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Tendência dos acidentes de trabalho no agronegócio em Mato Grosso, Brasil, 2008 a 2017

Agribusiness occupational accidents trend in Mato Grosso, Brazil, 2008 to 2017

Resumo

Objetivo:

analisar a distribuição espacial e temporal dos indicadores de acidentes de trabalho (AT) e de outros agravos à saúde relacionados à produção agropecuária de Mato Grosso, no período de 2008 a 2017.

Métodos:

trata-se de estudo ecológico, com análise de tendência e correlação entre indicadores de produção agropecuária, florestal, mineral e AT.

Resultados:

as atividades econômicas do agronegócio com maior contribuição aos AT foram: abate e fabricação de produtos de carnes (16,9%) e agricultura (12,3%). Taxas de AT mais elevadas foram observadas nos municípios considerados os maiores produtores agropecuários (Paranatinga, Barra do Garças, Alta Floresta e Sorriso). Evidenciou-se que 58,4% dos AT no estado foram relacionados ao agronegócio. Foi encontrada correlação positiva e significativa entre o valor adicionado bruto e a taxa de incidência (r = 0,303; p < 0,001), mortalidade (r = 0,368; p < 0,001) e letalidade (r = 0,390; p < 0,001) por AT. Identificou-se tendência crescente na variação percentual anual de 7,3% (IC95%: 6,1;8,6) do esforço produtivo (hectare/habitante), de 6,2% (IC95%: 5,2;7,3) do esforço produtivo (exposição agrotóxico/habitante) e de 6,2% (IC95%: 4,1;8,3) das internações por neoplasias, bem como do crescimento da produção agrícola, dos insumos agrícolas e dos agravos à saúde.

Conclusão:

a maioria dos AT foram relacionados ao agronegócio, predominantemente nas atividades de frigoríficos e agricultura. Houve correlação positiva entre indicadores de produção agropecuária e de ocorrências e mortes por AT.

Palavras-chave:
acidentes de trabalho; agronegócio; vigilância em saúde do trabalhador; saúde do trabalhador

Abstract

Objective:

to analyze the spatial and temporal distribution of occupational accident (OA) indicators and other agribusiness-related health issues in Mato Grosso, Brazil, from 2008 to 2017.

Methods:

ecological study using trend analysis and correlation calculation between agricultural, forestry, mineral production and OA indicators.

Results:

slaughtering and meat production (16.9%) and agriculture (12.3%) were the agribusiness activities with the highest contribution to OA. Municipalities considered the largest agricultural producers (Paratininga, Barra do Garças, Alta Floresta and Sorriso) showed the highest OA rates. Of the OA registered in the state, 58.4% were agribusiness-related. Gross value added presented a positive and significant correlation with the incidence rate (r = 0.303; p < 0.001), mortality (r = 0.368; p < 0.001) and lethality (r = 0.390; p < 0.001) by OA. Analysis showed an increasing trend in the annual percentage variation of 7.3% (95%CI: 6.1;8.6) in productive effort (hectare/inhabitant), 6.2% (95%CI: 5.2;7.3) in productive effort (pesticide exposure/inhabitant), and 6.2% (95%CI: 4.1;8.3) in hospitalizations for neoplasms, as well as the growth of agricultural production, agricultural inputs, and health problems.

Conclusion:

most OAs were related to agribusiness, mainly in meatpacking plants and agriculture. There was a positive correlation between indicators of agricultural production and occupational-related accidents and deaths.

Keywords:
occupational accidents; agribusiness; surveillance of the workers’ health; occupational health

Introdução

Os acidentes de trabalho (AT) acarretam grandes problemas de saúde pública, sociais e econômicos. No Brasil, a sua ocorrência é alta e gera prejuízos para a saúde do(a) trabalhador(a), para seus familiares, para as empresas envolvidas e para sociedade de maneira geral, em decorrência de diversos agravos, desde doenças agudas até acidentes fatais relacionados ao processo do trabalho. No estado de Mato Grosso, as taxas de mortalidade, letalidade e incidência de AT são elevadas principalmente entre as atividades agroindustriais e agrícolas relacionadas ao agronegócio11. Oliveira SG. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional: de acordo com a Reforma Trabalhista Lei n. 13.467/2017. 10a ed. São Paulo: LTr; 2018..

A Lei nº 8.213/1991 define como AT o acidente que ocorre durante o exercício do trabalho a serviço de empresa ou empregador doméstico, ou pelo exercício do trabalho do segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, perda ou redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho do segurado. Ainda, podem ser caracterizados como AT típicos a doença ocupacional e os acidentes de trajeto que ocorrem no percurso da residência para o local de trabalho e vice-versa22. Brasil. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991: dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. 25 jul 1991 [citado em 10 set 2020];1:14809. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm
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.

A Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (CIST), junto a outras instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA), apresentou estimativas globais sobre ocorrências de AT, doenças e mortes decorrentes do trabalho, bem como os custos relacionados por problemas de saúde e segurança no trabalho. Estimaram-se 2,78 milhões de mortes em 2015, sendo 2,4 milhões causadas por doenças do trabalho e o restante por AT, com custos econômicos globais equivalentes a 3,94% do Produto Interno Bruto (PIB) global33. International Commission on Occupational Health. Triennial Report 2015-2017 [Internet]. Helsinki: ICOH; 2018 [citado em 15 set 2020]. Disponível em: http://www.icohweb.org/site/multimedia/pubblicazioni/Triennial%20Report%202015-17.pdf
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.

