sorologias para sífilis/Aids desconhecidas, no primeiro ano de implantação em uma maternidade de referência em Feira de Santana, Bahia, Brasil.
MÉTODOS: foram analisadas sorologias para HIV e sífilis solicitadas no pré-natal e na maternidade e a adoção de medidas profiláticas e/ou terapêuticas. Os dados foram coletados em uma amostra randomizada de 337 prontuários de gestantes admitidas para assistência obstétrica no período de julho de 2003 a julho de 2004.
RESULTADOS: no pré-natal, 8,4% das gestantes realizaram sorologia para HIV e 8% para sífilis. Na maternidade, o teste rápido para HIV foi realizado para 17,7% das gestantes e o VDRL para 97,8%. A profilaxia das gestantes infectadas pelo HIV foi aplicada no momento do parto. Quanto à sífilis, não houve tratamento para 80% das mulheres com VDRL reagente. Os recém-nascidos foram tratados.
CONCLUSÕES: as determinações do "Projeto Nascer-Maternidades" não foram seguidas no primeiro ano de implantação na maternidade estudada.
Palavras-chave HIV, Sífilis, Gravidez, Transmissão vertical de doença
ABSTRACT
OBJECTIVES: to analyze the implementation of the Nascer Maternidades Project protocol, a guideline from the Brazilian Ministry of Health for prophylactic/therapeutic measures on delivery for pregnant women whose serological status vis-à-vis syphilis/HIV was unknown in the first year of implementation, at Maternity Hospital Referral Centre in Feira de Santana, Bahia, Brazil.
METHODS: the women's serum was analyzed for HIV and syphilis, as requested during prenatal sessions or at the maternity hospital, and prophylactic and/or therapeutic measures were adopted. Data were obtained from 337 randomized medical records of pregnant women admitted to obstetric care between July 2003 and July 2004.
RESULTS: during the prenatal follow-up, 8.4% and 8.0% of the pregnant women were tested for HIV and syphilis, respectively. On delivery, HIV rapid test was performed to 17.7% and VDRL to 97.8%. Prophylactic measures for HIV were taken on delivery in the case of HIV-infected women. Eighty percent of the VDRL positive women were not treated for syphilis, although all their newborns were treated.
CONCLUSIONS: the "Nascer Maternidades Project" guidelines were ineffective during the first year of implementation at the maternity hospital under study.
Key words HIV, Syphilis, Pregnancy, Disease transmission, vertical
Introdução
A Aids pediátrica e a sífilis congênita exercem grande impacto sobre a saúde materno-infantil. A transmissão vertical é a via de aquisição do HIV para 90,6% de todas as crianças com Aids. No Brasil, cerca de 10.000 crianças menores de 13 anos foram infectadas por transmissão vertical.1 Na Bahia, foram notificados 206 casos de transmissão materno-infantil do HIV.2
Quanto à sífilis, a infecção durante a gestação pode resultar em sífilis congênita, manifestada através de aborto, morte fetal ou doença sintomática precoce ou tardia.3 No Brasil, a prevalência de sífilis em gestantes foi estimada em 1,6% (variando de 1,3% na região Centro-Oeste a 1,9% no Nordeste), e a taxa de transmissão pode ocorrer em 25%, estimando-se em 12.000l o número de nascidos vivos com sífilis congênita.4
A adoção de medidas profiláticas, baseadas no Protocolo 076 do Aids Clinical Trial Group, o qual demonstrou a redução da transmissão vertical do HIV em cerca de 67%, teve importante impacto.5 Entretanto, estima-se que 15 a 30% dos filhos de mulheres infectadas adquirem o HIV por não ter sido realizada a profilaxia.6 Destacam-se como falhas na aplicação dos protocolos a ausência de solicitação do teste para HIV na gestação e a qualidade do aconselhamento prévio à solicitação do exame, quando essa ocorre.7,8 No Brasil, a taxa de transmissão vertical de HIV tem reduzido devido à aplicação de medidas profiláticas, passando de 16% em 19979 a 7,5%, entre 2003 e 2004, de acordo com estudo multicêntrico.10
