Acessibilidade / Reportar erro

Classificação de Robson para avaliação das taxas de cesárea em um hospital público: estudo transversal

Resumo

Objetivos:

descrever a ocorrência de cesáreas conforme a Classificação de Robson em hospital público no sul do Brasil.

Métodos:

estudo transversal retrospectivo. Foram incluídas mulheres com parto vaginal ou cesárea assistidos na instituição (idade gestacional >20 semanas e/ou fetos com peso >500g) e excluídos nascimentos de feto morto. Dados sociodemográficos e obstétricos de julho a novembro de 2018 foram coletados retrospectivamente dos prontuários. Para análise utilizou-se o teste qui-quadrado e teste de tendência linear. A Classificação de Robson foi analisada conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde, e foram descritas as justificativas de cesárea.

Resultados:

amostra de 1.531 mulheres, com percentual de cesárea de 39,1% (n=598). Identificou-se maior ocorrência de cesarianas entre mulheres com maior faixa etária, nível de escolaridade e número de cesarianas prévias, e sem partos vaginais prévios. Os Grupos 1, 2 e 5 da Classificação de Robson destacaram-se por apresentar, respectivamente, os percentuais de cesárea de 16%, 56,9% e 66,2%, e por totalizar 60,3% dos nascimentos por via cirúrgica.

Conclusões:

neste estudo, os percentuais de cesárea dos grupos da Classificação de Robson foram maiores quando comparados a estudos internacionais. Os Grupos 1 a 5 apresentaram valores menores em relação ao panorama nacional. Os Grupos 1, 2 e 5 destacaram-se como prioritários para intervenções assistenciais e de gestão.

Palavras-chave
Cesárea; Obstetrícia; Parto; Parto normal; Gravidez

Abstract

Objectives:

this study describes the occurrence of cesarean sections according to the Robson Classification in a public hospital in southern Brazil.

Methods:

a cross-sectional and retrospective study was conducted. Women who underwent vaginal delivery or cesarean section at the study location (gestational age >20 weeks and/or fetuses weighing > 500 g) were included. Stillbirths were excluded. Sociodemographic and obstetric data from July to November 2018 were retrospectively collected from medical records. Chi-square and linear trend tests were used for data analysis. The Robson Classification was analyzed according to World Health Organization recommendations, and the reasons for cesarean section were described.

Results:

the sample consisted of 1,531 women. The cesarean section rate was 39.1% (n=598). A greater incidence of cesarean sections was identified among women with no previous vaginal births, older women, those with higher educational levels, and those with more previous cesarean sections. Groups 1, 2 and 5 of the Robson Classification stood out for presenting cesarean section rates of 16%, 56.9% and 66.2%, respectively, and for totaling 60.3% of births by cesarean section in the studied institution.

Conclusions:

the percentage of cesarean sections found was greater than that reported in studies conducted in other countries. Groups 1 to 5 of the Robson Classification presented rates lower than values found in national literature. Groups 1, 2 and 5 should be prioritized for management and care interventions aiming to reduce cesarean rates.

Key words
Cesarean section; Obstetrics; Parturition; Natural childbirth; Pregnancy

Introdução

Um dos objetivos de desenvolvimento sustentável é a redução da morbimortalidade materna e neonatal. Entre as estratégias para alcançar esse objetivo está a implementação de boas práticas na assistência ao trabalho de parto, parto e nascimento e a redução de cesáreas.11 World Health Organization (WHO). WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience [Internet]. Geneva: WHO; 2018. [access in 2022 Dec 3]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/260178/1/9789241550215-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...

De acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), percentuais de cesariana superiores a 15% não auxiliam na redução de morbimortalidade.22 Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
A estimativa de ocorrência de cesáreas no mundo é de 21,1%, em países de alta renda é de 27,2%, em países de média renda é de 24,2% e de baixa renda é de 8,2%. A América Latina, por sua vez, apresenta estimativa de 42,8%33 Betran AP, Ye J, Moller AB, Souza JP, Zhang J. Trends and projections of caesarean section rates: global and regional estimates. BMJ Global Health. 2021; 6: e005671. e o Brasil destaca-se no ranking mundial de cesarianas com um percentual de 57,0%,44 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Nascidos Vivos no Brasil [Internet]. Brasília (DF); 2021. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...

5 Kluthcovsky ACGC, Amari VCS, Esperidião CR, Ciriaco EM, Freitas NB, Vernizi BT. Trends and factors associated with cesarean sections in Brazil and its States between 2001 and 2015. Mundo Saúde. 2019; 43 (4): 1044-63.
-66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8. variando de 53,5 a 63,8% nas diferentes regiões brasileiras no ano de 202144 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Nascidos Vivos no Brasil [Internet]. Brasília (DF); 2021. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
. Já o Rio Grande do Sul apresentou percentual de 64,2% de nascimentos por cesárea em 2021.44 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Nascidos Vivos no Brasil [Internet]. Brasília (DF); 2021. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...