No Brasil, os direitos trabalhistas vêm se fragilizando com o passar dos anos devido à falta de fiscalização e de políticas públicas consistentes e efetivas, acarretando precarização do vínculo de trabalho por meio da terceirização, da subcontratação e da flexibilização trabalhista. Esses fatores aumentam o desemprego e o trabalho informal, principalmente nas áreas do agronegócio que alimentam o fenômeno da superexploração44. Antunes R. Desenhando a nova morfologia do trabalho no Brasil. Estud Av. 2014;28(81):39-53..

O agronegócio tem contribuído com o crescimento econômico do país, mas, ao mesmo tempo, vem provocando agravos e doenças aos moradores e trabalhadores(as) do seu entorno e aos inseridos(as) nas suas atividades produtivas. Na relação capital-trabalho, as manifestações de danos à saúde do(a) trabalhador(a) vão desde os AT que permeiam todas as atividades produtivas, incluindo as intoxicações agudas por agrotóxicos, até as doenças crônicas relacionadas à agropecuária e às agroindústrias, com destaque para o estado de Mato Grosso55. Nasrala Neto E, Lacaz FAC, Pignati WA. Vigilância em saúde e agronegócio: os impactos dos agrotóxicos na saúde e no ambiente. Perigo à vista! Cienc Saude Colet. 2014;19(12):4709-18..

As cadeias produtivas são definidas pelas etapas do processo de operação e de transformações relativas à produção e ao consumo. Os(as) trabalhadores(as) inseridos(as) em todas as etapas das cadeias produtivas vendem sua força de trabalho para alimentar o capitalismo mundial, integrados(as) em um processo gerador de riscos ambientais e adoecimento no trabalho, pelas más condições de vida e saúde, dentre outros determinantes da saúde da população66. Leão LHC, Vasconcellos LCF. Cadeias produtivas e a vigilância em saúde, trabalho e ambiente. Saude Soc. 2015;24(4):1232-43..

Desde 2015, o Brasil é considerado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. O estado de Mato Grosso tem grande participação nesse consumo, pois, desde 2008, é reconhecido como o maior produtor de soja, milho, algodão, girassol e carne bovina, bem como o estado que mais utiliza agrotóxicos no país77. Pignati WA, Lima FANS, Lara SS, Correa MLM, Barbosa JR, Leão LHC, et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Cienc Saude Colet. 2017;22(10):3281-93..

Em 2017, a contribuição do agronegócio para o PIB do Brasil correspondeu a 21,6%; desse total, Mato Grosso foi responsável por 50,5% em relação a outros estados brasileiros88. Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária. Agronegócio no Brasil e em Mato Grosso [Internet]. Cuiabá: Imea; 2018 [citado em 17 set 2020]. Disponível em: http://www.imea.com.br/imea-site/view/uploads/relatorios-mercado/R405_Apresenta%C3%A7%C3%A3o_MT_e_Outlook_Portugu%C3%AAs.pdf
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. No terceiro trimestre de 2017, o estado teve o maior crescimento graças ao desempenho dos principais setores da economia do estado: agropecuária (49,8%), indústria (2,6%) e serviços (1,7%)99. Mato Grosso. Secretaria de Estado de Planejamento. Informe técnico: PIB trimestral do estado de Mato Grosso: 3º trimestre do ano de 2017 [Internet]. Cuiabá: Seplan; 2018 [citado em 18 set 2020]. Disponível em: http://www.seplag.mt.gov.br/images/files/00seplan-5616-62d0573fe04ce.pdf
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.

A partir dessas informações, este estudo teve como objetivo analisar a distribuição temporal e espacial dos indicadores de AT e outros agravos à saúde relacionados à produção agropecuária de Mato Grosso no período de 2008 a 2017.

Métodos

Trata-se de um estudo ecológico de séries temporais dos indicadores de produção (agrícola, pecuária, florestal e insumos agrícolas) e saúde (incidência, mortalidade e letalidade dos AT, intoxicação por agrotóxico, acidentes por animais peçonhentos, neoplasias e malformações) nos municípios do estado do Mato Grosso nos anos de 2008 a 2017. Foram considerados 139 municípios que compõem o interior do estado e, deste modo, foram retirados os municípios de conurbação, Cuiabá (a capital do estado) e Várzea Grande.