Apesar de o Ministério da Saúde recomendar testagem universal das gestantes no pré-natal para HIV e sífilis,11 os dados disponíveis sugerem que essas infecções são sub-diagnosticadas na gestação. A qualidade do pré-natal está implicada na incidência e no desfecho da sífilis congênita, havendo uma relação inversa entre o número de consultas pré-natal e o risco de resultados fatais.12,13
O "Projeto Nascer Maternidades" foi instituído em 2002 no Sistema Único de Saúde (SUS),14 visando resgatar a oportunidade perdida de diagnóstico pré-natal. Suas diretrizes determinam a realização de testes de todas as parturientes que não comprovem, peri-parto, sorologias negativas para HIV e sífilis realizadas no pré-natal e a adoção de medidas profiláticas e/ou terapêuticas, face à positividade dos exames. A triagem diagnóstica é realizada através do teste rápido para HIV e do VDRL.15
Feira de Santana é a segunda cidade do estado da Bahia com maior número de casos acumulados de Aids (578), até 2004.2 O número de casos notificados de sífilis congênita cresceu entre os anos de 2000 e 2005, passando de 5 a 32, respectivamente, correspondendo, neste último ano, a cerca de 3 casos por 1000 nascidos vivos. Até outubro de 2006, já foram notificados 20 casos, podendo indicar que a transmissão vertical da sífilis ainda não está completamente controlada nesse município.16 O Projeto Nascer-Maternidades foi implantado em cinco maternidades dessa cidade em junho de 2003, após capacitação das equipes conforme padronização do Ministério da Saúde.15
O presente trabalho analisa, pela primeira vez, nesse município, a aplicação das normas preconizadas pelo Projeto Nascer-Maternidades em uma das maternidades de referência, no período imediato à implantação desse projeto.
Métodos
Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo, com o objetivo de verificar a realização de exames sorológicos para HIV e sífilis no pré-natal e na maternidade e intervenções terapêuticas e/ou profiláticas quando indicados.
O estudo foi baseado no período de julho de 2003 a julho de 2004 (no primeiro ano de implantação do "Projeto Nascer-Maternidades"), em uma das maternidades de referência, localizada em Feira de Santana, município com população estimada em 527.625 habitantes.17 Os autores optaram por manter sigilo quanto ao nome da maternidade, devido ao escopo do trabalho.
A instituição foi escolhida porque, entre as cinco maternidades de referência, foi a que teve a maior proporção de profissionais capacitados para esse projeto: 100% dos pediatras vinculados à assistência perinatal, 33,3% dos residentes de pediatria, 33,3% dos obstetras, 75% dos residentes de obstetrícia da época, 100% das enfermeiras e 86,6% dos técnicos e auxiliares de enfermagem. A capacitação foi realizada pelas Oficinas de Capacitação para o "Projeto Nascer-Maternidades" em Feira de Santana, 2003, a qual posteriormente resultou em um relatório técnico da Coordenação Municipal DST/HIV/AIDS.
As internações para assistência obstétrica (partos ou abortamentos) realizadas no período do estudo (1182) foram identificadas no livro de registros de admissões do Centro Obstétrico. O tamanho da amostra foi estimado em 282 prontuários (alfa=5%; estimativa da proporção verdadeira de prevenção correta: 60%, para uma imprecisão máxima de 5%). O tamanho da amostra foi corrigido acrescentando-se 10% (28) prontuários por previsão de perdas e mais 20% (56) pela não estratificação da população antes da randomização. Foram selecionados randomicamente 366 prontuários.
Os dados foram coletados nos prontuários obstétricos das gestantes envolvidas no estudo, sendo também utilizadas fontes complementares como prontuários dos recém-nascidos, declarações de nascidos vivos e de óbitos, livros de ocorrências do centro obstétrico e do laboratório do hospital. A ausência de informações necessárias ao estudo nas fontes de pesquisa foi considerada critério de exclusão.