Com frequência, a realização de cesarianas é justificada inadequadamente e sem embasamento nas evidências científicas atuais, casos em que se torna iatrogênica.22 Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
,77 American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Obstetric Care Consensus Nº 1: Safe prevention of the primary cesarean delivery. Obstet Gynecol. 2014 Mar; 123 (3): 693-711. Dentre as indicações possíveis estão: desproporção cefalopélvica, estado fetal não tranquilizador, cesariana prévia, colo uterino desfavorável à indução, feto pélvico ou transverso, herpes genital, problemas placentários, HIV (conforme carga viral), gestações múltiplas, prolapso de cordão e macrossomia fetal.77 American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Obstetric Care Consensus Nº 1: Safe prevention of the primary cesarean delivery. Obstet Gynecol. 2014 Mar; 123 (3): 693-711.,88 National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Caesarean birth: NICE guideline. [Internet]. London: NICE; 2021 [access in 2023 Out 10]. 45p. Available from: https://www.nice.org.uk/guidance/ng192/
https://www.nice.org.uk/guidance/ng192/...
Contudo, destaca-se que a maioria dessas indicações deve ser individualizada considerando que ainda há divergências entre as recomendações vigentes.

Com o objetivo de reduzir a realização de cesáreas sem indicação clínica ou obstétrica, algumas medidas são recomendadas. Dentre elas estão: inserção da enfermeira obstetra na atenção ao parto99 Sandall J, Soltani H, Gates S, Shennan A, Devane D. Midwife-led continuity models versus other models of care for childbearing women. Cochrane Database Syst Rev. 2016 Apr; 4 (4): CD004667.; utilização de diretrizes clínicas e discussão de caso para a indicação de cesárea; envolvimento de especialistas locais na educação permanente dos profissionais de saúde; e monitoramento e devolutiva das práticas de cesáreas para as equipes assistenciais.1010 Chen I, Opiyo N, Tavender E, Mortazhejri S, Rader T, Petkovic J, et al. Non-clinical interventions for reducing unnecessary caesarean section. Cochrane Database Syst Rev. 2018; 9 (9): CD005528.

Em 2015, a OMS recomendou que todas as instituições de saúde deveriam implementar a Classificação de Robson como estratégia de monitoramento da realização de cesarianas.22 Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
A Classificação de Robson é uma ferramenta que agrupa as gestantes em dez grupos a partir de cinco critérios: paridade, início do trabalho de parto, idade gestacional, apresentação fetal e número de fetos.22 Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
,1111 Alcantara LLM, Almeida NKO, Almeida RMVR. Pattern of Live Births in Rio de Janeiro State, Brazil, According to Robson Groups and the Kotelchuck Index Classification - 2015/2016. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (7): 373-9.

12 World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...

13 Robson M, Hartigan L, Murphy M. Methods of achieving and maintaining an appropriate caesarean section rate. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2013; 27 (2): 297-308.
-1414 Robson M. Classification of caesarean sections. Fetal Matern Med Rev. 2001; 12 (1): 23-39. Sua aplicação considera fatores de risco epidemiológicos para o nascimento por via cirúrgica, sem considerar indicações clínicas ou obstétricas, e possibilita a otimização da realização de cesáreas através das seguintes ações: identificação de intervenções em grupos específicos conforme o local; avaliação da efetividade de estratégias para redução de cesáreas; avaliação da qualidade da assistência; e avaliação dos desfechos por grupo.22 Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
,1111 Alcantara LLM, Almeida NKO, Almeida RMVR. Pattern of Live Births in Rio de Janeiro State, Brazil, According to Robson Groups and the Kotelchuck Index Classification - 2015/2016. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (7): 373-9.,1212 World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...

Em relação ao percentual de cesárea por grupo da Classificação de Robson, com base em estudos internacionais,1313 Robson M, Hartigan L, Murphy M. Methods of achieving and maintaining an appropriate caesarean section rate. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2013; 27 (2): 297-308.,1515 Souza JP, Betran AP, Dumont A, Mucio B, Pickens CMG, Deneux-Tharaux C, et al. A global reference for caesarean section rates (C-Model): A multicountry cross-sectional study. BJOG. 2016; 123: 427-36. a OMS construiu os seguintes parâmetros que podem ser norteadores na análise desse indicador1212 World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
: Grupo 1) <10%; Grupo 2) 20% a 35%; Grupo 3) <3%; Grupo 4) <15%; Grupo 5) 50% a 60%; Grupo 8) 60%; Grupo 9) 100%; Grupo 10) 30%. Embora os Grupos 6 e 7 não apresentem parâmetros padronizados pela OMS, seus valores mostram-se entre 78,5% a 93,2% e 73,8% a 85,0%, respectivamente.1313 Robson M, Hartigan L, Murphy M. Methods of achieving and maintaining an appropriate caesarean section rate. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2013; 27 (2): 297-308.,1515 Souza JP, Betran AP, Dumont A, Mucio B, Pickens CMG, Deneux-Tharaux C, et al. A global reference for caesarean section rates (C-Model): A multicountry cross-sectional study. BJOG. 2016; 123: 427-36. No contexto nacional, os percentuais de oito dos dez grupos são bem mais elevados do que aqueles relatados no âmbito internacional.66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8.

