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Vulnerabilidade e atividades essenciais no contexto da COVID-19: reflexões sobre a categoria de trabalhadoras domésticas

Resumo

Introdução:

na pandemia de COVID-19 as questões sociais fundem-se às questões sanitárias, ocasionando desafios ao mundo do trabalho.

Objetivo:

analisar o contexto da atividade das trabalhadoras domésticas na pandemia de COVID-19 em relação às vulnerabilidades da categoria e diante da definição das atividades essenciais por decretos federais.

Métodos:

a análise baseou-se em quatro decretos federais publicados no primeiro semestre de 2020, que definiram as atividades essenciais na pandemia, e em relatórios técnicos produzidos pela Rede CoVida e Rede de Pesquisa Solidária, selecionados a partir de temáticas voltadas à Saúde do Trabalhador, aos aspectos sociais da pandemia no Brasil e ao trabalho doméstico.

Resultados:

a análise evidenciou que adoecimentos e mortes por COVID-19 não se distribuem de modo uniforme pela população devido às desigualdades socioeconômicas, raciais e de gênero do país. Também foram discutidos os aspectos positivos e negativos da não inclusão do trabalho doméstico como atividade essencial.

Conclusão:

a discriminação das variáveis ocupação, cor/raça, sexo/gênero pode ajudar a compreender os aspectos sociais da pandemia e permitir que se tracem políticas públicas no intuito de minimizar seus danos, incluindo a definição de atividades essenciais e de um auxílio financeiro que permita aos trabalhadores efetuar o distanciamento social.

Palavras-chave:
trabalho doméstico; atividade essencial; pandemia; COVID-19; saúde do trabalhador

Abstract

Introduction:

in the COVID-19 pandemic, social issues merge with health issues, posing challenges to the labor market.

Objective:

to analyze the context of the domestic workers activity in the COVID-19 pandemic regarding the vulnerabilities of the category and the definition of essential activities by federal decrees.

Methods:

the analysis was based on four federal decrees published in the first half of 2020, which defined the essential activities in the pandemic, and on technical reports produced by Rede CoVida and Rede de Pesquisa Solidária, selected from themes related to occupational health, social aspects of the pandemic in Brazil and domestic work.

Results:

the analysis showed that illnesses and deaths related to COVID-19 are not evenly distributed among the population due to the country’s socioeconomic, racial and gender inequalities. The positive and negative aspects of not including domestic work as an essential activity were also discussed.

Conclusion:

the discrimination of the variables occupation, skin color/race, sex/gender can help understand the social aspects of the pandemic and enable the design of public policies to minimize its harm, including the definition of essential activities and of financial aid that allows workers to comply with social distancing measures.

Keywords:
domestic work; essential activities; pandemic; COVID-19; occupational health

Introdução

Em 17 de março de 2020, antes do início oficial da quarentena, a COVID-19 fez a primeira vítima fatal no estado do Rio de Janeiro. Era uma trabalhadora doméstica que morava em Miguel Pereira, cidade do interior do estado, e trabalhava no Leblon, bairro situado a uma distância superior a 125 km de sua casa. Essa trabalhadora, cujo nome não foi divulgado, apresentou os primeiros sintomas no dia 1611. Melo ML. Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon. UOL Notícias [Internet]. 19 mar 2020 [citado em 5 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm
https://noticias.uol.com.br/saude/ultima...
. Sua empregadora havia voltado da Itália, que à época era o epicentro da crise. Sem saber ainda o resultado do exame, ela recebeu a trabalhadora no domingo e, já na segunda-feira, a funcionária foi internada. Enquanto a empregadora recebia o exame com resultado positivo para COVID-19, a trabalhadora faleceu. À época, já se sabia que quem havia retornado de viagem deveria se manter em quarentena mesmo antes do resultado do teste, uma vez que a transmissão do novo coronavírus se caracteriza por sua extrema rapidez22. Cyranoski D. Profile of a killer: the complex biology powering the coronavirus pandemic. Nature [Internet]. 4 maio 2020 [citado em 6 maio 2020];581:22-6. Disponível em: Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-020-01315-7
https://www.nature.com/articles/d41586-0...
), (33. Cowbey S. Modeling infectious disease dynamics. Science [Internet]. 15 maio 2020 [citado em 16 maio 2020];368(6492):713-4. Disponível em: Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/368/6492/713/tab-pdf
https://science.sciencemag.org/content/3...
.

Em maio, quando os registros de infectados e óbitos no Brasil se mostravam em ascensão, o governo do estado do Pará publicou, no dia 5, o Decreto no 72944. Governo do Estado do Pará. Decreto nº 729, de 5 de maio de 2020. Diário Oficial do Estado do Pará [Internet]. 7 maio 2020 [citado em 18 set 2020];34.209:4. Disponível em: Disponível em: https://www.sistemas.pa.gov.br/sisleis/legislacao/5578
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, acerca da suspensão total de atividades não essenciais (lockdown) em algumas regiões. O Decreto incluía, entre as 65 atividades essenciais, a de serviços domésticos, sem outras especificações. A norma contrariava os decretos federais sobre os serviços essenciais e, em 31 de maio, o governo do estado voltou atrás e publicou o Decreto no 80055. Governo do Estado do Pará. Decreto nº 800, de 31 de maio de 2020. Diário Oficial do Estado do Pará [Internet]. 17 jul 2020 [citado em 18 set 2020];34.285:4-6. Disponível em: Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=397091
https://www.legisweb.com.br/legislacao/?...
, revogando o anterior e especificando como atividade essencial os serviços domésticos “prestados a empregador que atue em atividade/serviço essencial, na forma do Decreto, desde que destinado ao cuidado de criança, idoso, pessoa enferma ou incapaz, ou quando o empregador for idoso, pessoa enferma ou incapaz”.