As seguintes variáveis maternas foram consideradas de interesse para o estudo: idade, procedência, estado civil, paridade, realização de pré-natal, tipo de parto, via de parto, produto da concepção, realização de testes de triagem para HIV (sorologia no pré-natal, teste rápido na maternidade) e para sífilis (VDRL), uso de terapêutica no pré-natal, adoção de medidas profiláticas e/ou terapêuticas na maternidade face à positividade dos testes. Para os recém-nascidos de mães com sorologias positivas para HIV e/ou sífilis foram pesquisados: sexo, peso, idade gestacional, realização de VDRL, medidas terapêuticas adotadas se VDRL reagente, e profilaxia para transmissão vertical do HIV.
Os dados coletados foram expressos em medidas de tendência central (média, mediana, proporções) e de dispersão (desvio padrão). Para as análises estatísticas foi utilizado o software BioEstat versão 3.0 (Sociedade civil Mamimura/MCT-CNPq).
O estudo foi autorizado pelo diretor da instituição e realizado após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências (parecer n° 39/2005), estando, portanto, condicionado ao cumprimento dos princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki (1964, reformulada em 1975, 1983, 1989, 1996 e 2000) da World Medical Association, e na Resolução CNS 196/96.
Resultados
Da amostra inicial de 366 gestantes, foram analisados os prontuários e registros de 337 destas. Houve perda de 29 (8%) prontuários, os quais não foram localizados no arquivo. As características demográficas e obstétricas das gestantes estão descritas na Tabela 1: a média de idade por grupos foi 24,5±6,5 anos, com mediana de 23 (variando de 14 a 47 anos). O maior número de gestantes (33%) estava concentrado na faixa etária de 20 a 24 anos. A gestação em adolescentes (14 a 19 anos) ocorreu em 24% dos casos (81/337). Quanto à procedência, 61,7% das mulheres eram de Feira de Santana. Mais da metade das mulheres (54%) referiu ser solteira (182/337), 29,4% foi o percentual de casadas (99/337); apenas 0,6% (2/337) eram viúvas. Em 16% dos prontuários não havia referência ao estado civil. A média de gestações por mulher foi de 2,5±2,2 e mediana de 2 (1 a 18). Das 337 gestantes avaliadas, ocorreram 329 gestações únicas (97,6%) e 8 gestações duplas (2,4%), resultando em 324 nativivos (93,9%), 18 natimortos (5,2%) e 3 abortos (0,9%). Quanto à via de parto, 63,8 % dos partos foram por via vaginal (215/337) e 36,2% foram cesáreas (122/337).
A Tabela 2 ilustra as características da assistência prestada às gestantes em relação ao acompanhamento pré-natal: a maioria das gestantes (84,6%) realizou ao menos uma consulta, enquanto 8,3% não fizeram pré-natal. Em 7,1% dos prontuários não existiam informações relativas à realização de pré-natal.
O registro de informações sobre realização de pré-natal (sim/não) foi avaliado por categoria profissional. Os técnicos em enfermagem registraram a informação em 92,3% dos prontuários (311/337), enquanto os enfermeiros do setor referiram em apenas 8,4% (62/337). Os obstetras (plantonistas ou médicos residentes) referiram a realização ou ausência de pré-natal em 15,1% dos prontuários (51/337) e os pediatras (preceptores ou médicos residentes) informaram em 32% dos casos (108/337).
Entre as 285 gestantes que referiram pré-natal, apenas 24 (8,4%) informaram ter feito sorologia para HIV na gestação. Para a maior parte das gestantes que tiveram assistência pré-natal (91,6%), não houve solicitação da sorologia ou não havia relato sobre a sua realização em prontuário (261/285). Referente à realização de sorologia para sífilis no pré-natal, 8% (23/285) das gestantes assistidas informaram ter feito o exame na gestação. Para 92% das gestantes que tiveram assistência pré-natal (262/285), não houve solicitação da sorologia ou não havia relato sobre a sua realização em prontuário.
A proporção de gestantes que realizaram o teste rápido para HIV e o VDRL na maternidade, de acordo com o acompanhamento pré-natal, está ilustrado na Figura 1. A análise do grupo das 313 gestantes que não tinham sido previamente testadas durante o pré-natal, ou para as quais não havia relato de exame, mostrou que o teste rápido foi realizado em 56 mulheres (17,7%). A proporção de exames realizados na maternidade no grupo de mulheres que foram acompanhadas no pré-natal (18,4%) foi semelhante à do grupo sem acompanhamento (21,4%). O teste rápido foi rea-lizado na maternidade em 8,3% das mulheres sem relato de pré-natal. Todos os testes rápidos rea-lizados na maternidade foram solicitados pelos enfermeiros do centro obstétrico, não havendo quaisquer referências ao exame nas anotações dos obstetras.