A realização desta pesquisa configura-se como uma ação para o monitoramento da ocorrência de cesáreas por meio da Classificação de Robson, o que é estimulado pelas políticas públicas de saúde nacionais e diretrizes internacionais. Portanto, o presente estudo tem como objetivo descrever a ocorrência de cesáreas conforme a Classificação de Robson em hospital público no sul do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal. A coleta de dados ocorreu de forma retrospectiva referente ao período de 01/07/2018 a 21/11/2018 e foi realizada entre junho de 2019 e março de 2020, em um Centro Obstétrico, de um hospital público federal de grande porte, localizado em Porto Alegre/RS, Brasil. Esse serviço hospitalar realiza 100% dos seus atendimentos através do Sistema Único de Saúde (SUS), atende média de 300 nascimentos/mês e é referência estadual para gestações de alto risco. Além disso, busca seguir as recomendações vigentes para aplicar as boas práticas obstétricas, incluindo a implementação do modelo colaborativo assistencial com a inserção de enfermeiras obstetras na atenção ao parto e nascimento.

A população foi composta por mulheres atendidas no cenário do estudo. Foram incluídas todas aquelas que tiveram parto vaginal ou cesárea assistidos na instituição com idade gestacional maior que 20 semanas e/ou fetos com peso maior ou igual a 500 gramas e excluídas aquelas com nascimento de feto morto.

O tamanho de amostra foi calculado para estudo de prevalência de cesarianas considerando o percentual de 39% de nascimentos por via cirúrgica do local de estudo, conforme dados do Sistema de Informações em Saúde interno, com um nível de confiança de 95%. O número mínimo de nascimentos por grupo de Robson foi calculado conforme desfecho estudado (ocorrência de cesáreas) e o perfil de atendimentos do local de estudo, em que, conforme estatísticas do serviço estima-se que 24% das mulheres atendidas são classificadas no maior grupo (Grupo 3). Dessa forma, para que a composição mínima do grupo estivesse presente no maior grupo, estipulou-se o tamanho amostral mínimo de 1.525 nascimentos. A seleção da amostra ocorreu por conveniência, considerando a data inicial de implantação da Classificação de Robson na instituição e de acordo com o período em meses necessário para atingir o tamanho amostral de nascimentos calculado.

A coleta de dados foi realizada pelos próprios pesquisadores após treinamento. Os dados foram obtidos dos prontuários físicos e eletrônicos da amostra, por meio de instrumento padronizado e pré-codificado, elaborado pelos pesquisadores. Também, foram coletados dados em livros de registro utilizados pela equipe do Centro Obstétrico da instituição.

Em relação às variáveis foram coletados os seguintes dados do perfil sociodemográfico: idade em anos completos e categorizada (<20 / 20-24 / 25-29 / 30-34 />35); raça/cor (branca/preta/parda); escolaridade (ensino fundamental/ensino médio/ensino superior); e estado civil (casada/não casada). Em relação aos dados obstétricos, avaliou-se: número de gestações (1 / ≥2); número de partos vaginais prévios (0 / 1 / ≥2); número de cesáreas prévias (0 / 1 / ≥2); idade gestacional (em semanas completas); e “ocorrência de cesárea” (sim/não). Como justificativa de cesariana, foram consideradas as seguintes informações de acordo com os termos registrados nos prontuários: apresentação fetal anômala (pélvica e córmica), gestações múltiplas, duas ou mais cesarianas prévias, desproporção cefalopélvica, estado fetal não tranquilizador, falha de indução de trabalho de parto, sem condições para indução de trabalho de parto, condições maternas (HIV com carga viral >1000 cópias ou desconhecida, eclâmpsia, placenta prévia ou oclusiva, descolamento prematuro da placenta, herpes genital ativa, prolapso de cordão), condições fetais (malformações congênitas, macrossomia, restrição de crescimento intrauterino) ou pedido materno.

A Classificação de Robson é definida e registrada pela equipe assistencial do local de estudo no prontuário das mulheres utilizando-se dos critérios apresentados na Tabela 1 para aplicá-la. Neste estudo utilizou-se o grupo registrado em prontuário pela equipe do serviço para análise dessa variável.

Tabela 1
Critérios para Classificação de Robson.

Os dados foram digitados em planilha Excel®. Após, realizou-se análise com uso do software estatístico SPSS® versão 22. As variáveis categóricas foram apresentadas como valor absoluto e relativo e a variável numérica “idade” foi expressa também como média e desvio padrão (DP). Para comparar a proporção de cesáreas e partos vaginais, as mulheres da amostra foram agrupadas conforme suas características sociodemográficas e obstétricas e, para análise, utilizou-se o teste qui-quadrado e teste de tendência linear (para variáveis com aumento linear do valor percentual); considerou-se o valor de significância de 5% (α = 0,05). A análise da distribuição da amostra nos grupos da Classificação de Robson foi realizada de acordo com as recomendações da OMS.1212 World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
A análise da distribuição das justificativas de cesáreas por grupo da Classificação de Robson foi apresentada de forma descritiva por meio dos seus percentuais. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da instituição, conforme parecer n° 3.252.730 de 09 de abril de 2019 e CAAE nº 05684919.1.0000.5530.

Resultados

Foram selecionados 1.550 nascimentos para composição da amostra, com exclusão de 19 participantes conforme critério de exclusão; foram analisados 1.531 prontuários neste estudo. As características demográficas e obstétricas da amostra estão descritas na Tabela 2. A média de idade foi de 28,4 (DP= 6,6) anos. As mulheres eram, predominantemente, brancas (68,0%), não casadas (88,0%) e com ensino fundamental completo (50,4%). Com relação às características obstétricas, 66,2% da amostra havia tido duas gestações ou mais, 56,4% não tinha nenhum parto vaginal prévio e 75,6% nenhuma cesárea prévia. Na amostra, 60,7% não eram nulíparas, dessas 71,7% tinham um ou mais partos vaginais anteriores e 40,2% tinham uma ou mais cesáreas anteriores.