As informações referentes aos indicadores de produção foram constituídas pelos dados de volume por hectare e de produção agrícola (tonelada) por cultura temporária (soja, milho, algodão e cana-de-açúcar) e por cultura permanente (banana, borracha e café), de pecuária (gado bovino, suíno e galináceos, por cabeça), florestal (madeira/lenha por m33. International Commission on Occupational Health. Triennial Report 2015-2017 [Internet]. Helsinki: ICOH; 2018 [citado em 15 set 2020]. Disponível em: http://www.icohweb.org/site/multimedia/pubblicazioni/Triennial%20Report%202015-17.pdf
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e carvão por tonelada) e dos insumos agrícolas (produção de calcário por tonelada), disponíveis no Sistema de Recuperação Automática do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-SIDRA), na Produção Agrícola Municipal (PAM) (1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; [citado em 29 set 2018]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/tabelas
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, na Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) (1111. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa da Pecuária Municipal [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; [citado em 28 set 2018]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/3939
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, na Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS) (1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; [citado em 27 set 2018]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/289
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, e os dados sobre os insumos agrícolas (produção de calcário por tonelada) foram solicitados e disponibilizados pela Agência Nacional de Mineração de Mato Grosso (ANM-MT).

Para estimar o consumo de litros de agrotóxicos por culturas agrícolas, utilizou-se a metodologia proposta por Pignati et al. (77. Pignati WA, Lima FANS, Lara SS, Correa MLM, Barbosa JR, Leão LHC, et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Cienc Saude Colet. 2017;22(10):3281-93.; e para calcular o indicador do “esforço produtivo”, que é definido como o número absoluto anual de determinada produção agropecuária ou florestal do município dividido pela população que contribui direta ou indiretamente nas etapas de produção agroindustrial-florestal, utilizou-se a metodologia de Pignati e Machado1313. Pignati WA, Machado JMH. O agronegócio e seus impactos na saúde dos trabalhadores e da população do estado de Mato Grosso. In: Gomez CM, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 245-72.. A unidade de medida do indicador varia conforme a produção analisada, por exemplo, hectares por habitantes. Os dados do valor adicionado bruto (VAB), que consiste no valor que cada setor econômico agrega ao valor final de tudo que foi produzido pelos municípios, estão disponíveis no site do IBGE1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produto Interno Bruto dos Municípios [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; [citado em 17 jun 2019]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9088-produto-interno-bruto-dos-municipios.html?=&t=o-que-e
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.

Os indicadores de incidência, mortalidade e letalidade por AT foram obtidos por meio da comunicação de acidente do trabalho (CAT) do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho (AEAT/MF) (1515. Brasil. Ministério da Previdência Social. Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho. Base de dados - estatísticas sobre acidente do trabalho: Previdência Social [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Previdência Social; [citado em 4 ago 2018]. Disponível em: https://www3.dataprev.gov.br/aeat/inicio.htm
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e de dados de AT notificados (CAT/WEB), de 2015 a 2017, do Observatório Digital de Segurança e Saúde no Trabalho - Smartlab de Trabalho Decente -, iniciativa conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da OIT1616. Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho [Internet]. [local desconhecido]: SmartLab; [citado em 15 ago 2018]. Disponível em: http://observatoriosst.mpt.mp.br
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. A população foi composta de trabalhadores(as) ativos(as) que integram o Regime Geral da Previdência Social, obtidos na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) (1717. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais [Internet]. Brasília (DF): Ministério do Trabalho; [citado em 27 fev 2019]. Disponível em: http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_rais_vinculo_id/login.php
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do Ministério do Trabalho e Emprego. Foram calculados indicadores: taxa de incidência (número de AT/número de trabalhadores × 1.000), taxa de mortalidade (número de óbitos/ número de trabalhadores × 100.000 para os AT em geral e ×10.000 para os AT dos municípios de Mato Grosso) e taxa de letalidade (número de óbitos/número de AT × 1.000).

A fim de verificar as taxas de incidência, mortalidade e letalidade segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas 2.0 (CNAE), estas foram desagregadas para relacionar apenas as divisões (2 dígitos), os grupos (3 dígitos) ou as classes (5 dígitos) ligados diretamente ao agronegócio, de acordo com Pignati e Machado1313. Pignati WA, Machado JMH. O agronegócio e seus impactos na saúde dos trabalhadores e da população do estado de Mato Grosso. In: Gomez CM, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 245-72., uma vez que esse termo não é utilizado para a CNAE, e foram contabilizadas como “agronegócio” de acordo com a matriz agropecuária florestal. Então, foram considerados os AT e óbitos entre trabalhadores das seguintes CNAE (códigos entre parênteses): agricultura (011 a 014); pecuária (015); preparação e fiação do algodão (131); produção florestal (02), pesca e aquicultura (03); indústria da madeira (16); abate e fabricação de produtos de carnes (101); curtimento e outras preparações de couro (151); processamento de cereais, leite e ração para animais (105, 106 e 10660); fabricação de álcool e açúcar (19314 e 107); transporte rodoviário de carga (493); preservação do pescado (102); e fabricação de biscoitos e bebidas (10929 e C11).