Em 2 de junho, uma criança de 5 anos que acompanhava sua mãe, trabalhadora doméstica, ao trabalho sofreu um acidente fatal66. Diário de Pernambuco. Patroa é presa após filho da empregada morrer ao cair de prédio em Recife. Correio Braziliense [Internet]. 4 jun 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/06/04/interna-brasil,860958/patroa-e-presa-apos-filho-da-empregada-morrer-ao-cair-de-predio-recife.shtml
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ao cair do nono andar do prédio, em Recife. Tudo aconteceu quando o menino buscava por sua mãe, que passeava com o cachorro da família na rua. O menino havia ficado aos cuidados da patroa, que o deixou entrar no elevador sozinho, gerando o acidente66. Diário de Pernambuco. Patroa é presa após filho da empregada morrer ao cair de prédio em Recife. Correio Braziliense [Internet]. 4 jun 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/06/04/interna-brasil,860958/patroa-e-presa-apos-filho-da-empregada-morrer-ao-cair-de-predio-recife.shtml
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.

Esses episódios suscitam algumas questões fundamentais para se pensar a Saúde do Trabalhador na pandemia de COVID-19 (e em outras situações). A crise sanitária ocasiona amplos desafios a esse campo, uma vez que as questões sociais se fundem às novíssimas questões sanitárias, em um contexto político de grande instabilidade. Sem a pretensão de esgotar tais questões, enumeramos algumas, como a possível relação entre a desigualdade de gênero e os riscos no trabalho - uma vez que as trabalhadoras domésticas são, em sua maioria, mulheres77. Lima M, Prates I. Emprego doméstico e mudança social: reprodução e heterogeneidade na base da estrutura ocupacional brasileira. Tempo Soc. 2019;31(2):149-72., que, segundo estudos recentes sobre o Brasil, se contaminam mais, por motivos diversos88. ONU Mulheres Brasil. Gênero e COVID-19 na América Latina e Caribe: dimensões de gênero na resposta [Internet]. 2020 [citado em 9 out 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf
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(embora os homens morram mais com a COVID-19). Também destacamos a questão racial, uma vez que se sabe que a maioria das trabalhadoras domésticas é negra88. ONU Mulheres Brasil. Gênero e COVID-19 na América Latina e Caribe: dimensões de gênero na resposta [Internet]. 2020 [citado em 9 out 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf
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, assim como a irresponsabilidade do empregador ao expor deliberadamente o funcionário à contaminação por um vírus causador de uma doença fatal.

Assim, este trabalho busca analisar o contexto da atividade das trabalhadoras domésticas na pandemia de COVID-19 em relação às vulnerabilidades da categoria e diante da definição das atividades essenciais por decretos federais publicados no primeiro semestre de 2020.

Métodos

A análise baseou-se em dados publicados em relatórios técnicos, públicos e com livre acesso, produzidos pela Rede CoVida99. Rede CoVida [Internet]. Salvador: Rede CoVida ; 2020 [citado em 9 out 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/
https://redecovida.org/...
e pela Rede de Pesquisa Solidária1010. Rede de Pesquisa Solidária [Internet]. São Paulo: Rede de Pesquisa Solidária ; 2020 [citado em 18 set 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/quem-somos /
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.

A Rede CoVida - Ciência, Informação e Solidariedade, segundo site próprio99. Rede CoVida [Internet]. Salvador: Rede CoVida ; 2020 [citado em 9 out 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/
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, “é um projeto de colaboração científica e multidisciplinar focado na pandemia de COVID-19”, tendo surgido em março de 2020 a partir da união entre o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e a Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Já a Rede de Pesquisa Solidária é uma rede de mais de 50 pesquisadores, entre cientistas políticos, médicos, psicólogos e antropólogos, e tem trazido contribuições relevantes no que se refere à forma como os diferentes grupos sociais têm sido afetados pela pandemia1111. Arantes JT. Estudo avalia a vulnerabilidade de trabalhadores na crise causada pela pandemia de COVID-19. Agência FAPESP [Internet]. 30 abr 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://agencia.fapesp.br/estudo-avalia-a-vulnerabilidade-de-trabalhadores-na-crise-causada-pela-pandemia-de-covid-19/33065 /
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. A Rede foi criada com o objetivo de propor medidas que pudessem melhorar a qualidade de políticas públicas, nos âmbitos federal, municipal e estadual, em meio à crise causada pelo SARS-CoV-2, com rigoroso levantamento de dados1212. Brasil. Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020. Regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, DF: Presidência da República; 2020 [citado em 14 jan 2021];1:1. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10282.htm
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Dentre os conteúdos disponíveis nas redes mencionadas, para este estudo foram selecionados documentos e informações que se referem a temas relacionados à Saúde do Trabalhador, à expressão da pandemia em território brasileiro (predominantemente no que diz respeito a seus aspectos sociais) e ao trabalho doméstico - em especial, conteúdos que abordavam aspectos como vulnerabilidade de emprego e a relação da categoria de trabalhadoras domésticas com a definição de atividade essencial.