Tabela 2
Ocorrência de cesáreas conforme características demográficas e obstétricas em uma amostra de mulheres (n=1.531) atendidas em um hospital público de Porto Alegre/RS, Brasil, 2018.

A ocorrência de cesáreas foi de 39,1% (n=598) na amostra. Das mulheres com uma cesárea prévia, 54,0% foram submetidas a uma nova cesariana. Observou-se que, quanto maior a faixa etária (p<0,001) e o nível de escolaridade (p<0,001), maior a frequência de cirurgia cesariana. Observou-se maior ocorrência de cesárea entre as mulheres com maior número de cesarianas prévias (p<0,001), ao passo que se identificou menor percentual de cesárea entre aquelas com maior número de partos vaginais prévios (p<0,001).

A Tabela 3 apresenta a distribuição da amostra de acordo com os dez grupos da Classificação de Robson, bem como os percentuais de cesárea de cada grupo e a contribuição absoluta e relativa de cada grupo para a proporção total de cesárea da amostra. O grupo com maior representatividade dentro da amostra foi o Grupo 3 (22,1%); e os grupos que apresentaram maior contribuição relativa para a taxa de cesárea da instituição foram o Grupo 5 (32,4%) e o Grupo 2 (20,7%).

Tabela 3
Taxas de cesárea conforme distribuição dos grupos da Classificação de Robson em amostra de mulheres (n=1.531) atendidas em um hospital público de Porto Alegre/RS, Brasil, 2018.

Em análise complementar, relacionada às justificativas registradas pela equipe para realização de cesárea, constatou-se que as mais frequentes foram estado fetal não tranquilizador (24,1%), desproporção cefalopélvica (17,6%) e duas ou mais cesáreas prévias (16,1%). Quando analisadas as justificativas dentro dos grupos da Classificação de Robson, observou-se que os Grupos 1, 2 e 3 apresentaram percentuais mais elevados de desproporção cefalopélvica em relação aos outros grupos (Tabela 4). A falha de indução do trabalho de parto surgiu como justificativa para realização de cesárea em 10,9% da amostra, apresentando maior percentual dentro do Grupo 2 quando comparado aos demais (Tabela 4). Outras justificativas apresentadas na amostra foram: apresentação fetal anômala (8,5%), condição materna (7,7%), condição fetal (5,2%), gestação múltipla (4,5%) e sem condições para indução do trabalho de parto (2,8%). Os grupos 6,7 e 9 da Classificação de Robson tiveram como justificativas de cesárea a apresentação fetal anômala.

Tabela 4
Justificativas de cesárea conforme os grupos da Classificação de Robson em amostra de mulheres (n=598) atendidas em um hospital público de Porto Alegre/RS, Brasil, 2018.

Discussão

Na amostra estudada, foi observado maior ocorrência de cesarianas entre mulheres sem partos vaginais prévios, com maior faixa etária, maior nível de escolaridade e maior número de cesarianas prévias. Além disso, os Grupos 1, 2 e 5 da Classificação de Robson destacaram-se por representar a maior parte dos nascimentos por via cirúrgica da amostra.

Neste estudo, quanto maior a idade materna, maior foi a ocorrência de cesarianas. Esse achado vai ao encontro de outros estudos1111 Alcantara LLM, Almeida NKO, Almeida RMVR. Pattern of Live Births in Rio de Janeiro State, Brazil, According to Robson Groups and the Kotelchuck Index Classification - 2015/2016. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (7): 373-9.,1616 Bergholt T, Skjeldestad FE, Pyykönen A, Rasmussen SC, Tapper AM, Bjarnadóttir RI, et al. Maternal age and risk of cesarean section in women with induced labor at term: a Nordic register-based study. Acta Obstet Gynecol Scand. 2020; 99: 283-9. e pode estar relacionado ao fato de que mulheres mais velhas estão mais suscetíveis a desenvolver complicações durante a gravidez que podem influenciar na realização de cesarianas.1717 Abreu LP, Lira Filho R, Santana RL. Obstetric characteristics of pregnant women undergoing cesarean section, by the Robson Classification. Rev Enferm UERJ. 2019; 27: e37858.

O percentual de cesariana também se mostrou mais elevado nas mulheres com maior nível de escolaridade. No entanto, uma análise mais robusta seria necessária para avaliar se esse efeito seria mantido em associação a outras variáveis socioeconômicas, visto que a literatura apresenta divergências sobre o impacto desses fatores nesse indicador.55 Kluthcovsky ACGC, Amari VCS, Esperidião CR, Ciriaco EM, Freitas NB, Vernizi BT. Trends and factors associated with cesarean sections in Brazil and its States between 2001 and 2015. Mundo Saúde. 2019; 43 (4): 1044-63.,1818 Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet. 2018; 392 (10155): 1341-8. Estudo brasileiro, realizado em hospitais públicos e privados, não encontrou diferença entre escolaridade e proporção de cesáreas. Contudo, verificou que outros fatores socioeconômicos estiveram associados à maior probabilidade de cesárea em relação ao restante da amostra.55 Kluthcovsky ACGC, Amari VCS, Esperidião CR, Ciriaco EM, Freitas NB, Vernizi BT. Trends and factors associated with cesarean sections in Brazil and its States between 2001 and 2015. Mundo Saúde. 2019; 43 (4): 1044-63. Por outro lado, estudo realizado com mulheres atendidas somente em hospitais públicos com protocolos obstétricos instituídos, concluiu que indicadores socioeconômicos não influenciaram nas taxas de cesárea, as quais foram provavelmente apenas determinadas por indicações clínicas e obstétricas.1919 Faisal-Cury A, Menezes PR, Quayle J, Santiago K, Matijasevich A. The relationship between indicators of socioeconomic status and cesarean section in public hospitals. Rev Saúde Pública. 2017; 51 (14): 1-11.