Os números de casos de intoxicação exógena foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-MT) (1818. DATASUS. Sistema de Informação de Agravos de Notificação: tabulação de dados: intoxicação por agrotóxico e exógena [Internet]. Brasília (DF): DATASUS; [citado em 23 maio 2018]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/Intoxmt.def
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. Dados sobre acidentes com animais peçonhentos foram obtidos do repositório de dados dos Sistemas de Informação da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (DwWeb-MT) (1919. Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. DwWeb - repositório de dados dos Sistemas de Informação da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso - acidentes com animais peçonhentos [Internet]. Cuiabá: SES-MT; [citado em 9 nov 2018]. Disponível em: http://appweb3.saude.mt.gov.br/dw/pesquisa/tema
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. Foi utilizada a população residente estimada pelo Tribunal de Contas da União2020. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades e estados [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; [citado em 5 mar 2019]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html
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. Os acidentes ocupacionais foram filtrados de acordo com os bancos de dados supracitados, no período de 2008 a 2017.

Os dados de óbitos por neoplasias e malformações congênitas foram obtidos no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) (2121. DATASUS. Mortalidade - Mato Grosso [Internet]. Brasília (DF): DATASUS; [citado em 9 set 2019]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10mt.def
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, filtrados por município e ano. Dados sobre internações por neoplasias e malformações congênitas foram obtidos no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) (2222. DATASUS. Informações de Saúde (TABNET): epidemiológicas e morbidade: morbidade hospitalar do SUS [Internet]. Brasília (DF): DATASUS; [citado em 23 jun 2019]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/nrmt.def
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, por ano e local de residência. Dados populacionais foram obtidos no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) (2323. DATASUS. Nascidos vivos - Mato Grosso [Internet]. Brasília (DF): DATASUS; [citado em 10 set 2019] Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvmt.def
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.

Foram calculadas as taxas de internações por neoplasias (número de internações/população total × 10.000) e de mortalidade por neoplasias (número de óbitos/população total × 10.000). Também foram calculadas as taxas de internações por malformações congênitas (número de internações/número de nascidos vivos × 1.000) e de mortalidade por malformações congênitas (número de óbitos/número de nascidos vivos × 1.000).

Para a análise de tendência temporal, foi utilizado o modelo de regressão linear para os indicadores de esforço produtivo, de AT e de outros agravos à saúde. Foram realizadas análises de resíduos e cálculo da variação média anual percentual por meio da razão do coeficiente de regressão em relação ao valor do indicador no início do período analisado.

Para análise de correlação, foram utilizados os indicadores (taxas de incidência, mortalidade e letalidade) de AT do agronegócio e a produção agropecuária, de suínos e de galináceos. O VAB da agropecuária referente ao triênio 2015-2017 foi estimado pela análise de correlação de Spearman e pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, que assumiu distribuição não paramétrica.

Para a criação dos mapas temáticos, utilizaram-se os indicadores de produção e saúde agrupados pelas classes da CNAE 2.0 ligadas ao agronegócio. Foram empregadas malhas digitais em formato shapefile obtidas no site do IBGEc c Malhas digitais em formato shapefile disponíveis em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/malhas-territoriais/15774-malhas.html?=&t=acesso-ao-produto. . Os indicadores foram divididos em classes conforme o critério de intervalos geométricos.

Os dados foram agrupados em tabelas e gráficos por meio do programa Microsoft Excel versão 2019. Para análise estatística, utilizou-se o software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0; e, para construção dos mapas, o programa geográfico ArcGis versão 10.5. Foi adotado o nível de significância de 5%.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisas do Hospital Universitário Júlio Müller, tendo sido aprovada em 8 de fevereiro de 2015 (Parecer nº 1.143.140).

Resultados

Os dados absolutos da produção agrícola, pecuária, florestal, mineral e de insumos, os AT e outros agravos à saúde são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Produção agropecuária, agravos à saúde dos(as) trabalhadores(as) e da população em Mato Grosso, Brasil, 2008 a 2017

A Tabela 2 apresenta a distribuição dos AT ocorridos no período de 2015-2017, segundo a CNAE 2.0, em ordem decrescente: abate e fabricação de produtos de carnes (frigoríficos) (16,9%), agricultura (12,3%), pecuária (3,5%), indústria da madeira (2,4%), processamento de cereais, óleo vegetal, ração e laticínio (2,0%), fabricação de açúcar e álcool (1,1%), entre outros, que totalizaram 41% do total dos AT ocorridos em Mato Grosso. Identificou-se que os dois maiores quantitativos de AT estão ligados diretamente à cadeia produtiva do agronegócio: em primeiro lugar, abate e fabricação de produtos de carnes (frigoríficos) (16,9%); em segundo, agricultura (12,3%); e, em terceiro, comércio varejista e atividades de atenção à saúde e serviços sociais (7,9%).

Tabela 2
Distribuição do número de acidentes de trabalho (AT), incidência, mortalidade e letalidade em Mato Grosso, Brasil, 2015 a 2017

Foram também identificadas outras atividades econômicas ligadas à produção agropecuária com acidentalidade: construção civil e pesada (6,5%), comércio por atacado (3,7%), transporte rodoviário de carga (3,2%), comércio e reparação de veículos de carga e máquinas agrícolas (2,7%), extrativismo mineral (0,8%), armazenamento, carga e descarga (0,7%), que juntas perfizeram 58,4% dos AT registrados pela CAT no estado de Mato Grosso e que estão relacionados ao agronegócio.