A análise também foi feita a partir dos quatro decretos presidenciais que definiram, em âmbito federal, as atividades essenciais no contexto específico da COVID-19, tendo sido modificados ao longo dos meses. Dentre esses decretos, o Decreto no 10.2821313. Brasil. Decreto nº 10.329, de 28 de abril de 2020. Altera o Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, DF: Presidência da República ; 2020 [citado em 14 jan 2021];81:5. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10329.htm
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foi o primeiro publicado no Diário Oficial da União, em 20 de março de 2020, e regulamentou a Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Após esse primeiro decreto, seguiram-se os Decretos no 10.3291414. Brasil. Decreto nº 10.342, de 7 de maio de 2020. Altera o Decreto nº10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a Lei nº13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, DF: Presidência da República ; 2020 [citado em 14 jan 2021];1:1. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10342.htm
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, de 28 de abril de 2020; no 10.3421515. Brasil. Decreto nº 10.344, de 8 de maio de 2020. Altera o Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. Diário Oficial da União . Brasília, DF: Presidência da República ; 2020 [citado em 14 jan 2021];1:1. Disponível em: Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DEC№=10344&ano=2020&ato=835EzYU1EMZpWT2a9
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, de 7 de maio de 2020, e, por fim, e o no 10.3441616. Lacaz F. Saúde do trabalhador: um estudo sobre as formações discursivas da academia, dos serviços e do movimento sindical [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 1996. 456 p., de 8 de maio de 2020. Todos esses definiram os serviços públicos e as atividades essenciais, com paulatina flexibilização e ampliação das atividades essenciais.

Ao longo deste texto, será usado o termo “trabalhadoras domésticas”, devido ao fato de a categoria ser constituída sobretudo por mulheres77. Lima M, Prates I. Emprego doméstico e mudança social: reprodução e heterogeneidade na base da estrutura ocupacional brasileira. Tempo Soc. 2019;31(2):149-72..

Resultados e discussão

A análise das informações definiu dois eixos temáticos de discussão: 1. A Saúde do Trabalhador e a incipiência dos dados epidemiológicos; 2. Serviços essenciais e trabalhadoras domésticas.

Saúde do Trabalhador e a incipiência dos dados epidemiológicos

Este estudo guia-se pelos princípios da Saúde do Trabalhador, que tem como objetivo nortear as intervenções no processo saúde-doença no trabalho1717. Lacaz F. Saúde dos trabalhadores: cenários e desafios. Cad Saude Publica. 1997;13( Suppl 2):7-19.. O paradigma emerge no cenário de abertura política e de reforma sanitária brasileira, a partir do final da década de 1970 e considera os aspectos sociais e aqueles que se vinculam à organização do trabalho como fatores que podem estar ligados ao processo de saúde-doença1717. Lacaz F. Saúde dos trabalhadores: cenários e desafios. Cad Saude Publica. 1997;13( Suppl 2):7-19.. Na compreensão dos fenômenos de adoecimento, inclui-se, portanto, a categoria trabalho e a conjuntura macrossocial em que ele se insere. Assim, a Saúde do Trabalhador leva em consideração a determinação social do processo saúde-doença1818. Gomez CM. Campo de saúde do trabalhador: trajetória, configuração e transformações. In: Gomes CM, organizador. Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 23-34. e a subjetividade do trabalhador inserido em determinado contexto, ampliando a compreensão dos processos de adoecimento para além dos riscos de ordem física, química e biológica1919. Rede CoVida. Saúde do Trabalhador na pandemia de COVID-19: riscos e vulnerabilidades [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2020 [citado em 14 jan 2021]. Disponível em: Disponível em: https://www.cidadessaudaveis.org.br/cepedoc/wp-content/uploads/2020/06/Relatorio-Saude-do-Trabalhador.pdf
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Para que se construa um entendimento da expressão da pandemia nas diversas regiões do país e de acordo com os diferentes grupos sociais, é importante ter acesso a dados desagregados no que se refere a uma série de variáveis das pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2, uma vez que podem contribuir para a construção de políticas públicas no campo da Saúde do Trabalhador, sendo necessário que, nas informações colhidas e sistematizadas, possam estar presentes dados relativos à ocupação, à raça/cor, ao sexo/gênero, entre outras. Algumas pesquisas já têm apontado, que, no Brasil, adoecimentos e mortes por COVID-19 não se distribuem de modo uniforme pela população, devido às desigualdades socioeconômicas, raciais e de gênero do país. Ademais, a epidemia tem reproduzido as desigualdades no mundo do trabalho, seja público ou privado2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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. Alguns boletins publicados pela Rede CoVida vêm se debruçando sobre aspectos diversos da pandemia em território brasileiro, e seu documento2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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mais específico sobre como têm sido produzidos e divulgados os dados relativos à COVID-19 pelo Ministério da Saúde e pelas unidades federadas, aponta deficiências neste preenchimento.