A maior proporção de cesarianas entre mulheres sem parto vaginal prévio e entre mulheres com cesáreas prévias reforça a importância de medidas para se evitar a primeira cesariana66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8. e do uso de ferramentas como a Classificação de Robson para análise da ocorrência de nascimentos por via cirúrgica nos serviços de saúde.

O percentual geral de cesariana, na presente amostra, mostrou-se superior àquele encontrado em países desenvolvidos.2020 Einarsdóttir K, Sigurðardóttir H, Bjarnadóttir RI, Steingrímsdóttir Þ, Smárason AK. The Robson 10-group classification in Iceland: Obstetric interventions and outcomes. Birth. 2019; 46 (2): 270-8.,2121 Vargas S, Rego S, Clode N. Robson Classification System Applied to Induction of Labor. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018; 40 (9): 513-7. Entretanto, os valores são menores quando comparados à média nacional e àqueles verificados nas diferentes regiões brasileiras44 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Nascidos Vivos no Brasil [Internet]. Brasília (DF); 2021. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
. A ocorrência de cesárea por grupo da Classificação de Robson também apresentou valores maiores do que aqueles apresentados em estudos internacionais.1313 Robson M, Hartigan L, Murphy M. Methods of achieving and maintaining an appropriate caesarean section rate. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2013; 27 (2): 297-308.,1515 Souza JP, Betran AP, Dumont A, Mucio B, Pickens CMG, Deneux-Tharaux C, et al. A global reference for caesarean section rates (C-Model): A multicountry cross-sectional study. BJOG. 2016; 123: 427-36. No entanto, os percentuais dos Grupos 1, 2, 3, 4 e 5 são menores que aqueles encontrados em âmbito nacional e regional.66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8. A exemplo disso, citam-se os dados de nascimentos por via cirúrgica conforme os grupos de Classificação de Robson na região sul do Brasil no ano de 202144 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Nascidos Vivos no Brasil [Internet]. Brasília (DF); 2021. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
: Grupo 1) 46,2%; Grupo 2) 74,4%; Grupo 3) 16,9%; Grupo 4) 49,5%; Grupo 5) 86,5%. Esse cenário ilustra a epidemia de cesáreas vigente no país.

Considerando a ocorrência de cesárea dentro de cada grupo, observou-se percentual maior que 50% nos Grupos 2, 5 e 10. A respeito dos Grupos 6, 7, 8 e 9, estes abrangem as situações que, normalmente, dificultam ou impedem o parto vaginal.2222 Soares KB, Klein VCG, Lima JARF, Gadenz L, Paulo LE, Konopka CK. Gestational Risk as a Determining Factor for Cesarean Section according to the Robson Classification Groups. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021; 43 (2): 84-90. Já a discussão sobre o elevado percentual de cesáreas do Grupo 10 perpassa o fato de que o serviço estudado é referência para o atendimento de gestações de alto risco, as quais podem resultar em um maior número de nascimentos prematuros por via cirúrgica.2222 Soares KB, Klein VCG, Lima JARF, Gadenz L, Paulo LE, Konopka CK. Gestational Risk as a Determining Factor for Cesarean Section according to the Robson Classification Groups. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021; 43 (2): 84-90.

A soma dos percentuais dos Grupos 1, 2, e 5 representa 60,3% das cesarianas realizadas na instituição (contribuição relativa); dados similares aos descritos por estudo multicêntrico internacional1515 Souza JP, Betran AP, Dumont A, Mucio B, Pickens CMG, Deneux-Tharaux C, et al. A global reference for caesarean section rates (C-Model): A multicountry cross-sectional study. BJOG. 2016; 123: 427-36.. Tais achados sugerem que esses são os grupos prioritários para intervenções que reduzam a realização de cesárea com base na revisão das práticas obstétricas das equipes assistenciais.66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8.,1212 World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
,1717 Abreu LP, Lira Filho R, Santana RL. Obstetric characteristics of pregnant women undergoing cesarean section, by the Robson Classification. Rev Enferm UERJ. 2019; 27: e37858.,2222 Soares KB, Klein VCG, Lima JARF, Gadenz L, Paulo LE, Konopka CK. Gestational Risk as a Determining Factor for Cesarean Section according to the Robson Classification Groups. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021; 43 (2): 84-90. Desse modo, estudos nacionais propõem a implementação de políticas de saúde para prevenir a realização de cirurgias cesarianas desnecessárias, especialmente, as eletivas, em mulheres dos Grupos 1 e 2 já que quando essas são submetidas a cesáreas, passam a integrar o Grupo 5.2323 Rudey EL, Leal MC, Rego G. Cesarean section rates in Brazil: Trend analysis using the Robson classification system. Medicine (Baltimore). 2020; 99 (17): e19880.,2424 Paz LDC, Banegas RC, Luz AG, Costa ML. Robson’s Ten Group Classification System to Evaluate Cesarean Section Rates in Honduras: the relevance of labor induction. Rev Bras Ginecol Obstet. 2022; 44 (9): 830-7. Da mesma forma, as políticas públicas orientam-se, também, para o estímulo ao parto vaginal após cesárea, a fim de prevenir a ocorrência da cesariana de repetição,2424 Paz LDC, Banegas RC, Luz AG, Costa ML. Robson’s Ten Group Classification System to Evaluate Cesarean Section Rates in Honduras: the relevance of labor induction. Rev Bras Ginecol Obstet. 2022; 44 (9): 830-7. visto que essa população apresenta maior risco de complicações obstétricas que aumentam a morbimortalidade materno-neonatal quando comparadas a mulheres que tiveram parto vaginal.77 American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Obstetric Care Consensus Nº 1: Safe prevention of the primary cesarean delivery. Obstet Gynecol. 2014 Mar; 123 (3): 693-711.