Entre os anos de 2015 e 2017, a taxa de incidência de AT nos municípios do interior de Mato Grosso foi de 29,5 acidentes/mil trabalhadores(as), enquanto a taxa de incidência dos 141 municípios para o mesmo período foi de 17,6 acidentes/mil trabalhadores(as), ou seja, o risco da ocorrência de AT no interior equivale a quase o dobro do risco no estado.

Na Tabela 3, estão apresentados os indicadores de produção e de saúde relacionados à produção agropecuária entre os anos de 2008 e 2017. Observou-se uma tendência de aumento nos seguintes indicadores: VAB da agropecuária com incremento de 18,0% (IC95%: 12,9;23,2), esforço produtivo (hectare/habitante) de 7,3% (IC95%: 6,1;8,6), esforço produtivo (exposição agrotóxico/habitante) de 6,2% (IC95%: 5,2;7,3), internações por neoplasias de 6,2% (IC95%: 4,1;8,3) e mortalidade por neoplasias de 3,1% (IC95%: 2,3;3,8).

Tabela 3
Indicadores de esforço produtivo por grupo de produção, acidentes de trabalho (AT) e outros agravos à saúde dos(as) trabalhadores(as) e da população de Mato Grosso, Brasil, 2008 a 2017

Nesse período, a despeito do aumento do esforço produtivo, foram observadas tendências decrescentes na incidência de AT, −4,2% (IC95%: −5,1;−3,3%); na mortalidade, −4,7% (IC95%: −6,6;−2,8%); nas intoxicações ocupacionais por agrotóxicos, −6,1% (IC95%: −8,0;−4,1%); e nos acidentes ocupacionais com animais peçonhentos, −7,3% (IC95%: −9,1;−5,5%) (Tabela 3).

Na Figura 1, observa-se nos mapas um padrão de desigualdade na distribuição espacial dos indicadores de saúde e produção no período de 2015 a 2017. Em relação aos indicadores de saúde com maiores aglomerados de incidência dos AT, estão os municípios localizados nas regiões norte (Guarantã do Norte, Colíder e Alta Floresta), nordeste (Confresa, Canabrava do Norte e Querência), noroeste (Juína, Brasnorte e Juara), médio-norte (São José do Rio Claro, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum), centro-sul (Barra do Garças, Tangará da Serra e Diamantino), oeste (Araputanga, Pontes e Lacerda e Conquista d’Oeste) e sudeste (Paranatinga, Planalto da Serra e Pedra Preta).

Figura 1
Distribuição espacial das taxas de incidência, mortalidade e letalidade por acidente de trabalho (AT), produção agropecuária e valor adicionado bruto (VAB) da agropecuária, Mato Grosso, Brasil, 2015 a 2017

Quanto aos aglomerados com maiores taxas de mortalidade e letalidade, estão os municípios localizados nas regiões norte (Apiacás, Marcelândia e Paranaíta), nordeste (Confresa, Cocalinho e Porto Alegre do Norte), noroeste (Castanheira, Porto dos Gaúchos e Tabaporã), médio-norte (Sorriso, Feliz Natal e Vera), centro-sul (Barão de Melgaço e Poconé), oeste (Comodoro) e sudeste (Planalto da Serra, Torixoréu e Alto Garças).

Em relação à produção agrícola e ao VAB, observa-se no mapa que as áreas mais escuras se localizam nas regiões médio-norte (Sorriso), oeste (Sapezal), nordeste (Querência), noroeste (Brasnorte), centro-sul (Nova Olímpia) e sudeste (Primavera do Leste). A produção total para o estado no período de 2015 a 2017 foi de 216,8 milhões de toneladas de culturas colhidas, e, atreladas a essa produção, o consumo de agrotóxicos foi de 631,4 milhões de litros. Foi verificado que o VAB da agropecuária contribuiu com 141 milhões de reais para o crescimento do PIB de Mato Grosso, principalmente nas regiões médio-norte, oeste, nordeste, noroeste e sudeste.

A produção pecuária (bovina) encontra-se em regiões opostas às da produção agrícola, uma vez que, para o cultivo de monoculturas, se utilizam grandes extensões territoriais para o plantio, o que inviabiliza a criação de gado e vice-versa. Nota-se essa situação em relação à distribuição nas regiões norte (Alta Floresta), noroeste (Juara), nordeste (Vila Rica), oeste (Vila Bela da Santíssima Trindade), centro-sul (Cáceres) e sudeste (Barra do Garças), localizadas em áreas de divisa e na região do Pantanal.

Na análise estatística, constatou-se haver correlações positivas e significativas das taxas de incidência, mortalidade e letalidade de AT no agronegócio com o VAB da agropecuária (p < 0,001) (Tabela 4).