Não é objetivo deste artigo focar nas inúmeras especificidades da notificação de dados por unidade federada, nem nos deter amplamente sobre mudanças ocorridas na forma de registro de tais informações, mas vale apontar que, de acordo com o documento da Rede CoVida citado2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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, a partir de março de 2020, a forma de registro de casos relacionados à COVID-19 passou a se dar por uma nova plataforma de gestão e visualização de dados, desenvolvida pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). À época da publicação do documento2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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e até o momento, utilizam-se, para notificação de Síndrome Gripal (SG) e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), o Sistema e-sus Vigilância Epidemiológica (e-SUS VE) e o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). No caso do e-SUS VE, informações sobre sexo, idade, raça/cor, naturalidade, se é profissional de saúde ou de segurança, entre outras, estão incluídas. No formulário de registro geral para os casos de SRAG hospitalizados, além desses, há campos a serem preenchidos sobre etnia, escolaridade, ocupação, entre outros. No campo ‘ocupação’, introduzido no formulário em agosto, não há a restrição de preenchimento a apenas essas duas categorias (saúde ou segurança). Todavia, o boletim técnico2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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produzido pela Rede CoVida constata que tais fichas “preveem a produção de informações relevantes sobre marcadores sociais, raça e posição social, os quais, potencialmente, permitem a análise da ocorrência de COVID-19 na sua heterogeneidade” (p. 8), porém ocorre um preenchimento incompleto de tais informações, uma vez que alguns campos não são obrigatórios, havendo grande variação na qualidade com que são preenchidos nos diversos estados do país. O boletim alerta que essa heterogeneidade leva à dificuldade na investigação de diferenças de padrões epidemiológicos e seus possíveis determinantes sociais conforme a área geográfica2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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Ainda conforme o documento examinado2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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e para citar alguns exemplos, sem esgotar o total de dados analisados pela Rede CoVida, os estados da federação publicam de formas diferenciadas as informações acerca da variável ocupação de infectados e pessoas que faleceram por COVID-19. Seis estados (Acre, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Goiás), além do Distrito Federal, limitam-se aos dados referentes aos registros de infecção por coronavírus entre profissionais de saúde, seja do número total, seja das subcategorias profissionais. Em frequência menor, esses estados divulgam dados comparados a outras ocupações, especialmente aquelas relacionadas à segurança pública (p. 14). Já o Ceará é o único estado cuja divulgação de dados sobre casos da COVID-19 nos profissionais de saúde discrimina sexo, faixa etária, categoria profissional e município. Além disso, o Tocantins publica dados sobre afastamento de profissionais segundo motivo, e Rondônia publica dados referentes aos trabalhadores das forças de segurança2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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) (p. 14). Há uma heterogeneidade flagrante na divulgação de dados em todo o país, como o documento pontua, apesar de os sistemas de notificação mencionados serem os mesmos para todas as unidades federadas.

Pode-se deduzir que aqueles que são considerados trabalhadores da linha de frente, isto é, que trabalham em hospitais nas mais diversas tarefas (enfermeiros, médicos, administrativos, auxiliares de serviços gerais, entre outros), na segurança pública, em supermercados e farmácias (vendedores, caixas), em cemitérios, já são, pela especificidade de seu ofício, categorias de trabalhadores mais expostos à infecção, dado que estão sujeitos a cargas virais em quantidades possivelmente elevadas, circulam em lugares onde também se detecta maior probabilidade de risco, trabalham com população de rua etc. Além disso, eram ocupações que permaneceram em funcionamento antes da flexibilização das atividades econômicas. Entretanto, apesar das especificidades das atividades laborais, interessa à vigilância em saúde e, mais especificamente, à vigilância em saúde do trabalhador, entender o que pode fazer com que alguns deles sejam mais afetados do que outros (ou, dentro de uma mesma categoria, as diferenças que aí residem, como o próprio local de trabalho). Há algo das relações sociais e dos processos de trabalho que ajude a explicar discrepâncias? Chegando à questão mais específica das trabalhadoras domésticas, que fatores estão envolvidos em sua exposição à COVID-19? Se as relações de poder, os aspectos que caracterizam os contextos macrossociais de uma sociedade e a categoria de ‘classe’ são fatores essenciais para compreender os processos de adoecimento, segundo a Saúde do Trabalhador, seria necessário que fossem mais apurados os dados colhidos entre as populações infectadas.

Voltando ao documento da Rede CoVida2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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, apenas Amazonas, Acre, Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Rio Grande do Sul publicam os casos de acordo com raça/cor. Por outro lado, não obstante haver povos indígenas em todas as unidades federadas, o Amazonas é a única que apresenta dados referentes à pandemia entre esses grupos populacionais, discriminando sexo, faixa etária, etnia e município de residência.