Para mudar esse cenário, a OMS11 World Health Organization (WHO). WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience [Internet]. Geneva: WHO; 2018. [access in 2022 Dec 3]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/260178/1/9789241550215-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
incentiva a inclusão da enfermeira obstetra como uma das estratégias, já que parturientes assistidas por equipes com essa profissional recebem menos intervenções e tem maior chance de parto vaginal espontâneo.99 Sandall J, Soltani H, Gates S, Shennan A, Devane D. Midwife-led continuity models versus other models of care for childbearing women. Cochrane Database Syst Rev. 2016 Apr; 4 (4): CD004667.,2525 Gama SGN, Viellas EF, Medina ET, Tuesta AA, Silva CKRT, Silva SD, et al. Atenção ao parto por enfermeira obstétrica em maternidades vinculadas à Rede Cegonha, Brasil - 2017. Ciênc Saúde Colet. 2021; 26 (3): 919-29. A adoção desse modelo assistencial pela instituição estudada pode ter contribuído para menor ocorrência de cesáreas na amostra e menor contribuição relativa de cesáreas dos Grupos 1 a 4 quando comparado a dados nacionais e regionais.66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8.,2323 Rudey EL, Leal MC, Rego G. Cesarean section rates in Brazil: Trend analysis using the Robson classification system. Medicine (Baltimore). 2020; 99 (17): e19880.

Neste estudo, observou-se elevada contribuição (relativa e absoluta) de cesáreas do Grupo 2, em conformidade com a literatura que caracteriza este grupo como o de maior proporção de cesáreas entre nulíparas com percentual que varia de 24,0 a 69,0%.66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8.,1515 Souza JP, Betran AP, Dumont A, Mucio B, Pickens CMG, Deneux-Tharaux C, et al. A global reference for caesarean section rates (C-Model): A multicountry cross-sectional study. BJOG. 2016; 123: 427-36.,1717 Abreu LP, Lira Filho R, Santana RL. Obstetric characteristics of pregnant women undergoing cesarean section, by the Robson Classification. Rev Enferm UERJ. 2019; 27: e37858.,2323 Rudey EL, Leal MC, Rego G. Cesarean section rates in Brazil: Trend analysis using the Robson classification system. Medicine (Baltimore). 2020; 99 (17): e19880.,2626 Vargas S, Rego S, Clode N. Cesarean Section Rate Analysis in a Tertiary Hospital in Portugal According to Robson Ten Group Classification System. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (6): 310-5. Ao analisar a composição heterogênea do Grupo 2, sugere-se a estratificação1212 World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
em mulheres que passaram pela indução do trabalho de parto e aquelas que tiveram a cesariana antes do início do trabalho de parto, visto que a ocorrência de cesárea em cada um desses subgrupos demanda intervenções como avaliação do protocolo de indução utilizado e a redução de cesáreas eletivas.

O Grupo 5, por sua vez, apresentou a maior contribuição relativa para o total de cesarianas da amostra, dado compatível com os achados da literatura,1515 Souza JP, Betran AP, Dumont A, Mucio B, Pickens CMG, Deneux-Tharaux C, et al. A global reference for caesarean section rates (C-Model): A multicountry cross-sectional study. BJOG. 2016; 123: 427-36.,1717 Abreu LP, Lira Filho R, Santana RL. Obstetric characteristics of pregnant women undergoing cesarean section, by the Robson Classification. Rev Enferm UERJ. 2019; 27: e37858.,2626 Vargas S, Rego S, Clode N. Cesarean Section Rate Analysis in a Tertiary Hospital in Portugal According to Robson Ten Group Classification System. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (6): 310-5. com destaque para a região Sul do Brasil66 Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8.. O Grupo 5 pode ser dividido em mulheres com uma cesariana prévia e aquelas com duas ou mais, a fim de elencar as estratégias de redução de cesárea para cada subgrupo.1212 World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...