Tabela 4
Correlação de Spearman entre as taxas de incidência, mortalidade e letalidade por acidente de trabalho (AT) do agronegócio na produção agrícola e pecuária e valor adicionado bruto (VAB) da agropecuária, Mato Grosso, Brasil, 2015 a 2017

Discussão

Entre os anos de 2008 e 2017, os dados mostraram que no estado de Mato Grosso houve uma tendência de aumento na área plantada (7,4%), na produção agrícola (7,2%), nos insumos agrícolas produção de calcário (8,9%) e uso de agrotóxicos (6,2%). Pignati, Maciel e Rigotto2424. Pignati WA, Maciel RHMO, Rigotto RM. Saúde do trabalhador. In: Rouquayrol MZ, Gurgel M, organizadores. Epidemiologia & saúde. 7a ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2013. p. 355-81. já haviam identificado essa tendência na produção agropecuária, florestal e de insumos agrícolas acompanhada de grande aumento do uso de agrotóxicos. Nos 13,9 milhões de hectares de área plantada divididos em 21 cultivos agrícolas estudados, o consumo de agrotóxicos foi de 207 milhões de litros, volume esse que coloca o estado como o maior consumidor de agrotóxicos do Brasil77. Pignati WA, Lima FANS, Lara SS, Correa MLM, Barbosa JR, Leão LHC, et al. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Cienc Saude Colet. 2017;22(10):3281-93..

Os resultados evidenciaram tendência crescente na variação percentual anual dos indicadores de esforços produtivos (hectare/habitante) com 7,4%; esforços produtivos (exposição por agrotóxico/habitante) com 6,2%; internações por neoplasias com 6,2% e mortalidade por neoplasias com 3,1%. Fraga et al. (2525. Fraga JCAXO, Corrêa ACP, Guimarães LV, Silva LA, Mozer IT, Medeiros RMK. Tendência da mortalidade masculina, 2002-2012: estudo de série temporal de uma capital do pantanal brasileiro. REME Rev Min Enferm. 2017;21:e-1054. mostraram também tendência de crescimento das neoplasias malignas masculinas (3,2%), e Santos2626. Santos ET. Distribuição geográfica e tendências temporais da mortalidade por neoplasia maligna no estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, no período de 1998 a 2007 [tese na Internet]. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; 2011 [citado em 12 abr 2023]. Disponível em: https://repositorio.ufms.br/handle/123456789/1535
https://repositorio.ufms.br/handle/12345...
observou que as neoplasias ocupam o terceiro lugar entre as principais causas de morte no Mato Grosso do Sul e em Mato Grosso.

Neste, identificou-se que as atividades econômicas do setor produtivo de abate e de fabricação de produtos de carnes (frigoríficos) e da agricultura, de 2015 a 2017, apresentaram os maiores números de AT e constatou-se que 58,4% desses acidentes estão relacionados ao agronegócio, concentrado principalmente no interior do estado. Pignati, Maciel e Rigotto2424. Pignati WA, Maciel RHMO, Rigotto RM. Saúde do trabalhador. In: Rouquayrol MZ, Gurgel M, organizadores. Epidemiologia & saúde. 7a ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2013. p. 355-81. evidenciaram que, entre 1998 e 2010, 70% dos AT em Mato Grosso estavam relacionados ao agronegócio. A redução desse percentual pode ter relação com o aumento da terceirização nos serviços e da mecanização dos processos de trabalho na cadeia produtiva do agronegócio, além da desestruturação da Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) nesses municípios, fatores que contribuem para a subnotificação dos casos.

Quanto aos AT, observou-se tendência decrescente da taxa de incidência - de 29,5 para 18,4 AT/mil trabalhadores(as) - e de mortalidade - de 27,7 para 13,5 óbitos/100 mil trabalhadores(as). Esses dados corroboram o estudo de Pinto2727. Pinto JM. Tendência na incidência de acidentes e doenças de trabalho no Brasil: aplicação do filtro Hodrick-Prescott. Rev Bras Saude Ocup. 2017;42:e10. que analisou o período de 2008 a 2013 e identificou queda na incidência dos AT típicos, das doenças e do total de AT. Wünsch Filho2828. Wünsch Filho V. Reestruturação produtiva e acidentes de trabalho no Brasil: estrutura e tendências. Cad Saude Publica. 1999;15(1):41-51., em estudo realizado no Brasil entre 1970 e 1994, mostrou redução da incidência de AT, o que pode ser reflexo de sub-registros, inclusive de acidentes leves, ou ainda reflexo da modernização da agricultura com o uso de máquinas e equipamentos, que ocasionou redução da mão de obra braçal, bem como mudança de atividades econômicas do setor industrial para o setor de serviços.

Já Almeida, Morrone e Ribeiro2929. Almeida FSS, Morrone LC, Ribeiro KB. Tendências na incidência e mortalidade por acidentes de trabalho no Brasil, 1998 a 2008. Cad Saude Publica. 2014;30(9):1957-64. acrescentam que essa redução dos AT se deve principalmente à terceirização dos serviços, além da carência de informação sobre os(as) trabalhadores(as) da economia informal, que vêm aumentando nas últimas décadas e que não estão incluídos na população estudada (apenas 5% são contribuintes da Previdência Social).