Quanto aos óbitos, também não se faz a publicação relacionada às ocupações, e apenas Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Distrito Federal divulgam essas informações, enquanto o Ceará faz a discriminação de sexo, faixa etária, categoria profissional e município. No que diz respeito aos óbitos e à raça/cor, nove estados publicam esses dados: Amazonas, Amapá, Acre, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná, com predominância dos estados das regiões norte e nordeste, onde se formou o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus, conhecido como Consórcio Nordeste2121. Comitê Científico de Combate ao Coronavírus [Internet]. Comitê Científico de Combate ao Coronavírus; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.comitecientifico-ne.com.br /
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Para a compreensão das relações da pandemia com o trabalho, seria necessária maior completude e abrangência dos dados epidemiológicos coletados, mas até mesmo problemas no que concerne à transparência de informações aconteceram. Esse é um aspecto relevante do contexto político em que se inserem as pesquisas epidemiológicas no caso brasileiro, podendo estar diretamente ligadas à forma como cursa a pandemia, além de inviabilizar a realização de análise de riscos entre as diversas categorias profissionais2020. Rede CoVida . Informação sobre gênero, raça/etnia e posição social para o controle da pandemia de COVID-19 no Brasil [Internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redecovida.org/relatorios/informacao-sobre-genero-raca-etnia-e-posicao-social-para-o-controle-da-pandemia-de-covid-19-no-brasil/
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Por sua vez, as pesquisas divulgadas pela Rede de Pesquisa Solidária, no que se refere aos aspectos vinculados ao trabalho, traz a noção de “vulnerabilidade do emprego” (p. 2) (2222. Rede de Pesquisa Solidária . Boletim 3: COVID-19: políticas públicas e as respostas da sociedade [Internet]. Rede de Pesquisa Solidária; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2020/05/boletim3.pdf
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. Segundo uma de suas notas técnicas, dois critérios nortearam a identificação dessa noção de vulnerabilidade, quais sejam: “a instabilidade do vínculo ou posição do trabalhador” e “o grau de fragilização dos setores econômicos, por conta da pandemia” (p. 2) (2222. Rede de Pesquisa Solidária . Boletim 3: COVID-19: políticas públicas e as respostas da sociedade [Internet]. Rede de Pesquisa Solidária; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2020/05/boletim3.pdf
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. Por outro lado, são considerados “extremamente vulneráveis” (2323. Rede de Pesquisa Solidária. Boletim 2 COVID-19: políticas públicas e as respostas da sociedade [Internet]. Rede de Pesquisa Solidária ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2020/05/boletim2.pdf
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pessoas e grupos que se situam em ocupações e vínculos mais instáveis, nos setores considerados como não essenciais (p. 1).

Neste sentido, o padrão de vulnerabilidade converge com as desigualdades próprias da sociedade brasileira, segundo as pesquisas apontadas nos boletins da Rede de Pesquisa Solidária. Homens e mulheres negros são os que detêm os vínculos empregatícios mais frágeis e constituem a maior parcela da informalidade. Analisando as diferenças entre homens e mulheres, a pesquisa2222. Rede de Pesquisa Solidária . Boletim 3: COVID-19: políticas públicas e as respostas da sociedade [Internet]. Rede de Pesquisa Solidária; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2020/05/boletim3.pdf
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também assinala que se pode ver a inserção maior de homens nas atividades essenciais e das mulheres nas não-essenciais. Desse modo, as mulheres acabam por se encontrar mais sujeitas à perda do vínculo. Detectando-se a maneira como mulheres brancas e negras se dividem entre os setores, percebe-se uma maior concentração das mulheres negras nos grupos que têm vínculos menos estáveis, aumentando, por conseguinte, sua vulnerabilidade à crise econômica gerada pela pandemia2222. Rede de Pesquisa Solidária . Boletim 3: COVID-19: políticas públicas e as respostas da sociedade [Internet]. Rede de Pesquisa Solidária; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2020/05/boletim3.pdf
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Esses dados ajudam a compreender a problemática da trabalhadora doméstica na pandemia. Examinando as ocupações em termos de serviços essenciais e de vínculos empregatícios nas cinco regiões do país, pesquisa anterior da mesma Rede2323. Rede de Pesquisa Solidária. Boletim 2 COVID-19: políticas públicas e as respostas da sociedade [Internet]. Rede de Pesquisa Solidária ; 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/wp-content/uploads/2020/05/boletim2.pdf
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aponta que as trabalhadoras domésticas são as mais afetadas. Desse modo, se voltarmos aos exemplos que abrem este artigo, e que ilustram situações de trabalhadoras domésticas, pode-se pensar que, se elas não são dispensadas pelos patrões, deverão se expor ao risco de trabalhar mesmo que possam se contaminar (do próprio empregador, no primeiro caso comentado) ou sofrer consequências devastadoras devido à complexidade que é trabalhar na pandemia no caso de muitas mães (não ter com quem deixar o filho, como no segundo exemplo, uma vez que escolas e creches também precisaram ser fechadas). Assim, se as mulheres, mais do que os homens, e os negros, mais do que os brancos, são aqueles que têm inserção empregatícia mais irregular, informal e prescindível, e se o Estado não oferece recursos financeiros a contento que permitam que essas pessoas observem o distanciamento social, serão logicamente os mais vulneráveis das perspectivas econômica e sanitária.

Serviços essenciais e trabalhadoras domésticas

De acordo com Rocha e Pinto2424. Rocha EKGT, Pinto FM. O desafio conceitual do trabalho doméstico à psicologia do trabalho. Fractal. 2018;30(2):145-53., o termo trabalho doméstico remete a duas espécies de trabalho: o que é realizado sem remuneração por ser considerado uma “aptidão” natural das mulheres, e o que se refere à ocupação chamada “empregada doméstica”, em que há contratação (formal ou informal), remuneração e realização em residências alheias, sendo caracterizado pela invisibilidade. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2016, na América Latina e no Caribe, havia 18 milhões de trabalhadores domésticos, dos quais 88% eram mulheres; no Brasil eram 6,158 milhões, sendo 92% mulheres, com somente 42% delas contribuindo para a Previdência Social e 32% com carteira de trabalho assinada2525. Organização Internacional do Trabalho. Trabalho doméstico [Internet]. Organização Internacional do Trabalho; 2020 [citado em 18 set 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang--pt/index.htm
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Sanches2626. Sanches S. Trabalho doméstico: desafios para o trabalho decente. Estud Fem. 2009;17(3):879-88. pontua que o trabalho doméstico remunerado abarca o que se chama de reprodução da força de trabalho, dado que as tarefas que o caracterizam são fundamentais à manutenção e à reprodução da vida. Desse modo, ainda que esse trabalho não gere de forma direta produtos ou serviços para o mercado, ele mantém a força de trabalho ou, nos termos da autora, “não haverá trabalhadores e trabalhadoras para apresentar-se ao trabalho e retornar a ele caso o trabalho doméstico não seja realizado” (p. 884).