Na amostra estudada, a principal justificativa utilizada pela equipe para indicação de cesáreas foi estado fetal não tranquilizador, dado que diverge do observado em estudos internacionais.2727 Begum T, Nababan H, Rahman A, Islam MR, Adams A, Anwar I. Monitoring caesarean births using the Robson ten group classification system: a cross-sectional survey of private for-profit facilities in urban Bangladesh. PLoS One. 2019; 14 (8): e0220693.,2828 Manny-Zitle AI, Tovar-Rodríguez JM. Incidence of cesarean section according to Robson’s classification in the Department of Gynecology and Obstetrics of the General Hospital Dr. Fernando Quiroz Gutiérrez, ISSSTE. Cir Cir. 2018; 86: 232-9. Tal achado aponta para a necessidade de aprofundar a análise, identificar fatores associados à ocorrência de estado fetal não tranquilizador durante o trabalho de parto no local de estudo e capacitar a equipe para qualificar a assistência obstétrica. A segunda justificativa de cesárea mais frequente na amostra foi desproporção cefalopélvica, salientando a necessidade de estratégias que qualifiquem a avaliação da evolução do trabalho de parto e desse diagnóstico, como o uso adequado do partograma.2929 Lavender T, Cuthbert A, Smyth RMD. Effect of partograph use on outcomes for women in spontaneous labour at term and their babies. Cochrane Database Syst Rev. 2018; 2018 (8): CD0054.

A ocorrência de cesáreas justificadas por cesarianas prévias na amostra foi inferior ao reportado por outros estudos (35,0 a 42,0%),2727 Begum T, Nababan H, Rahman A, Islam MR, Adams A, Anwar I. Monitoring caesarean births using the Robson ten group classification system: a cross-sectional survey of private for-profit facilities in urban Bangladesh. PLoS One. 2019; 14 (8): e0220693.,2828 Manny-Zitle AI, Tovar-Rodríguez JM. Incidence of cesarean section according to Robson’s classification in the Department of Gynecology and Obstetrics of the General Hospital Dr. Fernando Quiroz Gutiérrez, ISSSTE. Cir Cir. 2018; 86: 232-9. o que pode estar relacionado ao fato de que uma cesárea prévia não é indicação para nascimento por via cirúrgica no local de estudo. Entretanto, mudanças nas práticas obstétricas ainda são necessárias, visto que a literatura aponta que o parto vaginal de mulheres com duas cicatrizes uterinas prévias não aumenta desfechos maternos e neonatais desfavoráveis.3030 De Leo R, La Gamba DA, Manzoni P, De Lorenzi R, Torresan S, Franchi M, et al. Vaginal Birth after Two Previous Cesarean Sections versus Elective Repeated Cesarean: a Retrospective Study. Am J Perinatol. 2020; 37: 84-8.

Em relação às possíveis limitações deste estudo, salienta-se que os dados utilizados para análise são provenientes de prontuários (inclusive a Classificação de Robson), os quais podem apresentar erros de preenchimento e restrição no formato de apresentação dos dados. Além disso, acredita-se que uma análise multivariada poderia ajudar a entender melhor os achados. Quanto aos aspectos potentes, destaca-se o impacto da pesquisa local na discussão e avaliação da prática institucional, especialmente em contexto de serviço público, e o seu potencial para gerar mudanças no cenário obstétrico atual. A atenção para a análise das indicações clínicas e obstétricas de cesáreas em cada grupo da Classificação de Robson também é um diferencial deste estudo.

Em conclusão, o presente estudo descreveu a ocorrência de cesáreas conforme a Classificação de Robson em hospital público do Sul do Brasil. Embora os valores ainda estejam acima do recomendado pela OMS, o percentual de cesáreas encontrado mostrou-se menor que a média nacional, fato que pode ser reflexo do modelo interdisciplinar de assistência obstétrica adotado na instituição. Os resultados deste estudo sugerem que os Grupos 1, 2 e 5 são grupos prioritários para intervenções assistenciais e de gestão. Ações voltadas para a prevenção de cesáreas em nulíparas poderão refletir na diminuição do Grupo 5.