Quanto à triagem para sífilis na maternidade, das 314 gestantes que não tinham sido previamente testadas durante a gestação, ou para as quais não havia relato de exame, o VDRL foi realizado em 306 mulheres (97,5%). A proporção de exames realizados no grupo de mulheres acompanhadas no pré-natal foi de 97,3%. O VDRL foi realizado em 100% das gestantes sem acompanhamento pré-natal e em 95,8% das gestantes sem referência a acompanhamento na gestação. Além disso, apenas uma entre as 23 mulheres que fizeram VDRL no pré-natal não repetiu o exame na maternidade.
Foram identificadas duas gestantes infectadas pelo HIV, diagnosticadas no pré-natal. Os partos ocorreram a termo, um por cesárea e outro por via vaginal; ambos foram do sexo masculino. Não houve recém-nascido com baixo peso ao nascer. As membranas amnióticas estavam íntegras nos dois casos. Em ambos, a profilaxia anti-retroviral da transmissão vertical (uso de AZT) foi iniciada na gestação e continuada na maternidade.
As características das cinco gestantes com VDRL reagente e dos seus recém-nascidos estão descritas na Tabela 3: a idade materna variou entre 16 e 35 anos (média 25 ± 7,7). Em relação ao estado civil, 40% eram casadas (2/5), 40% solteiras (2/5) e 1/5 declarou-se viúva (20%). Para 80% das mulheres com VDRL reagente (4/5) não havia referência a tratamento na maternidade. Uma gestante (caso 3) informou tratamento três anos antes da gestação atual, apresentando aumento de título do VDRL em relação ao exame pré-natal, sendo iniciado tratamento na maternidade. A gestante referida como "caso 4" concluiu o tratamento na semana anterior ao parto. Não houve relato de realização de teste confirmatório para as gestantes que apresentaram VDRL reagente.
Em relação aos recém-nascidos, ocorreu um caso de prematuridade (idade gestacional menor que 37 semanas), representando 20% (1/5); a razão de sexos foi 3:2, predominando o masculino. Apenas um recém-nascido (20%) apresentou baixo peso ao nascer (peso menor que 2.500 g), com idade gestacional não informada no prontuário. Dois recém-nascidos tiveram diagnóstico de sífilis congênita e receberam tratamento; ambos eram assintomáticos. Outro recém-nascido apresentou VDRL reagente 1:1, sendo VDRL materno reagente (1:4) e não trazia informações nos prontuários obstétrico e pediátrico sobre investigação diagnóstica e/ou tratamento.
Discussão
A avaliação do primeiro ano de implantação do "Projeto Nascer Maternidades" na Instituição onde foi realizado o estudo demonstrou que a triagem para HIV na maternidade foi pequena, sendo realizado teste rápido apenas para 17,7% das gestantes que desconheciam seu estado sorológico. Contrariamente, a quase totalidade das gestantes admitidas realizou VDRL na maternidade, aproximando-se da meta do "Projeto Nascer-Maternidades" de avaliar todas as gestantes. A elevada realização do VDRL pode ser explicada pelo fato de a alta hospitalar nessa maternidade estar atrelada ao resultado negativo do VDRL do binômio mãe-filho, o que não ocorre em relação ao HIV. Além disso, a triagem para sífilis é uma rotina implantada na instituição há quase duas décadas, enquanto a triagem para HIV é mais recente.