Federici2727. Federeci S. Calibã e a bruxa: mulher, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante; 2017., ao discutir como o trabalho destinado às mulheres foi se transformando no que veio a ser chamado de “tarefas domésticas” a partir do fim da Idade Média, assinala que tal processo teria permitido a acumulação primitiva de capital como condição para alavancagem do modo de produção capitalista. Essas “tarefas” referiam-se à reprodução da força de trabalho e tudo aquilo que foi construído como não sendo trabalho e recebendo um valor menor em relação ao que os homens faziam, embora fossem cruciais para que eles pudessem gerar riqueza. Em relatório divulgado pela Oxfam Brasil2828. Oxfam Internacional. Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade [Internet]. Oxfam Brasil; 2020 [citado em 18 set 2020]. Disponível em: Disponível em: https://rdstation-static.s3.amazonaws.com/cms/files/115321/1579272776200120_Tempo_de_Cuidar_PT-BR_sumario_executivo.pdf
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) no início de 2020, o “valor monetário global do trabalho de cuidado não remunerado prestado por mulheres a partir da faixa de 15 anos [de idade] é de US$ 10,8 trilhões por ano”, cifra que ainda estaria subestimada (p. 4). A transformação de trabalho em não-trabalho a partir da construção da noção de “tarefa doméstica” é uma operação que propicia a invisibilidade de um tipo de trabalho que, como aponta o relatório da Oxfam Brasil, possui um valor monetário significativo, mas que não é contabilizado como tal.

A relação da visibilidade/invisibilidade do trabalho doméstico e sua menor valorização social e econômica face ao que é considerado atividade essencial por normativas jurídicas gerou algumas polêmicas no país, como se viu no Pará. Não à toa, em 21 de março, foi publicada uma carta manifesto de autoria de filhos e filhas de trabalhadoras domésticas - Pela Vida de Nossas Mães2929. Instituto Humanitas Unisinus. ‘Pela vida de nossas mães’, dizem filhas e filhos de empregadas domésticas em manifesto [Internet]. Instituto Humanitas Unisinus. 23 mar 2020 [ citado em 18 set 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597331-pela-vida-de-nossas-maes-dizem-filhas-e-filhos-de-empregadas-domesticas-em-manifesto
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- endereçada ao poder público, aos empregadores de domésticas e diaristas e a toda a sociedade civil. A carta pede “dispensa remunerada” à categoria, lembra que, entre as trabalhadoras domésticas, incluem-se jardineiro, caseiro, cuidador de idosos e diaristas, apresenta dados referentes à vulnerabilidade que as caracterizam (principalmente as diaristas), além de reivindicar a proteção das trabalhadoras que moram nas casas de seus empregadores, no sentido de não as expor a tarefas como compras em supermercados.

Quanto às normativas federais frente à questão das atividades essenciais, foram publicados quatro decretos estabelecendo quais serviços são considerados essenciais no contexto da pandemia. É importante ressaltar que se priorizou, neste estudo, a pesquisa dos decretos presidenciais, apesar da menção ao caso do Pará. No cenário federal, o Decreto 10.282, de 20/03/2020, foi o primeiro e abrangia não apenas pessoas jurídicas, como naturais, de caráter público e privado. No seu artigo 3º, há a definição das atividades essenciais como “aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.

Esse decreto foi corrigido pelo Decreto 10.329, de 28 de abril, e a junção de ambos fornece uma ampla lista de atividades consideradas essenciais, entre as quais se encontram “assistência à saúde, incluídos serviços médicos e hospitalares”, “assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade”, “serviços funerários” e “fiscalização ambiental”, por exemplo. Algumas atividades são facilmente compreensíveis em sua categorização como essenciais, a partir da definição do artigo 3º, mas outras nem tanto, como as “atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde”, a “atividade de locação de veículos”, ou os “serviços de capitais e seguros”.

Com o decorrer da pandemia em território brasileiro, outros decretos foram sendo publicados, alterando os anteriores através da inserção de novas atividades essenciais. É o caso do Decreto 10.342, de 07/05/202022. Cyranoski D. Profile of a killer: the complex biology powering the coronavirus pandemic. Nature [Internet]. 4 maio 2020 [citado em 6 maio 2020];581:22-6. Disponível em: Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-020-01315-7
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e do Decreto 10.344, de 08/05/2020, que incluem “os salões de beleza e barbearias” e “as academias de esporte de todas as modalidades”, sempre respeitando as “determinações do Ministério da Saúde”.