Segundo Machado e Gomez3030. Machado JMH, Gomez CM. Acidentes de trabalho: uma expressão da violência social. Cad Saude Publica. 1994;10(Supl 1):74-87., o gerenciamento dos riscos ocupacionais no ramo industrial evidencia sua fragilidade e oculta as ocorrências de AT. Em outros ramos de atividade que se localizam na zona rural, por exemplo, na agricultura e pecuária, as práticas de gestão em segurança e de risco são ainda mais vulneráveis e acabam não mostrando a realidade das ocorrências de AT. Oliveira e Mendes3131. Oliveira PAB, Mendes JMR. Processo de trabalho e condições de trabalho em frigoríficos de aves: relato de uma experiência de vigilância em saúde do trabalhador. Cienc Saude Colet. 2014;19(12):4627-35. também observaram que no setor produtivo dos frigoríficos os(as) trabalhadores(as) estão vulneráveis aos AT devido às atividades repetitivas e aos elevados desgastes psicológicos. Vasconcellos, Pignatti e Pignati3232. Vasconcellos MC, Pignatti MG, Pignati WA. Emprego e acidentes de trabalho na indústria frigorífica em áreas de expansão do agronegócio, Mato Grosso, Brasil. Saude Soc. 2009;18(4):662-72. pontuaram que a agroindústria frigorífica apresentou a maior incidência de AT no estado de Mato Grosso, com baixos salários e alta rotatividade. Outros autores observaram a fragilidade dos setores de produção com poucas ações de vigilância em saúde, em razão da terceirização e da informalidade3333. Santana V, Nobre L, Waldvogel BC. Acidentes de trabalho no Brasil entre 1994 e 2004: uma revisão. Cienc Saude Colet. 2005;10(4):841-55.. Os AT tiveram destaque nas atividades econômicas do agronegócio no estado. Em estudo realizado por Dal Magro, Coutinho e Moré3434. Dal Magro MLP, Coutinho MC, Moré CLOO. Relações de poder na atenção à saúde do trabalhador formal: o caso da indústria de abate e processamento de carnes. Rev Bras Saude Ocup. 2016;41:e4., foi evidenciado que o setor da transformação da pecuária, principalmente os frigoríficos, apresentou elevados casos de AT que acarretaram afastamentos e incapacidades permanentes aos(às) trabalhadores(as).

Essa informação ratifica a tese de que os AT estão sendo invisibilizados devido à falta de registro de sua ocorrência, seja pela ausência de percepção da sua importância, seja pela desestruturação da VISAT. Segundo Machado3535. Machado JMH. Perspectivas e pressupostos da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil. In: Gomez CM, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 67-85., nos casos de adoecimento e óbito advindos dos processos de trabalho, ações de vigilância devem ser implementadas para além da assistência à saúde do(a) trabalhador(a), com olhar para questões socioambientais.

Quando calculado o total de AT por unidade federativa (UF) do Brasil (dados não apresentados), Mato Grosso apresentou a terceira maior média nacional da taxa de incidência, com 22,4 AT/mil trabalhadores(as). Destacou-se em primeiro lugar na taxa de mortalidade, com 19,5 mortes/100 mil trabalhadores(as), sendo o triplo da média nacional, e em segundo na taxa de letalidade, com 8,7 mortes/mil acidentes, o dobro da média brasileira, o que coloca Mato Grosso como o campeão em mortes pelo trabalho em nosso país. Resultados semelhantes foram identificados por Pignati e Machado1313. Pignati WA, Machado JMH. O agronegócio e seus impactos na saúde dos trabalhadores e da população do estado de Mato Grosso. In: Gomez CM, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 245-72..

Esta pesquisa identificou que, entre as atividades econômicas ligadas ao agronegócio, o transporte rodoviário de carga teve a maior taxa de mortalidade, com 84,5 AT/100 mil trabalhadores. Outro estudo ratifica que essa atividade está entre as 20 com mais mortes no Brasil, indicando a necessidade de aumentar as ações de fiscalização do trabalho3636. Fragoso A Jr, Garcia EG. Transporte rodoviário de carga: acidentes de trabalho fatais e fiscalização trabalhista. Rev Bras Saude Ocup. 2019;44:e3..

A incidência dos AT das atividades econômicas do agronegócio no interior de Mato Grosso foi o dobro do observado para o estado. Evidenciou-se, pela distribuição espacial e temporal, que os municípios que apresentaram as maiores taxas de incidência, mortalidade e letalidade estão nas maiores regiões de produção do agronegócio, inclusive das agroindústrias, que também estão localizadas nas regiões de maior produção agropecuária.

Foram identificadas correlações significativas entre o VAB da agropecuária e as taxas de incidência, mortalidade e letalidade dos AT do agronegócio. Esse dado pode estar relacionado às taxas de intoxicação por agrotóxicos, que, após longo período de exposição impositiva e muitas vezes acidental, pode levar ao aumento de infertilidade, malformações genéticas, abortos espontâneos, diversos tipos de câncer, entre outras morbidades associadas a essa exposição3737. Grisolia CK. Agrotóxicos: mutações, câncer & reprodução. Brasília (DF): Editora UnB; 2005.. Deste modo, acaba afetando tanto a saúde ambiental quanto a das populações vulneráveis que residem em seu entorno.