References

  • 1
    World Health Organization (WHO). WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience [Internet]. Geneva: WHO; 2018. [access in 2022 Dec 3]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/260178/1/9789241550215-eng.pdf
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/260178/1/9789241550215-eng.pdf
  • 2
    Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf
  • 3
    Betran AP, Ye J, Moller AB, Souza JP, Zhang J. Trends and projections of caesarean section rates: global and regional estimates. BMJ Global Health. 2021; 6: e005671.
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Nascidos Vivos no Brasil [Internet]. Brasília (DF); 2021. [access in 2023 Out 10]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
  • 5
    Kluthcovsky ACGC, Amari VCS, Esperidião CR, Ciriaco EM, Freitas NB, Vernizi BT. Trends and factors associated with cesarean sections in Brazil and its States between 2001 and 2015. Mundo Saúde. 2019; 43 (4): 1044-63.
  • 6
    Knobel R, Lopes TJP, Menezes MDO, Andreucci CB, Gieburowski JT, Takemoto MLS. Cesarean-section Rates in Brazil from 2014 to 2016: cross-sectional analysis using the Robson Classification. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (9): 522-8.
  • 7
    American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Obstetric Care Consensus Nº 1: Safe prevention of the primary cesarean delivery. Obstet Gynecol. 2014 Mar; 123 (3): 693-711.
  • 8
    National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Caesarean birth: NICE guideline. [Internet]. London: NICE; 2021 [access in 2023 Out 10]. 45p. Available from: https://www.nice.org.uk/guidance/ng192/
    » https://www.nice.org.uk/guidance/ng192/
  • 9
    Sandall J, Soltani H, Gates S, Shennan A, Devane D. Midwife-led continuity models versus other models of care for childbearing women. Cochrane Database Syst Rev. 2016 Apr; 4 (4): CD004667.
  • 10
    Chen I, Opiyo N, Tavender E, Mortazhejri S, Rader T, Petkovic J, et al Non-clinical interventions for reducing unnecessary caesarean section. Cochrane Database Syst Rev. 2018; 9 (9): CD005528.
  • 11
    Alcantara LLM, Almeida NKO, Almeida RMVR. Pattern of Live Births in Rio de Janeiro State, Brazil, According to Robson Groups and the Kotelchuck Index Classification - 2015/2016. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (7): 373-9.
  • 12
    World Health Organization (WHO). Robson Classification: Implementation manual [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [access in 2023 Out 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259512/9789241513197-eng.pdf
  • 13
    Robson M, Hartigan L, Murphy M. Methods of achieving and maintaining an appropriate caesarean section rate. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2013; 27 (2): 297-308.
  • 14
    Robson M. Classification of caesarean sections. Fetal Matern Med Rev. 2001; 12 (1): 23-39.
  • 15
    Souza JP, Betran AP, Dumont A, Mucio B, Pickens CMG, Deneux-Tharaux C, et al A global reference for caesarean section rates (C-Model): A multicountry cross-sectional study. BJOG. 2016; 123: 427-36.
  • 16
    Bergholt T, Skjeldestad FE, Pyykönen A, Rasmussen SC, Tapper AM, Bjarnadóttir RI, et al Maternal age and risk of cesarean section in women with induced labor at term: a Nordic register-based study. Acta Obstet Gynecol Scand. 2020; 99: 283-9.
  • 17
    Abreu LP, Lira Filho R, Santana RL. Obstetric characteristics of pregnant women undergoing cesarean section, by the Robson Classification. Rev Enferm UERJ. 2019; 27: e37858.
  • 18
    Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet. 2018; 392 (10155): 1341-8.
  • 19
    Faisal-Cury A, Menezes PR, Quayle J, Santiago K, Matijasevich A. The relationship between indicators of socioeconomic status and cesarean section in public hospitals. Rev Saúde Pública. 2017; 51 (14): 1-11.
  • 20
    Einarsdóttir K, Sigurðardóttir H, Bjarnadóttir RI, Steingrímsdóttir Þ, Smárason AK. The Robson 10-group classification in Iceland: Obstetric interventions and outcomes. Birth. 2019; 46 (2): 270-8.
  • 21
    Vargas S, Rego S, Clode N. Robson Classification System Applied to Induction of Labor. Rev Bras Ginecol Obstet. 2018; 40 (9): 513-7.
  • 22
    Soares KB, Klein VCG, Lima JARF, Gadenz L, Paulo LE, Konopka CK. Gestational Risk as a Determining Factor for Cesarean Section according to the Robson Classification Groups. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021; 43 (2): 84-90.
  • 23
    Rudey EL, Leal MC, Rego G. Cesarean section rates in Brazil: Trend analysis using the Robson classification system. Medicine (Baltimore). 2020; 99 (17): e19880.
  • 24
    Paz LDC, Banegas RC, Luz AG, Costa ML. Robson’s Ten Group Classification System to Evaluate Cesarean Section Rates in Honduras: the relevance of labor induction. Rev Bras Ginecol Obstet. 2022; 44 (9): 830-7.
  • 25
    Gama SGN, Viellas EF, Medina ET, Tuesta AA, Silva CKRT, Silva SD, et al Atenção ao parto por enfermeira obstétrica em maternidades vinculadas à Rede Cegonha, Brasil - 2017. Ciênc Saúde Colet. 2021; 26 (3): 919-29.
  • 26
    Vargas S, Rego S, Clode N. Cesarean Section Rate Analysis in a Tertiary Hospital in Portugal According to Robson Ten Group Classification System. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42 (6): 310-5.
  • 27
    Begum T, Nababan H, Rahman A, Islam MR, Adams A, Anwar I. Monitoring caesarean births using the Robson ten group classification system: a cross-sectional survey of private for-profit facilities in urban Bangladesh. PLoS One. 2019; 14 (8): e0220693.
  • 28
    Manny-Zitle AI, Tovar-Rodríguez JM. Incidence of cesarean section according to Robson’s classification in the Department of Gynecology and Obstetrics of the General Hospital Dr. Fernando Quiroz Gutiérrez, ISSSTE. Cir Cir. 2018; 86: 232-9.
  • 29
    Lavender T, Cuthbert A, Smyth RMD. Effect of partograph use on outcomes for women in spontaneous labour at term and their babies. Cochrane Database Syst Rev. 2018; 2018 (8): CD0054.
  • 30
    De Leo R, La Gamba DA, Manzoni P, De Lorenzi R, Torresan S, Franchi M, et al Vaginal Birth after Two Previous Cesarean Sections versus Elective Repeated Cesarean: a Retrospective Study. Am J Perinatol. 2020; 37: 84-8.
Editor Associado: Melânia Amorim

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2023
  • Recebido
    26 Abr 2024
  • Aceito
    29 Maio 2024
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br