Cabe apontar que, com o avançar da pandemia, é fácil compreender que o conjunto de atividades essenciais precisou ser reconfigurado, com inclusão ou exclusão de atividades. Essa lista é necessariamente dinâmica, e dados relativos a óbitos, infecções e ocupação de leitos deveriam ajudar a orientar sua remodelação, ou seja, orientariam a flexibilização das atividades econômicas, quando fosse o caso de realizá-la. No entanto, o que é de estranhar pela cronologia dos decretos é o fato de que a evidente ampliação das atividades essenciais não converge com o retrato da pandemia no Brasil. Em 28 de abril, por exemplo, data da publicação do Decreto 10.329, que corrigiu e ampliou as atividades essenciais do primeiro, foi também a data em que houve um novo recorde de óbitos por COVID-19 em 24 horas, momento em que o Brasil ultrapassou a China em número total de mortes: 474 óbitos em 24 horas era, até então, uma marca inédita.

Em 7 de maio, data da publicação do terceiro decreto, registraram-se 610 óbitos em 24 horas, importante elevação em menos de 10 dias da publicação do decreto anterior; e o município de Niterói, vizinho ao do Rio de Janeiro, decretou lockdown de cinco dias com possibilidade de prorrogação30. No dia seguinte, data da publicação do quarto decreto, o registro de óbitos no país, em 24 horas, subiu para 751, mais um recorde à época3131. Chaib J., Carvalho D. ‘E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?’, diz Bolsonaro sobre recorde de mortos por coronavírus. Folha de S. Paulo [Internet]. 28 abr 2020 [citado em 28 abr 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/e-dai-lamento-quer-que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-recorde-de-mortos-por-coronavirus.shtml
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. A expansão dos números referentes aos novos casos e aos óbitos em solo brasileiro já chamava a atenção do mundo, e também nessa data, segundo a mesma reportagem, foi publicado um relatório do Imperial College de Londres, com enfoque no Brasil, recomendando medidas mais duras no combate à pandemia3232. Imperial College London. Report 21 - Estimating COVID-19 cases and reproduction number in Brazil. Imperial College London [Internet]. 8 maio 2020 [citado em 20 set 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/mrc-global-infectious-disease-analysis/covid-19/report-21-brazil /
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. Foi observado que não houve, ao longo de abril, maio e junho, diminuição ou estagnação de novos casos e óbitos. Ao contrário, a curva que indicava os casos de contaminação no Brasil, ao longo do tempo, era ascendente. Em 19 de junho, o Brasil ultrapassou a marca de um milhão de casos confirmados de COVID-193333. Valente J. Covid-19: Brasil bate a marca de 1 milhão de casos confirmados. Agência Pública [Internet]. 19 jun 2020 [citado em 21 jul 2020]. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-06/covid-19-brasil-bate-marca-de-1-milhao-de-casos-confirmados
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.

Ademais, nas diferentes unidades federadas do país, os quadros são dinâmicos. Se no início da pandemia, São Paulo foi um dos estados mais afetados, junto com Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e Amazonas, outros estados começaram a mostrar aumento de casos e óbitos em momentos posteriores, como os estados da região Centro-Oeste. Foi em 29 de junho que o governador do Distrito Federal declarou estado de calamidade pública3434. Bernardes A. Covid-19 leva Ibaneis Rocha a declarar estado de calamidade no DF. Correio Braziliense [Internet]. 29 jun 2020 [citado em 3 jul 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2020/06/29/interna_cidadesdf,867732/covid-19-leva-ibaneis-rocha-a-decretar-estado-de-calamidade-no-df.shtml
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e que o governador de Goiás decretou lockdown de 14 dias no estado3535. Leite H. Ronaldo Caiado orienta lockdown de 14 dias no estado de Goiás. Correio Braziliense [Internet]. 29 jun 2020 [citado em 3 jul 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/06/29/interna-brasil,867777/ronaldo-caiado-orienta-lockdown-de-14-dias-no-estado-de-goias.shtml
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. Ainda que se pudesse acompanhar a oscilação de números referentes tanto a novos casos quanto a mortes por complicações da COVID-19, o país, como um todo, não apresentava descenso. Os decretos foram na contramão do que os dados apontam, como se a pandemia estivesse mostrando sinais de um contexto favorável à abertura das atividades econômicas.

É importante notar, porém, que os trabalhos domésticos em nenhum momento foram incluídos na lista de serviços essenciais. Em Nota Técnica3636. Brasil. Ministério Público do Trabalho. Nota Técnica Conjunta nº 04/2020 [Internet]. 17 mar 2020 [citado em 1 ago 2020]. Disponível em: Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/nota-tecnica-no-4-coronavirus-1.pdf
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do Ministério Público do Trabalho, há a recomendação de igualdade de tratamento e oportunidade para trabalhadoras domésticas, no caso de flexibilização de horário para o distanciamento social, buscando assegurar que tais trabalhadoras pudessem ser dispensadas de suas funções com seus salários garantidos. De fato, vivemos em um país que precisa lembrar aos empregadores que a trabalhadora doméstica é trabalhadora. No entanto, nem todas encontram-se registradas formalmente. Segundo a Lei Complementar 150/20153737. Brasil. Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, DF: Presidência da República ; 2015 [citado em 14 jan 2021];1;1. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm
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, considera-se “empregado doméstico” como sendo aquele que “presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”. Sabe-se, contudo, que há uma subcategoria de trabalhadoras domésticas, as diaristas, que prestam serviços em várias casas, comparecendo a esses diversos locais de trabalho uma ou duas vezes por semana. Essas trabalhadoras atuam informalmente e não têm a garantia de dispensa de suas funções com renda assegurada. Se por um lado mudanças constitucionais ampliaram as possibilidades de conquistas por parte de trabalhadoras domésticas, ainda há desproteção legal, e o crescimento das diaristas é preocupante, pois permanecem sem definição legal, situando-se em uma esfera de fragilidade jurídica maior3838. Brites JG. Trabalho doméstico: questões, leituras e políticas. Cad Pesqui. 2013;43(19):422-51..