Referente à profilaxia da transmissão vertical do HIV, os resultados obtidos nesse estudo foram inferiores àqueles encontrados em Vitória da Conquista, outra cidade de médio porte do Estado da Bahia, onde o impacto do "Projeto Nascer Maternidades" (implantado em 2001) pode ser medido pelo incremento na realização de teste rápido para HIV nas maternidades: de 276% em 2002 e de 170% em 2003.18
O pequeno número de testes rápidos para HIV realizados na maternidade do estudo no período avaliado não poderia ser atribuído à falta de insumos, uma vez que o teste faltou apenas durante o período de 17 de maio a 7 de junho de 2004, o que envolveu 17 gestantes (menos de 5% da nossa amostra). A pequena participação (33,3%) dos médicos obstetras da instituição nas oficinas de capacitação para o "Projeto Nascer Maternidades" poderia ter um papel importante. Esse fato pode explicar a razão pela qual não havia nenhuma referência médica nos prontuários obstétricos a respeito de solicitação e resultados desses exames, sendo a totalidade dos testes rápidos solicitada pelos enfermeiros do setor. Outros fatores foram ainda identificados, como a escala de trabalho dos enfermeiros do centro obstétrico, compartilhada por outros setores durante um mesmo turno de trabalho, com instalações afastadas do centro obstétrico, gerando uma fragmentação da assistência. A inexistência de neonatologista em sala de parto na instituição dificulta a integração entre a obstetrícia e a neonatologia, imprescindível para a adequada assistência perinatal e aplicação do protocolo em questão.
O acompanhamento pré-natal (ao menos uma consulta) foi realizado para 84,6% das mulheres da amostra, concordando com os dados do Ministério da Saúde (85%).19 Porém, não estavam disponíveis informações que pudessem subsidiar uma avaliação qualitativa. Entretanto, a ausência de referência da solicitação de sorologia anti-HIV para a maioria das gestantes durante o pré-natal, poderia constituir um marcador de pouca qualidade da assistência, além de dificultar a profilaxia da transmissão vertical na maternidade. Esses dados são preocupantes, uma vez que havia indicação precisa para triagem sorológica de 313 mulheres na maternidade e apenas 56 testes foram realizados (17,7% dos indicados). Essa situação configura-se em oportunidade perdida de identificação de gestantes elegíveis para profilaxia da transmissão vertical, o que pode representar para os filhos dessas mulheres uma restrição do direito de nascer e viver sem Aids.
Quanto à terapêutica, foi aplicada adequadamente para os filhos das gestantes com diagnóstico de sífilis, entretanto, proporcionou tratamento inicial para apenas 20% das mães, sem referência a tratamento de seguimento. Nenhuma parturiente com VDRL reagente foi testada para HIV na maternidade, apesar da recomendação de investigar a coinfecção20 devido à alta prevalência de sífilis entre os soropositivos para HIV e interferência no prognóstico das duas doenças.21,22 Também não havia nos prontuários quaisquer referências à orientação de tratamento ambulatorial e à indicação de tratamento dos parceiros sexuais.
Em relação às gestantes infectadas pelo HIV, uma teve parto cesárea e a outra, parto vaginal. Ambas estavam com 38 semanas de gestação e membranas amnióticas íntegras. Embora a dilatação cervical e a carga viral materna estejam implicadas na indicação da via de parto15,23-27 não existiam nos prontuários dessas gestantes quaisquer informações referentes a estas variáveis e à opção pela via de parto.
Alguns obstáculos foram encontrados durante a coleta de dados, merecendo destaque a insuficiência de informações em prontuários, requerendo busca de outras fontes de dados.
Esse estudo demonstrou que a implantação do Projeto Nascer-Maternidades no primeiro ano na maternidade avaliada não trouxe resultados efetivos, traduzidos pela baixa solicitação de teste rápido para HIV para gestantes com sorologia desconhecida e ausência de orientação terapêutica adequada para as parturientes com sífilis.
Pelo exposto, a sensibilização e capacitação da equipe de assistência perinatal devem ser contínuas, além da avaliação sistemática do "Projeto Nascer Maternidades", consolidando o seguimento das normas. Dessa forma, a meta do Ministério da Saúde para redução da transmissão vertical do HIV e da sífilis poderá ser alcançada.
Submetido em 11 de fevereiro de 2008
Versão apresentada em 25 de setembro de 2008
Aprovado em 3 de outubro de 2008
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Maio 2009 -
Data do Fascículo
Mar 2009
Histórico
-
Aceito
03 Out 2008 -
Revisado
25 Set 2008 -
Recebido
11 Fev 2008