Ultramari, Silva e Pignati3838. Ultramari AV, Silva AMC, Pignati WA. Ambiente de trabalho: influência da produção florestal sobre os acidentes do trabalho no estado de Mato Grosso. Cad Saude Colet. 2012;20(1):25-31. associaram a alta prevalência dos AT com a produção da carne, madeira e lenha e encontraram correlação positiva e significativa entre elas; Lara et al.3939. Lara SS, Pignati WA, Pignatti NG, Leão LHC, Machado JMH. A agricultura do agronegócio e sua relação com a intoxicação aguda por agrotóxicos no Brasil. Hygeia. 2019;15(32):1-19. correlacionaram positivamente a exposição por agrotóxicos com as incidências de intoxicação por agrotóxicos nas UF do Brasil e nos municípios produtores agrícolas em Mato Grosso.

Estudos mostram que a Vigilância em Saúde do Trabalhador, idealmente, necessita da articulação intrassetorial entre as demais vigilâncias (epidemiológica, sanitária e ambiental) para integrar ações e efetivar intervenções diretas nos processos de atuação que perpassam questões assistencialistas nos serviços de saúde66. Leão LHC, Vasconcellos LCF. Cadeias produtivas e a vigilância em saúde, trabalho e ambiente. Saude Soc. 2015;24(4):1232-43..

Quanto aos pontos positivos encontrados neste estudo, foi possível integrar uma grande quantidade de bancos de dados relacionados à saúde do(a) trabalhador(a) mato-grossense, refletindo a atual conjuntura política e econômica do país, que usa a mão de obra do trabalhador para o benefício dos grandes empresários e latifundiários, mesmo à custa da saúde dos(as) trabalhadores(as), da população em geral e do meio ambiente, que são degradados por esse processo produtivo.

Quanto às limitações do estudo, vale ressaltar que os dados são limitados aos(às) trabalhadores(as) formais registrados na RAIS e aos AT registrados no AEAT e no Observatório Digital de Saúde e Segurança no Trabalho. Foram excluídos os(as) trabalhadores(as) autônomos(as), servidores(as) públicos(as) e, principalmente, os(as) trabalhadores(as) informais, devido à falta de um banco de dados fidedigno. A informalidade vem aumentando com a flexibilização da legislação trabalhista no Brasil, os subempregos e a falta de direitos trabalhistas e de fiscalização dos processos de trabalho, fazendo com que sua tendência futura seja temerária.

Os dados secundários utilizados, apesar de frágeis, mostraram sua importância neste estudo, pois são fontes que permitem identificar os AT desde seus números absolutos até sua distribuição geográfica e evolução ao longo de uma série histórica.

Conclusão

No Brasil, o estado de Mato Grosso liderou o ranking da taxa de mortalidade, ficou em segundo lugar quanto à taxa de letalidade e em terceiro na taxa de incidência dos AT, no período de 2008 a 2017. A espacialização identificou que os AT relacionados ao agronegócio estão distribuídos nos municípios com maior produção da agricultura e pecuária, sendo o estado de Mato Grosso considerado o grande produtor e exportador da agropecuária no Brasil. Foram identificadas também correlações positivas entre os indicadores do esforço produtivo e os agravos à saúde dos(as) trabalhadores(as), e a maioria dos AT estão concentradas nas atividades de frigoríficos e agricultura.

Neste estudo, identificamos uma tendência decrescente dos AT ao longo de uma década. Percebeu-se que, com o avanço tecnológico, muitos postos de trabalho foram substituídos por máquinas em diversas etapas da cadeia produtiva do agronegócio. Esse processo contribui para a precarização do trabalho com desemprego e informalidade e foi agravado pela falta de registros adequados e pelo descumprimento das leis trabalhistas, que estão cada vez mais frágeis, em favor do modelo de capital estruturado pelo agronegócio.

Nessa perspectiva, os resultados alcançados neste estudo podem subsidiar a elaboração de estratégias de promoção e prevenção de Saúde do Trabalhador, priorizando os setores com maior número de AT. A atuação conjunta e articulada entre auditores fiscais do Ministério do Trabalho, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) estadual e as vigilâncias epidemiológicas, sanitária e ambiental possibilita realizar ações mais efetivas para intervir diretamente nas questões que envolvem a saúde do(a) trabalhador(a) e da população.

Os trabalhadores e as trabalhadoras que integram a frente agropecuária de trabalho no estado de Mato Grosso são os atores sociais que sustentam todo o crescimento do agronegócio na região. Portanto, recomenda-se fortemente a implementação de ações de VISAT voltadas a esse setor produtivo, a fim de atenuar o impacto negativo causado pelo agronegócio, oferecendo informações que evidenciam a necessidade de um modelo de agricultura sustentável para além da questão ambiental, que estabeleça como fundamental a garantia da saúde do(a) trabalhador(a).

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  • Disponibilidade de dados

    Os autores declaram que todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
  • Os autores informam que o trabalho não foi apresentado em evento científico.
  • Este trabalho é baseado na dissertação de mestrado de Nara Regina Fava intitulada “Relação dos acidentes do trabalho com o agronegócio em Mato Grosso e no Brasil, 2008 a 2017”, defendida em 2020 no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso.

Editado por

Editor-Chefe responsável:

Eduardo Algranti

Disponibilidade de dados

Os autores declaram que todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2020
  • Revisado
    07 Abr 2021
  • Aceito
    10 Maio 2021
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