Há, portanto, pelo menos dois ângulos através dos quais se pode abordar o problema referente à inserção ou não das trabalhadoras domésticas como atividade essencial e sua relação com a formalidade. Em primeiro lugar, em contexto de pandemia, não ser considerada atividade essencial é um aspecto positivo, de modo que tais trabalhadoras não deveriam ser obrigadas a se deslocar para o trabalho. Este também foi o propósito da aprovação do chamado auxílio emergencial, através do Decreto 10.316, de 7/07/20203939. Brasil. Decreto nº 10.316, de 7 de abril de 2020. Diário Oficial da União . Brasília, DF: Presidência da República ; 2020 [citado em 14 jan 2021];1:10. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10316.htm
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. Com a proximidade de seu término e verificando-se diversos problemas logísticos relacionados à retirada do auxílio em todo o país, começou-se a debater sua renovação e duração das próximas vigências. Fato é que a garantia de uma renda mensal em dinheiro que possa prover as necessidades de quaisquer trabalhadores é o que pode garantir que essas pessoas possam observar o distanciamento social. Por esse ângulo, o fato de não estarem na lista das atividades essenciais na sucessão de decretos presidenciais possibilitou que as trabalhadoras domésticas ficassem protegidas e que deveriam permanecer nessa categoria, reforçando a reivindicação contida no manifesto Pela Vida de Nossas Mães2929. Instituto Humanitas Unisinus. ‘Pela vida de nossas mães’, dizem filhas e filhos de empregadas domésticas em manifesto [Internet]. Instituto Humanitas Unisinus. 23 mar 2020 [ citado em 18 set 2020]. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597331-pela-vida-de-nossas-maes-dizem-filhas-e-filhos-de-empregadas-domesticas-em-manifesto
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, enquanto não há controle da pandemia. Entretanto, se não receberem nenhum tipo de renda, se a renda que receberem não for compatível com suas despesas, ou mesmo se demorarem a receber o auxílio emergencial, poderão se arriscar e, neste sentido, estarão duplamente expostas: de um lado, sanitariamente, já que não terão meios de cumprir a quarentena, e de outro, economicamente, pelos motivos já considerados. Medidas econômicas efetivas são fundamentais para que se possa garantir o cumprimento desses decretos. Contudo, a redução para a metade do valor do auxílio emergencial, conforme aconteceu após três parcelas de R$600,004040. IstoÉ Dinheiro. Bolsonaro confirma auxílio de R$300 até dezembro. IstoÉ Dinheiro [Internet]. 18 set 2020 [citado em 5 out 2020]. Disponível em: Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/bolsonaro-confirma-auxilio-emergencial-prorrogado-ate-dezembro-com-r-s-300/
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e, posteriormente o fim do auxílio com a chegada de 20214141. Roubicek M. O que vem após o fim do auxílio emergencial aos brasileiros. Nexo Jornal [Internet]. 30 dez 2020 [citado em 12 jan 2021]. Disponível em: Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/12/29/O-que-vem-ap%C3%B3s-o-fim-do-aux%C3%ADlio-emergencial-aos-brasileiros
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são medidas que certamente não ajudam na observação do distanciamento social, ainda que a pandemia continue em pleno descontrole no país.

Considerações finais

É preciso avançar muito no levantamento de dados epidemiológicos acerca da COVID-19, no Brasil. A discriminação de variáveis como ocupação, cor/raça, sexo/gênero, entre outras, ajuda a compreender os aspectos sociais da pandemia e permite que se tracem políticas públicas no intuito de minimizar seus danos. Para a Saúde do Trabalhador, essas variáveis são fundamentais e, se coletadas e amplamente publicadas, facilitam a compreensão dos processos de trabalho nos adoecimentos relacionados à infecção.

Não obstante os dados disponíveis ainda serem parciais e incipientes no caso brasileiro, eles evidenciam que é fundamental que o governo diminua os níveis de vulnerabilidade dos trabalhadores em ao menos dois aspectos: em primeiro lugar, definindo as atividades essenciais de modo que se respeite seu próprio critério; em segundo, garantindo uma renda com valores dignos, que permita que os trabalhadores de atividades não essenciais não se arrisquem para completar sua renda ou ter alguma. Esses pontos estão intimamente ligados entre si e, certamente, se não forem observados, tornarão os grupos populacionais tradicionalmente vulneráveis do país - negros, mulheres - ainda mais vulnerabilizados, como pode ser o caso das trabalhadoras domésticas.

Referências

  • 2
    A autora informa que o trabalho não é baseado em dissertação ou tese e não foi apresentado em evento científico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2020
  • Revisado
    30 Nov 2020
  • Aceito
    02 Dez 2020
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